Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01169/13
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRINCIPIO DA CULPA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:É nulo, por violação do princípio “ne bis in idem”, o acto punitivo que, embora sob diferente qualificação puna o arguido pelos mesmos factos por que ele já fora perseguido e sancionado noutro processo disciplinar.
Nº Convencional:JSTA00068970
Nº do Documento:SA12014103001169
Data de Entrada:06/28/2014
Recorrente:A...
Recorrido 1:CSMP
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:ACÇÃO ADM ESPECIAL
Objecto:AC PLENÁRIO CSMP
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM GER - DISCIPLINAR.
Legislação Nacional:EDF08 ART6 N2 N6 N7 N8.
EMP98 ART204 ART197 N2 ART134 ART184 N1 A
Jurisprudência Nacional:AC STAP DE 2013/01/23.
Aditamento:
Texto Integral: Acção Administrativo Especial
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório

1.1. A……………… intenta a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, formulando os seguintes pedidos:

“(…)

a) Serem declarados nulos os acórdãos da Secção Disciplinar do réu de 15-2-2013 e do Plenário do Réu de 4-6-2013, ora impugnados:

(i) na medida em que o procedimento disciplinar referente ao processo disciplinar n.º 2/2010 se encontra prescrito desde 16-12-2012, à luz do disposto nos artigos 121º, n.º 3, do CP e 6º, n.º 6 do Estatuto disciplinar dos Trabalhadores da Administração pública, ex vi artigo 216º do EMP, não podendo o autor ser objecto de aplicação de qualquer pena disciplinar;

(ii) por falta de repetição do procedimento disciplinar e preterição do exercício do direito fundamental de audiência e defesa, à luz do disposto no art. 198º do EMP e dos artigos 32º, 10 e 269º, n.º 3 da CRP, e ofensa do direito do autor de defesa, e do acórdão proferido em 23-1-2013 pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos artigos 133º, n.º 2, alíneas d) e h) e 134º, n.º 2 do CPA;

(iii) por violação do princípio “ne bis in idem”, logo, do disposto nos artigos 29º, n.º 5, da CRP, 9º, n.º 3 e 31º ambos do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública e ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental do Autor a não ser duplamente punido pela prática dos mesmos factos, nos termos do art. 133º, n.º 2, alíneas d) e h), do CPA e 134º, n.º 2 do CPA.

(iv) por falta de fundamentação, em ofensa do direito fundamental do particular à fundamentação nos termos do art. 133º, n.º 2, al. d) do CPA, e do disposto nos artigos 124º, n.º 1, al. a) e 125º, n.º 2, do mesmo diploma.,

Se assim não se entender, sempre os acórdãos ora impugnados deverão ser anulados nos termos do art. 135º do CPA por:

(i) violação do disposto nos artigos 30º, n.º 1 do EMP, 16º do Regulamento Interno da PGR n.º 1/2002 de 28 de Fevereiro e violação do princípio da transparência e imparcialidade, constitucionalmente previsto no art. 266º, n.º 2, da CRP e legalmente previsto no art. 6º do CPA.

(ii) violação do princípio da culpa na escolha e graduação da pena, constitucionalmente previsto no art. 1º da CRP, e

(iii) violação do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 266º, n.º 2, da CRP e legalmente previsto no art. 5º, n.º 2, do CPA.

(…)”

1.2. O CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO contestou considerando improcedente a pretensão do autor, sustentando: (a) não ter ocorrido prescrição do procedimento disciplinar, (b) não ter havido falta de procedimento nem preterição do exercício do direito de defesa, (c) não ter sido violado o art. 30º, 1 do EMP e 16º do Regulamento Interno da Procuradoria - Geral da República nem do princípio da transparência e imparcialidade, (d) não ter sido violado o princípio “ne bis in idem”, (e) não haver falta de fundamentação nem violação do princípio da culpa na escolha e graduação da pena disciplinar.

1.3. Foi proferido despacho saneador considerando-se, além do mais que não existiam “factos controvertidos, relativamente à sua existência material, uma vez que os factos e ocorrências procedimentais constam do processo administrativo junto.

1.4. Ambas as partes alegaram por escrito mantendo, no essencial, as posições antes assumidas.

1.4.1. O autor terminou as alegações com as seguintes conclusões:

a) Os acórdãos impugnados nos presentes autos violam o disposto nos artigos 121º, n.º 3, do CP e 6º, n.º 6 do Estatuto disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública (Lei 58/2008, de 9 de Setembro), aplicáveis ex vi do art. 216º do EMP, atenta a prescrição do procedimento disciplinar instaurado contra o autor à data da prolação do acórdão da Secção Disciplinar de 15-2-2013;

b) O procedimento disciplinar em apreço (processo disciplinar 2/2010) iniciou-se por despacho de 16-12-2009 (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial);

c) Conjugando o disposto no art. 121º, n.º 3 do CP com o disposto no n.º 6 do art. 6º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública (ex vi artigo 216º do EMP) verifica-se que o procedimento disciplinar instaurado contra o autor se encontra prescrito desde 16-12-2012, não podendo ao autor ser aplicada qualquer pena disciplinar.

d) Os acórdãos impugnados, ao considerarem que o procedimento disciplinar não se encontrava prescrito (prescrição previamente invocada pelo autor na reclamação que apresentou contra o acórdão da Secção Disciplinar de 15-2-2013), violaram o disposto nos artigos 121º, n.º 3, do CP e artigo 6º, n.º 6 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, ex vi artigo 216º do MP, pelo que devem ser anulados nos termos do disposto no art. 135º do CPA, não podendo ao autor, em face da prescrição verificada, ser aplicada qualquer pena disciplinar.

e) Os acórdãos impugnados padecem, igualmente, de falta de repetição do procedimento disciplinar e preterição do exercício do direito fundamental de audiência e defesa, à luz do disposto no art. 198º do EMP e dos artigos 32º, n.º 10, e 269º, n.º 3, da CRP, ofendendo, por conseguinte, quer o direito fundamental do autor de defesa, quer o acórdão proferido em 23-1-2013 do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste STA, devendo ser declarados nulos nos termos do disposto no art. 133º, n.º 2, alíneas d) e h) do CPA.

f) O acórdão do Plenário do CSMP de 14-7-2010 declarado nulo na acção administrativa especial que correu termos neste STA sob o n.º 772/10 baseou-se na factualidade constante do acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de 30-4-2010, sob os n.ºs 1 a 109, de fls. 1498 a 1580 dada “por integralmente reproduzida” – cfr. pág. 1 do acórdão do Plenário do CSMP de 14-7-2010, junto como doc. 5 com a petição inicial.

g) Factualidade, essa, que, por sua vez, consubstancia toda a factualidade constante da acusação deduzida no processo disciplinar n.º 2/2010 (cfr. pág. 11 do acórdão da Secção Disciplinar de 30-4-2010), igualmente junto como doc. 5).

