Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0927/17
Data do Acordão:08/09/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:DESPACHO
INDEFERIMENTO LIMINAR
RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
MODIFICAÇÃO OBJECTIVA DA INSTÂNCIA
Sumário:I – O despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial.
II - Por força do disposto no artº 64º do CPTA, aplicável ex-vi artº 2º, al.c) do CPPT, é admissível a possibilidade de modificação objectiva da instância nas situações em que, na pendência do processo de reclamação das decisões do órgão da execução fiscal, seja proferido acto revogatório com efeitos retroactivos do acto reclamado, acompanhado de nova regulação da situação.
Nº Convencional:JSTA00070309
Nº do Documento:SA2201708090927
Data de Entrada:07/21/2017
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPC13 ART615 N1 D ART608 N2 ART3.
CPTA ART64.
CPPTRIB99 ART2 ART277.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC030/11 DE 2011/11/26.; AC STA PROC01476/12 DE 2013/05/15.; AC STA PROC0150/13 DE 2013/10/23.; AC STA PROC069/14 DE 2014/05/21.; AC STA PROC0509/13 DE 2014/03/06.; AC STA PROC0377/12 DE 2012/09/26.; AC STA PROC0212/12 DE 2012/05/16.; AC STA PROC0766/10 DE 2011/01/12.; AC STA PROC0765/10 DE 2011/02/24.
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO ALMEIDA, CARLOS FERNANDES CADILHA - CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 3ED PAG417 PAG429.
CARLOS FERNANDES CADILHA - DICIONÁRIO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO PAG393.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem a Sociedade A…………, Ldª com os demais sinais dos autos, interpor recurso da sentença do TAF de Viseu de 09.06.2017 que, nos presentes autos de reclamação de actos do órgão da execução fiscal, julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. A interpretação sufragada pelo Tribunal a quo, quanto ao esvaziamento de objecto da Reclamação apresentada, por força da “revogação” do primitivo acto reclamado, viola o disposto no artigo 79.° da LGT e 173°, nº 2, do CPA, assim como o normativo ínsito no artigo 277°, alínea e) do CPC, aplicável ex vi o artigo 2°, alínea e) do CPPT, quanto à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide
B. Violação esta que fere a decisão revidenda de nulidade, por violação de lei, nos temos do artigo 161°, n.° 2, alínea d) do CPA aplicável por força do disposto no artigo 2°, n.° 2, alínea d) do CPPT, conquanto
C. A apelidada “revogação” do acto reclamado consubstancia não uma revogação, mas sim uma substituição nos termos do disposto no artigo 173°, n.° 2 do CPA e no artigo 79.° da LGT, por força da reconhecida omissão de pronúncia quanto ao primeiro pedido formulado,
D. O que se subsume a uma revogação apenas parcial do acto,
E. Sendo que o novo acto passa a fazer parte integrante do primeiro
Assim,
F. Tendo o órgão reclamado indeferido a pretensão aduzida pela Recorrente, manifesto se torna que mantém a recorrente interesse atendível em ver apreciada a sua discordância quanto ao indeferimento do pedido de reactivacão do P.E.R.E.S. por prescrição de formalidade essencial que inquina a validade do acto radicada na omissão de notificação à recorrente, nos termos melhor expostos em sede de Reclamação.
Ademais,
G. E por força da errada interpretação perfilhada pela decisão recorrida das normas contidas nos artigos 79.° da LGT e 173°, n.º 2, do CPA, concatenado com o consignado no ponto 6. dos factos dados como provados, é manifesto que padece a sentença de nulidade por omissão nos termos do disposto no artigo 125°, n.° 1, do CPPT e no artigo 615°, n.°s 1, alínea d) e 4, do CPC, sobre o primeiro pedido da Reclamação apresentada, tendo em conta o indeferimento a que a entidade reclamada o votou a qual se invoca com as legais consequências e à qual acresce ainda
H. A nulidade por contradição entre os seus fundamentos e a decisão proferida nos termos do disposto no artigo 125°, n.° 1, do CPPT e no artigo 615°, n.°s 1, alínea c) e 4, do CPC, porquanto, por um lado, dá-se como provado que: 6: Entretanto, por despacho datado de 20.04.2017 o Sr. Chefe de Divisão aprecia e decide os dois pedidos formulados pela Reclamante no requerimento datado de 27.02.2017 indeferindo o primeiro e deferindo o segundo - fls. 42/45 dos autos, e por outro, em sede de decisão, consigna-se que Volvendo ao caso em apreço nos autos, conforme resulta da factualidade assente o despacho Sr. Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Viseu, datado de 20.03.2017, objeto dos presentes autos, foi revogado nos termos do artigo 277.º do C.P.P.T. pelo que já não existe na ordem jurídica. Ora, se o ato reclamado for revogado, ficará sem objeto a reclamação, extinguindo-se o respetivo incidente por impossibilidade superveniente da lide [cfr. artigo 277.º, alínea e) do C.P.C. aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do C.P.P.T.] -, ressumbrando patente que a pretensão da Recorrente não foi apreciada, como num primeiro passo se reconhece, contrariamente ao que se decide quando se declara extinta a instância por inutilidade da lide por revogação do acto reclamado,
I. A qual deverá ser declarada com as legais consequências.
Termos em que, na procedência dos fundamentos e das nulidades ora invocadas, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie a Reclamação apresentada, assim se fazendo a Costumada Justiça.»

