Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:026635
Data do Acordão:04/17/2002
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BENJAMIM RODRIGUES
Descritores:IVA.
RECURSO.
MATÉRIA DE FACTO.
DEDUÇÃO DE IMPOSTO.
ÓNUS DE PROVA.
NULIDADE DE ACÓRDÃO.
MÉTODOS INDICIÁRIOS.
Sumário:I - O TCA não pode conhecer da matéria de facto não impugnada no recurso, salvo quando ela integre questão de conhecimento oficioso, sob pena de ofender o princípio da não reformatio in pejus afirmado pelo art.º 684º n.º 4 do CPC, ainda que toda a prova relativa à causa conste dos autos.
II - No contencioso de anulação, em que se enquadra a impugnação judicial dos actos tributários, é de conhecimento oficioso pelo tribunal que conhece de facto a fundamentação formal integrante do acto, enquanto elemento constitutivo do mesmo, mas já não o juízo sobre a correspondência à realidade dos pressupostos de facto nela afirmados.
III - Tendo em conta o princípio da legalidade administrativa, tal qual é hoje entendido, incumbe à administração, em termos correspondentes aos que são afirmados pelo art.º 342º do C. Civil, o ónus de prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas desfavoráveis ao destinatário, como sejam a existência dos factos tributários e respectiva quantificação, ressalvadas as excepções constantes do art.º 121º do CPT, quando o acto por ela praticado se fundamente nessa existência do facto tributário e na sua quantificação.
IV - Quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art.º 82º n.º 1 do CIVA e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art.º 19º do CIVA.
V - Os requisitos estabelecidos no art.º 82º n.º 1 do CIVA para que a administração proceda à liquidação adicional fundada na existência de deduções declaradas superiores às devidas são: a sua consideração subjectiva, na sua actividade de controlo ou de fiscalização relativa ao cumprimento dos deveres dos contribuintes, de que estes fizeram constar das suas declarações uma dedução superior à que seria devida; que essa consideração seja tomada de modo, objectiva e materialmente, fundamentado, mesmo na perspectiva do juízo de prognose probatória efectuado pelo tribunal relativo à veracidade dos factos afirmados na fundamentação do acto, que não só à face do invocado na fundamentação administrativa.
VI - Enquanto tribunal de revista, o STA não pode apreciar se, tendo em conta os factos constantes do probatório, é de concluir pela existência de uma dúvida fundada, para os efeitos contemplados no art.º 121º n.º 1 do CPT, quanto à existência dos factos tributários e respectiva quantificação que a recorrente alegou como fundamento da dedução declarada e que a administração não lhe reconheceu, por isso envolver uma reapreciação do processo interior de formação da convicção probatória e do resultado da mesma que não cabe nos poderes previstos no art.º 722º n.º 2 do CPC.
Nº Convencional:JSTA00057539
Nº do Documento:SA220020417026635
Data de Entrada:11/07/2001
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Objecto:AC TCA DE 2001/05/29.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPC ART684 N4.
CC66 ART342.
CPT ART121.
CIVA ART19 ART82 N1.
Aditamento:
Texto Integral: ...;
d) A impugnante foi notificada, em 9/6/95, para efectuar o pagamento daquelas quantias, o que não fez;
e) O imposto foi debitado ao Tesoureiro da Fazenda Pública para cobrança virtual em 16/11/95;
f) Em 17/7/95 foi deduzida esta impugnação - cfr. o teor de fls. 124 e seg. e 129 a 134, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos.
6.2. Relativamente ao julgamento da matéria de facto, a sentença de 1ª instância fixou, ainda, o seguinte: “Factos não provados – os restantes alegados na petição, mormente que o empresário ... tivesse executado os serviços a que se referem as facturas nºs. 120, 135 e 139 e que tais serviços tivessem sido pagos pela aqui impugnante”.
6.3. O acórdão recorrido aditou ao probatório estabelecido pela sentença recorrida as alíneas g) e h) do seguinte teor:
“g) No relatório de exame à escrita da impugnante, referido na al. b) deste Probatório, consta, além do mais, o seguinte:
« . . . Encontra-se tributada em IRC pela Repartição de Finanças Felgueiras e em IVA, pelo
regime normal de periodicidade mensal, estando as transacções, na sua totalidade sujeitas,
quer à taxa reduzida, quer à taxa normal.
( . . . )
2.- ANÁLISE DO REEMBOLSO
2.1. - IVA dedutível
Dado que durante os exercícios de 1991/92, o sujeito passivo deduziu cerca de 91.000 contos de IVA de imobilizado, procedeu-se a uma análise exaustiva dos documentos comprovativos desses investimentos.
Dessa análise resultou que todas as deduções estavam comprovadas por documentos externos e se referiam quer a construção de edifícios (do hotel e do "Health Club") quer à aquisição de equipamentos para os mesmos.
