Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0449/05
Data do Acordão:01/18/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
COIMA.
NULIDADE PROCESSUAL.
NULIDADE INSUPRÍVEL.
Sumário:I - Em processo de contra-ordenação fiscal, constitui nulidade insuprível a falta de indicação, na decisão de aplicação de coima, dos elementos que contribuíram para a sua fixação.
II - Devendo dessa decisão constar todos os elementos que serviram de base à condenação, não satisfaz aquele requisito a remissão para uma informação que consta do processo.
Nº Convencional:JSTA00062744
Nº do Documento:SA2200601180449
Data de Entrada:04/11/2005
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF LEIRIA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART29 N1 B ART79 N1 C ART2 N4 ART26 N1 B ART114.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC833/05 DE 2005/11/30.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. A..., com sede em Leiria, recorre do despacho da Mmª. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que só parcialmente julgou procedente o recurso de decisão administrativa que lhe aplicara coima por falta de oportuna entrega de quantia relativa a imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) retido na fonte.
Formula as seguintes conclusões:
«A)
A decisão administrativa de aplicação de coima não especifica nem individualiza suficientemente as razões objectivas e subjectivas nem as dificuldades financeiras da recorrente, com vista à determinação da medida da coima.
B)
Por sua vez, tendo sido o imposto em falta de € 47.354,65, a coima mínima ascenderia a € 4.735,47, ou seja, 50% do valor de 9.470,94, por força da redução prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 29° do RGIT.
C)
Na verdade, não só a recorrente regularizou a sua situação tributária antes do levantamento do auto de notícia, como nenhuma das sanções acessórias previstas no artigo 28° do RGIT são susceptíveis de aplicação à recorrente uma vez que os pressupostos previstos no artigo 21°-A do regime das contra-ordenações não permite a sua aplicabilidade à conduta de que a arguida vem acusada.
D)
Assim, a sanção acessória da perda de objectos pertencente ao agente só ocorre se os mesmos serviram ou estavam destinados à infracção, situação que não ocorre no caso da conduta de que a recorrente vem acusada.
E)
O mesmo se diga dos restantes pressupostos de aplicação das sanções acessórias.
F)
Como a coima aplicada à recorrente na quantia de € 9.470,93, ou seja, é muito superior ao mínimo legal, a insuficiente indicação dos elementos objectivos e subjectivos conducentes à fixação da coima traduz-se uma nulidade insuprível do processo.
G)
Porém, mesmo que assim não se entendesse, sempre se dirá que a coima mantida na douta decisão recorrida é muito superior ao mínimo legal.
H)
Com efeito, por força da eliminação da alínea d) do n ° 1 do artigo 30° do RGIT operada pelo artigo 42° da L 55-B/04 de 30.12 e por força da aplicação da lei mais favorável vigente no Direito Penal, a coima a aplicar pelo mínimo não deverá ser superior a € 4.735,47.
I)
A douta decisão recorrida fez errada aplicação e interpretação dos artigos 29°, 1, b), 30º, 1, d), 79°, 1, c, todos do RGIT e o artigo 21°-A do DL 433/82.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida e em consequência ser declarado nulo todo o processo de contra-ordenação praticado a partir da decisão de aplicação da coima, inclusive, ou assim não se entendendo ser reduzida a coima aplicada para a quantia de 4.735,47».
1.2. Não há contra-alegações.
1.3. O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que o recurso merece provimento, tendo a recorrente direito à redução da coima em razão da eliminação da alínea d) do nº 1 do artigo 30º do RGIT pelo artigo 42º da lei nº 55-B/04, de 30 de Dezembro, que é de aplicar ao caso, embora não vigorasse ao tempo da aplicação da coima, por força do princípio aplicação retroactiva da lei mais favorável ao infractor contido no artigo 3º nº 2 do decreto-lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção do decreto-lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
1.4. O processo tem os vistos dos Exmºs. Adjuntos.
***
2. Vem provada a matéria de facto seguinte:
«A)
No dia 16 de Dezembro de 2003, foi levantado Auto de Notícia contra a ora recorrente, com o seguinte teor: “(...) verifiquei pessoalmente, por consulta aos elementos existentes no Serviço de Finanças de Leiria 1, nomeadamente a guia de mod. 41 — retenção na fonte em causa e a notificação, que o infractor citado, efectuou o pagamento da guia 41413346944, após ter terminado o prazo legal.
