Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01090/17
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
INCIDÊNCIA
TABELA DO IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO
PROPRIEDADE VERTICAL
Sumário:A verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, não tem aplicação aos prédios urbanos com um único artigo matricial mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes e às quais foram atribuídos, de forma individual e separadamente, valores patrimoniais tributários autónomos, cada um deles de valor inferior a um milhão de euros.
Nº Convencional:JSTA000P22586
Nº do Documento:SA22017112201090
Data de Entrada:10/09/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......, S.A. - COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A……., S.A. – Companhia Nacional de Seguros contra actos de liquidação de Imposto do Selo referentes ao ano de 2013, no valor total de 26.448,78 €.
1.1. Formulou alegações de recurso que rematou com as seguintes conclusões:
I. Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal ad quo caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal ad quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência de resulta de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objeto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.
II. Assim, a questão a controvertida passa por dirimir «se integra o conceito de prédio com afetação habitacional previsto na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo (IS) tal como foi aditado pelo art.º 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/12, o prédio constituído em propriedade global, ou cada um dos seus andares divisões suscetíveis de utilização independente, individualmente, tal como consta (discriminado) na matriz» e «se, assim, é legal fazer incidir imposto de selo, tomando por referência o somatório dos valores patrimoniais de tais andares ou frações, e se releva a distinção relativa à situação de prédio que se encontre em propriedade horizontal». Pronuncia-se a sentença em crise no sentido de que se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabelece o critério, que tem que ser único e inequívoco para a definição da regra de incidência do imposto.
III. E, pese embora tal questão discutida nos tribunais, inclusivamente na sentença proferida pelo Tribunal ad quo que também refere as decisões entretanto proferidas pelos Tribunais Superiores, mereça resposta negativa quanto à legalidade de fazer incidir imposto de selo, tomando por referência o somatório dos valores patrimoniais de tais andares ou frações e que não releva a distinção relativa à situação de prédio que se encontre em propriedade horizontal, não podemos assim concluir, ou seja, concluir que para o legislador a diferenciação da situação de prédio em propriedade vertical ou em propriedade horizontal não foi tido em conta para efeitos de tributação, tendo por referência a alusão à matriz e ao VPT revelando assim a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio e, à sua utilização.
IV. Neste conspecto desatendendo à letra da lei, em particular à distinção feita pelo legislador que individualiza a inscrição dos edifícios em propriedade horizontal, através do conceito de matriz, a decisão acolhe a ideia de que a incidência do novo imposto de selo só se verificaria num prédio em propriedade plena se alguma das partes, andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, apresentasse um valor superior que fosse a € 1.000 000,00.
V. Portanto, no caso em apreço em que estamos perante um prédio em propriedade vertical (plena), a sentença recorrida conclui que como cada uma das suas células suscetíveis de utilização independente não atinge individualmente o valor da incidência, o prédio não se encontra quanto ao seu valor global, superior a € 1.000.000,00 sujeito a imposto de selo, mas sem atender a que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição e que estamos perante uma única inscrição matricial.
VI. Contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal ad quo e salvo melhor entendimento, o oposto de tal decisão resulta até da análise redundante da transcrita verba 28 da TGIS, onde nos deparamos com uma norma que delimita a incidência, diferentemente do que ao ponto 28.1 respeita, onde nos deparamos perante uma regra relativa à aplicação da taxa do IS.
VII. Isto porque, como resulta da verba 28, o IS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor (VPT) constante da matriz seja superior a (euro) 1 000 000,00 ou seja incide sobre direitos de propriedade, usufruto ou direito de superfície (e não sobre os prédios ou objeto dessa propriedade) cujo VPT ultrapasse 1 milhão de euros e incide sobre esse VPT.
VIII. Ora, para a decisão recorrida a questão controvertida passa por saber se as liquidações impugnadas violam o art.º 1º, nº 1, do CIS e a verba 28 da TGIS, em concreto, se para efeitos de tributação em imposto de selo, os prédios em propriedade total com divisões de utilização independente, assim reconhecidas na matriz e com VPT individualizado inferior a 1.000 000,00€, devem ser considerados como uma única realidade, devendo assim ser somados todos os VPT’s das suas divisões de aferição de valor para efeitos de tributação, esquecendo-se de que tal raciocínio deve ser feito tendo em conta a matriz. (regra 28 da TGIS). Ora, se, assim previu o legislador, é legal fazer incidir imposto de selo, tomando por referência o somatório dos valores patrimoniais de tais andares ou frações, não relevando a distinção relativa à situação de prédio que se encontre em propriedade horizontal, mas a matriz de acordo com a previsão legal.