No entanto foi detectada a seguinte situação:
2.1.1. - Situações irregulares
Foram encontradas as facturas cujas cópias seguem em anexo (Documentos 1, 2 e 3), emitidas por , contribuinte n° ..., com sede em Serrinha, Figueiró, Amarante e que a seguir se discriminam:
Número Data Valor líquido IVA Total
120 30/9/92 20.689.655$00 3.310.345$00 24.000.000$00
135 2/12/92 21.248.285$00 3.405.486$00 24.689.771$00
139 30/12/92 18.660.000$00 2.985.600$00 21.645.600$00
Total 60.633.940$00 9.701.431$00 70.335.371$00
Dado os montantes elevados em causa, o facto de se tratar de contribuinte em nome individual (o emitente) e de todos os outros trabalhos de construção civil efectuados no Hotel terem sido facturados por uma empresa pertencente aos sócios do mesmo (a firma “B....”), levaram-nos a pensar que se trataria de facturas que não corresponderiam a trabalhos efectivamente prestados.
Esta convicção mais se intensificou quando perante estas suspeitas se procedeu à consulta dos dados constantes do cadastro do IVA, nos meios informáticos desta Direcção Distrital.
De tal cadastro constava:
1° - O sujeito passivo não possui contabilidade organizada;
2° - O sujeito passivo pertence ao regime trimestral;
3° - O sujeito passivo não enviou qualquer declaração periódica do IVA, durante o ano de 1992;
4°- A última declaração enviada pelo sujeito passivo respeita ao 4° trimestre de 1991, dela constando um volume de negócios de 2.983.828$00, valor aproximado aos normalmente apresentados e muito inferior aos montantes em causa.
Embora qualquer destes pontos de per si não tenham muito significado, a conjunção dos quatro tornava-se bastante suspeita e levou-nos a pensar que de facto se está perante uma situação irregular, pelo que foi pedida uma fiscalização ao supra citado sujeito passivo.
Acresce que analisados os documentos referentes ao pagamento das mesmas facturas, cujas cópias seguem em anexo (Documentos 4, 5, 6, 7 e 8) , apenas um é feito através de cheque, sendo ainda um pagamento parcial da factura n° 120 no montante de 2.600.000$00 em 14/10/92, sendo os restantes pagamentos efectuados a dinheiro (14.500.000$00 em 15/10/92, 6.900.000$00, 24.689.771$00 ambos em 23/12/92, 21.645.600$00 em 30/12/92), obrigando à mobilização de 53.234 contos em uma semana e todo ele em dinheiro.
( . . . )
2.1.2. - Resultado da fiscalização efectuada ao emitente
Em informação prestada em 27/08/93 por técnico deste Departamento de Fiscalização, cuja cópia se anexa (Documento 10) , ressaltam os seguintes factos:
1° - Trata-se de uma firma de pequena/média dimensão que não escriturou os livros de registo exigidos pelo art. 50° do CIVA e que não foram exibidos quaisquer outros elementos extracontabilísticos porventura existentes (pág. 1) ;
2° - Durante o exercício de 1992 apenas emitiu facturas num montante de 6.008.690$00 e as compras documentadas atingiram, apenas, o montante de 5.817.800$00 (pág. 2) ;
3° - A última factura emitida em 1992, com data de 30/07/92, tem o n° 44, quando os documentos em causa têm os nº 120, 135 e 139 (pág. 4) ;
4° - Quanto a custos, não existia qualquer factura referente à aquisição de subcontratos ou sub-empreitada;
5° - Não foram exibidas as facturas do sujeito passivo com a numeração de 45 a 50, 101 a 150 e 151 a 200, sendo apenas exibidos intactos os livros com as facturas numeradas de 51 a 100 e 201 a 250 (pág. 5);
6° - O pessoal ao serviço da empresa ascenderia a 17 (ao longo de todo ano), conforme foi
apurado através das facturas emitidas pelo contribuinte (pág. 6).
2.1.3. - Conclusão
Face aos dados recolhidos pela fiscalização, verifica-se que os serviços descritos nas facturas em anexo (Documentos 1, 2 e 3) nunca poderiam ter sido executados pelo contribuinte “...”, dado que o montante global (mais de 60.000 contos) e o prazo de execução das obras não são comportáveis com a capacidade evidenciada pelo mesmo contribuinte.
Além disso, se os sócios da empresa fiscalizada são também sócios de uma empresa de construção civil, embora talvez sem capacidade para efectuar todos os trabalhos efectuados no hotel, não se compreenderia que tivesse recorrido a terceiros para subcontratar os trabalhos efectuados, dado que se provou não ter o emitente das facturas capacidade de prestar este tipo de serviço isoladamente.
Em obras desta envergadura, entregues a um empreiteiro, não é normal o dono da obra entregar a outros empreiteiros parte desta obra, a não ser obras não previstas (o que não é o caso pois trata-se de acabamentos), muito menos quando o empreiteiro pertence aos mesmos sócios.
(...)».
h) No relatório de exame à escrita de ..., referenciado na al. c) deste Probatório, consta, além do mais, que:
- não transparece dos indicadores capacidade empresarial para levar a efeito obras de significativa envergadura. . .
