Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0182/15
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário:Da leitura conjugada dos artigos 317.º a 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29.07, e dos artigos 2.º e 3.º do DL n.º 139/2001, de 24.04, decorre que a acção a que se reporta o n.º 1 do artigo 319.º é a acção de insolvência do empregador e não qualquer outra.
Nº Convencional:JSTA00070453
Nº do Documento:SA1201712130182
Data de Entrada:04/16/2015
Recorrente:A........ E OUTROS
Recorrido 1:FUND DE GARANTIA SALARIAL E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR SEG SOCIAL
Área Temática 2:DIR TRAB
Legislação Nacional:L 35/2004 ART317 ART318 ART319.
DL 59/2015 ART2.
DL 139/2001 ART2 ART3.
Legislação Comunitária:DIR 80/987/CE ART3 ART4.
DIR 2002/74/CE ART3 ART4.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0147/15 DE 2015/09/10
Jurisprudência Internacional:AC TJUE PROC C 309/12
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I – Relatório
1. A…………., B…………, C…………, D……….., E………, devidamente identificados nos autos, recorrem para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 25.09.14 (fls. 396-411), que negou provimento ao recurso por si interposto da decisão do TAF de Braga.
A presente acção administrativa especial de anulação de acto administrativo e prática de acto administrativo devido foi proposta inicialmente no TAF de Braga, pelos ora recorrentes, contra o Fundo de Garantia Salarial (FGS) e o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP (IGFSS, IP) [este último tendo sido considerado parte ilegítima por despacho de fls. 227-8], tendo aquele tribunal proferido decisão pela qual julgou improcedente a acção e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido (cfr. fl. 265).