IX. Vejamos ainda que para o CIMI, aplicável por remissão do Imposto de Selo, “cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio.” – nº 3 do art.º 2º do CIMI. Ou seja, o legislador distinguiu fração em propriedade horizontal no conceito de prédio, não diferenciando as unidades celulares de utilização independente no conceito de prédio constituído em propriedade vertical, ou seja, ignorando cada um dos seus andares divisões suscetíveis de utilização independente.
X. Quanto à matriz, a questão reveste-se da maior importância para a análise em apreço. A matriz predial, sendo o arquivo do registo de todos os prédios de uma freguesia, aí inscritos individualmente, faz presumir a propriedade. A sua organização e conservação efetivou-se por aplicação das normas do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola e, com base nos elementos do cadastro extraídos da carta cadastral do território nacional, elaborada pelo Instituto Geográfico e Cadastral, constando do art.º 165º do CCP quais os dados aí incluídos e, especificando o art.º 170º desse código que a cada edifício em propriedade horizontal, corresponde uma só inscrição na matriz, sendo obrigatória essa menção (como refere a propósito o art.º 3º do DL 513/80, diploma que visou implementar o cadastro inventarial e fiscal abrangendo todo o país).
XI. Na verdade, o cadastro predial sendo uma realidade com natureza jurídica identifica de forma uniforme o conjunto de dados que caracterizam e identificam os prédios em todo território nacional, em harmonia com o registo predial, uma vez que, enquanto essa harmonia, não se verificar a caraterização cadastral será provisória – art.º 27º do Regulamento do Cadastro Predial – DL 172/95 de 18 de Julho. Foi no entanto apenas com o DL nº 224/2007 de 31 de Maio que aprovou o regime experimental da execução, exploração e acesso à informação cadastral passaram a ser introduzidos novos conceitos tais como os de titulares cadastrais, proprietários do prédio, no todo ou em regime de propriedade horizontal, os detentores da posse, etc.
XII. Por isso, contrariamente à decisão recorrida a interpretação a dar à Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro), sendo a sujeição determinada pela conjugação de dois fatores: a afetação habitacional e o VPT constante da matriz (igual ou superior a € 1.000.000.), deve revestir uma natureza jurídica, já que para efeitos de IMI, essa natureza está subjacente a cada inscrição matricial. Mas apenas a conjugação das regras do registo e das matrizes (obrigatoriamente um artigo na matriz para um prédio em propriedade vertical e vários artigos matriciais para a propriedade horizontal ou um para cada fracção dessa propriedade), resultantes da harmonização com as regras do Código do Registo Predial, permitem consagrar o princípio da universalidade do valor patrimonial tributário apurado na avaliação para efeitos de IMI, o qual tem também aplicação nos impostos sobre o património, como é o caso da verba 28.1 da TGIS, onde se consagram os princípios basilares do sistema fiscal, os seus elementos essenciais e a capacidade contributiva do próprio sujeito passivo.
XIII. Na verdade, a liquidação de imposto, não sendo marco balizador não pode servir de justificação interpretativa, nos moldes que se concebam na lógica de que se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, não obstante o seu somatório final, nos mesmos moldes o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, o que não tem que ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do imposto.
XIV. Nesse sentido tenha-se em apreço a importância de que face à impossibilidade de estabelecer a correspondência matricial de determinado prédio, pode essa impossibilidade ser ainda suprida por declaração complementar dos interessados que indique expressamente o artigo da matriz em vigor.
XV. Ou seja, as matrizes, não são meras inscrições tributárias; desempenham um papel fundamental no registo embora nelas constem dados determinantes na liquidação de imposto, nomeadamente a localização, o seu valor patrimonial tributário, o S.P. (proprietário), etc, sendo até expressamente utilizado pelo legislador o conceito de matrizes nas normas constantes do imposto de selo cuja interpretação está em causa.
