Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0355/16.5BEPNF
Data do Acordão:06/27/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:FUNCIONÁRIO JUDICIAL
APOSENTAÇÃO VOLUNTÁRIA
NORMATIVO APLICÁVEL
Sumário: I - Deve ser recusada pelo tribunal a aplicação do nº1 do artigo 43º do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pela Lei nº66-B/2012, de 31.12, segundo a qual o regime aplicável a pedido de aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade é o decorrente da lei em vigor à data em que é proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação;
II - A pedido de aposentação voluntária, formulado por funcionários judiciais em Dezembro de 2013, deverão ser aplicadas as regras do regime de aposentação antecipada do DL nº229/2005, de 29.12, e não as da Lei nº11/2014, de 06.03, não obstante o despacho que lhes fixou a pensão ser de 2015.
Nº Convencional:JSTA000P24742
Nº do Documento:SA1201906270355/16
Data de Entrada:03/11/2019
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A............ E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES [CGA] interpõe o presente recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], de 14.09.2018, que, negando provimento ao seu recurso de apelação, decidiu manter a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [TAF], de 26.12.2017, a qual julgou procedente a acção intentada contra si por A…………, B…………, e C………….

Culmina assim as suas alegações de revista:

1- Verificam-se, neste caso, os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista para o STA, nos termos do disposto no artigo 150º do CPTA, já que se pretende obter uma melhor interpretação e aplicação da Lei, concretamente da norma vertida no artigo 43º do Estatuto da Aposentação [EA], na redacção conferida pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31 de Dezembro, cujo nº2 prescreve, expressamente, que «As alterações introduzidas ao Estatuto de Aposentação aplicam-se aos pedidos e prestações apresentados após a entrada em vigor da presente lei» [ou seja: 01.01.2013];

2- Estamos perante um universo alargado de subscritores que requereram a aposentação nas mesmas circunstâncias dos recorridos, cuja decisão tem impacto ao nível da determinação dos montantes das pensões, sendo que, a par da presente acção, existem dezenas de outras acções judiciais em curso sobre esta matéria nos tribunais administrativos;

3- É essencial determinar claramente, para uma melhor aplicação do direito, qual o sentido e alcance da regra constante no artigo 43º do EA, na redacção conferida pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31.12, cuja interpretação - defendida no acórdão 195/2017, de 26.04 - diverge da que sempre foi seguida pelo Tribunal Constitucional, como resulta da jurisprudência adiante citada;

4- O presente recurso justifica-se, ainda, na nossa óptica, pelo facto de esta ser uma questão que extravasa do caso concreto, suscita dificuldades superiores ao comum, e que não mereceu ainda tratamento jurisprudencial por parte do Supremo Tribunal Administrativo;

Nestes termos,

5- Os recorridos apresentaram os seus pedidos de aposentação antecipada [em 17.12.2013; 11.12.2013; e 19.12.2013 - ver 2), 11) e 21) dos Factos Assentes];

6- Nessas datas, já estava em vigor - desde 01.01.2013 - a redacção dada ao artigo 43º do EA pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31.12, onde se estabelece que as pensões são calculadas em função da lei em vigor e situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação;

7- Os recorridos não podiam desconhecer, no momento em que «requereram a aposentação antecipada» [Dezembro/2013], que as suas pensões seriam calculadas em função da lei em vigor e na situação existente à data em que viesse a ser proferido despacho a reconhecer o direito de aposentação;

8- Nem podiam, por isso, ter a expectativa de ser aposentados de acordo com o regime legal estabelecido à data do requerimento, nem terem a expectativa de serem tratados em igualdade de circunstâncias com aqueles que apresentaram os seus requerimentos antes da alteração do artigo 43º do EA pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31.12;

9- Sobre a decisão proferida pelo AC TC nº195/2017, de 26.04 - que sustenta a decisão recorrida - há que dizer, em primeiro lugar, que tal acórdão incidiu sobre situação de professores em regime de monodocência e não de funcionários judiciais;

10- Havendo, também que sublinhar que o mencionado AC TC nº195/2017 exige uma cuidada análise e profunda ponderação, na medida em que a apreciação nele feita bebeu parte da sua fundamentação em decisões que incidiam sobre a norma retroactiva constante da Lei 1/2004, de 15.01 [ver ponto 9 do AC TC nº195/2017], e não específica e concretamente sobre a regra vertida no artigo 43º do EA;

11- Este comando legal [artigo 43º do EA] não implica - como implicava o da Lei nº1/2004 - nenhuma alteração retroactiva de um regime jurídico, pelo contrário, faz apelo ao princípio «tempus regit actum»;

12- Incontornável neste processo é a factualidade de que quando os recorridos requereram a aposentação antecipada [em 17.12.2013; 11.12.2013; e 19.12.2013] já estava em vigor - há quase um ano - a redacção dada ao artigo 43º do EA pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31.12, onde se estabelece que as pensões são calculadas em função da lei em vigor e na situação existente na data «em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação»;

13- Salientando-se que o critério da data do despacho, adoptado no artigo 43º do EA, constitui o critério clássico do regime daquele Estatuto, desde a sua versão original de 1972 [DL nº498/72, de 09.12] apenas interrompido entre 2007 e 2012, pelas redacções que lhe foram dadas, primeiro pelo artigo 2º da Lei nº52/2007, de 31.08, e depois pelo artigo 1º do DL nº238/2009, de 16.09;

14- Ou seja, o critério do artigo 43º do EA, assente na data do despacho, foi sempre aplicado no cálculo das pensões da CGA desde 01.01.1973, com excepção de pouco mais de 5 anos que mediaram entre 2007 e 2012, pelo que muito surpreende que após quase 40 anos de vigência daquele critério, em sã convivência da Constituição, só agora se detecte que tal norma é, afinal, desconforme à Lei Fundamental;