2. Os recorrentes apresentaram alegações, concluindo do seguinte modo (fls. 432-8):
1 - O douto acórdão do TCA, confirmou o acórdão proferido em 1ª instância e, em consequência, julgou totalmente improcedente a acção, por entender que, de que de acordo com o nº 1, do art. 319º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 35/2004 de 29/07, o Fundo de Garantia Salarial apenas assegura os créditos que se tenham vencido nos 6 meses anteriores à data da propositura ou apresentação à insolvência, donde resulta que o momento determinante para efectivar o período de garantia é apenas e só o da insolvência e não o da acção perante o tribunal do trabalho;
2 - O art. 150º nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo "quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental" ou "quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito";
3 - A admissão para uma melhor aplicação do direito tem tido lugar relativamente a matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação, vendo-se a clara necessidade de uma melhor aplicação do direito com o significado de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo, isto é, que o recurso não visa primariamente a correcção de erros judiciários;
4 - Preenchendo-se o conceito indeterminado quando se esteja perante questão jurídica de elevada complexidade, seja porque a sua solução envolve a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou ao nível da doutrina;
5 - Ora no caso concreto, temos o acórdão proferido pelo TCA Sul, de 16/02/2012, no processo nº 08482/12, de acordo com o qual:
"A ser como a Entidade Demandada pretende, ou seja, que créditos se venceram à data da cessação do contrato de trabalho, em 18-7-2007, e que, portanto, a acção de declaração de falência teria que ser proposta nos seis meses posteriores, para o trabalhador ter direito à indemnização do FGS, ficaria sem qualquer efeito prático o nº 2 do artº 319º, bem como o vencimento de todas as obrigações do insolvente determinado pela declaração da insolvência, a que se refere o artº 91º nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), e ainda o reconhecimento dos créditos a que se refere o nº 1 do artº 128º do CIRE.
Ou seja, a finalidade para que foi criado o FGS de, em caso de falência ou insolvência do empregador, assegurar ao trabalhador uma indemnização pelo Estado, ficaria na maioria dos casos sem qualquer efeito prático.
E isto porque, quando a insolvência fosse decretada e os créditos vencidos e reconhecidos, já o trabalhador não teria direito ao respectivo pagamento nem pela empregadora nem pelo FGS, o que nos parece um conta-senso dada a manifesta inutilidade que teriam esse vencimento e reconhecimento (…)".
6 - E, em sentido diverso temos, acórdão proferido pelo TCA Norte, de 31/01/2014, no processo nº 00278/09.4, nos seguintes termos:
"(...) Na verdade, por força do n.º 2 do art. 319.º da Lei n.º 35/2004 e até ao limite definido pelo art. 320,º são considerados como gozando de garantia de proteção ou de cobertura pelo «FGS» todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação que se tenham vencido após a data da propositura da ação de declaração de insolvência do empregador, ou seja, o momento de referência a considerar para a cobertura/garantia salarial prende-se com a data da propositura da ação de declaração de insolvência e não com a data em que vem ser proferida a decisão naqueles autos de declaração da insolvência do empregador.
Já no n.º 1 do art. 91.º do «CIRE» consagra-se tão-só uma regra relativa ao vencimento de todas as obrigações do insolvente [dos créditos incidentes sobre este] não subordinadas a uma condição suspensiva, pelo que não se vislumbra em que medida haja o n.º 2 do art. 319.º da Lei n.º 35/2004 de ser lido como pretende a A./recorrente, porquanto neste e para este último preceito são irrelevantes considerações temporais quanto a ser curto o período que medeia entre a data de propositura da ação de declaração de insolvência e da sua decisão e/ou se são muitos ou poucos os créditos que se venham a vencer entretanto.
(…) Na sua dimensão material ou substancial o princípio constitucional da igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário. Todavia, este princípio não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os fatores tidos coimo relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa (…)".
7 - Assim, a situação ora trazida a juízo tem virtualidade para conferir à decisão a proferir uma utilidade que vai além do caso sujeito, fornecendo orientação para os particulares, a Administração (FGS) e os tribunais perante uma situação litigiosa típica susceptível de repetir-se num número indeterminado de casos futuros (como, aliás, indicia a casuística já conhecida) pelo que estão reunidos os requisitos para ser considerada de importância fundamental, justificando a admissão da revista.
Do Litígio,
8 - A obrigação de indemnizar por parte da entidade empregadora e de efectuar o pagamento dos direitos salariais emergentes da cessação do contrato de trabalho apenas decorre da sentença condenatória;
9 - Na verdade, tal obrigação só nasce e se constitui na esfera jurídica do trabalhador com a decisão judicial de condenação porque o direito à indemnização, enquanto obrigação pura, depende de interpelação feita ao credor.
10 - Além disso, à entidade empregadora é possível discutir na acção intentada pelo trabalhador o montante respectivo, o valor da retribuição e da antiguidade, bem como os pressupostos tendentes à declaração do direito;
11 - Deste modo, só a sentença judicial transitada em julgado constitui título executivo quanto à obrigação devida, como dispunha o entretanto revogado art.º 435.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27 de Agosto, a ilicitude do despedimento – e as inerentes consequências económicas para a entidade patronal e trabalhador – apenas poderia ser declarada por tribunal judicial em acção intentada para o efeito;
12 - Sendo certo que a exigência de uma acção judicial para declaração da ilicitude do despedimento foi introduzida pela mencionada lei que aprovou o Código do Trabalho, já que tal não sucedia na Lei da Cessação do Contrato de trabalho que, no seu art.º 32.º, apenas impunha o conhecimento judicial da ilicitude na verificação das nulidades do despedimento quando este tivesse obedecido a um procedimento legalmente previsto;
13 - Ora, os recorrentes alegaram na acção que intentaram junto do Tribunal de Trabalho de Guimarães a ilicitude do seu despedimento, e só com a sentença que foi proferida nos diversos processos é que os seus créditos e indemnizações foram reconhecidos como existentes e a aludida entidade patronal condenada ao seu pagamento;
14 - Pelo que por via do disposto no art.º 435.º da revogada Lei 99/2003, de 27 de Agosto, os recorrentes não se podiam arrogar do direito a pedir a insolvência da sociedade, pois que até decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho não eram titulares de qualquer título executivo e só com a sentença que condenou a sua empregadora no pagamento dos créditos salariais e indemnização é que os recorrentes adquiriram tal qualidade;
15 - Nos termos do disposto no art.º 319.º do RGT, aprovado pela Lei 35/2004, de 29 de Julho, o recorrido Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pelo que o período referência de seis meses que antecede a prepositura da acção ou do requerimento referido no artigo 318.º da mesma lei, terá de se reportar à data da acção judicial em que é peticionado o seu reconhecimento, sendo certo que, um dos meios previstos para esse efeito – nos termos do disposto no art.º 435.º do CT – é a acção comum a intentar no Tribunal do Trabalho;
16 - Os créditos reclamados pelos recorrentes ao recorrido Fundo de Garantia Salarial, venceram-se nos seis meses anteriores à propositura da acção junto do Tribunal do Trabalho de Guimarães, sendo certo que a indemnização por ilicitude do despedimento venceu-se em data posterior ao fim daquele período de referência;
17 - A acção que é proposta junto do Tribunal do Trabalho no sentido de ser obtida a condenação da entidade patronal no pagamento dos créditos laborais e indemnizações por violação do contrato de trabalho tem a virtude de ser também um dos processos de reconhecimento judicial dos direitos do trabalhador;
18 - Tendo tal acção o efeito interruptivo da prescrição do direito à reclamação dos créditos laborais, nos termos do art.º 381. do CT, os créditos e indemnização peticionados ao Réu Fundo de Garantia Salarial, respeitam os períodos de referência impostos pelos n.ºs 1 e 2, do art.º 319.º da Lei 35/2004, de 29 de Julho.
19 - A sentença recorrida manteve o entendimento do R. de que, a acção intentada no Tribunal do Trabalho de Guimarães, não pode ser considerada como ponto de referência para a contagem dos seis meses a que a lei alude como referência para o pagamento pelo recorrido FGS.
20 - Ora, incorre em erro de julgamento o entendimento expendido na sentença recorrida;
21 - A lei refere genericamente uma ‘acção’, não especificando quanto a esta que tipo de acção a mesma se reporta, diferentemente do requerimento de conciliação previsto no art.º 319.º do Regulamento, que o especifica;