Que foi notificado pelo Serviço de Finanças de Leiria 1, para pagar na Tesouraria da Fazenda Pública, a coima calculada de conformidade com a alínea a) do artigo 29º do Regime Geral das Infracções Tributárias, cujo valor não foi pago (...)" – fls. 8.
B)
A recorrente apresentou a guia mod. 41 em 09.10.2003, e o prazo para cumprimento da obrigação terminou em 20.04.2003, tendo deixado de ser atempadamente entregue nos cofres do Estado a quantia de 73.354,65€ – fls. 8 e 11.
C)
Em 13.11.2003, a recorrente foi notificada para "no prazo de 15 (quinze) dias, seguidos e sucessivos, contados a partir da data da assinatura do aviso de recepção que acompanha esta notificação, efectuar o pagamento da coima, no montante de € 9.470,93, prevista no n. 2 do artigo 114º conjugado com o n. 4 do artigo 26º do Regime Geral das Infracções Tributárias, devida pelo pagamento em 09-10-2003, fora do prazo legal que terminara em 20-04-2003, da guia nº 41230564020, de acordo com o n. 3 do artigo 98º do CIRS.
O incumprimento do pagamento no prazo referido, originará o levantamento do auto de notícia para que seja instaurado processo de contra-ordenação." - fls. 9 e 10.
D)
Por despacho de 09.08.2004, a recorrente foi condenada na coima de 1000€, pelos factos descritos em A), conforme documento de fls. 22 e 23 que se dá por integralmente reproduzido».
***
3.1. No pretérito dia 30 de Novembro foi nesta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo julgado o processo nº 833/05, em que recorrente era, também, a A..., e aonde apresentavam idêntico teor as conclusões das alegações de recurso.
Também semelhante era, nesse processo, a decisão que aplicou a coima, incluindo a remessa para uma informação prestada a fls. 11 (aqui, fls. 19), sendo, no presente caso, aplicáveis as considerações que naquele aresto se fizeram a propósito das peças que constavam do processo em que foi proferido.
Assim, porque a decisão referida merece a nossa concordância, e tendo em atenção a uniformidade de soluções aconselhada pelo artigo 8º nº 3 do Código Civil, segue-se a transcrição do acórdão de 30 de Novembro de 2005, proferido no processo nº 833/05, apenas com as alterações impostas pelo facto de ser diferente o montante da coima nos dois processos.
3.2. «A Recorrente suscita no presente recurso jurisdicional [é] a [da] nulidade da decisão administrativa de aplicação de coima, por falta dos elementos exigidos, nomeadamente as razões objectivas e subjectivas e as dificuldades financeiras que influenciaram a determinação da medida da coima.
O art. 63.°, n.° 1, alínea d), do R.G.I.T. estabelece que constitui nulidade insuprível no processo de contra-ordenação tributário, a falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.
Um desses requisitos legais é indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima (art. 79.°, n.° 1, alínea c), do R.G.I.T.).
Quanto a este aspecto, no caso em apreço, da decisão administrativa de aplicação de coima consta que o seguinte:
"atendendo às condições objectivas e subjectivas que rodearam o comportamento ilícito e que vêm informadas a fls. 11, nomeadamente as dificuldades financeiras da pessoa colectiva, aplico à mesma a coima de € 10.000,00 (dez mil euros).
Na informação a que se reporta esta decisão, que consta de fls. 19 dos presentes autos, constam:
a) o valor do imposto que deveria ser pago se a contra-ordenação não tivesse sido cometida;
b) que a arguida tem mais processos por contra-ordenações;
c) que houve efectivo prejuízo para a Fazenda Nacional;
d) que não são conhecidas tentativas de suborno ou obtenção de vantagem ilegal junto dos funcionários;
e) que a situação económica dos agentes é normal;
f) que o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação foi o imposto que deixou de ser pago.
Não havendo na fase decisória do processo contra-ordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos no art. 79.° para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da actuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.
Porém, é a necessidade de conhecimento efectivo dos elementos necessários para a defesa do arguido e o carácter de direito fundamental que o direito à defesa assume (art. 32.°, n.° 10, da C.R.P.) que justificam que se faça derivar da sua falta nulidade insuprível do processo contra ordenacional, nos termos do art. 63.° n.° 1, alínea d), do R.G.I.T.
No caso em apreço, de pagamento de I.R.S. retido na fonte fora do prazo legal, a coima abstractamente aplicável era variável, nos termos do art. 114.°, n.°s 1 e 2, do R.G.I.T., entre 20% e a totalidade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
Na verdade, a coima prevista para a infracção praticada por negligência é variável entre 10% e metade do imposto em falta, mas, tratando-se de pessoa colectiva, estes limites elevam-se para o dobro, por força do disposto no n.° 4 do art. 2.° do R.G.I.T..