h) Tendo este STA declarado nulo o acórdão do Plenário do CSMP de 14-7-2010 por violação do princípio ne bis in idem, precisamente porque o autor havia sido duplamente punido pela mesma factualidade, e tendo o acórdão do Plenário do CSMP de 14-7-2010, declarado nulo, se apropriando “ipsis verbis” da factualidade constante da acusação deduzida no processo disciplinar, facilmente se depreende que deveria ter sido deduzida nova acusação, e, por conseguinte, o autor deveria ter sido notificado para exercer o seu direito de audiência e de defesa, à luz do disposto no art. 198º do EMP e ainda do disposto nos artigos 32º, n.º 10 e 269º, n.º 3, da CRP.

i) Acresce que a factualidade que, no âmbito do acórdão do Plenário do CSMP de 14-7-2010, declarado nulo, foi considerada como integrante da violação do dever de imparcialidade foi, agora, no âmbito do acórdão da Secção disciplinar do CSMP de 15-2-2013, considerada como integrante da violação do dever de lealdade.

j) Portanto, houve uma diferente qualificação jurídica dos factos, sobre a qual não se pode pronunciar, o que não pode deixar de acarretar a nulidade do acórdão da Secção Disciplinar de 15-2-2013, aqui impugnado, bem como do acórdão do Plenário do CSMP de 4-6-2013, que o manteve, por manifesta violação do direito de audiência e defesa do autor, previsto no art. 198º do EMP (cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo n.º 2087/06 e disponível em www.dgsi.pt).

k) Acresce que, nem sequer foi possibilitado ao autor o exercício do seu direito de audiência e defesa antes da prática, pela Secção Disciplinar, de novo acto punitivo, o que não pode deixar de configurar uma manifesta violação do direito de audiência final.

l) O novo acto punitivo só não incidirá no mesmo vício invalidante (violação do princípio ne bis in idem) se tiver por base uma acusação que não contenha a factualidade considerada pelo Supremo Tribunal Administrativo como objecto de dupla punição.

m) Portanto, sempre o CSMP, para executar convenientemente o acórdão anulatório, teria que deduzir nova acusação, notifica-la ao autor com vista a que este pudesse exercer o seu direito de audiência e defesa, seguindo-se a elaboração do relatório, a decisão final e a sua notificação ao autor, conforme disposto nos artigos 197º a 203º do EMP, o que não ocorreu no caso.

n) Acresce que, no momento em que o Acórdão da Secção disciplinar do CSMP de 15-2-2013 foi proferido ainda não tinha transitado em julgado o acórdão de 23-1-2013 do Plenário da Secção de Contencioso Administrativo, proferido no processo n.º 772/10, razão pela qual aquele acórdão violou o disposto na primeira parte do art. 173º, n.º 1, do CPTA.

o) Em face do exposto, o acórdão de 15-2-2013 da Secção Disciplinar do CSMP, ao punir novamente o autor, sem que tenha ocorrido a repetição da tramitação do procedimento disciplinar desde a acusação, não executa convenientemente o acórdão anulatório (para além de ter sido proferido num momento em que ainda não tinha ocorrido o trânsito do acórdão anulatório), pois o novo acto punitivo baseou-se na mesma factualidade que havia sido considerada para efeitos de aplicação da primeira sanção no processo disciplinar 2/2010, parte da qual foi considerada como integrante da violação do princípio “ne bis in idem”, ofendendo-o, para além de ter ofendido, igualmente, o direito fundamental de defesa do Autor, constitucionalmente previsto no art. 32º, n.º 10 da CRP.

p) Assim, o acórdão da Secção Disciplinar do réu que aqui se impugna, bem como o acórdão do Plenário do CSMP de 4-6-2013 que o manteve, devem ser declarados nulos nos termos do disposto no art. 133º, n.º 2, alíneas d) e h) do CPA, nulidade esta que ora se requer que seja declarada, ao abrigo do disposto no artigo 134º, n.º 2 do CPA.

q) Os acórdãos impugnados incorreram, ainda, em violação do disposto no artigo 30º, n.º 1 do EMP, no art. 16º do Regulamento Interno da PGR n.º 1/2002 de 28 de Fevereiro e em violação do princípio da transparência e imparcialidade, constitucionalmente previsto no art. 6º do CPA.

r) Da análise dos termos literais do despacho de 30-6-2009 (cfr. doc. 3 junto com a petição inicial) só pode inferir-se que não houve sorteio, designadamente, da expressão designando-se para o efeito o Senhor Inspector Dr. B……………….”.

s) Da informação prestada pela Procuradora da República Dra. C…………………. em 102-2013 e do despacho do Vice Procurador – Geral da República proferido na mesma data e que mereceu a concordância com a aludida informação (cfr. doc. 6 junto com a petição inicial) facilmente se depreende ser Relator outro Conselheiro, sendo certo que, também não houve sorteio com vista à distribuição do processo disciplinar a este mesmo Relator, conforma atesta o doc. 10 junto com a petição inicial).

t) Da informação elaborada pela Procuradora da República Dra. C……………… consta quanto ao pedido de informação e emissão de certidão do acto de designação do Magistrado Instrutor solicitado pelo autor (cfr. doc. 9 junto com a petição inicial), que não é possível satisfazer o pedido formulado pelo Requerente, pois não existe suporte material da distribuição do processo ao Senhor Inspector Procurador – Geral Adjunto Dr. B………………..”.

u) Já quanto ao pedido de informação e emissão de certidão do acto de designação do Vogal Relator, da certidão junta (dos mapas de distribuição referentes ao dia 5 de Fevereiro – cfr. doc. 10) não se certifica a realização de qualquer sorteio com vista à determinação do aludido Relator.

v) A factualidade que se deixou exposta é atentatória quer do disposto no art. 30º, n.º 1, do EMP, quer do disposto no art. 16º do Regulamento Interno da PGR, na versão aplicável à data (portanto, anterior à conferida pela deliberação n.º 1181/2013 do CSMP – DR II Série, n.º 50 de 27-2-2002).

w) Embora a redacção do art. 16º operada por via da deliberação n.º 1181/2013 do CSMP, não tenha qualquer aplicação no caso (por força do princípio geral de Direito tempus regit actum), não se pode deixar de referir ser curioso que, após ter sido proferido o Acórdão da Secção Disciplinar de 15-2-2013 aqui impugnado e após o autor ter reclamado desse mesmo acórdão para o Plenário, designadamente, com fundamento na violação do disposto neste mesmo artigo 16º, o CSMP tenha alterado a redacção desta norma.

x) Note-se que a alteração da norma visou, precisamente “regulamentar” a prática que o CSMP levava a cabo, mas que violava, manifestamente, o que então se encontrava regulamentarmente previsto, o que foi, inclusive – e surpreendentemente (!) – afirmado pelo réu na sua contestação (cfr. art. 56º da contestação).