( . . . )
. . . apesar de desconhecido o número exacto ou até mesmo aproximado de empregados ao serviço, constata-se que uma boa parte dos mesmos foram adstritos a outros serviços executados conforme outras facturas emitidas nos períodos imediatamente anteriores. . .
. . . da análise detalhada das facturas de Compras. . . não constam alguns dos produtos susceptíveis de incorporação nos serviços alegadamente executados, designadamente os referidos nas citadas facturas nºs. 120 e 135. Como também não foram exibidos documentos comprovativos de eventuais aquisições por parte do sujeito passivo de “Subcontratos” ou “Sub-empreitadas” ou análogos para o efeito. . .
( . . . )
- Não foi exibido o triplicado da factura n° 1 nem a mesma consta como anulada na respectiva sequência numérica;
- Não há qualquer referência quanto às facturas nºs. 45 a 50 e 151 a 200 inclusive;
- Foram exibidos intactos os blocos de facturas com a numeração 51 a 100 e 201 a 250 inclusive;
- Do bloco de facturas que contem a sequência numérica nºs. 100 a 150, apenas existe referência às citadas nºs. 120, 125 e 139, cujo conhecimento das mesmas foi obtido por recolha em fiscalização cruzada, não tendo sido exibidos triplicados das restantes, no caso de terem sido emitidas, ou os “originais, duplicados e triplicados” em caso inverso.”.
7. Do mérito do recurso
7.1. Da questão da nulidade do acórdão
Dada a sua precedência lógica sobre o das demais questões, em razão da dependência do julgamento do mérito da causa dos factos a que esse fundamento do recurso se refere, cumpre começar pelo conhecimento da alegada nulidade por excesso de pronúncia.
Pretexta a recorrente que a 2ª instância, ao aditar ao probatório fixado pela sentença recorrida as alíneas g) e h), sem que essa alteração da matéria de facto lhe houvesse sido colocada pela recorrente ou pela Fazenda Pública, incorreu na nulidade prevista nos art.ºs 668º n.º 1 al. d) do CPC e 125º n.º 1 do CPPT. É que, – diz –, o uso do poder conferido pelo art.º 712º n.ºs 1 al. a) e 2 do CPC à Relação de alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, pressupõe a interposição de recurso pela parte a quem aproveita a alteração ou a anulação da decisão, sob pena de outro modo sair violada a regra do art.º 684º n.º 4 do CPC.
Não há dúvida que a tese da recorrente é, inteiramente, de sufragar quando cingida ao âmbito das questões que não sejam de conhecimento oficioso. O princípio dispositivo, enquanto direito disponível de afirmação, decorrente do princípio da autonomia da vontade, tanto vale na sede de alegação dos fundamentos da acção como na sede de alegação dos fundamentos do recurso. Não vigorando, actualmente, entre nós, a figura do recurso obrigatório, ao contrário do que se passou em tempos idos, no domínio do contencioso tributário (Era o regime que vigorava à altura da entrada em vigor do ETAF – DL. n.º 129/84, de 27/04.), não poderá o tribunal ad quem conhecer de quaisquer fundamentos de reforma da decisão recorrida que não lhe sejam colocados em sede de recurso, através do meio próprio de colocação dessas questões que são as suas alegações e respectivas conclusões. Trata-se de um princípio que acolhe suficiente explicitação positiva nos art.ºs 678º, 680º, 681º, 682º, 684º, 687º, 690º e, maxime, em sede de matéria de facto, no art.º 690º-A do CPC.
Assim sendo, o poder conferido à Relação, mesmo que tributária, pelo art.º 712º n.º 1 al. a) do CPC de alterar a matéria de facto tem de ser entendido enquanto referido aos fundamentos do recurso que tenham por objecto a alteração da matéria de facto que foi fixada pela 1ª instância. O preceito tem por âmbito de aplicação aquelas hipóteses em que seja posta à Relação uma questão relativa a erro da sentença na fixação dos factos materiais da causa, seja devido a erro na apreciação das provas, seja devido a erro de prognose judicativo-probatória dos factos materialmente relevantes. Apenas nesses casos, para além do que abaixo se precisará, é que a Relação poderá alterar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto. Só este entendimento salvaguarda, de resto, o respeito devido ao princípio da não reformatio in pejus que vigora nos recursos jurisdicionais e que se acha positivamente assumido no art.º 684º n.º 4 do CPC. Seria intolerável que o recorrente viesse a ser surpreendido por um novo julgamento desfavorável da matéria de facto, quando ele ou a outra parte não o impugnaram pela via do recurso ou da ampliação do seu âmbito (art.º 684º-A do CPC). Os próprios termos verbais do art.º 712º n.º 1 al. a) do CPC dão exacta expressão a esse sentido quando dizem que “a decisão... sobre a matéria de facto pode ser alterada se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de facto em causa ou, se tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art.º 690º-A, a decisão com base neles proferida” (utilizou-se o negrito para acentuar a referida intencionalidade dos termos verbais). Mas há uma excepção, como acabou de dizer-se. Referimo-nos à dos factos integrantes de questão de conhecimento oficioso. Se o tribunal pode conhecer oficiosamente de certa questão jurídica, não pode deixar de poder conhecer também dos factos que a induzem. Dito de outra forma, se o tribunal pode conhecer da questão por virtude do exercício apenas das suas próprias funções, não poderá deixar de conhecer dos factos que a postulam, ainda que não alegados. Trata-se, aliás, de uma regra que se encontra explicitada no n.º 2 do art.º 514º do CPC, segundo a qual “não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra desses factos, deve juntar ao processo documento que os comprove”.