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer que, na parte relevante, se transcreve:
«(…..) São as conclusões da alegação que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, ou seja, o espaço de intervenção do tribunal ad quem, salvo quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos que constem dos autos e que não se mostrem cobertas pelo caso julgado — cfr. os arts. 635.° e 639°, ambos do CPC, ex vi do art. 2.° do CPPT.
Nelas invoca a ora Recorrente, além do mais, a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia e a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão proferida.
Não lhe assiste razão, salvo melhor entendimento.
A omissão de pronúncia consiste no incumprimento do dever que a lei impõe ao juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sendo geradora de nulidade, nos termos do art. 125° n° 1 do CPPT e art. 615.º, n° 1, al d) do CPC quando o conhecimento da questão ou questões omitidas não esteja prejudicado pela solução dada às demais questões que se suscitem no processo, como manifestamente ocorre nos autos; a decisão no sentido da extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, prejudicou a apreciação das demais questões que se suscitavam nos autos.
Inexiste, por outro lado, a nulidade que os ora Recorrentes fundam na contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida.
Essa nulidade, como esclarece Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e comentado, 5.ª Edição, Vol. 1, p. 910, apenas ocorre “quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão” e, manifestamente, esse não é o caso.
Parece, aliás, salvo o devido respeito, haver uma certa confusão entre os vícios geradores da nulidade da sentença, como é o caso da omissão de pronúncia e da oposição entre os fundamentos e a decisão, com os vícios geradores da eventual nulidade ou anulabilidade dos actos da administração, vícios estes que são próprios dos actos contenciosamente sindicados e não vícios da sentença (cfr. Conclusões G e H).
Quanto ao mais, igualmente se me afigura que o recurso não merece ser provido.
Sustenta a ora Recorrente, na Conclusão A do seu texto alegatório, que a ‘interpretação sufragada pelo Tribunal a quo, quanto ao esvaziamento do objecto da Reclamação apresentada, por força da “revogação” do primitivo acto reclamado, viola o disposto no artigo 79.° da LGT e 173°, n.° 2 do CPA, assim como o normativo ínsito no artigo 277.º, alínea e) do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, quanto à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide’
Porém, não se alcança em que medida a sentença recorrida possa ter violado o art. 79.° da LGT e o art. 173°, n.° 2 do CPA.
O que dispõe o primeiro desses preceitos é que “o acto decisório pode revogar total ou parcialmente acto anterior ou reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão”.
Já o segundo dispõe que “a substituição de um ato administrativo anulável, ainda que na pendência de processo jurisdicional, por um ato válido com o mesmo conteúdo sana os efeitos por ele produzidos, assim como os respetivos atos consequentes”.
Ora, como resulta do probatório, o que se passou foi que, tendo sido deduzida Reclamação do despacho de 20.03.2017, nos termos e com os fundamentos constantes da p.i. (pontos 2 e 3 dos factos provados), o Director de Finanças, usando da faculdade prevista no art. 277.° do CPPT e no prazo legalmente previsto, revogou o despacho reclamado (pontos 4 e 5 dos factos provados). E, tendo sido revogado o acto reclamado, ficou sem objecto a Reclamação, “extinguindo-se o respectivo incidente, por impossibilidade superveniente da lide” (cfr. Jorge Lopes de Sousa, CPPT. Anotado e Comentado, 6 Edição, Vol. IV, pág. 293).
Sucede que em 20.04.2017, sete dias após a prolação do despacho revogatório a que aludem os pontos 4 e 5 do probatório, foi proferido novo despacho definindo em termos inovatórios a situação jurídica contemplada no despacho revogado de 20.03.2017.
Contudo, apesar de ter sido notificada deste novo despacho (ponto 7 do probatório), que substituiu na ordem jurídica o revogado despacho de 20.03.2017, a ora Recorrente não o impugnou em processo autónomo nem suscitou a modificação objectiva da presente instância, requerendo que o processo prosseguisse contra o novo acto, como o possibilita o art. 64.° do CPTA, aplicável ex vi do art. 2°, al. c) do CPPT.
A decisão recorrida não viola, pois, o disposto no art. 79.° da LGT e no artº. 173°, n.° 2 do CPA. E, salvo o devido respeito, também não enferma de nulidade nos termos do artº 161°, n.° 2, alínea d) do CPA uma vez que a nulidade a que alude este preceito é a nulidade dos actos da administração e não a nulidade dos actos judiciais.
Nesta conformidade, sem mais delongas, negando-se provimento ao presente recurso, deverá ser mantida a decisão recorrida.»