y) O CSMP, em clara violação do disposto no art. 16º do Regulamento Interno (vigente à data) procedeu à distribuição do processo disciplinar em apreço não por via de sorteio – como estava obrigado – mas por via de designação do Relator por despacho.

z) Do regime legal e regulamentar aplicável ao presente caso e que se deixou exposto supra, resulta que a distribuição dos processos é uma atribuição do CSMP.

aa) Esta inferência decorre desde logo do facto da mesma não ser atribuída a qualquer outro órgão, designadamente ao Procurador – Geral da República (cfr. art. 12º do EMP) e por se tratar de matéria do seu próprio funcionamento.

bb) Não existe qualquer delegação de poderes de tal matéria – cfr. Delegação de Poderes n.º 1881/2006, de 20 de Novembro de 2006, publicada no DR, 2ª Série, n.º 249, de 29 de Dezembro de 2006.

cc) Dos actos relativos ao processo disciplinar, o CSMP apenas delegou a “conversão em processo disciplinar dos processos de inquéritos ou de sindicância (art. 214º, n.º 1 do EMP)” – cfr. alínea u) da referida Deliberação.

dd) Por outro lado, a finalidade do sorteio não é a de repartir equitativamente o serviço, pois essa finalidade tanto pode ser conseguida com ou sem sorteio: a razão de ser (específica ou própria) do sorteio é a de garantir a transparência e sobretudo a objectividade da distribuição, afastando qualquer dúvida sobre a designação do Conselheiro Relator, conforme decidido em recente Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste STA de 27-3-2014, proferido no processo n.º 022/12 e disponível em www.dgsi.pt.

ee) A mesma conclusão retirada no acórdão que se citou terá que ser retirada no presente caso, tanto mais que, e tal como ocorrido no caso vertido neste acórdão, também nos presentes autos o CSMP não logrou provar que o sorteio tenha sido cumprido, tanto mais que nenhuma documentação existe que ateste a existência do sorteio – tal como se pode facilmente comprovar pelo conteúdo da certidão emitido pelo réu a pedido do autor (cfr. doc. 10 junto com a petição inicial).

ff) Assim e porque se conclui da documentação constante dos presentes autos que o relator Dr. B………………… não foi designado por sorteio, depreendendo-se o mesmo relativamente ao Relator Dr. D………………. (pois embora o réu tente dar a entender o contrário, a verdade é que não existe prova documental que ateste a transparência da realização do sorteio, nos termos expostos), verifica-se a violação do disposto no art. 30º, n.º 1, do EMP, no art. 16º do Regulamento Interno da PGR n.º 1/2002 de 28 de Fevereiro e, ainda, a violação do princípio da transparência e imparcialidade, constitucionalmente previsto no art. 266º, 2 da CRP, pelo acórdão da Secção Disciplinar do réu de 15-2-2013, ora impugnado, devendo o mesmo ser anulado nos termos do disposto no art. 135º do CPA.

gg) Também o acórdão do Plenário do réu de 4-6-2013 que apreciou a reclamação efectuada pelo autor contra o aludido acórdão da Secção disciplinar, ao não ter sequer se pronunciado quanto a este vício e ao ter mantido o acórdão da Secção Disciplinar, incorreu na violação dos mesmos normativos e princípio, sendo também por esse motivo, ilegal, e devendo, por conseguinte, ser igualmente anulado ao abrigo do art. 135º do CPA.

hh) Os acórdãos impugnados padecem, igualmente, de nova violação do princípio ne bis in idem, na medida em que o novo acto punitivo praticado, com base na mesma factualidade que já havia sido considerada no acto declarado nulo como integrante do dever de imparcialidade e sobre a qual incidiu, especificamente, um juízo invalidante por parte do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo por ter sido objecto de dupla punição, vem agora punir o autor, desta vez por violação do dever de lealdade !

ii) Com efeito, se atentarmos na factualidade constante dos artigos 1º a 16º insertos na pág. 12 do acórdão do Plenário de 14-7-2010 e na factualidade ínsita nos artigos 1 a 14 constantes da pág. 6 do novo acto punitivo ora proferido, facilmente se verifica que a factualidade é exactamente a mesma (apenas se retirando as referências à prescrição do procedimento criminal) – cfr. doc. 5 e doc. 1 juntos com a petição inicial.

jj) Sumariamente, o que se verifica é o seguinte: no âmbito do primeiro processo disciplinar, por via do qual foi aplicada ao autor, a pena de inactividade, este foi punido por violação do dever de zelo por não ter dado andamento ao processo n.º 6786/97; já no âmbito do segundo processo disciplinar, por via do qual foi aplicada ao autor a pena de aposentação compulsiva, este foi punido por ter avocado o processo e, novamente, por não lhe ter dado andamento; agora, em alegada execução do acórdão anulatório, é o autor punido por – e não obstante se voltar a fazer referência ao facto de não ter dado andamento ao aludido processo (cfr. artigos 12º e 13º, pág. 6 do acórdão da Secção Disciplinar de 15-2-2013) – tê-lo avocado, violando, agora e forma completamente nova, o dever de lealdade!

kk) Em face do exposto, o acórdão de 15-2-2013 da Secção Disciplinar do CSMP ofende o acórdão anulatório proferido, pois viola, novamente, o princípio ne bis in idem, e ofende o conteúdo essencial do direito fundamental do autor a não ser duplamente punido pela prática dos mesmos factos, violando o disposto nos artigos 29º, n.º 5, da CRP, 9º, n.º 3 e 31º ambos da lei 58/2008, de 9 de Setembro, subsidiariamente aplicável por via do preceituado no art. 216º do EMP, devendo ser declarado nulo nos termos dos artigos 133º, n.º 2, alíneas d) e h) e 134º, n.º 2 do CPA.

ll) Mais: o acórdão do Plenário do CSMP de 4-6-2013 refere expressamente o seguinte no que se reporta à apreciação deste vício: “Não há violação do princípio ne bis in idem pois os factos de que decorrem as infracções disciplinares não foram objecto de decisão anterior transitada em julgado. Com efeito, a deliberação final contida no Acórdão do STA, que se pronunciou sobre a conduta do ora reclamante, acaba por deixar de fora os factos agora em apreço, cuja reiteração justificam a nova deliberação disciplinar”.

mm) Ora, não se percebe sequer que “factos novos” são estes que o Plenário do Réu se refere, pois a factualidade com base na qual o autor é agora punido por alegada violação do dever de lealdade é exactamente a mesma factualidade que já havia sido considerada no acto declarado nulo como integrante da violação do dever de imparcialidade e sobre o qual incidiu, especificamente, um juízo invalidante por parte do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo por ter sido objecto de dupla punição (cfr. artigos 1º a 16º insertos na pág. 6 do acórdão da Secção Disciplinar de 15-2-2013).