E é o que se passa com a concreta matéria que está em causa – a das alíneas g) e h) do probatório do acórdão recorrido. Nelas, o acórdão recorrido limita-se apenas a dar como provado o teor do relatório dos Serviços de Fiscalização que constituiu o fundamento do acto impugnado, relatório esse relativo ao exame efectuado à escrita da impugnante, que já havia sido referido na al. b) do mesmo probatório, e no exame à escrita de ..., referenciado na al. h). Nessas alíneas do probatório, o acórdão recorrido não evidenciou o resultado de qualquer juízo de facto que porventura houvesse efectuado sobre a existência dos factos que a administração invocou como fundamentos do acto tributário praticado e que esteja para além do constante da sentença da 1ª instância. O acórdão cingiu-se a dar como provados quais eram os fundamentos que haviam sido invocados pela administração para se decidir como se decidiu pela prática do acto impugnado, sem exprimir qualquer juízo sobre a sua correspondência à realidade para além do já fixado pela 1ª instância. E foi essa, de resto, a única dimensão factual que, relativamente a essa matéria, o acórdão recorrido veio a relevar, posteriormente, para a apreciação de mérito da causa ou seja, o acórdão recorrido relevou, apenas, o quadro factual adicionado para, à face dos restantes factos fixados, saber se a decisão de tributação se havia de ter por subjectiva e funcionalmente justificada, embora numa perspectiva errada como se verá.
Ora, no domínio do contencioso de anulação, como é o tipo em que este se insere (Cfr. art.º 6º do ETAF e art.ºs 99º, 100º, 101º do CPPT e art.ºs 100º e 102º da Lei Geral Tributária (anteriormente, os 120º 121º, 122º e 145º do CPT).), tem de entender-se como sendo do conhecimento do tribunal que pode conhecer da matéria de facto, como é o caso da 2ª instância tributária, o facto consubstanciado pela fundamentação do acto impugnado ou seja, a declaração fundamentadora do acto emitida pela administração. Trata-se de um elemento que, quando existe, integra, como elemento constituinte, o próprio acto em concreto anulando que constitui o objecto do recurso contencioso e de que cabe ao tribunal conhecer no exercício da sua função jurisdicional. Ao conhecer do acto em concreto, como é, por natureza, próprio da função jurisdicional, tendo em vista a sua potencial anulação, o tribunal que conhece de facto deve poder conhecer dos seus elementos constituintes concretos. Daí que seja jurisprudência constantemente afirmada que, no contencioso de anulação, o tribunal que conhece de facto procede, ao abrigo do art.º 6º do ETAF, à aquisição oficiosa dos elementos do acto, entre eles se contando a declaração de fundamentação em que o mesmo se estribou.
Assim sendo, o acórdão recorrido não ultrapassou os limites do seu poder/dever de pronúncia, pelo que não ocorre a nulidade por excesso de pronúncia que vem invocada.
7.2. Da questão da procedência da impugnação
Pretexta a recorrente que a liquidação impugnada não resultou da aplicação de presunções ou de métodos indiciários ou, ainda de falta de apresentação da declaração periódica, a que sejam aplicáveis os art.ºs 82º n.º 4, 83º n.º 1 e 83º-A n.ºs 1 e 2 do CIVA, ao contrário do que foi pressuposto pelo acórdão recorrido, e que, sendo assim, seria necessário que a administração provasse que as facturas acima indicadas não correspondiam a fornecimentos que não lhe tivessem sido efectivamente efectuados pelo dito.... Todavia, - continua -, do probatório não consta essa prova, nem ela se pode ter como feita à face apenas do relatório dos serviços de fiscalização em que se suporta o acto de liquidação, pois este não é nada de incontroverso, ainda que visto como acto de valor equivalente ao estabelecido no art.º 134º n.º 2 do CPT para as informações oficiais (agora o art.º 115º n.º 2 do CPPT), dado que as conclusões aí tiradas não assentam numa base científica ou lógica irrefutável, constituindo antes opiniões pessoais, impressões ou palpites de quem os elaborou.