4 - Dispensados os vistos legais, cabe decidir.

5 – Com relevo para o conhecimento da questão da impossibilidade superveniente da lide, em resultado da apreciação dos documentos dos autos, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu considerou como provados os seguintes factos:
«1. Em 02.03.2017 a Reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Santa Comba Dão o requerimento datado de 27.02.2017, de fls. 4/6 dos autos no qual requer lhe seja concedida a reativação benefício do regime excecional de regularização de dívidas de natureza fiscal e, sem prescindir, lhe seja autorizado o pagamento da quantia exequenda até cinco anos, em sessenta prestações mensais. — cfr. fls. 9 e ss. dos autos.
2. O Sr. Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Viseu, por despacho datado de 20.03.2017, precedido da informação de fls. 16/17 dos autos, deferiu o pedido de pagamento da quantia exequenda em prestações, não se pronunciando sobre o pedido principal de reativação do benefício do regime excecional de regularização de dívidas, cfr. fls. 28 dos autos.
3. Em 06.04.2017 a Reclamante intentou, a presente reclamação do ato do órgão de execução fiscal nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 53/64 dos autos.
4. Por despacho datado de 13.04.2017 o Sr. Diretor de Finanças revogou o despacho do Sr. Chefe de Divisão, datado de 20.03.2017. — cfr. fls. 66/69 dos autos.
5. A Reclamante é notificada do teor do despacho referido no ponto anterior através do ofício n.° 169, de 21.04.2017. — cfr. fls. 69 dos autos.
6. Entretanto, por despacho datado de 20.04.2017 o Sr. Chefe de Divisão aprecia e decide os dois pedidos formulados pela Reclamante no requerimento datado de 27.02.2017 indeferindo o primeiro e deferindo o segundo. — fls. 42/45 dos autos.
7. A Reclamante, pelo ofício n.º 173, de 27.04.2017, foi notificada do despacho do Sr. Chefe de Divisão de 20.04.2017. — cfr. fls. 46 dos autos.
8. Em 08.05.2017 a Reclamante enviou, via correio eletrónico, o requerimento de fls. 75/76 dos autos no qual refere que tendo sido notificada do indeferimento da “Reclamação oportunamente apresentada“, não se conforma com o teor da decisão e «desde já manifesta que mantém interesse e pretende que a referida Reclamação seja judicialmente apreciada, nos termos legalmente previstos, sem prejuízo dos demais meios legais ao seu alcance.» — cfr. fls. 72/76 dos autos.»


6. Do objecto do recurso:
Da análise do segmento decisório da decisão recorrida e dos fundamentos invocados pela recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que são as seguintes as questões colocadas no presente recurso:
a) O alegado erro de julgamento quanto à extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, nomeadamente por violação do disposto nos artigos 79.° da LGT, 173°, nº 2 do CPA e 277°, alínea e) do CPC, aplicável ex vi o artigo 2°, alínea e) do CPPT,
b) A invocada nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 125°, n.° 1, do CPPT e 615°, n.°s 1, alínea d) e 4, do CPC, nomeadamente «por não se ter pronunciado sobre o primeiro pedido da Reclamação apresentada, tendo em conta o indeferimento a que a entidade reclamada o votou»;
c) Finalmente a também alegada nulidade do despacho de indeferimento liminar por contradição entre os seus fundamentos e a decisão proferida, nos termos do disposto no artigo 125°, n.° 1, do CPPT e no artigo 615°, n.°s 1, alínea c) e 4, do Código de Processo Civil.