nn) Em face de todo o exposto, também o acórdão do Plenário do CSMP de 4-6-2013, que manteve o acórdão da Secção Disciplinar de 15-2-2013, ofende o acórdão anulatório proferido, violando, novamente, o princípio ne bis in idem, e, ofendendo o conteúdo essencial do direito fundamental do autor a não ser duplamente punido pela prática dos mesmos factos, infringindo o disposto nos artigos 29º, n.º 5, da CRP, 9º, n.º 3 e 31º ambos da Lei 58/2008, de 9 de Setembro, subsidiariamente aplicável por via do preceituado no artigo 216º do EMP, devendo ser declarado nulo nos termos dos artigos 133º, n.º 2, alíneas d) e h) e 134º, n.º 2 do CPA.

oo) Os acórdãos em crise padecem de falta de fundamentação e violam o princípio da culpa na escolha e graduação da pena, pois para além de não justificarem porque é que as infracções ao dever geral de prossecução do interesse público são consideradas graves – na verdade o que consta do acórdão da Secção Disciplinar é uma manifesta conclusão a esse respeito – chegam ao ponto de, num primeiro momento, e considerarem as infracções cometidas como graves, e num segundo momento, em sede de elenco das infracções cometidas (ponto C do acórdão da Secção Disciplinar), serem todas as infracções consideradas como graves, sem que se tenha procedido a qualquer explicação a esse respeito!

pp) E, portanto, sem que o Autor possa conhecer quais as razões que levaram a Secção Disciplinar a considerar como graves todas as infracções cometidas.

qq) Acresce que, a omissão das razões explicativas da consideração de que o autor incorreu na prática de infracções graves, e bem assim, da consideração de que o autor praticou seis das infracções a titulo doloso – quando nem sequer se depreende quais são essas infracções – acarreta a nulidade do acórdão da Secção Disciplinar do réu de 15-2-2013 por ofensa do conteúdo essencial do direito fundamental do particular à fundamentação (cfr. art. 133º, n.º 2, al. d) do CPA), conforme entendimento da nossa Doutrina, bem como a violação do disposto no art. 124º, n.º 1, alínea a) do CPA e 125º, n.º 2 do CPA.

rr) Para além de ter incorrido em falta de fundamentação, o acórdão da Secção Disciplinar de 15-2-2013 violou o Princípio da Culpa na escolha e graduação da pena, na medida em que constando do mesmo as razões que determinaram que a Secção Disciplinar actuou, em seis das infracções, a título de dolo, tal não pode deixar de importar uma violação do Princípio da Culpa na escolha e graduação da pena, constitucionalmente previsto no art. 1º da Lei Fundamental, vício de que também padece o acórdão do Plenário do CSMP de 4-6-2013, na medida em que mantém o acórdão da Secção disciplinar.

ss) Também o acórdão do Plenário do CSMP de 4-6-2013, ao (i) afirmar, sem mais, que “o acórdão está devidamente fundamentado (cfr. pág. 19 e ss do mesmo) respeitando os requisitos previstos nos art.os 124º e 125º do CPA” e (ii) e ao, simplesmente, demitir-se de rebater, cabalmente, os argumentos expostos pelo autor na reclamação que apresentou contra o acórdão da Secção Disciplinar de 15-2-3013, padece de clamorosa violação do princípio da fundamentação, legalmente previsto no art. 124º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPA, e 125º, n.º 2 do CPA e ofende, gravemente, o conteúdo essencial do direito fundamental do particular à fundamentação, devendo ser declarado nulo ao abrigo do artigo 133º, n.º 2, al. d) do CPA, ou, se assim não se entender, sempre deverá ser anulado nos termos do art. 135º do mesmo diploma legal.

tt) Os acórdãos em crise violam, ainda, o princípio da proporcionalidade.

uu) Com efeito, a conduta funcional do autor que determinou a aplicação da pena de aposentação compulsiva, entretanto declarada nula, reportava-se, no total das infracções alegadamente cometidas, a 106 processos da titularidade do autor.

vv) Com a declaração, por este Supremo Tribunal Administrativo, da nulidade do acto punitivo por violação do princípio ne bis in idem, a conduta do autor que passou a ser objecto de censura no âmbito do segundo processo disciplinar passou a reportar-se, no total das infracções alegadamente cometidas, a 43 processos, portanto, menos de metade dos processos que haviam sido considerados como indevidamente tramitados – seja tal tramitação indevida subsumível a qualquer das infracções consideradas – pelo acórdão declarado nulo.

ww) Não se compreende como a não consideração de 62 vezes em que o autor teria violado o dever de prossecução do interesse público, bem como a não consideração da suposta violação do dever de imparcialidade – consideradas como violadoras do princípio ne bis in idem pelo acórdão anulatório – determine a aplicação ao autor da mesma pena que havia sido aplicada com base na factualidade integradora da violação do aludido princípio, quando a tramitação dada pelo autor aos processos de inquérito investigados e conducentes à aplicação da aludida pena de aposentação compulsiva passou de 106 para 43!

xx) Pelo que, é notório que a nova aplicação da pena de aposentação compulsiva ao autor, por via do acórdão da Secção Disciplinar do réu de 15-2-2013, bem como o acórdão do Plenário do réu de 4-6-2013, não pode deixar de se considerar como violadora do Princípio da Proporcionalidade constitucionalmente consagrado no art. 266º, 2 da CRP e legalmente previsto no art. 5º, n.º 2, do CPA, pelo que ambos os acórdãos devem ser anulados nos termos do art. 135º do CPA.

1.4.2. O CSMP terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª – Os impugnados acórdãos da Secção Disciplinar do CSMP de 15 de Fevereiro de 2013 e do Plenário do CSMP de 4 de Julho de 2013, que conformou o primeiro, não enfermam de nenhum dos vícios que o autor lhes atribuiu;

2ª – O acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, em execução do douto acórdão anulatório desse Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Janeiro de 2013, e praticando novo acto administrativo, nos termos do art. 173º, n.º 1 do CPTA, aplicou ao autor a pena disciplinar de aposentação compulsiva;

3ª – Por sua vez, o acórdão do Plenário do CSMP indeferiu a reclamação do autor deduzida contra esse acórdão da Secção Disciplinar e confirmou aquela pena disciplinar;

4ª – Contrariamente ao alegado pelo autor, o procedimento disciplinar não prescreveu por aplicação subsidiária da norma do art. 121º, n.º 3 do Código Penal, devido à ressalva do período da suspensão;

5ª – Pois o prazo de prescrição de 18 meses previsto no n.º 6 do art. 6º do EDTFP suspendeu-se, nos termos do disposto no n.º 7 do mesmo artigo, durante todo o tempo em que esteve pendente a acção administrativa especial intentada pelo autor nesse Supremo Tribunal Administrativo em 7 de Outubro de 2010 - processo 772/10 – e decidida pelo douto acórdão de 23 de Janeiro de 2013;

6ª – E nos termos do n.º 8 do mesmo artigo, o referido prazo de 18 meses só voltou a correr a partir do dia em que cessou a causa da suspensão, pelo que o prazo de prescrição que correu está muito longe de atingir o dobro do prazo normal como seria necessário para que ocorresse a prescrição do procedimento disciplinar por via da aplicação subsidiária da norma do art. 121º, n.º 3 do CP.