Vejamos se lhe assiste razão. Ao contrário do alegado, o acórdão recorrido não sustenta que a liquidação impugnada resulte da aplicação de métodos indiciários ou de presunções, mas só que está em causa uma “tributação com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efectuou” e que essa tributação “implica a demonstração, por parte da administração fiscal da existência dos factos levados ao relatório da fiscalização, por si entendidos como subsumíveis nos pressupostos e condições legais de tributação do IVA por presunção de operações (art.ºs 82º n.º 4, 83º n.º 1 e 83º-A n.ºs 1 e 2 do CIVA)”. Sintetizando o seu discurso de apreciação crítica do mérito da causa, na parte que importa à resolução desta questão, verifica-se que o acórdão recorrido se estribou no seguinte raciocínio: à administração fiscal cabe demonstrar que praticou o acto de liquidação adicional do IVA por, à face dos factos por si afirmados (itálico nosso) no relatório consubstanciador da sua fundamentação, se dever considerar o seu convencimento como justificado subjectivamente; ao sujeito passivo competirá a prova de que o facto tributário se não verificou; não conseguindo o contribuinte fazer esta prova, o tribunal deverá concluir pela legalidade da liquidação quando conclua que é justificado o convencimento da administração quanto à existência dos factos por si expostos como fundamentação do acto. E na linha de tal pensamento, o acórdão recorrido acabou por ajuizar, após uma profunda análise acerca da convincência probatória a atribuir aos depoimentos das testemunhas e do relatório de fiscalização, que o contribuinte não tinha conseguido fazer a prova da existência dos factos tributários e que, perante os factos expostos no relatório da fiscalização, respeitantes quer à escrita do contribuinte quer à do emitente das facturas, era de ter por fundada a convicção da administração quanto à não ocorrência das operações cujo imposto houve por ilegalmente deduzido.
Também este tribunal considera que cabe à administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação ou seja, que lhe cabe fazer a prova da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido. Tratam-se de factos constitutivos do direito a agir, cuja existência é demandada pelo princípio da legalidade administrativa, em qualquer das suas acepções (de precedência e de reserva de lei), segundo a sua actual compreensão, mesmo à luz da nossa lei fundamental (art.º 266º n.º 2 da CRP), de acordo com o qual, brevitatis causa, a administração só pode agir se isso estiver previsto na lei e nada poderá fazer contra a lei. Face ao actual entendimento do princípio da legalidade, este deixou de surgir como um mero limite à actividade da administração para passar a ser o fundamento de toda a sua actividade. A ser assim, à administração caberá o ónus de “demonstrar a existência do fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e de competência para a prática do acto em causa” ou da sua actuação enquanto persona potentior, pois só perante a existência deste está autorizada a actuar. Esta solução acaba, deste modo, por corresponder à que é afirmada como regra geral pelo art.º 342º do C. Civil segundo a qual quem invoca um direito tem o ónus de prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos. Neste caso, caberá à administração a prova de que se verificam os factos que integrem o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar adicionalmente o imposto que o contribuinte deixou de liquidar ou seja, dos factos a cuja existência está normativamente indexada a competência administrativa. Diferente é a questão de saber a quem cabe fazer a prova da legalidade substantiva dos actos praticados pela administração a coberto das normas concedentes de atribuições e de competência ou seja, do acto concretamente praticado dentro do tipo de actuação legalmente empreendida pela administração. Relativamente a esta temática há que notar que a titularização do ónus da prova corresponde sempre ao resultado de uma valoração que o legislador efectua quanto à distribuição das responsabilidades probatórias relativamente à administração e aos particulares. Sabidas as contingências quanto à existência das provas e ao juízo da sua apreciação, como um facto intrinsecamente ligado à própria natureza humana, não poderá o legislador demitir-se de tomar uma posição quanto à repartição dos resultados dessa contingência. A eleição feita evidencia, consequentemente, a ponderação feita pelo legislador dentro dos quadros de normalidade normativamente representados. Os art.ºs 342º a 348º do C. Civil, 78º e 121º do CPT e 74º da LGT representam, deste modo, o resultado de uma tal valoração feita pelo legislador relativamente a tal matéria.
