Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0923/13
Data do Acordão:11/13/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
IMPROCEDÊNCIA
FALTA
REVISÃO OFICIOSA
CASO JULGADO
Sumário:Não ocorre a exceção do caso julgado se, apesar de ter sido julgada improcedente anterior impugnação judicial instaurada pela devedora originária com fundamento em inexistência de pedido de revisão oficiosa da matéria tributável, o responsável subsidiário instaura ele próprio impugnação relativa ao mesmo imposto ao abrigo do nº 4 do artº 22º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P16577
Nº do Documento:SA2201311130923
Data de Entrada:05/23/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A………………., com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Loulé de 17.10.2012, que, julgando procedente a exceção do caso julgado, absolveu a Fazenda Pública da instância, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

1ª). Vem o presente recurso interposto da sentença que absolveu a Fazenda Pública da instância, por considerar o tribunal recorrido que existiu a exceção de caso julgado.

2ª). O recorrente impugnou o ato de liquidação de IRC de 2006, na sequência de citação por reversão, na execução fiscal que corre contra a empresa B…………….., Lda.

3ª). E, o ora recorrente, impugnou judicialmente a liquidação supra id., atento o disposto no artº. 21°, n.° 4 da LGT.

4ª). O Tribunal a quo porém considerou verificada a exceção de caso julgado, porquanto, a dita B………………., Lda., já havia procedido a impugnação judicial, com idêntica causa de pedir e pedido, embora os sujeitos não sejam idênticos, o que não impedia no entendimento daquele tribunal que a citada exceção se verifique.

5ª). Ademais entendeu o tribunal recorrido que apesar de ao recorrente lhe ser facultado o direito à impugnação judicial em apreço, nos termos do artº. 22°, n° 4 da LGT, facto a questão já havia sido decidida e transitado em julgado no âmbito do Proc. nº 273/10.0BELLE, constante em apenso nestes autos.

6ª). Porém, no processo n° 273/10.0BELLE não houve decisão proferida sobre o mérito da impugnação então apresentada, houve sim improcedência do pedido, porquanto, entendeu o Juiz de julgamento, confirmado em recurso pelo STA, que a impugnante (devedora originária) não praticou o ato de reclamação prévio previsto no artº. 91º da LGT.

7ª). Sendo que, em momento algum, previamente, foi por qualquer tribunal apreciada a questão de mérito peticionada tanto pela impugnante B………………, Lda. ou pelo ora recorrente.

8ª). O Tribunal recorrido considerou pois que a exceção de caso julgado estava verificada, atento o disposto no artº. 497° e 498º do CPC.

9ª). Porque havia identidade de pedido e causa de pedir, embora os sujeitos processuais não sejam idênticos.

10ª). Isto apesar de nunca ter havido sentença de mérito sobre a relação material controvertida apresentada no processo n° 273/10.0BELLE.

11ª). O recorrente entende, pois, que a exceção de caso julgado não se verificou, porquanto;

12ª). Caso julgado é aquele em que se repete uma causa idêntica quanto ao pedido, causa de pedir e identidade dos sujeitos.

13ª). É assim necessário para a verificação da exceção de caso julgado que a sentença proferida inicialmente haja decidido do mérito da causa, ou seja, que um tribunal profira decisão sobre a relação material controvertida, para que dessa forma tal decisão passe a ter força obrigatória dentro e fora do mesmo, com o alcance previsto no artº. 497º e 498° ambos do CPC.

14ª). Sendo que, a sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, sendo que, a parte que não cumpriu um prazo ou praticou determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique ou o prazo se preenchia ou o facto se pratique.
Com efeito,

15ª). A decisão proferida nos autos 273/10BELLE somente decidiu uma questão processual, que se traduzia na não apreciação do pedido da empresa B………………, Lda., por falta desta ter omitido o comportamento de reclamar previamente nos termos do artº 91º da LGT.

16ª). Tal decisão formal faz caso julgado formal, bem diferente, se a sentença então proferida decidisse sobre o mérito da questão material controvertida apresentada em sede impugnatória pela devedora originária B………………, Lda.

17ª). É pois preclaro que a decisão proferida nos autos 273/10. 0BELLE, que consta no apenso integrado nos presentes autos, somente obteve caso julgado formal, sendo que, nunca foi proferida qualquer decisão de mérito sobre a questão controvertida apresentada pela então B……………….., Lda.

18ª). E, por conseguinte não pode pois o Juiz a quo considerar, como considerou, haver uma exceção de caso julgado material, que motivaria pois a improcedência do pedido de impugnação articulado pelo ora recorrente.

19ª). Tudo isto nos termos previstos da conjugação dos arts. 497°, 498°, 671° n° 1, 672° e 673° do CPC.

20ª). O recorrente é também terceiro em relação à impugnação apresentada pela empresa B…………………, Lda., com direito de impugnação previsto nos termos do artº. 22°, n° 4 da LGT.

Nestes termos e nos melhores de direito, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso proceder, por provado, e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada, por não verificada a exceção de caso julgado, sendo substituída por outra que ordene os ulteriores termos processuais até final.

II. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 154/155 no qual defende a procedência do recurso, uma vez que ao contrário do decidido, não ocorre caso julgado.

III. Com interesse para a decisão foram dados como provados os seguintes fatos:

1º) Em 2010, B……………….., LDA., apresentou a Petição Inicial da Impugnação Judicial que correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé sob o n.° 273/10.0BELLE e que deduziu contra a liquidação de IRC do exercício de 2006, tendo sido julgada improcedente - cfr. fls. 65-74 do apenso.