XVI. Face a tudo o que acabamos de expor não se pode retirar outra conclusão que não seja a de que deva ser feita uma interpretação do conceito de prédio, tendo em conta a sua natureza jurídica, como aliás expressamente se colhe do Decreto-Lei nº 224/84, de 6 de julho e subsequentes alterações, sendo essencial para essa interpretação saber qual o proprietário (S.P.), o tipo de propriedade com que nos defrontamos que se encontra de individualizada nas matrizes, se vertical, se propriedade horizontal, cada um dos tipos que se encontra sempre devidamente identificado quer nos termos dos códigos tributários quer na lei civil, quer no registo, ramos de direito a que é consagrada aplicação subsidiária em matéria fiscal.
XVII. Digamos pois como vem a propósito “são coisas diferentes a técnica da personalização do substrato dos condóminos de um edifício considerando-se este como propriedade de uma pessoa coletiva ou de uma cooperativa de uma imobiliária” (nas palavas de Armindo Ribeiro Mendes) e os donos da propriedade de cada uma das frações autónomas dessa propriedade horizontal quer sejam detidas por pessoa coletiva ou pessoa singular, o que objetivamente difere no caso da propriedade plena ou vertical.
XVIII. A questão que se põe implica que lhe respondamos equacionando-a de modo a saber se tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deva ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares suscetíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação (apesar de o próprio CIMI distinguir a situação relativa à propriedade horizontal).
XIX. Ora, se o legislador entendeu ser necessário proceder a esta destrinça entre o regime em que se encontra a propriedade, tal dever-se-á a que se não o tivesse feito, mesmo que o edifício habitacional se encontrasse em propriedade horizontal, tal fração em propriedade horizontal não seria suficiente para efeitos de tributação, visto tratar-se de uma célula de um edifício habitacional. Tal conclusão encontra-se até de acordo com o argumento de que a liquidação final de imposto nada mais é do que a concretização de um resultado jurídico final.
XX. Ora ao fazê-lo o legislador não procedeu do mesmo modo quanto à propriedade vertical ou plena, considerando suficiente a unidade jurídica desse tipo habitacional como constituindo um todo, daí se sublinhar a importância jurídica desse conceito, mas não só, enquanto regra necessária à interpretação. Como tal, qualquer exercício interpretativo impõe-se em moldes que o muito além do simples recurso ao CIMI.
XXI. Ainda de acordo com uma interpretação histórica é sabido que o instituto da propriedade horizontal tem raízes em tempos remotos com a partilha “da propriedade de uma casa, dividida de tal maneira que os seus diferentes pisos pertençam a diferentes proprietários…”. Foi durante a 1.ª Guerra Mundial devido à destruição de numerosas cidades, à desvalorização monetária e às quebras de investimento no setor imobiliário que surgiu uma crise habitacional de grandes dimensões que está na origem de numerosa legislação sobre o arrendamento, despojando os proprietários de prédios urbanos da liberdade contratual que possuíam quanto ao exercício do direito de propriedade sendo uma das soluções encontrada para obviar a tal, a venda fracionada de andares em edifícios com vários pisos, muitos dos quais inicialmente em propriedade vertical ou plena, se passaram a constituir a partir daí em propriedade horizontal, sendo inegável a distinção entre ambos os institutos. Deste modo, a propriedade horizontal tem a sua natureza alicerçada nas unidades autónomas de edifício (andares ou apartamentos), contrariamente à propriedade plena.
XXII. Na lei portuguesa a propriedade horizontal divide-se assim entre um direito exclusivo de propriedade sobre um espaço delimitado e a compropriedade sobre o espaço comum, uma realidade complexa constituída por um feixe de direitos de propriedade, com natureza juridicamente controversa da propriedade plena, razão pela qual o legislador sentiu necessidade de distinguir uma da outra. Assim sendo, a propriedade plena, ao ser avaliada por aplicação das correspondentes regras, fará corresponder o valor do prédio ao valor da soma das suas partes, ao contrário do que acontece com as frações que se constituem em propriedade horizontal que são economicamente indivisíveis e por isso indistintos os seus critérios de avaliação. Apenas assim se pode consagrar a unidade do sistema jurídico. Contudo nada obsta a que as liquidações de imposto por terem na base os elementos celulares constantes da matriz deverem estes revelar fundamentadamente na sua identificação a independência das suas partes, no que respeita aos prédios em propriedade total, para que assim se possibilite uma correta avaliação de acordo com as funcionalidades de cada célula, economicamente independente - pese embora, façam parte de um corpo juridicamente uno, conforme prevêem as regras de inscrição na matriz.