7ª - Por isso, os actos administrativos impugnados ao considerarem que o procedimento disciplinar não se encontrava prescrito, decidiram em conformidade com o direito aplicável, e não assiste qualquer razão ao autor quando pede que sejam anulados por violação de lei decorrente dessa pretensa prescrição.

8ª – Também contrariamente ao que pretende o autor, não tinha que ser repetido o procedimento disciplinar, designadamente com repetição de audiência e apresentação de defesa pelo arguido.

9ª – No processo disciplinar oportunamente instaurado contra o autor ele teve oportunidade de se pronunciar conforme se exige na Constituição, no EMP, no EDTFP e no CPA, tendo-lhe sido assegurados todos os direitos e garantias, o que não foi questionado em juízo, nem a decisão proferida na acção de impugnação da decisão punitiva alguma vez pôs em causa a validade do processo disciplinar;

10ª – Pelo contrário, o douto acórdão anulatório da anterior decisão punitiva, pressupõe a possibilidade de o CSMP proferir nova decisão, em substituição daquela que foi declarada nula, voltando a punir disciplinarmente o autor, aproveitando todo o processo disciplinar até ao relatório final, inclusive, no qual não foi detectado qualquer vício invalidante;

11ª – Por isso, não tinha que ser deduzida uma nova acusação e ser-lhe notificada para outra vez exercer o seu direito de audiência e defesa sobre factos relativamente aos quais já o tinha feito;

12ª – Para proferir nova decisão punitiva, o CSMP apenas tinha que excluir da respectiva fundamentação os factos que foram considerados violadores do princípio ne bis in idem, e foi justamente isso que fez, procedendo a uma nova enumeração dos factos provados, apenas aqueles que não foram atingidos pelo acórdão anulatório;

13ª – Também não assiste a razão ao autor na parte em que alega que o acórdão da Secção disciplinar do CSMP de 15 de Fevereiro de 2013 violou o disposto na primeira parte do artigo 173º, n.º 1 do CPTA, pelo facto de ainda não ter transitado o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA;

14ª – Tanto mais que o caso dos autos tem ainda a particularidade de o acórdão de 23 de Janeiro do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA não ser susceptível de recurso ordinário ou de reclamação;

15ª – A decisão da causa e os respectivos efeitos já não eram possíveis de qualquer alteração, estando devidamente consolidados, a situação material subjacente estava definida, pelo que não existia qualquer obstáculo à imediata execução da decisão, em conformidade com o disposto no art. 173º, n.º 1 do CPA.

16ª – Acresce que a decisão da Secção Disciplinar do CSMP não é uma decisão definitiva, pois que dela cabe reclamação para o Plenário do CSMP, o que efectivamente aconteceu in casu, e à data do impugnado acórdão do CSMP de 4 de Junho de 2013, que confirmou o acórdão da Secção Disciplinar, já o acórdão de 23 de Janeiro de 2013 tinha transitado em julgado.

17ª – E não foi a decisão da Secção Disciplinar, mas sim a decisão do Plenário do CSMP que produziu efeitos na esfera jurídica do autor, pelo que também por isso, é de todo improcedente a alegação do autor de que os actos impugnados violaram a norma do art. 173º, n.º 1, do CPTA;

18ª – Não existiu qualquer irregularidade na distribuição do processo do autor ao relator, que ocorreu com rigorosa observância das normas dos artigos 30º, n.º 1, do EMP e 16º do Regulamento Interno da PGR e do princípio da transparência e imparcialidade;

19ª – No caso dos autos a distribuição fez-se sempre por sorteio, ainda que possa não ter sido um sorteio como autor queria que fosse, mas foi um sorteio de acordo com as normas de funcionamento dos serviços e com observância das normas legais e regulamentares aplicáveis;

20ª – E o autor foi devidamente informado, e de forma circunstanciada, dos moldes em que foi realizado o sorteio, conforme resulta da sua própria alegação nos artigos 118º a 123º da petição inicial;

21ª – Os acórdãos impugnados não padecem de nova violação do princípio ne bis in idem, pois procedeu-se a uma nova fixação da matéria de facto, com remoção radical da materialidade considerada inutilizável para efeitos punitivos, em rigorosa execução do douto acórdão anulatório;

22ª – A decisão punitiva descreve especificadamente os factos assentes que fundamentam a punição disciplinar do autor, explicando as razões por que as suas condutas são muito graves, em termos que permitem a qualquer destinatário de boa – fé alcançar as razões pelas quais decidiu aplicar a pena de aposentação compulsiva;

23ª – Do mesmo modo são repetidamente apresentadas as razões por que concluiu que o autor agiu com dolo: porque sabia que as suas reiteradas condutas constituíam infracções disciplinares, e não obstante quis agir como agiu, de modo voluntário e consciente;

24ª – O que tudo satisfaz plenamente a exigência de fundamentação, nos moldes em que é entendida pela jurisprudência, bastando que seja expressa e exponha, ainda que de forma sucinta, os fundamentos de facto e de direito;

25ª – Por isso, os actos impugnados não enferma de falta de fundamentação, nem violaram o princípio da culpa na escolha e graduação da pena, pretenso defeito que o autor lhes atribui sob a mesma alegação improcedente de que deles não constam as razões por que actuou com dolo;

26ª – A aplicação ao autor da pena disciplinar de aposentação compulsiva pelas oito infracções graves que praticou não constitui qualquer excesso, antes se mostra adequada, necessária e proporcional à gravidade das condutas ilícitas do autor, que comprometeram irremediavelmente a manutenção do vínculo funcional como magistrado do Ministério Público;

27ª – De resto, esta questão da proporcionalidade da sanção disciplinar foi objecto de apreciação no douto acórdão de 23 de Janeiro de 2013 do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo desse STA, no julgamento do recurso interposto pelo autor no processo n.º 772/10, tendo-se decidido pela improcedência da invocada violação do princípio da culpa e da proporcionalidade;

28ª – E pelo facto de terem sido retiradas da factualidade provada 62 das 66 vezes que o autor incorreu em violação do dever de prossecução do interesse público, não deixa de ser ajustada e necessária a sanção disciplinar de aposentação compulsiva;

29ª – Com efeito, desde logo sucede que a violação daquele dever geral de prossecução do interesse público foi apenas uma das oito infracções disciplinares continuadas que fundamentam a pena disciplinar aplicada ao autor, e mesmo as quatro vezes em que o autor infringiu esse dever, consubstanciam uma infracção disciplinar continuada e grave por violação daquele dever geral de prossecução do interesse público, definido no n.º 3, do art. 3º do EDTFP.