15- A verdade é que a apreciação do TC, quanto a tal questão, historicamente, vai no sentido da constitucionalidade do artigo 43º do EA, importando, por isso, dizer que a apreciação feita no AC TC nº195/2017 se mostra contrária ao entendimento que tem sido defendido pelo TC no que concerne à regra prevista no artigo 43º do EA;

16- Como resulta do AC TC nº580/99, de 20.10.99 - parcialmente transcrito supra em alegações -, cuja análise incidiu em concreto sobre a norma prevista no artigo 43º do EA «O momento do reconhecimento do direito, esse sim, é o ponto de referência pelo qual a igualdade deve ser plenamente aferida»;

17- Acrescendo dizer que a jurisprudência do TC tem entendido que a tutela constitucional da confiança não abrange todo e qualquer juízo de previsibilidade que o sujeito possa fazer em face de determinado quadro normativo vigente. Com efeito, apenas colidirá com a tutela da confiança a afectação infundada e arbitrária de expectativas legítimas objectivamente consolidadas;

18- Veja-se, quanto a este particular, a jurisprudência do TC vertida nos acórdãos nº237/98 [publicado em DR, II Série, de 17.06.98], nº615/07, de 19.12.2007 - parcialmente transcritos em alegações - de acordo com os quais, as sucessivas alterações ao regime jurídico de aposentação, ainda que desfavoráveis aos respectivos interessados, não violam o princípio da segurança jurídica, salvo quando manifestamente desrazoáveis, desproporcionadas e inesperadas;

19- Veja-se, também, o AC TC nº303/09, de 21.06.2009, segundo o qual «Na verdade, como se sublinhou no citado acórdão nº99/2004, quando estão em causa as diferenças de regime decorrentes da normal sucessão de leis, há que reconhecer ao legislador uma apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão [AC nº467/2003], este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de comparação de regimes de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão no tempo, vistos - tal como aqui sucede - na perspectiva do princípio da igualdade, considerou não funcionar este princípio, enquanto exigência do texto constitucional, em termos diacrónicos.

Retomando o discurso do acórdão nº99/2004, há que reconhecer que, também no caso ora em análise, “a determinação da fronteira entre os dois regimes ocorreu, na interpretação da decisão recorrida, por referência a um critério geral, previamente definido no artigo 12º, nº1, do Código Civil [e como tal perfeitamente previsível], segundo o qual a lei só dispõe para o futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroactiva pelo legislador”, prosseguindo:

Não se verificando neste domínio normativo qualquer exigência constitucional de retroactividade da lei nova, a opção pela disposição só para o futuro - que confirma o entendimento intuitivo de que em todo o preceito jurídico está implícito um ‘de ora avante’, um ‘daqui para o futuro‘» [J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1983, página 225] - apresenta-se como uma solução racional e, de qualquer forma, situada dentro da margem de liberdade concedida ao legislador»;

20- Assim, resultando do provado que os recorridos requereram a aposentação antecipada [em 17.12.2013, 11.12.2013 e 19.12.2013 - ver 2), 11) e 21) dos Factos Assentes], haverá - reitera-se - que ter em conta que, quando aqueles requereram a aposentação antecipada, já estava em vigor - desde 2013-01-01 - a redacção dada ao artigo 43º do EA pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31.12, onde se estabelece que as pensões são calculadas «em função da lei em vigor e na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação», sendo que, por isso, não podiam os recorridos ter a expectativa de serem aposentados de acordo com o regime legal estabelecido à data do requerimento;

21- Não ocorre, portanto, qualquer violação da CRP, dado que, tendo os recorridos apresentado os requerimentos após a alteração do artigo 43º do EA pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31.12:

• Não podiam ter a expectativa de ser aposentados de acordo com o regime legal estabelecido à data do requerimento;

• Nem ter a expectativa de serem tratados em igualdade de circunstâncias com aqueles que apresentaram os seus requerimentos antes da alteração do artigo 43º do EA pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31.12;

22- Acrescendo dizer, por outro lado, que não é sequer razoável argumentar-se que a CGA teria obrigatoriamente que despachar o processo dos recorridos ainda antes da entrada em vigor da Lei nº11/2014, de 06.03, pois entre a data da apresentação dos requerimentos e 06.03.2014 [data em que entrou em vigor a referida Lei] não havia sequer decorrido o prazo geral de 90 dias para a conclusão do procedimento previsto no artigo 58º do CPA na versão então vigente.

Termina pedindo o provimento da revista, com as legais consequências.

2. Os recorridos apresentaram contra-alegações, concluindo-as assim:

A) O douto acórdão recorrido encontra-se coerente e suficientemente fundamentado, pelo que deve ser mantido;

B) De resto, os recorridos requereram a aposentação em finais de 2013;

C) A questão que a aqui se problematiza prende-se com o seguinte: qual o regime aplicável aos recorridos - o vigente à data da apresentação do pedido de aposentação ou o vigente à data do despacho da recorrente a conferir a aposentação?

D) Ora, o artigo 43º do EA aponta para o regime vigente à data do despacho da recorrente a conferir a aposentação. A questão é pertinente, uma vez que, em Março de 2014, foi publicada legislação mais penalizadora quanto ao cálculo de pensões de aposentação dos funcionários públicos;

E) No entanto, o acórdão recorrido [e já antes a 1ª instância] e o Tribunal Constitucional, analisou este artigo à luz da CRP;

F) E abordou ainda o acórdão proferido, o facto de já existirem decisões judiciais no sentido de afastar esta mesma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade;

G) Considerou o AC TC nº195/2017 que ao cindir o momento do exercício do direito à aposentação voluntária do momento determinante para efeitos de fixação do regime aplicável, a norma sindicada estabelece uma situação de incerteza sobre as consequências da decisão de o funcionário se aposentar, expondo-o à alea do dever legislativo em matéria de cálculo das pensões de aposentação; além de que o Estado subtrai, ao fixar o regime aplicável à aposentação o do momento em que é proferido despacho, o domínio sobre a matéria, com vastas implicações na sua vida e reserva para si a faculdade de, através de decisão discricionária quanto ao momento da prolação de despacho, assumir ele próprio controlo integral sobre a situação em benefício próprio;

H) Face a isso, concluiu que tal artigo, com tal entendimento, viola a vertente prospectiva do princípio da segurança jurídica, até porque há um agravamento muito desfavorável no cálculo da pensão de aposentação do recorrido: apenas é considerado 80% da remuneração relevante, quando antes era de 90%, é aumentada a idade legal para aposentação, perdem o benefício constante no artigo 37º-A nº4 do EA...