No entanto, o limite máximo da coima, para contra-ordenações praticadas por negligência, é de 30.000 euros, por força do disposto na alínea b) do n.° 1 do art. 26.° do R.G.I.T..
Assim, sendo de 47.354,65 euros o montante do imposto retido e não entregue tempestivamente, os limites da coima aplicável eram de 9.470,93 euros e 47.354,65 euros.
Não é aplicável aqui a redução prevista no art. 29°, n.° 1, alínea b), do R.G.I.T., pois não se provou que a coima tivesse sido paga «a pedido do agente, apresentado antes da instauração do processo contra-ordenacional» como é pressuposto do direito à redução, como resulta do teor expresso daquele n.° 1. A arguida efectuou o pagamento voluntário tardio da quantia em dívida, mas não consta da matéria de facto fixada que tivesse pedido para pagar qualquer coima antes de ser instaurado auto de notícia.
Constata-se que o montante de 10.000 euros em que a coima foi fixada, embora próximo do limite mínimo da coima abstractamente aplicável, não corresponde ao mínimo da coima, que era de 9.470,93 euros.
Por isso, não se coloca sequer aqui a questão de tomar posição sobre as correntes jurisprudenciais manifestadas, por um lado, nos acórdãos do S.T.A. de 22-9-93, proferido no recurso n.° 16098, e de 16-4-1997, proferido no recurso n.° 21221 (em que se entendeu que a falta de indicação dos elementos que contribuíram para a aplicação da coima não constitui nulidade insanável da decisão de aplicação de coima, quando ela foi fixada no mínimo legal e constam dos autos os elementos que permitem o controlo judicial da sua aplicação), e, por outro lado, no acórdão do S.T.A. também de 16-4-1997, proferido no recurso n.° 21220 (em que se entendeu que, se a decisão que aplica a coima é absolutamente omissa na indicação circunstâncias que influenciaram afixação da coima no mínimo, essa falta constitui nulidade insanável).
Assim, qualquer que seja a posição que se adopte, tem de se entender que, no caso em apreço, não pode ser dispensada a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima.
Por outro lado, o referido art. 79.º, n.° 1, alínea c), exige que a própria indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima sejam indicados na decisão, pelo que não basta uma indicação de um documento distinto dela em que eles eventualmente sejam indicados. O que se pretende exigir com a inclusão na decisão de todos os elementos relevantes para a aplicação da coima é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de se deslocar aos serviços da administração tributária para examinar o processo, o que está em sintonia com o direito constitucional à notificação de actos lesivos e à respectiva fundamentação expressa e acessível (art. 268.°, n.° 3, da C.R.P.) e com a garantia do direito à defesa (art. 32.°, n.° 10, da C.R.P.), que reclama que haja a certeza de que ao arguido foram disponibilizados todos os elementos necessários para o concretizar.
Por isso, não é relevante em matéria contra-ordenacional a fundamentação por remissão, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender.
Por outro lado, no caso em apreço, constata-se que nem mesmo através da remissão para a informação de fls. 19 são discerníveis as "condições objectivas e subjectivas que rodearam o comportamento ilícito" a que se alude na decisão de aplicação de coima, pois nenhum dos elementos referidos nessa informação esclarece quais as condições e em que o comportamento foi levado a cabo.
Na verdade,
— os factos referidos naquela informação de a arguida ter mais processos, que nem se saber se já existiam no momento da prática da infracção, e não se conhecerem tentativas de suborno ou obtenção de vantagem ilegal junto de funcionários não podem ser considerados circunstâncias que rodearam essa prática;
— a ocorrência de prejuízo para a Fazenda Nacional e o benefício económico retirado pelo infractor são efeitos da infracção e não circunstâncias que rodearam a sua prática;
— o facto referido na informação de a situação económica dos agentes ser "normal" nada diz sobre a sua situação económica, pois não se sabe o que é que quem elaborou a informação considera ser uma situação desse tipo.
Nestes termos, tem de se concluir que a decisão de aplicação de coima, está afectada por nulidade insuprível, por não conter indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima».
***
4. Razões por que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença impugnada e anular a decisão administrativa que aplicou a coima, sem prejuízo da possibilidade da sua renovação sem o vício aqui assinalado.
Sem custas.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2006. – Baeta de Queiroz (relator) – Pimenta do Vale – Lúcio Barbosa.