22 - A "acção" terá necessariamente de se reportar a um meio judicial em que os trabalhadores querem ver reconhecidos os seus créditos salariais, seja ela a acção comum ou a acção de insolvência, na qual reclamam os seus créditos;
23 - A posição assumida na sentença recorrida lançaria uma desproporcionada desigualdade entre aqueles trabalhadores que optam por previamente recorrer à Execução da sentença que condena a entidade patronal a pagar os seus créditos e indemnização, daqueles que, mesmo sem terem verdadeira noção da situação patrimonial da empresa, optem por pedir a insolvência desta;
24 - Assim, a sentença recorrida violou, para além de outros, os art.º 435.º do Código do Trabalho e art.º 319.º do Regulamento do Código do Trabalho.
Termos em que deve o presente recurso ser provido e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido, substituindo-se por outro que anule o acto e condene o recorrido a pagar aos recorrentes os direitos salariais e indemnização reclamados, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão v. Ex.ªs, Venerandos Desembragadores, a habitual

JUSTIÇA”.

3. O recorrido FGS apresentou contra-alegações, oferecendo as seguintes conclusões (cfr. fls. 456-61).
“A. O cerne do presente pleito incide sobre a determinação do período de referência e do início da sua contagem.
B. Estabelece o art.º 380º da lei n.º 99/2003, de 27/08 que aprova o Código do Trabalho
"A garantia do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil é assumida e suportada pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação especial".
C. Entendemos que não existem dúvidas que a intervenção do Fundo de Garantia Salarial na garantia de pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação e cessação pertencentes a um trabalhador, se reduz aos casos de incumprimento pelo empregador por motivo de insolvência ou situação económica difícil.
D. Daí que a Lei n.º 35/2004, de 29/07 estabeleça no n.º 1 do art.º 318.º que "O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente".
E. Estabelecendo o n.º 2 da citada norma, que "O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20.10".
F. Assim, da previsão do art.º 318.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29/07, resulta que o Fundo de Garantia Salarial assegura aos trabalhadores o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, apenas em dois casos:
- no caso da entidade empregadora ter sido judicialmente declarada insolvente ou;
- no caso de ter sido requerido o procedimento extrajudicial de conciliação.