XXIII. E, não obstante quanto à sua ratio, a criação desta nova verba de imposto de selo, aprovada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, se insira num conjunto alargado de medidas fiscais de combate ao défice orçamentar que, de acordo com os motivos expostos na Proposta de Lei nº 96/XII/2ª do Governo, de 2012/09/20, se reputam fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, prevendo o alargamento a tributação dos rendimentos do capital (em sede dos impostos sobre o rendimento) e da propriedade (em sede do imposto do selo), abrangendo equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa, segundo a referida Proposta de Lei, encontra-se presente o principio da universalidade do valor patrimonial tributário apurado na avaliação para efeitos de IMI que tem também consagração no caso da verba 28.1 da TGIS aqui em discussão, contribuindo para a eficácia do sistema fiscal, a prossecução do interesse público, naturalmente, com respeito pelos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, previstos no artigo 55.º da Lei Geral Tributária (LGT). Ou seja, consagrando a imposição constitucional que decorre do disposto no artigo 104º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), por via da tributação do património e da sua contribuição para a igualdade entre os cidadãos, no sentido em que exige a eliminação das desigualdades de facto para que seja possível assegurar uma igualdade material no plano económico, social e cultural, o que só será efetivado, salvo melhor entendimento, seguindo o modo anteriormente exposto.
XXIV. Assim, teleologicamente, de forma a que os particulares (pessoas singulares ou pessoas coletivas) com maior capacidade económica contribuam mais do que os de menor capacidade para o financiamento dos bens públicos, o que se visa consagrar através da função redistributiva do imposto e se afere interpretando a mens legis, ou seja, tributando a propriedade do património em si mesmo mas tratando de igual modo o que é igual e, distinguindo o diferente.
XXV. Em suma, a questão não se confina a comparar os critérios que presidem à liquidação de IS sobre prédios ou edifícios não constituídos em propriedade horizontal, considerando para tal o valor atribuído a cada uma das partes pois que, nos termos da verba 28º da TGIS. O que sopesa é o comando legal supra referido, o art.º 7º do CIMI que determina a correspondência do valor do prédio em propriedade vertical com a soma do valor das suas partes suscetíveis de utilização independente – para tributar a propriedade de prédios com valor superior a € 1.000 000,00. Ou o adágio: uma matriz para cada prédio. Não obstante e, em abstrato, na determinação do valor patrimonial tributário do prédio em propriedade plena, como se pode retirar da leitura do art.º 7º do CIMI no seu nº 2 alínea b) importe colher que caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes. Como se constata, esta previsão diferencia claramente a discriminação feita pelo legislador relativamente às frações autónomas da propriedade horizontal, de acordo com o critério constante do nº 4 do art.º 2º do CIMI que determina que para efeitos de IMI, cada fração autónoma no regime de propriedade horizontal é havida como constituindo um prédio. Assim sendo, não restam dúvidas que da conjugação dos diversos normativos resulta que a inscrição na matriz de imóveis ou prédios em propriedade vertical, não obedece às mesmas regras a que estão sujeitos os prédios em propriedade horizontal (vide n.º 4 do art.º 2º do CIMI). Ou seja, consequentemente, (não) caberá ao intérprete distinguir aquilo que o legislador (não) distinguiu mas antes fazer a mínima correspondência com a letra da lei. Ademais, diga-se ainda que no caso em apreço, a interpretação que se faça, sendo essa mesmo uma interpretação sistemática, nem sequer precisa recorrer à comparação relativa entre prédios que se encontrem em propriedade total ou em propriedade horizontal, uma vez que a norma ao individualizar qualquer uma das situações, cria uma exceção relativamente aos últimos e, como tal qualquer interpretação deve ocorrer a contrario.
XXVI. Ora, uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa, não pode ser aquela que a impugnante pretende que seja aceite, apesar de a consubstanciar no princípio da legalidade constante do artigo 103º nº 2 CRP, precisamente porque muito certamente o legislador ponderou o direito à propriedade privada que se encontra por essa via devidamente aquilatado, de acordo com os princípios que devem reger a cobrança dos impostos (nº 3 do art.º 104º da CRP).
XXVII. Portanto, apenas depois de claramente feita a distinção entre os prédios que se encontrem em propriedade horizontal e os que estão constituídos em propriedade vertical ou plena, se poderá inscrever os mesmos na matriz, de acordo com esse critério da propriedade, ou melhor, diferenciando os proprietários enquanto sujeitos passivos para efeitos de incidência subjetiva.