I) Por outro lado, concluiu ainda que o artigo 43º do EA viola o princípio da igualdade dado que pode gerar em si mesmo situações de desigualdade na medida em que faz depender o conteúdo do direito do momento da decisão administrativa. E se dois funcionários, reunindo os mesmos pressupostos, requeressem a aposentação em simultâneo poderiam ainda assim obter decisões distintas consoante o momento em que a Administração despachasse o seu pedido;

J) Tratando-se pois de distinção discriminatória, não fundada e sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional, o que consubstancia até total arbítrio;

K) Face ao supra exposto, o douto acórdão recorrido manteve a decisão de primeira instância que determinava a anulação dos actos administrativos determinativos do cálculo da pensão de aposentação dos recorridos, condenando a recorrente a proceder a novo cálculo da pensão de aposentação de acordo com o regime legal vigente à data em que os recorridos apresentaram os pedidos de aposentação;

L) No tocante ao argumento histórico invocado pela recorrente de que o teor actual do artigo 43º do EA é o critério clássico e que já tinha sido sindicado pelo Tribunal Constitucional sem que fosse decretada a inconstitucionalidade, impõe-se dizer que a recorrente apenas faz referência a um único acórdão de 1999, e portanto de há 19 anos atrás [os outros acórdãos mencionados não se pronunciam expressamente sobre esse artigo]; que já havia acórdãos a decretar essa inconstitucionalidade em situações concretas nos últimos anos; e que agora há pelo menos 5 acórdãos do Tribunal Constitucional já transitados em julgado a decretar a inconstitucionalidade do artigo 43º na actual versão, proferidos por diversas secções desse mesmo Tribunal Superior. Além de que esse entendimento tem sido seguido em diversos acórdãos proferidos em 1ª e 2ª instância. Pelo que a jurisprudência está a mudar e está a ser unânime no entendimento. Além de que está pendente processo de fiscalização de inconstitucionalidade com força obrigatória geral deste mesmo artigo, impulsionado pelo Ministério Público;

M) Assim, deve manter-se o douto acórdão proferido e objecto do presente recurso, recusando-se a aplicação do artigo 43º do EA no caso dos aqui recorridos por violação do princípio da segurança jurídica [quando interpretado no sentido de que se aplicam aos funcionários judiciais que apresentaram o requerimento de aposentação antes da entrada em vigor da Lei nº11/2014 de 06.03, o regime legal vigente à data da prolação do despacho que reconheceu o direito à aposentação] e da igualdade [quando interpretado no sentido de que permite aplicar aos funcionários judiciais que apresentaram o requerimento de aposentação antes da entrada em vigor da Lei nº11/2014 de 06.03, regimes legais distintos, consoante o momento da decisão administrativa e não o momento da apresentação do requerimento de aposentação] e mantendo-se a condenação da recorrente a recalcular as pensões de aposentação de acordo com a legislação vigente à data da apresentação dos requerimentos dos recorridos;

N) Pelo que, e face ao exposto, deve improceder a argumentação da recorrente no sentido de dever ser revogado o douto acórdão recorrido.

Terminam pedindo que seja negado provimento à revista, mantendo-se o acórdão recorrido nos termos em que foi proferido.

3. A revista foi admitida por este Supremo Tribunal - «Formação» a que alude o nº6 do artigo 150º do CPTA.

4. O Ministério Público entende que deve ser negado provimento à revista - artigo 146º, nº1, do CPTA.

5. Colhidos que foram os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir este recurso de revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos que nos vêm das instâncias:

1- Os autores são oficiais de justiça aposentados;

2- Em 17.12.2013, o autor A………… apresentou requerimento tendo em vista obter a aposentação antecipada, e, no mesmo dia, dirigiu ao Director da entidade demandada um requerimento escrito no qual solicitava o seguinte: «Nestes termos solicita a V. Exª se digne confirmar, antes da prolação de qualquer despacho sobre o seu pedido, se é o regime constante do citado DL nº229/2005, de 29.12, que lhe vai ser aplicado, para que o ora requerente decida sobre a manutenção ou não do seu pedido de aposentação» - ver documento de folha 23 dos autos em suporte físico;

3- Nessa data, A………… tinha 58 anos e 9 meses de idade e 34 anos de serviço;

4- Por ofício datado de 27.10.2014, os serviços da entidade demandada notificaram o autor A………… da proposta de indeferimento do seu pedido de aposentação, constando do referido ofício, de referência EAC232AN.854825/00, o seguinte: «A partir de 01.01.2013 cessou a vigência do regime especial transitório ao abrigo do DL nº229/2005, não podendo, assim, aposentar-se com fundamento naquela disposição legal» - ver documento de folha 26 dos autos em suporte físico;

5- Ao que o referido autor respondeu mediante requerimento escrito datado de 06.11.2014 - ver documento de folha 26 [verso] a 28 dos autos em suporte físico;

6- Já por ofício de 25.09.2015, o autor A………… foi notificado para se pronunciar sobre o valor previsível da pensão de aposentação e para dizer se pretendia desistir ou não da aposentação - ver documento de folha 29 dos autos em suporte físico;

7- Ao que o mesmo autor respondeu, por escrito, manifestando manter a intenção de se aposentar nas condições por si indicadas - ver documento de folha 30 dos autos em suporte físico;