30ª – Mas também relativamente às contas que o autor faz quanto ao número de processos, ainda que as infracções disciplinares cometidas pelo autor deixassem de se reportar a 106 processos para se reportarem agora a 43 processos, este número não deixa de ser muito elevado, a reclamar a aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva;

31ª – Em suma, o autor incorreu em oito infracções disciplinares continuadas objectivamente graves, com elevado grau de culpa, na maior parte dos casos a título doloso que, em termos definitivos, comprometeram, de modo sério e irreversível, a confiança exigível a um magistrado do Ministério Público, tudo inviabilizando a manutenção da relação funcional;

32ª – Assim, a aplicação ao autor da pena disciplinar de aposentação compulsiva pelas oito infracções graves que praticou não constitui qualquer excesso, antes se mostra adequada, necessária e proporcional à gravidade das condutas ilícitas do autor, pelo que as decisões impugnadas também não incorreram em qualquer violação do princípio da proporcionalidade consagrado no art. 266º, n.º 2 da CRP e com expressão legal no artigo 5º, n.º 2 do CPA;

33ª – Por tudo o exposto, os actos administrativos impugnados não padecem dos vícios que o autor lhe atribui, nem de quaisquer outros que afectem a sua validade e eficácia, pelo que deverão ser mantidos na ordem jurídica, na total improcedência da alegação do autor.

1.5. Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de facto

a) O autor é Procurador da República e exerceu funções no Círculo Judicial de ……………… até 25-1-2000;

b) Em 28-1-2000, o autor tomou posse no DIAP ……………;

c) Em 17-2-2009, iniciou-se o inquérito disciplinar n.º 1/2009, no qual o autor foi visado;

d) Esse inquérito foi convertido no processo disciplinar 12/2009;

e) Em 13-4-2009, o Autor foi transferido a seu pedido para o Círculo Judicial de ………………, passando a exercer funções no Tribunal ……………....;

f) Em 16-4-2009, foi elaborado o relatório final no âmbito do processo disciplinar 12/2009, tendo o Instrutor concluído que o Autor havia incorrido na prática de violação continuada do dever de zelo - por a) não ter prestado informação e ter incumprido a obrigação de movimentar e despachar, em tempo útil o Processo 4096/00.7TD…….., cujo procedimento estava em risco de prescrição, b) não ter procedido às diligências de reforma de processos desaparecidos do seu gabinete em 2006, e c) não ter despachado os processos dentro dos prazos legalmente previstos, cujos procedimentos criminais se encontravam em risco de prescrição – propondo que lhe fosse aplicada a pena de transferência.

g) Por acórdão de 12-5-2009, a Secção Disciplinar do CSMP procedeu a um “novo enquadramento da materialidade disciplinarmente censurável”, tendo determinado que os autos fossem devolvidos ao Instrutor para realização de novas diligências e entendido como adequada a pena de inactividade graduada, no seu máximo, em 2 anos;

h) Notificado para o efeito, o autor exerceu o seu direito de defesa.

i) Por acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de 11-9-2009, proferido no âmbito do processo disciplinar n.º 12/2009, foi aplicada a pena de inactividade por 18 meses.

j) Em 29-9-2009, o autor apresentou reclamação desse mesmo acórdão para o Plenário do CSMP.

k) A qual foi indeferida por acórdão do Plenário do CSMP de 20-10-2009, que manteve o acórdão da Secção Disciplinar de 11-9-2009 e, por conseguinte, a pena de inactividade graduada em 18 meses.

l) Não se conformando com o conteúdo de tal acórdão, o Autor impugnou-o por via da acção administrativa especial que corre termos no STA sob o n.º 1214/09, bem como solicitou, por apenso àquela acção, o decretamento de providência cautelar de suspensão daquele acto – processo 1217/09 – a qual foi decretada.

m) No âmbito do processo 1214/09, foi proferido acórdão em 11-1-2011, o qual julgou parcialmente procedente a acção proposta pelo Autor contra o acto do Réu por via do qual lhe foi aplicada a pena de inactividade graduada em 18 meses.

n) Deste acórdão foi interposto recurso, quer pelo Autor (relativamente aos vícios julgados improcedentes), quer pelo réu, sendo que até à presente data não foi ainda proferido acórdão pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA.

o) Acresce que foi instaurado contra o ora Autor outro processo disciplinar, ao qual foi atribuído o número 2/2010.

p) Com efeito, por via do despacho de 30-6-2009, o Procurador – Geral da República ordenou a instauração de inquérito disciplinar relativamente ao Autor, “para averiguação da matéria de facto não abrangida pelo objecto” do processo disciplinar n.º 12/2009.

q) Esse inquérito, com o número 30/2009, iniciou-se em 14-7-2009.

r) Por acórdão de 16-12-2009, a Secção Disciplinar do CSMP ordenou a conversão do referido inquérito na parte instrutória num processo disciplinar dirigido contra o Autor;

s) No âmbito deste processo disciplinar foi apresentado o relatório final em 6-4-2010, tendo sido proposta a aplicação, ao Autor, da pena de aposentação compulsiva.

t) A Secção Disciplinar deliberou, em 30-4-2010, aplicar ao Autor a pena disciplinar de aposentação compulsiva;

u) O autor apresentou reclamação do acórdão da Secção Disciplinar para o Plenário do CSMP, invocando diversas ilegalidades, designadamente, a violação do princípio ne bis in idem.

v) Por acórdão de 14-7-2010, o CSMP desatendeu a reclamação apresentada – mantendo o acórdão da Secção Disciplinar na parte que aplicou a pena de aposentação compulsiva – como efectuou o cúmulo jurídico das penas aplicadas no Processo Disciplinar n.º 2/2010, em que foi aplicada a pena de aposentação compulsiva, como no processo Disciplinar n.º 12/2009 em que foi aplicada a pena de inactividade de 18 meses.

x) Nessa sequência o autor intentou a acção administrativa especial contra o aludido acórdão de 14-7-2010, no STA, a qual correu com o n.º 772/10.

z) Por acórdão de 21-6-2011, a 1ª Secção de Contencioso Administrativo do STA julgou procedente a acção administrativa especial (i) declarando nulo o acórdão do CSMP, de 14-7-2010, nela impugnado, por violação do princípio ne bis in idem (ii) condenando o CSMP a reconstituir a situação actual hipotética, não recaindo nos vícios invalidantes se, ao proceder à reconstituição, voltar a punir disciplinarmente o Autor e (iii) condenando o CSMP nas custas do processo.

aa) Na medida em que parte dos vícios que o Autor invocou contra o Acórdão do CSMP não foi procedente o Autor recorreu do mencionado acórdão de 21-6-2011 para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA.

bb) O CSMP também recorreu.

cc) Por decisão de 23-1-2013, o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA negou provimento aos dois recursos interpostos, mantendo, por conseguinte, a decisão de 21-6-2011 da 1ª Secção de Contencioso Administrativo, que julgara procedente a acção administrativa especial, declarando nulo o acórdão do CSMP, de 14-7-2010, por violação do princípio ne bis in idem.