Mas se é assim, como diz José Carlos Vieira de Andrade, e reportando-nos ao direito administrativo, “o ónus da prova, entendido neste sentido objectivo, vai depender da situação processual das partes, mas – porque depende de valorações normativas e não de imperativos de pura lógica – terá de determinar-se, na ausência de norma expressa, de acordo com um quadro de normalidade concreto ou típico, construído com base nas regras específicas do domínio da vida em causa e nos princípios próprios do direito administrativo (Cfr. A Justiça Administrativa (Lições), 2ª edição, Coimbra, 1999, págs, 268 e segs.). Entre eles avultará, evidentemente, pela sua estrutura de princípio fundamento, o da legalidade administrativa e o da juridicidade administrativa. Sendo assim, o ónus de prova variará consoante o tipo de acto administrativo ou seja, variará consoante a eleição que o legislador faça quanto aos pressupostos constitutivos do acto. Quando a legalidade do agir da administração esteja dependente, também, da verificação dos pressupostos que foram normativamente elegidos para o tipo de acto, maxime quando este se insere na categoria de actos desfavoráveis para o administrado, não pode deixar de entender-se que caberá à administração também a prova da existência desses fundamentos legais. É uma solução que decorre do princípio da legalidade administrativa, tal como foi acima entendido. Será naturalmente diferente quando a legalidade substantiva do acto se apresente não só como independente da legalidade da actuação da administração como ainda esse acto se traduza num não reconhecimento de um direito que seja alegado contra ela pelo administrado. Temos, portanto, de concluir que a repartição do ónus de prova é uma questão que há-de ser resolvida de acordo com a posição que as partes ocupam no processo e com o tipo de relação jurídica que constitui o seu objecto e, decorrentemente, no domínio do contencioso de anulação, com o tipo de acto anulando, tal qual a lei o caracteriza ou define os seus elementos constitutivos (Cfr., em sentido algo idêntico, o acórdão deste STA, de 26.01.2000 (1ª Secção), proferido no Proc. n.º 37 739, publicado no BMJ, 493º-226 e segs.). É na senda do que vem de dizer-se ou seja, o de que caberá à administração o ónus de prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas desfavoráveis aos administrados, que se posiciona exactamente o estatuído no art.º 78º do C. Proc. Tributário, segundo o qual “quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte”, bem como o prescrito no art.º 121º n.º 1 do CPT, segundo o qual “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”. Quando o acto da administração se traduza na afirmação positiva da prática pelo contribuinte do facto tributário e da sua expressão quantitativa é a ela que incumbe a prova da sua verificação, devendo a dúvida ser resolvida pelo tribunal contra ela (Conquanto a LGT não seja aplicável ao caso, porque ainda não vigente quer à data dos factos tributários quer à data da prática do acto de liquidação adicional ( que são os momentos em função dos quais tem sentido equacionar-se a determinação da lei aplicável relativa ao valor material das provas) cumpre deixar aqui anotado que é exactamente esta doutrina que o seu art.º 74º veio consagrar, pelo que nada teria essa lei inovado nesta matéria. A inversão do ónus da prova relativa à quantificação da matéria colectável constante do n.º 3 deste art.º 74º, e que corresponde àquela valoração feita pelo legislador de que se falou, justifica-se por ser evidente aqui uma violação dos seus deveres de colaboração por parte do contribuinte. Aliás, essa inversão já constava do n.º 2 do art.º 121º do CPT desde a alteração que lhe foi introduzida pelo DL. n.º 165/95, de 15 de Julho.). Só que a situação dos autos não é essa. Não é a administração fiscal que está a afirmar a existência do facto tributário, mas antes o contribuinte. O acto da administração fiscal consubstancia-se, antes, num não reconhecimento de um direito que o contribuinte se arroga - o direito de dedução do imposto pago a montante – e que diz fundar na existência dos factos tributários.
Deste modo, para se saber a quem cabe o ónus de prova da existência das operações cujo imposto se considerou indevidamente deduzido, se à administração, se ao contribuinte, ter-se-ão de analisar as normas de cuja aplicação resultou o acto tributário impugnado.
A norma que confere as atribuições à administração, exercidas no tipo de acto que está aqui em causa, é a constante do art.º 82º n.º 1 do CIVA.
Diz ele o seguinte:
“O chefe de repartição de finanças competente procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença”.
Segundo esta norma, e na perspectiva que importa ao caso concreto, são dois os requisitos legais da actuação da administração: a consideração subjectiva, na sua actividade de controlo ou de fiscalização relativa ao cumprimento dos deveres dos contribuintes, de que estes fizeram constar das suas declarações uma dedução superior à que seria devida ou seja, superior à que resulta da aplicação da lei que as regula; que essa consideração seja tomada de modo fundamentado. Ao usar, todavia, a expressão “... quando fundamentadamente considere que nelas figura... uma dedução superior á devida”, o legislador pretende evidenciar a exigência não só da existência de uma declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo (consideração), mas também a necessidade desse juízo se equivaler ao resultado de uma ponderação fáctico-jurídica, substancial ou materialmente, correcta. Não importa só que a administração se diga convencida, mas também que diga porque é que se deixou convencer e que este resultado possa ser objectivamente apreciado e controlado pelo tribunal à luz dos critérios adequados. E sendo assim, para emitir o seu juízo sobre se se deve ter por materialmente fundamentada a consideração da administração, o tribunal não se pode ater apenas à existência de uma fundamentação formal e aos elementos nela externados, ao contrário do que entendeu o acórdão recorrido, mas terá formar o seu próprio seu juízo probatório sobre a correspondência à realidade fáctico-jurídica dos elementos em que a administração disse apoiar a sua consideração e aferir, então, sobre eles se esta deve ter-se por correcta. À administração caberá, assim, o ónus de provar, também em tribunal, os pressupostos de facto suficientes, dentre os afirmados na fundamentação do acto, para que o tribunal possa ajuizar sobre se o juízo administrativo se deve ter por, objectiva e materialmente, fundamentado.