G. Para que uma entidade seja judicialmente declarada insolvente é necessário que tenha sido instaurada uma ação de insolvência no tribunal competente.

H. Nessa medida, estabelece o n.º 1 do art.º 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07 "O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no art.° 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior".

I. Obviamente, o período de referência previsto na citada norma conta-se a partir da data em que foi interposta a ação judicial de insolvência ou da entrada do requerimento do procedimento extrajudicial de conciliação, consoante a entidade empregadora do trabalhador, tenha instaurada contra si uma ação de insolvência ou um procedimento extrajudicial de conciliação, pois só nestas duas situações é que o Fundo de Garantia Salarial intervém.

J. Acresce que nenhuma das normas contidas na Lei n.º 35/2004, de 29/07, na parte em que regulam o regime do Fundo de Garantia Salarial é feita referência a ações intentadas em Tribunal do Trabalho, nem estabelecem que o Fundo de Garantia Salarial intervém nos casos de ter sido instaurada uma ação laboral

K. Já na anterior legislação que regulava o regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, Decreto-Lei n.º 219/99, de 15/06, idêntica norma fixava período temporal para intervenção do Fundo.

L. O n.º 1, do artigo 3.º, do Decreto-Lei supra citado dispunha o Fundo de Garantia Salarial paga créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação...

M. Este diploma visou por um lado a revisão do sistema de garantia salarial até aí existente e a necessária compatibilização da lei nacional com o regime constante da Diretiva 80/987/CEE, relativa à aproximação dos estados-membros respeitantes à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador.

N. Nesta matéria, quanto à delimitação temporal de intervenção das instituições de garantia, dispunha a Diretiva no seu artigo 3.º, sob o título – disposições relativas às instituições de garantia 1. Os estados-membros tomarão as medidas necessárias para que seja assegurado por instituições de garantia, sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho e tendo por objeto a remuneração referente ao período situado antes de determinada data.
2. A data indicada no n.º 1 será, por escolha dos estados-membros:
- Ou a data da superveniência de insolvência do empregador,
- Ou a do aviso prévio de despedimento dado ao trabalhador em causa, por força de insolvência do empregador,
- Ou a da superveniência da insolvência do empregador ou a da cessação do contrato de trabalho ou da relação de trabalho do trabalhador em causa, ocorrida por força da insolvência do empregador.

O. Estabelecia ainda o artigo 4.º que 1. Os Estados-Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.°.
2. Quando os estados-membros fizerem uso da faculdade prevista no n.º 1, devem:
- no caso previsto no n.º 2, primeiro travessão, do artigo 3.º, assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração referente aos três últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho compreendidos no período dos seis meses anteriores à data da superveniência da insolvência do empregador,
- no caso previsto no n.º 2, segundo travessão, do artigo 3.°, assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração referente aos três últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho, anteriores à data do aviso prévio de despedimento dado ao trabalhador assalariado por força da insolvência do empregador,
- no caso previsto no n.º 2, terceiro travessão, do artigo 3º, assegurar o pagamento dos créditos em dívida relativos à remuneração referente aos dezoito últimos meses do contrato de trabalho ou da relação de trabalho anteriores à data de superveniência da insolvência do empregador ou à da cessação do contrato de trabalho ou da relação de trabalho do trabalhador assalariado, ocorrida por força da insolvência do empregador. Nestes casos, os estados-membros podem limitar a obrigação de pagamento à remuneração referente a um período de oito semanas ou a diversos períodos parciais que perfaçam a mesma duração.
3. Contudo, os estados-membros podem fixar um limite para a garantia de pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores assalariados, a fim de evitar o pagamento das importâncias que excedam a finalidade social da presente diretiva.
Quando os estados-membros fizerem uso desta faculdade, devem comunicar à comissão os métodos pelos quais fixaram o limite.
P. Posteriormente, através da Diretiva 2002/74/CE, foi alterada a Diretiva 80/987/CEE, mantendo-se contudo subordinada a intervenção das instituições de garantia, a assegurar créditos vencidos em período específico.
Q. Neste sentido, o art.º 3.º passou a ter a seguinte redação "Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.º, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho. Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados-Membros".
R. E, o art.º 4.º assumiu a seguinte redação "1. Os Estados-Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.º.
2. Quando os Estados-Membros fizerem uso da faculdade a que se refere o n.º 1, devem determinar a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia. Contudo, esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho anterior e/ou posterior à data a que se refere o artigo 3.º Os Estados-Membros podem calcular este período mínimo de três meses com base num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses.
Os Estados-Membros que fixarem um período de referência não inferior a 18 meses têm a possibilidade de reduzir a oito semanas o período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia. Neste caso, para o cálculo do período mínimo, são considerados os períodos mais favoráveis aos trabalhadores.
3. Os Estados-Membros podem igualmente estabelecer limites máximos em relação aos pagamentos efetuados pela instituição de garantia. Estes limites não devem ser inferiores a um limiar socialmente compatível com o objetivo social da presente diretiva".