dd) Em execução do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 23-1-2013, o Plenário do CSMP proferiu acórdão, em 15-2-2013, nos termos do qual determinou sumariamente (i) que o Autor estava, desde o dia 13-2-2013, em exercício de funções, no regime de disponibilidade, ao abrigo do artigo 161º, n.º 1, al. b) do EMP, (ii) a imediata restituição de todas as quantias que tivessem sido retidas a título de execução da pena de “aposentação compulsiva”, anteriormente anulada, desde a data do início da sua execução, em 24-7-2010 até 12-3-2013, (iii) o processamento do vencimento e demais abonos do Autor, como se estivesse em efectivo exercício de funções resultantes da remoção da materialidade considerada inutilizável para efeitos punitivos.

ee) Na mesma data (15-2-2013), a Secção Disciplinar do CSMP proferiu acórdão – ora impugnado - por via do qual aplicou novamente a pena de aposentação compulsiva no âmbito do processo disciplinar n.º 2/2010 e, por via do disposto no art. 188 do Estatuto do Ministério público, efectuou o cúmulo das penas impostas ao Autor nesse mesmo processo e no processo disciplinar n.º 12/2009.

ff) Por requerimento de 25-2-2013 o autor arguiu a nulidade desse acórdão por preterição do exercício do seu direito fundamental de audiência e defesa;

gg) E em 7-3-2013 o Autor reclamou do acórdão da Secção Disciplinar para o Plenário do CSMP;

hh) Solicitou ainda, na reclamação, ao abrigo do disposto nos artigos 61º e seguintes do CPA, a prestação de informação e certidão da qual constasse: (i) o suporte documental que atestasse a realização do sorteio do Relator Dr. D………………. e (ii) as actas das reuniões da Secção Disciplinar e do Plenário do CSMP, ambas de 15-2-2013;

ii) Foi-lhe fornecida a documentação junta como documento n.º 10 e 11 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

jj) Por acórdão de 4-6-2013, o Plenário do CSMP negou provimento à reclamação apresentado pelo Autor contra o acórdão da Secção Disciplinar de 15-2-2013, mantendo, assim, esse mesmo acórdão.

A prova dos aludidos factos resulta dos documentos juntos aos autos que os incorporam e foram admitidos por acordo – cfr. art. 1º da contestação: “os factos alegados pelo autor nos artigos 1º a 43º da petição inicial são verdadeiros”.

2.2. Matéria de direito

2.2.1 Objecto da acção: questões a decidir

Como decorre da petição inicial e alegações do autor as questões a decidir são as seguintes: (i) prescrição do procedimento disciplinar (conclusões A a D); (ii) preterição do direito de defesa (conclusões E) a M); (iii) violação do art. 173º do CPTA (conclusão N); (iv) violação do art. 20º do EMP e 16º do Regulamento interno da PGR e princípio da transparência (conclusões Q a GG); (v) violação do princípio ne bis in idem (conclusões HH a NN); (vi) falta de fundamentação e violação do princípio da culpa na escolha e graduação da pena (conclusões OO a SS); (vii) violação do princípio da proporcionalidade (conclusões TT a WW).

Apreciaremos as referidas questões seguindo a ordem por que foram colocadas.

2.2.2. Prescrição do procedimento disciplinar (conclusões A a D).

O autor sintetiza a questão da prescrição do procedimento disciplinar nas conclusões A) a D).

Sustenta o autor que o procedimento disciplinar se encontra prescrito desde 16-12-2012, dado que o respectivo processo disciplinar teve o seu início em 16-12-2009 (doc. 4 junto com a petição inicial). “Conjugando o disposto no art. 121º, n.º 3 do CP com o disposto no art. 6º do art. 6º do Estatuto disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública (ex vi artigo 216º do EMP) verifica-se que o procedimento disciplinar instaurado contra o autor se encontra prescrito desde 16-12-2012, não podendo”.

É verdade que, nos termos do art. 6º, n.º 6, da Lei 58/2008, de 9/9, o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 18 meses contados do dia da respectiva instauração, quando nesse prazo o arguido não seja notificado da decisão final.

Também é verdade que o processo disciplinar se iniciou em 16-12-2009.

Todavia, nos termos do art. 6º, n.º 7 da mesma Lei “A prescrição do procedimento referida no número anterior suspende-se durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.”

Diz-nos ainda o art. 6º, n.º 8, da mesma lei que “A prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão.”

Decorre das normas transcritas que, sendo anulada a decisão punitiva e, portanto, deixando esta de existir, deve contar-se todo o tempo decorrido desde a instauração do processo disciplinar, até a nova decisão punitiva ser proferida, descontando-se o tempo em que esteve pendente o processo judicial de impugnação da decisão.

No presente caso, o processo disciplinar foi instaurado em 16-12-2009 e a acção judicial que impugnou a deliberação punitiva foi instaurada em 7 de Outubro de 2010 e esteve pendente até 23 de Janeiro de 2013 (data do acórdão do Pleno, proferido no processo 772/10).

A nova punição foi proferida pelo Plenário do CSMP em 4 de Julho de 2013 (decisão final do procedimento).

Assim, entre 16-12-2009 e 7 de Outubro de 2010 (data em que teve início a suspensão da prescrição por instauração da acção judicial), decorreram 9 meses e 28 dias e entre 23 de Janeiro de 2013 (data em que findou a suspensão da prescrição) e 4 de Julho de 2013 (data da nova decisão final do processo) decorreram 5 meses e 28 dias, ou seja, no total e para efeito da prescrição prevista no art. 6º, n.º 6, decorreram 15 meses e 16 dias. Nesta contagem não tomamos em conta a data do trânsito da decisão do Pleno, pois é só a partir dela que finda a suspensão da prescrição. No entanto, mesmo tomando como referência a data da decisão do Pleno, é patente que, na data em que foi proferida a decisão final, pelo Plenário do CSMP, ainda não tinha decorrido o prazo da prescrição previsto no art. 6º, n.º 6 da Lei 58/2008, de 9/9 (dezoito meses).

Improcede, deste modo, o alegado vício.

2.2.3. Preterição do direito de defesa (conclusões E) a M).

Alega o autor, neste ponto, que os acórdãos impugnados padecem de falta de repetição do procedimento disciplinar e preterição do direito de defesa. Nas conclusões F a H o autor sustenta a necessidade de nova acusação; nas conclusões I a M considera ter havido uma alteração da qualificação jurídica dos factos sobre a qual o autor não pode pronunciar-se.

Dada a autonomia das questões apreciaremos cada uma delas, separadamente.

(i) Necessidade de nova acusação por força do acórdão do STA, que declarou a nulidade do acto punitivo.

O acórdão do STA declarou a nulidade do acto punitivo por entender que o mesmo violou o princípio ne bis in idem.