8- Em 22.10.2015 foi proferido despacho pelos directores da entidade demandada, aposto sobre prévia informação que procedeu ao cálculo do montante da pensão, e que reconheceu ao autor o direito à aposentação, fixando-lhe o respectivo montante, assumindo como idade para a aposentação 59 anos e 6 meses de idade - ver documento de folha 38 do processo administrativo apenso aos autos, relativo ao autor;

9- Ulteriormente, o autor A………… foi notificado do valor definitivo da pensão, através de ofício datado de 22.10.2015, de referência EAC232AN.854825/00, do seguinte teor:

«[…]

Informo V. Exa de que, ao abrigo do artigo 97º do Estatuto da Aposentação - DL nº498/72, de 09.12 - lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 22.10.2015, da Direcção da CGA [proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, nº192 de 04.10.2013], tendo sido considerada a situação existente em 22.10.2015, nos termos do artigo 43º daquele Estatuto, na redacção dada pelo DL nº238/2009, de 16.09. O valor da pensão para o ano de 2015 é de 1.403,88€ e foi calculado, nos termos do artigo 5º, nºs 1 a 3, da Lei nº60/2005, de 29.12, alterado pela Lei nº52/2007 e com a redacção dada pelo artigo 30º da Lei nº3-B/2010, de 28.04, com base nos seguintes elementos:

P1 [Parcela da pensão com tempo de serviço até 31.12.2005]: P2 [parcela da pensão com tempo decorrido após 01.01.2006]:

Tempo Efectivo: 24A 03M Tempo Efectivo: 09A 09M

Anos civis considerados: 10A

Tempo Total: 24A 03M Taxa Anual de formação: 2,00%

Ano 2015 2005

Remuneração base: 1.956,70€ 1.712,66€ Remunerações de referência: 2.059,11€

Outras remunerações base: 0,00€ 0,00€

Outras remunerações Artigo 47º nº1 alínea b): 144,14€ 153,26€

Remuneração Total: 1.826,76€ [1] 1.752,62€ [2]

Remuneração Considerada [Lim. 12xLAS]: 1.752,62€

Factor Sustentabilidade [FS]: 0,9522

Montante de P1: 1.011,74€ Montante de P2: 392,14€

Pensão em 2015: 1.403,88€ [3]

[1] Na remuneração considerada foi aplicado o factor de redução de 0,03279 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 90,00%.

[2] Na remuneração de 2005 foi aplicado o factor de redução de 1,1741 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 80,00%.

[3] O montante da pensão foi reduzido em 4,78%, por aplicação do Factor de Sustentabilidade para o ano de 2013. […]» - ver documento de folhas 30 [verso] a 32 dos autos em suporte físico;

10- O autor A………… ficou desligado do serviço desde 01.12.2015 - ver certidão de folha 33 dos autos em suporte físico;

11- Por sua vez, a autora B…………, em 11.12.2013, apresentou requerimento tendo em vista obter a aposentação antecipada, e, por requerimento escrito datado de 31.12.2013, dirigido ao Director da entidade demandada solicitou o seguinte: «Nestes termos solicita a V. Exa se digne confirmar, antes da prolação de qualquer despacho sobre o seu pedido, se é o regime constante do citado DL nº229/2005 de 29.12, que lhe vai ser aplicado, para que a ora requerente decida sobre a manutenção ou não do seu pedido de aposentação» - ver documento de folha 34 dos autos em suporte físico;

12- Nessa data, a autora B………… tinha 35 anos de idade e 34 anos de serviço;

13- Por ofício datado de 27.10.2014, os serviços da entidade demandada notificaram a autora B………… da proposta de indeferimento do seu pedido de aposentação, constando do referido ofício, de referência EAC232AN.1152846/00, o seguinte: «A partir de 01.01.2013 cessou a vigência do regime especial transitório ao abrigo do DL nº229/2005, não podendo, assim, aposentar-se com fundamento naquela disposição legal» - ver documento de folha 35 dos autos em suporte físico;

14- Ao que a referida autora respondeu mediante requerimento escrito - ver documento de folhas 35 [verso] e 36 [frente] dos autos em suporte físico;

15- Já por ofício de 16.09.2015, a autora B………… foi notificada para se pronunciar sobre o valor previsível da pensão de aposentação e para dizer se pretendia desistir ou não da aposentação - ver documentos de folhas 36 [verso] e 37 [frente] dos autos em suporte físico;

16. Ao que a mesma autora respondeu, por requerimento escrito datado de 29.09.2015, manifestando manter a intenção de se aposentar nas condições por si indicadas, e discordando designadamente da percentagem de redução indicada de 14,5% invocando que deveria ser de 6 - ver documento de folhas 37 [verso] e 38 dos autos em suporte físico;

17- Por ofício datado de 21.10.2015, de referência UAC232CA 1152846, os serviços da entidade demandada responderam a este requerimento da autora B…………, manifestando o seu entendimento de que seriam aplicáveis ao caso os pressupostos que existiam à data em que fosse proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação - ver documento de folha 39 [frente] dos autos em suporte físico;

18- Ao que a autora B………… voltou a responder, por requerimento escrito datado de 02.11.2015 - ver documento de folhas 39 [verso] a 42 dos autos em suporte físico;

19. Em 13.11.2015, foi proferido despacho pelos directores da entidade demandada, aposto sobre prévia informação que procedeu ao cálculo do montante da pensão, e que reconheceu à autora o direito à aposentação, fixando-lhe o respectivo montante, assumindo como idade para a aposentação 59 anos e 6 meses de idade e 30 anos de serviço - ver documento de folha 58 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

20- Ulteriormente, a autora B………… foi notificada do valor definitivo da pensão, por ofício datado de 22.10.2015, de referência EAC232CA.1152846/00, do seguinte teor:

«[…]