S. Paralelamente, no âmbito nacional, ocorreram sucessivas alterações do regime, através do Decreto-Lei n.º 139/2001, de 24.04; Lei n.º 96/2001, de 20.08; Portaria n.º 1177/2001, de 09.10 e por último através da lei n.º 35/2004, de 29.07.

T. No entanto, não obstante todas as alterações verificadas, sempre o âmbito do Fundo de Garantia Salarial foi delimitado a um período de referência, relativizado com a data de vencimento dos créditos.
U. De igual modo, os créditos dos Autores não se venceram em período posterior a esse mesmo período de referência, dado que o seu vencimento foi anterior ao mencionado período, não se aplicando pois, a previsão normativa fixada no n.º 2 do art.º 319.º do regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, Lei n.º 35/2004, de 29/07.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se o acórdão recorrido proferido pelo tribunal Central Administrativo do Norte que confirmou o acórdão proferido em 1.ª instância, pois só desta forma farão V. Exas. a habitual Justiça”.

4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 12.03.15 (fls. 470-2), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“(…)
4. As instâncias convergiram no sentido de que a expressão do n.º 319.º do RCT "seis meses que antecedem a data da propositura da acção" se reporta à acção para declaração judicial da insolvência do empregador e não a eventual acção intentada pelo trabalhador para verificação dos seus créditos laborais.

A questão da limitação temporal da protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador mediante intervenção do Fundo de Garantia Salarial não é de solução absolutamente linear. Dúvidas que se estenderam à conformidade com o direito comunitário, tendo justificado um pedido de reenvio prejudicial a que o Tribunal de Justiça respondeu pelo acórdão de 28/11/2013, Proc. C-309/12 (Gomes Viana Novo e Outros) no sentido de que a Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, conforme alterada pela Directiva 2002/74/CEE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da acção de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma acção judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva. Entendimento que foi repetido no "Despacho" de 10 de Abril de 2014, proferido no reenvio prejudicial formulado no processo que deu origem ao Proc. C-511/12.

Apesar de a jurisprudência das instâncias se mostrar conforme a este entendimento, continuam a existir pretensões, como a deduzida no presente recurso, de interpretação do direito interno no sentido de um mais alargado âmbito de protecção dos créditos salariais.

Assim, porque se trata de questão com relevância social e possibilidade de replicação num número indeterminado de casos, justifica-se proporcionar o acréscimo de esclarecimento que resulta da intervenção do órgão de cúpula da jurisdição, admitindo a revista excepcional (no mesmo sentido, acórdão desta data no proc. 148/15)”.

5. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se no sentido do não provimento do presente recurso de revista.

6. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação
1. De facto:
A matéria de facto pertinente é a que consta da decisão da primeira instância, a qual se deu como reproduzida no acórdão recorrido, e que, de igual forma, se dá aqui como reproduzida nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 663.º do CPC, aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA.
2. De direito:
2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelos ora recorrentes – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, as quais, na verdade, se reconduzem a uma só, qual seja, a de qual a melhor e mais adequada interpretação a dar ao artigo 319.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2004, de 29.07 (Regulamento do Código do Trabalho - RCT), sendo que, de acordo com os recorrentes, “A "acção" [mencionada no dispositivo em apreço] terá necessariamente de se reportar a um meio judicial em que os trabalhadores querem ver reconhecidos os seus créditos salariais, seja ela a acção comum ou a acção de insolvência, na qual reclamam os seus créditos” (conclusão 22.ª das alegações);
2.2. O Fundo de Garantia Salarial (FGS) encontra-se actualmente regulado no DL n.º 59/2015, de 21.04, que veio unificar o respectivo regime jurídico, o qual, à data dos autos, se encontrava disperso em vários diplomas, como a Lei n.º 35/2004, de 29.07 (Código do Trabalho, ulteriormente objecto de várias alterações e revogado pelo Lei n.º 7/2009, de 12.02), que disciplinava os aspectos substantivos deste Fundo, e o DL n.º 139/2001, de 24.04, que disciplinava os aspectos organizativos, financeiros e procedimentais. É destes diplomas que iremos reter alguns preceitos cujo teor se afigura útil para solucionar o caso dos autos.

Comecemos por atentar no teor dos dispositivos aplicáveis ao caso vertente que constam da Lei n.º 35/2004, de 29.07, os quais se mantiveram em vigor, por força do artigo 12.º, n.º 6 al. o), da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, até serem revogados pelo artigo 4.º al. a) do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril:
Artigo 317.º
Finalidade

“O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes”.
Artigo 318.º
Situações abrangidas

“1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.
2 - O Fundo de Garantia Salarial assegura igualmente o pagamento dos créditos referidos no número anterior, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação previsto no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro.
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, caso o procedimento de conciliação não tenha sequência, por recusa ou extinção, nos termos dos artigos 4.º e 9.º, respectivamente, do Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, e tenha sido requerido por trabalhadores da empresa o pagamento de créditos garantidos pelo Fundo de Garantia Salarial, deve este requerer judicialmente a insolvência da empresa.
4 - Para efeito do cumprimento do disposto nos números anteriores, o Fundo de Garantia Salarial deve ser notificado, quando as empresas em causa tenham trabalhadores ao seu serviço:
a) Pelos tribunais judiciais, no que respeita ao requerimento do processo especial de insolvência e respectiva declaração;
b) Pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), no que respeita ao requerimento do procedimento de conciliação, à sua recusa ou extinção do procedimento”.
Artigo 319.º
Créditos abrangidos

“1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2 - Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.
3 - O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respectiva prescrição”.

Atentemos agora em alguns preceitos constantes do DL n.º 139/2001, de 24.04 (que introduziu alterações no DL n.º 219/99, de 15.06, que instituiu um Fundo de Garantia Salarial, Fundo este que, em caso de incumprimento pela entidade patronal, assegura aos trabalhadores o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho):
Artigo 2.º
Situações abrangidas

“1 - O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua cessação, nos casos em que a entidade patronal esteja em situação de insolvência ou em situação económica difícil e, encontrando-se pendente contra ela uma acção nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o juiz declare a falência ou mande prosseguir a acção como processo de falência ou como processo de recuperação da empresa”.
Artigo 3.º
Créditos abrangidos

“1 - O Fundo paga créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou da entrada do requerimento referidos no artigo 2.º”.

2.3. Vejamos agora qual foi o entendimento do TJUE exposto na resposta ao pedido de reenvio prejudicial apresentado no âmbito do presente processo (na realidade, o entendimento foi inicialmente fixado em acórdão relativo a um processo idêntico – C-309/12) – cfr. fls. 382-9:

“A Diretiva 80/987/CEE do Conselho de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, conforme alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva”.