Nesta perspectiva, o tribunal a quo não poderia entrar em conta com os factos invocados pela administração em fundamentação do acto, como sejam as vicissitudes da escrita e da actividade do emitente das facturas cujo imposto se deduziu que ele não deu como provadas.
Não obstante esse erro do acórdão recorrido acontecido no itinere do acto judicativo-decisório, temos que é de manter o resultado do juízo formado pelo tribunal recorrido quanto a dever considerar-se devidamente fundada a consideração feita pela administração de que a recorrente declarou um valor de deduções de imposto superior ao devido. Na verdade, e cingindo-nos estritamente ao probatório, não poderá deixar de se considerar como adequada uma conclusão nesse sentido numa situação, como a dos autos, em que estão em causa facturas em que o imposto nelas liquidado é de montante elevado; as facturas não se encontram relacionadas na contabilidade do seu emitente – o dito ... – e, finalmente, a adquirente das prestações a que se referem as facturas – a recorrente – não conseguiu demonstrar que essas prestações lhe foram real e efectivamente realizadas por aquele contribuinte.
O direito de dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efectivamente suportado em operações económicas efectivamente acontecidas. De contrário, estaríamos perante um simples arquétipo intelectual ou virtual e não perante um tributo que visa atingir de forma geral o consumo real de bens e serviços nos diversos estádios do circuito económico. A inadmissibilidade da dedução do imposto relativo a operação simulada ou em que seja simulado o preço, afirmada positivamente no n.º 3 do art.º 19º do CIVA, corresponde, deste modo, a uma conclusão forçosa ou decorrente da própria natureza do imposto, cuja explicitação formal apenas se justifica por questões de clareza. A dedução do imposto pago a montante pelo sujeito passivo, previsto no art.º 19º n.º 1 do CIVA, corresponde, segundo o próprio tipo de imposto, tal qual este se encontra normativamente construído, como um direito do sujeito passivo que o pagou. A dedução é o mecanismo que permite que a tributação apenas atinja em cada fase do circuito económico o valor dos bens ou serviços nela acrescentado. Se não fosse esse mecanismo, o imposto seria um tipo de imposto em cascata e cumulativo em que haveria, em cada fase do circuito económico, uma tributação sucessiva do valor acrescentado na anterior e do valor não acrescentado. A dedução é, assim, um elemento da estrutura de funcionamento do tipo de imposto. Mas, simultaneamente, ela corresponde, também, a um direito do sujeito passivo que suportou o imposto, pois lhe confere a possibilidade de recuperar o imposto que suportou na aquisição dos bens e serviços. Se o contribuinte não deduzir o imposto, nada lhe acontecerá sob o ponto de vista fiscal. Essa atitude apenas o poderá afectar económica e financeiramente, saindo prejudicado na concorrência e, em última instância, podendo ir à falência.
Se a dedução corresponde a um direito do contribuinte, segundo a própria conformação normativa do imposto, é ao contribuinte que caberá demonstrar a existência dos factos em que a suporta. Deste modo, quando esteja em causa uma liquidação fundada no não reconhecimento pela administração de uma dedução que o contribuinte fez caberá a este a prova da verificação dos requisitos estabelecidos na lei para que essa dedução seja substantivamente legítima. Ao contribuinte, em tal caso, caberá a prova da existência dos factos tributários que afirma. A situação será diferente quando o imposto liquidado adicionalmente ao contribuinte diga respeito não a deduções consideradas indevidas, mas a operações cuja existência o contribuinte não declarou e a administração, todavia, afirma como realmente acontecidas. Neste caso, já caberá à administração a prova da existência dos factos tributários, devendo ela sofrer as consequências jurídicas desse ónus de prova. É a esta dimensão da problemática do ónus da prova que se refere o art.º 121º do CPT.
Da conjugação das normas dos art.ºs 82º n.º 1 e 19º do CIVA resulta, assim, que não caberá à administração o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou fundamentadamente deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, mas que caberá ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Digamos, retornando ao sentido do discurso feito atrás, que à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art.º 82º n.º 1 do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa. Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração. Relativamente a esta matéria, a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei. É nesta perspectiva que se poderá, de algum modo, falar que a administração apenas terá de fazer a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários e que, na falta dessa prova, essa questão – ou seja a questão relativa à legalidade do seu agir praticando o acto tributário – terá de ser resolvida contra ela. Um tal entendimento é, aliás, aquele que se afigura mais razoável e mais consentâneo com as próprias regras gerais estabelecidas nos art.ºs 342º e 343º do C. Civil sobre o ónus de prova, na medida em que assim se afasta a exigência da denominada prova diabólica, porque relativa à verificação dos factos em cuja afirmação de existência a recorrente fundamenta o seu direito, a que conduziria a posição contrária, numa solução que assim se ajusta perfeitamente à que o último preceito consagra de que “nas acções de simples apreciação ou de declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga”. E é um resultado que está, também, em perfeita sintonia com o princípio de presunção de veracidade que está assumido no art.º 78º do CPT. Na verdade, a única veracidade que, numa tal circunstância, este preceito impõe que se presuma é a de que a recorrente deduziu um montante de imposto de valor equivalente ao que consta das facturas em causa, e que o fez com base na existência e registo destas na sua contabilidade, e não já que os factos constantes dessas facturas (os factos tributários) se hajam de presumir por verídicos, pois estes seriam já dados cuja veracidade apenas poderia ser presumida à face da escrita do contribuinte que as emitiu e da qual constituiriam uma decorrência lógico-legal, dado tratar-se de um acto praticado por este e não pela recorrente (contribuinte que apenas deduziu o imposto), se porventura, fosse feita a prova que dela constavam.