Informo V. Exa de que, ao abrigo do artigo 97º do Estatuto da Aposentação - DL nº498/72, de 09.12 - lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 13.11.2015, da Direcção da CGA [proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, nº192 de 04.10.2013], tendo sido considerada a situação existente em 22.10.2015, nos termos do artigo 43º daquele Estatuto, na redacção dada pelo DL nº238/2009, de 16.09. O valor da pensão para o ano de 2015 é de 766,53€ e foi calculado, nos termos do artigo 5º, nºs 1 a 3, da Lei nº60/2005, de 29.12, alterado pela Lei nº52/2007 e com a redacção dada pelo artigo 30º da Lei nº3-B/2010, de 28.04, com base nos seguintes elementos:

P1 [Parcela da pensão com tempo de serviço até 31.12.2005]: P2 [parcela da pensão com tempo decorrido após 01.01.2006]:

Tempo Efectivo: 15A 10M Tempo Efectivo: 09A 10M

Tempo CNP 10A 05M

Anos civis considerados: 10A 05M

Tempo Total: 26A 04M Taxa Anual de formação: 2,00%

Ano 2015 2005

Remuneração base: 1.407,45€ 1.252,48€ Remunerações de referência: 1.522,82€

Outras remunerações base: 0,00€ 0,00€

Outras remunerações Artigo 47º nº1 alínea b): 118,99€ 110,01€

Remuneração Total: 1.350,00€ [1] 1.280,04€ [2]

Remuneração Considerada [Lim. 12xLAS]: 1.280,04€

Factor Sustentabilidade [FS]: 0,9522

Montante de P1: 517,12€ Montante de P2: 249,41€

Pensão em 2015: 766,53 [3]

[1] Na remuneração considerada foi aplicado o factor de redução de 0,01732 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 90,00%.

[2] Na remuneração de 2005 foi aplicado o factor de redução de 1,1741 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 80,00%.

[3] O montante da pensão foi reduzido em 4,78%, por aplicação do Factor de Sustentabilidade para o ano de 2013.

A pensão global encontra-se reduzida da percentagem de 14,00%, calculada nos termos do nº1 do artigo 29º da Lei 3-B/10. […]» - ver documento de folha 43 dos autos em suporte físico;

21- A autora C…………, em 19.12.2013, apresentou requerimento tendo em vista obter a aposentação antecipada, e, por requerimento escrito datado do mesmo dia, dirigido ao Director da entidade demandada solicitou o seguinte: «Nestes termos solicita a V. Exa se digne confirmar, antes da prolação de qualquer despacho sobre o seu pedido, se é o regime constante do citado DL nº229/2005, de 29.12, que lhe vai ser aplicado, para que a ora requerente decida sob a manutenção ou não do seu pedido de aposentação» - ver documento de folhas 20 a 49 dos autos em suporte físico;

22- Nessa data, a autora C………… tinha 55 anos de idade e 34 anos de serviço;

23- Por ofício datado de 03.11.2014, os serviços da entidade demandada notificaram a autora C………… da proposta de indeferimento do seu pedido de aposentação, constando do referido ofício, de referência EAC232MM.774114/00, o seguinte: «A partir de 01.01.2013 cessou a vigência do regime especial transitório ao abrigo do DL nº229/2005, não podendo, assim, aposentar-se com fundamento naquela disposição legal» - ver documento de folha 50 [frente] dos autos em suporte físico;

24- Ao que a referida autora respondeu mediante requerimento escrito datado de 13.11.2014 - ver documento de folhas 50 [verso] e 51 [frente] dos autos em suporte físico;

25- Já por ofício de 23.09.2015, a autora C………… foi notificada para se pronunciar sobre o valor previsível da pensão de aposentação e para dizer se pretendia desistir ou não da aposentação, indicando uma percentagem de penalização a aplicar de 14 - ver documentos de folha 51 [verso] dos autos em suporte físico;

26- Ao que a mesma autora respondeu, por requerimento escrito datado de 08.10.2015, manifestando manter a intenção de se aposentar nas condições por si indicadas, e discordando designadamente da percentagem de redução indicada de 14 - ver documento de folhas 52 e 53 [frente] dos autos em suporte físico;

27- Por ofício datado de 21.10.2015, de referência UAC234TM 774114, os serviços da entidade demandada responderam a este requerimento da autora C…………, manifestando o seu entendimento de que seriam aplicáveis ao caso os pressupostos que existiam à data em que fosse proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação - ver documento de folha 53 [verso] dos autos em suporte físico;

28- Ao que a autora C………… voltou a responder, por requerimento escrito datado de 05.11.2015 - ver documento de folhas 54 [verso] a 57 dos autos em suporte físico;

29- Em 16.11.2015, foi proferido despacho pelos directores da entidade demandada, aposto sobre prévia informação que procedeu ao cálculo do montante da pensão, e que reconheceu à autora o direito à aposentação, fixando-lhe o respectivo montante, assumindo como idade para a aposentação 59 anos e 6 meses de idade e 30 anos de serviço - ver documento de folha 79 do processo administrativo apenso aos autos, relativo à autora;

30- Ulteriormente, a autora C………… foi notificada do valor definitivo da pensão, por ofício datado de 16.11.2015, de referência EAC234TM.774114/00, do seguinte teor:

«[…]

Informo V. Exa de que, ao abrigo do artigo 97º do Estatuto da Aposentação - DL nº498/72, de 09.12 - lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho de 16.11.2015, da Direcção da CGA [proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, nº192 de 04.10.2013], tendo sido considerada a situação existente em 22.10.2015, nos termos do artigo 43º daquele Estatuto, na redacção dada pelo DL nº238/2009, de 16.09. O valor da pensão para o ano de 2015 é de 1.358,23€ e foi calculado, nos termos do artigo 5º, nºs 1 a 3, da Lei nº60/2005, de 29.12, alterado pela Lei nº52/2007 e com a redacção dada pelo artigo 30º da Lei nº3-B/2010, de 28.04, com base nos seguintes elementos:

P1 [Parcela da pensão com tempo de serviço até 31.12.2005]: P2 [parcela da pensão com tempo decorrido após 01.01.2006]:

Tempo Efectivo: 25A 04M Tempo Efectivo: 09A 10M

Tempo CNP 03A 09M

Anos civis considerados: 10A

Tempo Total: 29A 02M Taxa Anual de formação: 2,00%

Ano 2015 2005

Remuneração base: 1.956,70€ 1.617,52€ Remunerações de referência: 2.044,22€

Outras remunerações base: 0,00€ 0,00€

Outras remunerações Artigo 47º nº1 alínea b): 157,06€ 145,57€

Remuneração Total: 1.838,88€ [1] 1.656,03€ [2]

Remuneração Considerada [Lim. 12xIAS]: 1.656,03€

Factor Sustentabilidade [FS]: 0,9522

Montante de P1: 1.019,54€ Montante de P2: 338,69€

Pensão em 2015: 1.358,23 [3]

[4] Na remuneração considerada foi aplicado o factor de redução de 0,03338 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 90,00%.