2.4. Em face do teor dos dispositivos supramencionados e ao entendimento do TJUE, quid juris?

Desde já, e no que respeita aos dispositivos transcritos, a sua leitura conjugada aponta no sentido de que a acção a que se reporta o n.º 1 do artigo 319.º é, efectivamente, a acção de insolvência do empregador e não qualquer outra. De salientar que o legislador nacional, porventura com o intuito de esclarecer quaisquer dúvidas relacionadas com a fixação do marco temporal que determina a contagem dos seis meses, menciona de forma expressa, no n.º 4 do artigo 2.º do DL n.º 59/2015, de 21.04 (que, como vimos, veio consagrar o novo regime do Fundo de Garantia Salarial), a acção de insolvência.
Quanto ao entendimento do TJUE, cumpre precisar que um tal entendimento não impõe a interpretação em questão, mas admite-a, não sendo a mesma, portanto, contrária ao direito europeu. E admite-a, ainda que os trabalhadores tenham inicialmente proposto uma acção judicial contra ao empregador com vista ao reconhecimento dos seus créditos e só ulteriormente tenham intentado a acção de insolvência contra o mesmo empregador. Vale isto por dizer que admite que, ainda que os interessados tenham intentado uma acção para reconhecimento de créditos em momento anterior, são só os créditos vencidos nos seis meses anteriores à propositura da acção de insolvência os únicos que podem vir a ser pagos pelo FGS.
Dito isto, a solução jurídica aplicável ao caso dos autos é a de que apenas os créditos vencidos nos seis meses “que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior” (art. 319.º, n.º 2) poderão ser considerados, solução que não choca com o direito europeu e que, aliás, deve sublinhar-se, é a que vem sendo seguida neste Supremo Tribunal, havendo que destacar, entre outros, o Acórdão de 10.09.15, Proc. n.º 147/15 (processo que envolvia outros trabalhadores que exigiam o pagamento de créditos salariais ao mesmo empregador visado na acção que agora se julga em revista). Há que admitir que, como afirmam os recorrentes, é uma solução algo injusta – os recorrentes afirmam que a solução jurídica em apreço desrespeita o princípio da igualdade e o da proporcionalidade (“A posição assumida na sentença recorrida lançaria uma desproporcionada desigualdade entre aqueles trabalhadores que optam por previamente recorrer à Execução da sentença que condena a entidade patronal a pagar os seus créditos e indemnização, daqueles que, mesmo sem terem verdadeira noção da situação patrimonial da empresa, optem por pedir a insolvência desta” – conclusão 23.ª das alegações). Mas, há igualmente que reconhecê-lo, não se trata de uma injustiça arbitrária, antes de trata de uma relativa injustiça decorrente da necessidade incontornável de ponderar interesses e bens em conflito. Mais concretamente, decorrente da necessidade sentida pelo legislador nacional, uma vez confrontado com a impossibilidade de o FGS garantir todos os créditos salariais devidos a cada trabalhador nas situações de insolvência do respectivo empregador, de estabelecer limites temporais e tectos máximos (tendo o legislador nacional optado, como se viu, por apenas considerar aqueles créditos que venceram nos seis meses anteriores à acção de insolvência, deixando mais desprotegidos os restantes, designadamente aqueles relacionados com contratos de trabalho já extintos). De salientar que o próprio TJUE alude à necessidade de ter “em consideração a capacidade financeira desses Estados-Membros” e de “preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia” (cfr. fl. 387).
Em suma, em face da impossibilidade de garantir o pagamento de todos os créditos salariais em dívida, o balizamento dos mesmos faz-se mediante o recurso a duas técnicas que se podem complementar: o balizamento temporal e/ou o balizamento em termos de fixação de limites máximos aos pagamentos. Em termos de limitação temporal, o legislador nacional optou por apenas ter em conta os créditos “que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção”.
Em face de todo o exposto, deve improceder a pretensão recursiva dos recorrentes.

III – Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2017. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – António Bento São Pedro.