Já se viu, todavia, que face aos elementos apurados pelo tribunal constantes do probatório se deve ter por fundada a consideração da administração. E isso, acentue-se, sem entrar em linha de conta na construção desse juízo com os factos que a administração afirmou no relatório de fiscalização, cujo teor parcial, as alíneas g) e h) do probatório aditado referem, mas cuja veracidade os tribunais que julgaram de facto não deram como assente.
Não tendo, assim, a recorrente demonstrado a existência dos factos tributários, não pode a questão da legalidade substantiva da dedução que se arrogou perante a administração fiscal de ser resolvida contra ela.
É, pois, de manter, se bem que por outros fundamentos diversos, a resposta dada pelo tribunal quanto à improcedência da impugnação por falta de prova por banda da recorrente quanto à existência dos factos tributários em que fundou a dedução do imposto declarada.
7.3. Da terceira questão (de saber se, face aos factos dados como provados nos seus pontos 5.2 e 5.3, devia o acórdão recorrido ter concluído pela existência da fundada dúvida a que se refere o art.º 121º n.º 1 do CPT e conceder provimento ao recurso).
Sustenta a recorrente que, mesmo considerando os factos que deu como provados nos seus pontos 5.2. e 5.3., o acórdão recorrido devia ter concluído pela existência da dúvida a que se refere o n.º 1 do art.º 121º do CPT e, portanto, conceder provimento ao recurso.
Já acima se disse que este preceito não abrange os actos da administração que se traduzam no não reconhecimento das deduções declaradas pelos contribuintes quando a dúvida diga respeito não à legalidade da actuação da administração mas da existência dos factos tributários que são afirmados pelo contribuinte como tendo acontecido e em que funda essa dedução de imposto. O ónus consagrado contra a administração no art.º 121º n.º 1 do CPT apenas existe quando seja ela a afirmar a existência dos factos tributários e a respectiva quantificação e não quando esta cabe ao contribuinte.
Mas independentemente deste aspecto acontece, ainda, que este tribunal, enquanto tribunal com poderes equivalentes aos de tribunal de revista, não pode conhecer de uma tal questão. De acordo com o disposto no art.º 722º n.º 2 do CPC, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de qualquer meio de prova”. Ora, o saber se o julgador, perante os factos constantes do probatório, deverá ou não concluir pela existência de uma dúvida fundada quanto à existência dos factos tributários e respectiva quantificação que a recorrente alegou como fundamento da dedução declarada e que a administração não lhe reconheceu, envolve uma reapreciação do processo interior de formação da convicção probatória e do resultado da mesma que o tribunal de revista nunca poderá fazer, pois isso envolveria uma reponderação das provas que está fora dos seus poderes que estão, nessa matéria, previstos no art.º 722º n.º 2 do CPC, por implicar a formação de uma convicção dentro de uma livre apreciação das provas.
O que o tribunal de revista poderia sindicar eram apenas os aspectos de saber se o tribunal determinou bem o critério normativo que o referido preceito estabelece e o seu juízo sobre a sua aplicabilidade em abstracto à hipótese correspondente ao caso dos autos. Ora tal matéria não vem posta em causa pela recorrente. De qualquer modo, sempre se poderá dizer que o acórdão recorrido interpretou correctamente tal preceito ao afirmar que “se trata de norma que se reporta à questão do ónus da prova, destruindo a presunção legal a favor da AF (in dubio pro Fisco), estabelecendo uma verdadeira repartição do ónus da prova (que se coloca apenas em relação a questões de facto), de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AF, não devendo ela efectuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles, isto é, se o conhecimento desses factos for baseado em meras aparências desacompanhadas da expressão factual de verdadeiros elementos probatórios”, mas que, “no caso dos autos, não há qualquer «non liquet» quanto à concreta existência dos factos tributários (transacções ou serviços prestados)” porque o contribuinte “não logrou provar os pressupostos em que assentou a decisão da não aceitação da dedução”.
A resposta a esta questão não pode deixar, assim, de ser negativa.
C – A decisão
8. Destarte, atento tudo o exposto, acordam os juizes deste tribunal, em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente com 50% de procuradoria.
Lisboa, 17 de Abril de 2002
Benjamim Rodrigues – Relator – Mendes Pimentel – Fonseca Limão.