XXVIII. Como tal, para qualquer interpretação sobre a matéria há que atentar ao que refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 0968/12, Acórdão datado de 23-01-2013, disponível em www-dgsi-pt: “I - Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei” (art. 11º, nºs. 1 e 2 da LGT).”, ou seja, a interpretação em causa ao envolver o conceito de propriedade, deve ser feita de acordo com a natureza jurídica desse conceito. Até porque a liquidação final de imposto nada mais é do que a concretização de um resultado jurídico final e não um princípio enformador per si que se observe na tributação. Pelo que, com o muito de respeito, o douto Tribunal ad quo, não esteou a sua fundamentação de direito de acordo com a solução adotada pelo legislador, condenando indevidamente a recorrente em juros indemnizatórios; e, nessa medida a decisão recorrida deve ser afastada da ordem jurídica, devendo concluir-se que o legislador fez a distinção entre prédio, em regime de propriedade horizontal e em regime de propriedade vertical através do conceito de matriz conforme se encontra expresso na TGIS verba 28 ao referir que o imposto de selo incide sobre a propriedade… de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz seja igual ou superior a € 1 000 000,00.»

1.2. A recorrida apresentou contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:
1. Os prédios da recorrida sitos em Lisboa, na Praça ………, …….e ……., estão constituídos em propriedade vertical compreendendo, respectivamente, um total de 11 andares habitacionais cada um, com utilização independente, cujos VPT’s foram determinados individual e separadamente, nos termos do CIMI e o somatório dos seus VPT’s perfaz, respectivamente, o valor de € 1.091.560 e de € 1.553.260,00, sendo que nestes prédios, nenhum dos andares habitacionais tem um VPT superior a € 1.000.000,00.
2. Sobre o VPT dos referidos andares, a AT liquidou, com referência ao ano de 2013, o imposto de selo (IS) da verba 28.1 da TGIS, à taxa de 1%.
3. Que deram origem às respectivas liquidações, com o VPT total de € 1.091.560 e € 1.553.260, decorrentes do somatório dos respectivos valores patrimoniais dos andares habitacionais, respectivamente, dos prédios sitos na Praça ……….., ……. e …….., tendo como referência os VPT de cada andar com os respectivos valores de imposto a pagar.
4. Para a AT havia lugar a incidência de imposto de selo, dado que o somatório dos VPT’s dos seus respectivos andares habitacionais, com utilização independente, perfaz valores superiores a € 1.000.000.
5. Foi este entendimento que conduziu às liquidações de IS (Docs. 3 a 24 juntos com a Reclamação Graciosa) que se impugnam por se entender serem ilegais, dado que violam a norma de incidência prevista na verba nº 28 do TGIS, os critérios estabelecidos nos artºs 7º n° 2, alínea b) e 12º nº 3 do CIMI (atenta a remissão do citado art.º 67º, nº 2 do CIS que estabelece que é este o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS) e o art.º 8º da LGT, além de inconstitucionais por violação do princípio da legalidade, igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal – arts 13º, 103º nº 2 e 104º nº 3 da CRP.
6. Para a recorrida, a sujeição ao imposto do selo contido na verba nº 28.1 da TGIS é determinado pela conjugação de dois factos: i) a afectação habitacional e ii) o VPT constante de cada matriz ser igual ou superior a €1.000.000,00. Tratando-se dos prédios com as características das descritas nos autos a sujeição a imposto do selo é determinada não pelo VPT total do prédio, mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares.
7. A recorrida entende que a inscrição na matriz dos seus imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do art.º 12º nº 3 do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal e sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes – art.º 7º, nº 2, alínea b) do CIMI - não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo.
8. Aliás, a AT aplica este critério ao emitir liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, donde resulta o valor de incidência ser o correspondente ao VPT de cada andar e a liquidação individualizada sobre a parte do prédio correspondente a esse mesmo andar.
9. A AT não pode considerar como valor de referência para a incidência do novo imposto o valor total (global) do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI (arts. 7º nº 2, alínea b) e 12º nº 3) e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS, dada a remissão do citado art.º 67º nº 2 do CIS.
10. Ao que acresce o facto da própria lei estabelecer expressamente, na parte final da verba 28 da TGIS, que o IS a incidir sobre os prédios urbanos de valor igual ou superior a € 1.000.000,00 - “sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”.
11. Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.
12. Dado que nenhum dos andares habitacionais tem um VPT igual ou superior a € 1.000.000,00, conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do IS previsto na Verba 28 da TGIS.
13. Há, pois, além das ilegalidades supra referidas, uma manifesta e evidente falta ou vício da fundamentação da decisão de indeferimento e dos actos de liquidação, além do vício de lei por erro sobre os pressupostos do direito de liquidação, nos termos e para os efeitos das alíneas c) e d) do art° 99° do CPPT.
14. Atenta a não verificação dos pressupostos legais de incidência do IS previsto na Verba 28 da TGIS e considerando o vício de erro sobre os pressupostos como situação de erro-vício, são devidos juros indemnizatórios à taxa igual à dos juros compensatórios – art.º 43º nº 1 da LGT, apurados nos termos dos nºs 3, 4 e 5 do art.º 61º do CPPT.
15. No sentido da douta os Acórdãos do STA de 09-09-2015 (Processo 047/15); de 02-03-2016 (Processo 01354/15); de 27-04-2016 (Processo 01534/15); de 04-05-2016 (Processos 0166/16, 01504/15 e 0172/16); de 24-05-2016 (Processos 1352/15 e 01344/15) e de 08-06-2016 (Processo 1219/16-30).


1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, tendo em conta, essencialmente, que a tese que neste recurso vem sustentada pela Autoridade Tributária «diverge e contraria frontalmente a tese doutrinal consagrada, pacífica e reiteradamente, por este Colendo Supremo Tribunal, cuja valia e autoridade são inquestionáveis. // Assim, o Ministério Público vem enfatizar que a sentença ora sob escrutínio deste Tribunal ad quem se ancorou na argumentação aduzida na jurisprudência uniforme e constante deste Supremo Tribunal ad quem, mormente no Acórdão de 09/09/2015, no Processo nº 0899/14 (disponível in www.dgsi.pt, tal como os demais a citar de futuro).
Acresce que, para além desse douto Acórdão, foram tirados inúmeros outros arestos, v. g., os mencionados na conclusão 15ª das contra-alegações da Recorrida, junta a fls. 184 do p. f., todos confortando e validando a solução encontrada pelo Tribunal Tributário de Lisboa. // Em adição, posteriormente a esses doutos arestos, foi prolatado o douto Acórdão do Pleno da Secção do CT, tirado em 29/03/2017, no âmbito do Processo nº 0593/16, cuja fundamentação jurídica é de uma clareza, argúcia e sapiência inegáveis. // O que nos conduz a, humildemente, a ela aderir, dispensando-se o Ministério Público de tecer quaisquer ulteriores considerandos, já que sempre os mesmos se limitariam a reproduzir os argumentos já profusamente tratados e, daí, se revelariam redundantes e/ou ficariam aquém dessa hábil e sábia fundamentação.».

1.4. Com a dispensa de vistos legais, ao abrigo do comando ínsito no nº 4 do art.º 657º do CPC, aplicável por força do art.º 281º do CPPT, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:
a. A impugnante, A…….., S.A. - Companhia Nacional de Seguros, consta na respetiva matriz como titular da propriedade plena dos prédios urbanos inscritos sob os artigos números 771 e 695, ambos, da Freguesia do Arieiro, Concelho de Lisboa – cfr. consta de fls. 90 a 99 e 145 a 146 do PAT aqui em anexo.
b. Nas respetivas matrizes prediais consta que aqueles prédios se encontram classificados como “Prédio em Prop. Total com Andaras ou Div. Sucs. de Utiliz. Independente” — cfr. consta a fls. 90 e 145 do PAT aqui em anexo.
c. Encontra-se ainda descrito:
i. Na inscrição matricial do prédio inscrito na matriz sob o nº 771 – sito em Praça ……… ……. a …….. tornejando para a Rua ……. nº….. em Lisboa: “Constituído por rés-do-chão e 5 pisos- Todos os inquilinos de habitação têm 1 quintal e 1 carvoeira situada ao fundo do logradouro. R/C-Porteira - 3 divisões e marquise. Nº de pisos do artigo: 6. Nº de andares ou divisões com utilização independente: 13 - valor patrimonial total: € 1.215.630,00.”