2º) A Impugnante interpôs recurso e, por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de maio de 2011 - processo n.° 262/11, transitado em 9 de junho de 2011, foi negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida, já que “a Impugnação Judicial deduzida pela ora recorrente carece de um pressuposto procedimental tal imperativo, traduzido na prévia reclamação, concretizada no pedido de revisão da matéria tributável, em cujo âmbito se inscreve a apreciação dos pressupostos da determinação indireta da matéria coletável (artigos 86º, n.° 5, e 91°, nºs 1 e 14º da LGT e 117º, nº 1, do CPPT” - cfr. fls. 56-81 e 119 do apenso.

3º) Em 16 de dezembro de 2011, o Processo de Execução Fiscal n.° 1112-2010/01025309 que corria termos contra B……………….., LDA., reverteu contra A……………… - cfr. fls. 100 do apenso.

4º) Em 22 de fevereiro de 2012 foi deduzida a presente Impugnação - cfr. fls. 5 dos autos.

IV. Colhidos os vistos legais cumpre agora decidir.

IV.1. Conforme resulta da petição inicial de fls. 1 e segs., o recorrente veio, ao abrigo do disposto no artº 22º, nº 4 da LGT, impugnar a liquidação da dívida da responsabilidade de B…………………., Ldª que contra si reverteu no respetivo processo de execução fiscal.

Invocou o recorrente que a prestação de serviços feita pela executada em Espanha e referente à liquidação de 2006 não constitui aquisição intracomunitária.

Está também provado nos autos que a executada deduzira oportunamente impugnação judicial relativamente à mesma liquidação adicional de IRC de 2006, tendo esta sido julgada improcedente porque, tendo a matéria coletável sido apurada com recurso a métodos indiretos, não foi previamente feito o pedido de revisão da matéria tributável (fatos 1º e 2º do probatório supra).

IV.2. A decisão recorrida entendeu que ocorreu caso julgado, uma vez que a executada havia deduzido a referida impugnação que foi julgada improcedente, tendo esta decisão transitado em julgado.

IV.3. Contra este entendimento vem o recorrente insurgir-se argumentando da forma seguinte:

Caso julgado é aquele em que se repete uma causa idêntica quanto ao pedido, causa de pedir e identidade dos sujeitos, sendo necessário, para a sua verificação, que a sentença proferida inicialmente haja decidido do mérito da causa, ou seja, que um tribunal profira decisão sobre a relação material controvertida, para que dessa forma tal decisão passe a ter força obrigatória dentro e fora do mesmo, com o alcance previsto no artº. 497º e 498° ambos do CPC.

A sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, sendo que não obsta a que a parte que não cumpriu um prazo ou praticou determinado facto, o pedido se renove quando a condição se verifique ou o prazo se preenchia ou o facto se pratique.

A decisão proferida nos autos 273/10.0BELLE somente decidiu uma questão processual, que se traduzia na não apreciação do pedido da empresa B………………., Lda., por falta desta ter omitido o comportamento de reclamar previamente nos termos do artº 91º da LGT.

Assim, é claro que a decisão proferida nos autos 273/10.0BELLE, que consta no apenso integrado nos presentes autos, somente obteve caso julgado formal, sendo que, nunca foi proferida qualquer decisão de mérito sobre a questão controvertida apresentada pela então B………………, Lda.

E, por conseguinte não pode pois o Juiz a quo considerar, como considerou, haver uma exceção de caso julgado material, que motivaria pois a improcedência do pedido de impugnação articulado pelo ora recorrente.

Por outro lado, o recorrente é também terceiro em relação à impugnação apresentada pela empresa B………………., Lda., com direito de impugnação previsto nos termos do artº. 22°, n° 4 da LGT.

IV.4. O MºPº, no parecer acima referido, pronuncia-se também pela inexistência do caso julgado.

Vejamos então se a decisão recorrida deve ou não manter-se.

V. Acompanhando o MºPº e o recorrente, desde já adiantaremos que este tem razão.
Na verdade, a exceção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença transitada em julgado não suscetível de recurso ordinário (artigo 497.°, nº 1 do CPC).

Por outro lado, com a exceção visa evitar-se que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (artigo 497.°/2 do CPC).

Uma causa repete-se quando se põe uma causa idêntica a outra quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir (artigo 498.°/1 do CPC).

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico artigo 498.°/2/3/4 do CPC.

As sentenças que recaiam unicamente sobre a relação processual, questões e incidentes fazem, apenas, caso julgado formal e só têm força obrigatória dentro do processo (artigos 96.°/2 e 672.° do CPC).

A sentença só constitui caso julgado material nos precisos limites e termos em que julga (artigo 673.° do CPC).

Ora, no caso concreto dos autos, inexiste caso julgado material, uma vez que na outra ação não se conheceu do mérito da causa, por se ter considerado que o ato tributário sindicado era inimpugnável por omissão da reclamação prévia para a Comissão de Revisão, nos termos do disposto no artigo 91º da LGT.

Portanto, ocorre apenas caso julgado formal quanto a essa questão, só tendo força obrigatória dentro do respetivo processo.

De acordo com o disposto no artigo 22.°/4 da LGT o recorrente pode deduzir impugnação judicial.

Assim sendo, não se verifica identidade de sujeitos uma vez que o recorrente e a devedora originária não são as mesmas partes do ponto de vista da sua qualidade jurídica.

De facto, a devedora originária é a devedora principal do tributo sindicado, enquanto o recorrente é apenas devedor subsidiário, não sendo este sucessor (sucessão mortis causa ou por transmissão entre vivos) na posição jurídica substantiva daquela.

Pelo que ficou dito, não se verifica a exceção dilatória de caso julgado, pelo que a decisão recorrida não pode manter-se.

VI. Nestes termos e pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para prosseguimento da normal tramitação.

Sem custas.

Lisboa, 13 de novembro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Casimiro Gonçalves.