6.1 No despacho liminar sindicado o Tribunal Administrativo e Fiscal, depois de tecer algumas considerações sobre o entendimento doutrinal e jurisprudencial do conceito de inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, considerou resultar da factualidade assente que o despacho Sr. Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Viseu, datado de 20.03.2017, objecto dos autos de reclamação de actos do órgão da execução fiscal, foi revogado nos termos do artigo 277.° do CPPT.
E, no prosseguimento de tal discurso argumentativo concluiu que «se o ato reclamado for revogado, ficará sem objeto a reclamação, extinguindo-se o respetivo incidente por impossibilidade superveniente da lide (cfr. artigo 277.°, alínea e) do C.P.C. aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT)».
Não conformada vem a Sociedade A…………, Ldª interpor o presente recurso argumentando, em síntese que tal despacho padece de erro de julgamento na apreciação da questão da inutilidade superveniente da lide e ainda de nulidade por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão.

6.2 Da alegada omissão de pronúncia e do invocado erro de julgamento quanto à extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
Alega a recorrente, se bem entendemos a forma como expressa a sua discordância com a decisão recorrida, que a mesma não terá apreciado a reclamação do indeferimento do pedido principal de reactivação do benefício do regime excepcional de regularização de dívidas fiscais, ocorrido por força do despacho de 20.04.2017 do sr. Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Viseu.
Mais sustenta que a interpretação sufragada pelo Tribunal a quo, quanto ao esvaziamento de objecto da Reclamação apresentada, por força da “revogação” do primitivo acto reclamado, viola o disposto no artigo 79.° da LGT e 173°, nº 2, do CPA, assim como o normativo ínsito no artigo 277°, alínea e) do CPC, aplicável ex vi o artigo 2°, alínea e) do CPPT, quanto à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide
E argumenta que a «apelidada “revogação” do acto reclamado consubstancia não uma revogação, mas sim uma substituição nos termos do disposto no artigo 173°, n.° 2 do CPA e no artigo 79.° da LGT, por força da reconhecida omissão de pronúncia quanto ao primeiro pedido formulado».

No caso vertente, resulta do probatório que, tendo sido deduzida Reclamação do despacho de 20.03.2017, nos termos e com os fundamentos constantes da p.i. (pontos 2 e 3 dos factos provados), o Director de Finanças, usando da faculdade prevista no art. 277.° do CPPT e no prazo legalmente previsto, revogou o despacho reclamado (pontos 4 e 5 dos factos provados).
Sendo que em 20.04.2017, sete dias após a prolação do despacho revogatório a que aludem os pontos 4 e 5 do probatório, e na pendência dos presentes autos de reclamação, foi proferido novo despacho definindo em termos inovatórios a situação jurídica contemplada no despacho revogado de 20.03.2017, indeferindo o pedido principal de reactivação do benefício do regime excepcional de regularização de dívidas, e deferindo o pedido de pagamento da quantia exequenda em prestações (cf. pontos 2 e 6 do probatório).
Sucede que a reclamante e ora recorrente, pese embora tenha sido notificada deste novo despacho (ponto 7 do probatório), que substituiu na ordem jurídica o revogado despacho de 20.03.2017, não o impugnou em processo autónomo mas enviou, em 08.05.2017, via correio electrónico, o requerimento de fls.75/76 dos autos no qual refere que tendo sido notificada do indeferimento da “Reclamação oportunamente apresentada“, não se conforma com o teor da decisão e «desde já manifesta que mantém interesse e pretende que a referida Reclamação seja judicialmente apreciada, nos termos legalmente previstos, sem prejuízo dos demais meios legais ao seu alcance.” - cf. ponto 8 do probatório.

A decisão recorrida desconsiderou este requerimento ao julgar que o acto reclamado era apenas o despacho do Sr. Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Viseu, datado de 20.03.2017 (que deferiu o pedido de pagamento da quantia exequenda em prestações, e não se pronunciou sobre o pedido principal de reactivação do benefício do regime excepcional de regularização de dívidas), e que tal despacho fora revogado por despacho do Sr. Director de Finanças de Viseu, datado de 13.04.2017, concluindo que a reclamação ficava sem objecto e declarando a extinção da instância por impossibilidade da lide.