ii. Na inscrição matricial do prédio inscrito na matriz sob o nº 698 – sito em Praça do Areeiro nº 11 a 11D em Lisboa: “Constituído por rés-do-chão e 7 pisos - Tem elevador. No logradouro tem 11 carvoeiras. – porteira - 5 divisões e marquise, S.C. 437; L 184. 50 m2; Soma 622,00 m2. Nº de pisos do artigo: Nº de andares ou divisões com utilização independente: 16 - valor patrimonial total: € 1.754.260,00.”
d. Na ficha de inscrição de cada um dos andares do prédio descrito em c) i, deste probatório (art. 771), constam os seguintes dados de avaliação que teve lugar em 11/03/2013 faca à Mod 1- IMI 6259702 entregue em 31/12/2012, cujas fichas tem os números: 9352358 a 9352370:
e. Na ficha de inscrição de cada um dos andares do prédio descrito em c) ii, deste probatório (art. 698), constam os seguintes dados de avaliação, que teve lugar em 09/12/2012 faca à Mod 1- IMI 5152448 entregue em 02/11/2012, cujas fichas tem os números: 7712108 a 7712123:
f. O documento de cobrança referente à liquidação do IMI dos prédios supra enunciados foi emitido com datas limite de pagamento em ABRIL/2014, JULHO/2014 e NOVEMBRO/2014 e pago em 30/04/2014, 24/07/2014 e 27/11/2014 respetivamente – cfr. processo de reclamação graciosa em anexo e fls. dos autos.

3. A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre da sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra actos de liquidação de Imposto do Selo referentes ao ano de 2013, no valor total de 26.448,78 €, procedência que se estribou no entendimento, acolhido na sentença perante a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo, de que a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29.10, não tem aplicação aos prédios urbanos que, embora com um único artigo matricial, sejam constituídos por partes com afetação e utilização independente e a que foram atribuídos, de forma individual e autónoma, valores patrimoniais tributários de valor inferior a um milhão de euros.
A recorrente discorda do decidido, imputando à sentença erro de julgamento na interpretação da verba 28 da TGIS, insistindo na legalidade dos actos de liquidação perante a argumentação que deixou desenvolvida nas alegações de recurso e que repisa em extensas conclusões, pese embora a questão que coloca se reconduza, tão-somente, à interpretação da norma de incidência objectiva que consta da aludida verba, e que passa por determinar se ela é, ou não, aplicável a prédios urbanos constituídos por partes susceptíveis de afectação e utilização independentes, quando a cada uma dessas partes foi fixado um valor patrimonial tributário inferior a um milhão de euros.
Todavia, a posição sustentada pela recorrente contraria frontalmente a tese doutrinal consagrada, de forma pacífica e reiterada, pelo Supremo Tribunal Administrativo, mormente no acórdão em que se ancorou a sentença recorrida, prolatado por esta Secção em 9/09/2015, no proc. nº 0899/14.
Acresce que, para além desse acórdão, foram tirados inúmeros outros arestos, v. g., os mencionados na conclusão 15.ª das contra-alegações e, posteriormente, o acórdão uniformizador de jurisprudência prolatado pelo Pleno desta Secção em 29/03/2017, no proc. nº 0593/16 (Com texto integral disponível no seguinte endereço online: http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/011809a38915edc1802580f900501daf?OpenDocument), que firmou doutrina condensada no seguinte sumário:

“I - A verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros.
II - Não tendo a verba 28 da Tabela Geral efectuado qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical e reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência.
III - Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, por serem constituídos por partes susceptíveis de utilização independente têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.
IV - Nada na lei impondo a consideração de qualquer somatório de todos ou parte dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo”.


Deste modo, atentando na regra constante nº 3 do artigo 8º do Código Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – e não se vendo que a recorrente invoque em juízo novas razões que infirmem a fundamentação em que assentou a sentença recorrida ou que levem a inflectir ou a divergir do entendimento aí firmado, impõe-se remeter para essa fundamentação, que assim se acolhe e subscreve na íntegra.
Razão por que terá de negar-se provimento ao recurso com a fundamentação constante do aludido acórdão do Pleno desta Secção.


4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Dispensa-se a junção de cópia certificada do acórdão proferido pelo Pleno em 29/03/2017, no proc. nº 0593/16, perante a aludida indicação onde o mesmo pode ser consultado.

Lisboa, 22 de Novembro de 2017. – Dulce Neto (relatora) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.