[5] Na remuneração de 2005 foi aplicado o factor de redução de 1,1741 e a percentagem líquida de quota para a CGA de 80,00%.

[6] O montante da pensão foi reduzido em 4,78%, por aplicação do Factor de Sustentabilidade para o ano de 2013.

A pensão global encontra-se reduzida da percentagem de 13,00%, calculada nos termos do nº1 do artigo 29º da Lei 3-B/10. […]» - ver documento de folha 58 dos autos em suporte físico.

III. De Direito

1. Os autores – A…………, B………… e C………… - pediram ao tribunal a anulação dos actos administrativos que «definiram os valores mensais das suas pensões de reforma», e, em consequência, «o recálculo desses valores» pelos serviços da CGA, de acordo com a lei tal como tem vindo a ser interpretada pela jurisprudência.

Alegam, para tal, que esses serviços procederam ao cálculo das suas pensões de acordo com as regras legais vigentes à data do despacho que lhes reconheceu o direito à aposentação e não, como entendem que deveria ter sido, de acordo com as regras vigentes à data dos respectivos requerimentos de aposentação voluntária.

E isso, dizem, faz toda a diferença, porque as regras da Lei 11/2014, de 06.03 - aplicadas pelos serviços da CGA - resultam em seu prejuízo, relativamente às regras do DL 229/2005, de 29.12 - que pretendem ver aplicadas.

É certo, acrescentam, que os serviços da CGA seguiram a determinação ínsita no artigo 43º, nº1, do Estatuto da Aposentação - EA aprovado pelo DL nº498/72, de 09.12, na redacção dada pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31.12 - mas o tribunal deverá recusar a aplicação desta norma por ser «inconstitucional».

O tribunal de 1ª instância deu-lhes razão, e decidiu: a) Recusar a aplicação, no caso, do disposto no artigo 43º, nº1, do EA [aprovado pelo DL nº498/72, de 09.12, na redacção dada pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31.12], com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da segurança jurídica e da igualdade; b) Julgar a acção administrativa procedente, e, em conformidade, anular os actos impugnados e condenar a CGA a proceder a novo cálculo das pensões dos autores, tendo por base o regime legal vigente à data da apresentação dos seus requerimentos de aposentação voluntária.

O tribunal de 2ª instância negou provimento à apelação, interposta pela CGA, e confirmou o que foi decidido na sentença.

Na presente revista, a CGA aponta «erro de julgamento de direito» ao acórdão recorrido, continuando a defender que o artigo 43º, nº1, do EA [na redacção dada pelo artigo 79º da Lei nº66-B/2012, de 31.12] não é inconstitucional, e que os actos impugnados aplicaram correctamente as regras legais que se impunham.

Entretanto, note-se, o Tribunal Constitucional, conhecendo de recurso [obrigatório] interposto pelo «Ministério Público» junto da 2ª instância, decidiu [Decisão Sumária de 03.10.2018, nº769/2018, in processo nº896/18], sobre a sentença e acórdão referidos, assim: - a) Julgar inconstitucional a norma que determina que o regime jurídico aplicável a um pedido de aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade é o decorrente da lei em vigor à data em que é proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação [norma decorrente da interpretação do «artigo 43º, nº1, do EA, na redacção dada pela Lei nº66-B/2012, de 31.12»]; b) Em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

2. Esta «Decisão Sumária» do Tribunal Constitucional [doravante TC], proferida após a prolação do acórdão aqui recorrido e antes da subida do processo a este STA, limitou-se a remeter e a renovar a posição jurisprudencial constante do acórdão nº130/2018 desse tribunal, no qual foi decidido exactamente no mesmo sentido e com a seguinte fundamentação [AC TC 130/2018, de 13.03.2018, proferido no processo nº690/17]:

«11. Em primeiro lugar, é necessário aferir se existiu uma actuação pública tendente a gerar aos cidadãos em causa expectativas de continuidade. Para tal deverá atender-se a todo o regime, interpretado dentro da sua lógica sistemática e teleológica.

Nesse contexto, não há como negar que o despacho previsto no nº1 do artigo 43º do Estatuto da Aposentação se limita a reconhecer o direito à aposentação que o cidadão exerceu no momento em que a requereu. Efectivamente, tal despacho é um acto de conteúdo estritamente vinculado face ao exercício do direito do cidadão à aposentação, que ocorre na data do requerimento, independentemente do momento em que a CGA reconhece esse direito.

Ora, quando o cidadão requer a aposentação, no exercício do seu direito, naturalmente deverá conhecer quais serão as regras jurídicas que são aplicáveis à sua pensão. Só dessa forma pode prever, em consciência, as consequências jurídicas do seu acto - a ordem jurídica não lhe pode exigir a tomada desta decisão, tão importante para a sua vida futura, sem que exista ao menos a possibilidade de conhecer esse regime. No limite, o requerente confiará na aplicação do regime jurídico que se encontra em vigor, pois só esse é o conhecido, e só ele pode ser tido em conta por si como factor determinante para a manifestação da sua vontade aquando da apresentação do requerimento. Mas tal não é garantido. Não se pode, pois, negar a existência de uma dimensão subjectiva, de expectativa genérica do requerente de o regime a que estará sujeita a sua pensão ser determinável e cognoscível.