E neste ponto não andou bem por duas razões:
- Primeiro porque se tratava de questão que a reclamante submeteu à sua apreciação e cujo conhecimento não estava prejudicado pela solução dada a outras, sendo que o tribunal recorrido pura e simplesmente não tomou posição sobre tal requerimento.
Ocorre pois omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade do despacho recorrido, em face do disposto no art. 608º n.º 2 e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil;

- Depois porque de facto não se verifica a impossibilidade/inutilidade superveniente da lide já que o requerimento em causa expressa, de forma inequívoca, o interesse da reclamante em que os autos de reclamação prossigam contra o novo acto revogatório.
Com efeito o artº 64º do CPTA, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artº 2º, al. c) do CPPT, contempla a possibilidade de modificação objectiva da instância que tem em vista a substituição do acto impugnado.
Abarca as situações em que na pendência do processo, tal como no caso vertente, seja proferido acto revogatório com efeitos retroactivos do acto impugnado, acompanhado de nova regulação da situação, caso em que o autor pode requerer que o processo prossiga contra o novo acto, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e do oferecimento de novos meios de prova, o que pode justificar-se designadamente quando o acto revogatório se fundamente em novos factos ou num diferente enquadramento jurídico a que ao autor apenas possa responder através de uma alteração da causa de pedir da acção.(Neste sentido Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, edição Almedina, pags. 393 e segs.)
E no nº 2 do mesmo normativo explicita-se que a substituição do objecto do processo
"deve ser apresentado no prazo de impugnação do acto revogatório e antes do trânsito em julgado da decisão que julgue extinta a instância".
Como esclarecem Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha no seu Comentário ao CPTA, 3ª edição, (pags. 417 e 429 e seguintes), a novidade introduzida pelo CPTA, neste plano, traduz-se na possibilidade de o processo impugnatório prosseguir contra o novo acto, independentemente de se tornar necessária uma alteração dos fundamentos do pedido, o que se compagina com o princípio da flexibilidade do processo, o qual, sendo um dos princípios estruturantes do novo regime processual, tem em vista a tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos interessados.
Por outro lado, a mesma regra surge reafirmada, pelo nº 3 do artigo 64.°, em que expressamente se refere que a substituição do objecto do processo tem lugar em todos os casos de revogação anulatória, ainda que se trate de uma revogação total ou parcial, e que mantenha o sentido da decisão anterior.
Ademais a possibilidade de modificação da instância em sede de processo tributário, na sequência de novos factos susceptíveis de integrarem vícios do acto impugnado, e por aplicação subsidiária do CPTA, tem também sido admitida pela jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário, no entendimento de que é a solução que mais se coaduna com os princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva - cf., neste sentido, os Acórdãos de 26.11.2011, recurso 30/11, de 15.05.2013, recurso 1476/12 e de 23.10.2013, recurso 150/13.

No caso subjudice, se é certo que o requerimento em questão não apresenta a melhor formulação jurídica, porque nele não são alegados novos fundamentos nem oferecidos novos meios de prova, também é inequívoco que nele a reclamante e ora recorrente, expressa, sem margem para dúvidas, o interesse de que os autos de reclamação prossigam contra o novo acto revogatório - despacho do Director de Finanças de 20/04/2017 substituiu o despacho reclamado, na sequência da sua revogação.

Por outro lado tal requerimento foi apresentado no prazo de impugnação do acto revogatório (artº 277º, nº 3 do CPPT, pontos 7 e 8 do probatório) e antes do trânsito em julgado da decisão que julgou extinta a instância.

E não deveremos olvidar que no caso em apreço estamos em sede de despacho de indeferimento liminar
Sendo que, como é hoje reiterado e uniforme entendimento da jurisprudência desta secção, que também sufragamos, o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo.
Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC (Redacção então em vigor.)) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» - é este o sentido decisório dos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.05.2014, recurso 69/14, de 6.03.2014, recurso 509/13, de 26.09.2012, recurso 377/12, de 16.05.2012, recurso 212/12, de 12.01.2011, recurso 766/10 e de 24.02.2011, recurso 765/10, todos in www.dgsi.pt.

No caso apreço, face ao teor do requerimento a que se refere o ponto 8 do probatório, em que a reclamante expressa o interesse de que os autos de reclamação prossigam contra o novo acto revogatório, consideramos que o entendimento veiculado na decisão recorrida de que a reclamação carece de objecto, não é tão claro e, razoavelmente indiscutível, que justifique um despacho de indeferimento liminar por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide.

Daí que, face a tal requerimento, se impunha, como se impõe, o convite à reclamante, para aperfeiçoamento mediante a especificação dos fundamentos de facto e de direito em que assenta aquele pedido de modificação objectiva da instância contra o novo acto revogatório - despacho do Director de Finanças de 20/04/2017 substituiu o despacho reclamado, na sequência da sua revogação.

Procedem, pois, desta forma, as alegações de recurso, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.


7. Decisão:
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular o despacho recorrido, ordenando a baixa dos autos à 1ª instância para prosseguimento dos autos nos termos supra referidos.

Sem custas

Lisboa, 9 de Agosto de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Francisco Rothes – José Veloso.