É certo que existe a necessidade de distinguir o momento em que se subjectiva o direito a uma pensão de reforma e o momento em que se subjectiva o direito ao montante da pensão [Acórdão 158/2008, 2ª Secção, ponto 2.2., citando o Acórdão nº330/93, último parágrafo do nº8]. No entanto, estamos perante um problema distinto - não se está a discutir qual o regime jurídico que deve ser aplicado ao requerente, mas a expectativa que este tem de conhecer qual é esse regime no momento em que requer a aposentação. Trata-se de um problema de indeterminação normativa de qual será o regime aplicável à aposentação no momento em que esta é requerida.

Face à natureza estritamente vinculada do acto da Administração, e à importância do regime que lhe será aplicado para o seu futuro, tem que se reconhecer que o interessado, no momento em que requer a aposentação, tem uma legítima expectativa de conhecer ou poder conhecer tal regime. É uma expectativa legítima porque fundada no princípio do Estado de Direito e no princípio da legalidade. Estando a Administração Pública vinculada ao Direito e, mais especificamente, ao princípio da legalidade, não pode a lei atribuir-lhe tal margem de discricionariedade quanto à determinação do regime aplicável que coloque o cidadão numa posição de incerteza absoluta, de impossibilidade de antecipação do seu futuro. Como referido no Acórdão nº615/2007, ponto 8, perante situação semelhante A aplicação de um ou de outro regime jurídico baseia-se na álea administrativa de os serviços enviarem o processo de aposentação para a Caixa Geral de Aposentações, mais cedo ou mais tarde, ficando assim dependente do acaso e não de qualquer critério objectivo, o que viola o princípio do Estado de Direito [artigo 2º da CRP]. No momento do requerimento o cidadão tem a expectativa juridicamente fundada de conhecer o regime que será aplicável nomeadamente ao cálculo da sua pensão.

Ora, a norma objecto de fiscalização torna impossível ao requerente conhecer o regime aplicável, ao admitir a aplicação de um regime distinto do existente no momento do requerimento, e desconhecido e imprevisível, por parte do cidadão, sem qualquer limite, dependendo a determinação do regime aplicável apenas de um acto da Administração. O cidadão é remetido para uma posição de incerteza quanto ao regime que lhe será aplicado, apenas determinado pelo momento em que a administração pratica o despacho de reconhecimento, dentro da sua discricionariedade. Dessa forma, é claro que se frustra a legítima expectativa do cidadão de cognoscibilidade desse regime no momento de exercício do seu direito.

É por contradizer essa legítima expectativa que a norma em causa está a ser apreciada. Efectivamente, o problema em discussão é a excessiva indeterminação da norma quanto ao regime que é aplicável. Nesse caso, não faz sentido afirmar que face ao teor do artigo 43º, nº1, do EA, não se vê como os funcionários que requerem a aposentação […] possam alimentar qualquer expectativa razoável na estabilidade do regime vigente nesse momento [AC nº195/2017, ponto 11]. Tal equivaleria a utilizar a norma objecto de apreciação por violação do princípio da tutela da confiança devido à sua indeterminação para afirmar a inexistência de legítimas expectativas [logo, a necessária não violação do princípio da tutela da confiança] precisamente por causa dessa indeterminação. Esta seria uma fundamentação circular, em que a própria existência da norma funda a sua não inconstitucionalidade. A seguir semelhante entendimento, a tutela da confiança não teria qualquer conteúdo útil como norma de controlo nestes casos, porque, naturalmente, a existência de uma norma que lhe fosse contrária sempre destruiria quaisquer legítimas expectativas. O problema que deve ser objecto de análise é exactamente o facto de a norma, por existir, contraditar as legítimas expectativas dos cidadãos.

12. Terá, pois, que se concluir pela verificação de existência de legítimas expectativas dos cidadãos no conhecimento do regime aplicável à sua aposentação, nomeadamente ao cálculo da sua pensão, no momento em que a requerem. Nesse momento, é inegável que as pessoas em causa terão feito os seus planos de vida tendo em conta a possibilidade de saber qual seria o determinado nível de pensão aplicável.

Resta então aplicar o teste de proporcionalidade em sentido estrito à situação em presença, identificando o interesse público em presença que justifica, aos olhos do legislador, a lesão da legítima expectativa do cidadão.

O Acórdão nº158/2008, ponto 2.2., refere uma justificação possível para a norma: Como anota António José Simões de Oliveira [Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado, Coimbra, 1973, página 119], esta norma - tendo por pressuposto a conveniência de uma verificação administrativa do direito de requerer a aposentação - visou acautelar as situações em que entre a data do requerimento e a da resolução do processo de aposentação decorra largo tempo, no decurso do qual o funcionário, em princípio, se manteve ao serviço, com mais tempo aproveitável para a aposentação e eventual superveniência de outras alterações relevantes, designadamente ao nível remuneratório, sendo manifestamente injusto, em tal quadro, calcular a pensão à data do requerimento [No sentido da inconstitucionalidade da referida norma se interpretada no sentido de aplicar alterações de regime desfavoráveis ao interessado surgidas após a data do requerimento - questão que não está em causa no presente recurso - ver José Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação, Coimbra, 2003, página 161]. No entanto, se o interesse público prosseguido for o de permitir a contagem do tempo de serviço entretanto decorrido, a questão escapa à presente análise, por esta apenas dizer respeito à determinação do regime legal aplicável a determinado pedido de aposentação e não à situação de facto a ser tida em conta. Se o interesse público justificativo for a possibilidade de aplicação de regime legal superveniente mais favorável ao requerente, então no caso presente tal não poderá prevalecer, pois da aplicação da norma em causa resulta uma situação mais lesiva para o cidadão.

Um outro interesse público que pode ser identificado é o da sustentabilidade do sistema de aposentações. De facto, pode ser argumentado que existe um interesse geral em que uma determinada alteração ao regime de pensões, fundada na garantia da sua sustentabilidade, vigore de forma mais abrangente possível. Esta é uma área em que deve ser assegurada uma grande margem de discricionariedade para o legislador, como o Tribunal Constitucional tem admitido.

No entanto, o sacrifício que é imposto ao cidadão, por esta norma, mesmo à luz deste interesse público, revela-se excessivo. Ao requerer a aposentação, no momento em que está a exercer esse seu direito, o requerente não tem forma de antecipar, com o mínimo de certeza, qual o regime que lhe será aplicável, se o que se encontra em vigor, se um qualquer outro. Trata-se de uma situação de absoluta dependência da discricionariedade administrativa quanto ao momento em que o despacho de reconhecimento é proferido. A norma em causa coloca, pois, o requerente numa situação de total incerteza e insegurança de qual será o regime aplicável ao seu futuro e ao montante e condições da sua pensão após ter requerido a aposentação. Esse carácter absoluto da incognoscibilidade do regime aplicável ao cidadão torna excessiva a norma objecto de fiscalização, levando à inelutável conclusão de que existe uma violação do princípio da tutela da confiança.

É por esse motivo que a norma que determina que o regime jurídico aplicável a pedido de aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade é o decorrente da lei em vigor na data em que é proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação, decorrente da interpretação do artigo 43º, nº1, do EA [na redacção dada pela Lei nº66-B/2012, de 31.12], é também julgada inconstitucional por violação do princípio da tutela da confiança, decorrente do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição.

13. O acórdão recorrido também desaplicou a norma objecto de fiscalização por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, nº1, da Constituição.

O princípio da igualdade não proíbe o legislador da realização de todas e quaisquer distinções, mas aqui apresenta-se, como decorrência do artigo 13º, nº1, da CRP, como limite objectivo da discricionariedade legislativa, proibindo o arbítrio. O legislador, no âmbito da sua liberdade de conformação, pode estabelecer diferenciações de tratamento, desde que fundadas racional e objectivamente e ditadas pela razoabilidade [ver, neste sentido, por exemplo, o Acórdão nº609/2017, ponto 11]. Ora, a circunstância de a norma em causa colocar os cidadãos numa situação de absoluta dependência da discricionariedade administrativa relativamente ao regime jurídico que lhes é aplicável - que funda o juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio da tutela da confiança - justifica que se conclua pela violação também do princípio da igualdade [artigo 13º, nº1, da Constituição]. Efectivamente, se a norma em causa não contém critério, prévio e cognoscível, que permita ao cidadão conhecer o regime e o limite a discricionariedade da administração, ela permite o tratamento diferenciado de dois cidadãos, em posição idêntica, que tenham requerido a aposentação simultaneamente, sem que exista qualquer fundamento material suficiente justificante.»

E, com fundamento neste arrazoado jurídico, decidiu «a) Julgar inconstitucional a norma que determina que o regime jurídico aplicável a um pedido de aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade é o decorrente da lei em vigor na data em que é proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação, decorrente da interpretação do artigo 43º, nº1, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pela da Lei nº66-B/2012, de 31 de Dezembro, e b) Em consequência, negar provimento ao recurso.»

A «Decisão Sumária», proferida a respeito da questão de «inconstitucionalidade» suscitada no âmbito desta acção administrativa, e tomada no sentido, e com os fundamentos jurídicos acabados de citar, constitui «caso julgado formal», razão pela qual se encontra definitivamente decidida. O que «põe termo» à principal questão que é trazida, de novo, pela recorrente CGA, a este tribunal de revista.

Mas não só. É que, entretanto, o TC proferiu «acórdão nº134/2019», datado de 27.02.2019 [processo nº716/18], no qual declarou a inconstitucionalidade, com «força obrigatória geral», da norma «do segmento do artigo 43º, nº1, do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pela Lei nº66-B/2012, de 31.12, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação, com fundamento nos artigos 2º e 13º da Constituição.»

Perante esta declaração de inconstitucionalidade, que se impõe em todos os casos em que esteja em causa a aplicação «desse segmento da dita norma», deixa de fazer sentido sublinhar, como faz a recorrente, que a norma constitui o «critério clássico» do Estatuto da Aposentação, ou as divergências jurisprudenciais que a seu respeito ocorreram, ao longo do tempo, no seio do próprio TC.

E perante uma norma assim declarada inconstitucional, é irrelevante que o pedido de aposentação dos recorridos [feito em Dezembro de 2013] tenha sido «apresentado» já depois da sua existência na ordem jurídica [desde 01.01.2013, data da «entrada em vigor» da Lei nº66-B/2012, de 31.12 - ver seu artigo 265º]. A recorrente CGA, na verdade, pretende retirar, desta constatação, dividendos argumentativos em prol da inexistência, no caso, de uma legítima expectativa por banda dos recorridos, pois, a seu ver, quando eles requereram a aposentação já sabiam que ela se iria reger pela lei em vigor no momento em que fosse proferido despacho a reconhecer-lhes esse direito. Porém, após as referidas decisões do TC, este tipo de «considerações argumentativas», que visam minar a sua repercussão no presente caso, tornaram-se inócuas.

3. Isto significa, que deverá ser aplicado aos pedidos de aposentação voluntária formulados pelos autores em Dezembro de 2013 - note-se que o autor A………… atingiu, entretanto, a idade normal para a aposentação - o regime de aposentação antecipada previsto no DL nº229/2005, de 29.12 - como eles pretendem - pois estava em vigor nessa data, e mais, como resulta dos seus requerimentos, foi expressamente ao seu abrigo que eles «efectivaram o seu direito de aposentação». Nada mais foi problematizado, no recurso de revista, a este respeito.

Na medida em que assim decidiu, ao confirmar a sentença da 1ª instância, o acórdão recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação do direito, e deve ser confirmado.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento a este recurso de revista, e, em conformidade, manter o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Junho de 2019. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.