Importa, assim e antes de mais, delimitar os termos da declaração de nulidade. O acórdão do STA proferido na Subsecção entendeu violado o princípio ne bis in idem, nos seguintes termos:

“(…)

O primeiro daqueles vícios consiste na violação do princípio «ne bis in idem». Aqui, e no essencial, o autor afirma que o acto violou tal princípio, pois tê-lo-ia sancionado por factos «idênticos» aos que fundaram a pena de inactividade que sofreu no PD n.º 12/2009. Note-se que o autor não particularizou os pontos de identidade entre os factos considerados e valorados nos dois processos, limitando-se a identificá-los «in genere»; e note-se ainda que, do confronto entre as duas decisões punitivas, logo se vê, pelo diverso âmbito delas, que tal identidade não pode ser total. Não obstante, a denúncia do autor, cuja gravidade merece detalhada atenção, continuará subsistente se os factos em causa nos dois processos disciplinares só nalguma parte forem idênticos; e encontramo-nos, sem dúvida, em condições de, cotejando as duas decisões punitivas, avaliar da bondade desse ataque.

O PD n.º 12/2009 foi culminado pelo acórdão do Plenário do CSMP, de 20/10/2009, que, indeferindo a reclamação que o ora autor deduzira do acórdão da Secção Disciplinar, de 11/9/2009, manteve a pena que aí lhe fora aplicada, de inactividade por dezoito meses. Os factos justificativos dessa pena não constam do texto do acórdão do Plenário que, quanto a eles, meramente se apropriou do que a Secção Disciplinar dissera. E, relendo o dito acórdão de 11/9/2009, vê-se que a Secção Disciplinar considerou provados três tipos de factos – aliás, os que a mesma Secção já considerara demonstrados no seu acórdão de 12/5/2009, em que não aceitou a proposta de se infligir ao arguido a pena de transferência e impôs ao Sr. Instrutor a realização de novas diligências tendentes à eventual aplicação de uma pena disciplinar mais grave – todos eles qualificados como violadores do dever de zelo:

1 – O facto de o ora autor «não ter correspondido aos pedidos insistentes da hierarquia para prestar informação sobre o estado do processo de inquérito n.º 4096/00.7…» e o de se haver alheado, «sem qualquer razão, do cumprimento da obrigação de movimentar e despachar, em tempo útil, o dito processo em risco de prescrição do procedimento criminal»;

2 – O facto de ele «não ter observado os comandos da hierarquia, aos quais sabia dever obediência, não tendo procedido às necessárias diligências de reforma dos processos desaparecidos do seu gabinete no prazo que lhe foi fixado para esse efeito ou mesmo posteriormente»;

3 – O facto de o ora autor «não ter despachado, dentro dos prazos legalmente previstos – que perfeitamente conhece – todos os processos que lhe estavam confiados para esse efeito, sabendo que o procedimento criminal pelos crimes neles denunciados podia prescrever, como prescreveu em muitos deles, assim frustrando as legítimas expectativas dos respectivos ofendidos e a sua confiança no MºPº, enquanto responsável máximo pelo exercício da acção penal (factos considerados como provados nos arts. 12º a 17º do acórdão punitivo)».

Este «acórdão» (por lapso indicado como «punitivo») era o de 12/5/2009, já referido «supra». E, nesses arts. 12º a 17º, dizia-se, em síntese, o seguinte: Em 15/1/2009, a Directora do DIAP … … constatou que o ora autor tinha 106 inquéritos atrasados (art. 12º). Então, e por provimento de 29/1/2009, retirou-lhe 105 desses inquéritos, que foram redistribuídos por outros magistrados (art. 13º). Em 38 desses processos redistribuídos, o procedimento criminal já estava prescrito (art. 15º). Dos inquéritos (181 ou 187) que o autor mantinha pendentes e a seu cargo em 25/2/2009, 29 deles já aguardavam despacho há mais de dez dias (art. 16º), o mesmo sucedendo com o PA n.º 6/2008 (art. 17º). Falta dizer que o art. 14º do mesmo acórdão de 12/5/2009 aludira ao desaparecimento de dois inquéritos que se encontravam no gabinete do autor – mas deste facto não foram extraídas, no PD n.º 12/2009, quaisquer consequências disciplinares.

Portanto, a primeira razão por que o aqui autor foi punido no PD n.º 12/2009 consistiu no facto dele não ter respondido aos ofícios da Directora do DIAP – que o acórdão da Secção Disciplinar, de 11/9/2009, diz serem datados de 29/11/2005 e de 25/5/2006 – sobre o estado do inquérito n.º 4096/00; e consistiu ainda no facto dele não ter despachado o mesmo inquérito – cujo desaparecimento teria ocorrido em 20 ou 21/6/2006.

Ora, o PD n.º 2/2010 também abordou a relação entre o autor e a Directora do DIAP a propósito do inquérito n.º 4096/00; mas fê-lo por motivos diversos. É que, enquanto no PD n.º 12/2009, o autor foi acusado e punido por não responder à sua superiora hierárquica, o que denotaria uma violação do dever de zelo, no PD n.º 2/2010 ele foi disciplinarmente perseguido por fazer maliciosamente crer à Directora do DIAP que o inquérito n.º 4096/00 – que, neste último processo disciplinar, se considerou desaparecido desde 24/10/2001 – ainda poderia ser alvo de aceleração processual. Daqui decorre que o acto impugnado puniu o autor por um facto diferente do que fundara a pena de inactividade – o facto de ele enganar durante longo tempo a sua superiora hierárquica quanto à existência do processo, só vindo a admitir em 24/6/2006 que ele desaparecera; e, partindo desta diferente factualidade, o acto imputou-lhe a concomitante violação de dois deveres funcionais diferentes do de zelo – os de obediência e de correcção.

Perante o exposto, é seguro que as punições aplicadas nos dois processos disciplinares a propósito de comportamentos do autor relacionados com o inquérito n.º 4096/00 não se basearam em factos «idênticos», como ele afirma, mas em acções distintas e aptas a receberem valorações autónomas. Donde se segue a impossibilidade de, por esta via, ter ocorrido uma ofensa do princípio «ne bis in idem».

Passemos ao segundo facto por que o autor foi punido no PD n.º 12/2009 – o de não ter cumprido as ordens que recebera para reformar autos desaparecidos, assim violando o dever de zelo. Ora, podemos já adiantar que, no PD n.º 2/2010, o autor não foi disciplinarmente perseguido e sancionado por isso.

Com efeito, o acto impugnado imputa-lhe a violação do dever de zelo em virtude dele, em oito (de onze iniciais) processos – apontados como casos que «não tinham sido abrangidos pelo objecto do PD n.º 12/2009» – não ter exarado os seus despachos no prazo de dez dias legalmente estabelecido; e nenhum desses casos tem a ver com a abstenção de reformar autos desaparecidos.

Mas há que prosseguir a indagação, por ser ainda possível que a identidade factual que o autor invoca subjazesse à pronúncia de que ele ofendera deveres diferentes. Ora, o acto imputou-lhe a violação de outros deveres funcionais – de obediência e de correcção – por ter prestado informações erróneas à sua directa superiora hierárquica, ou nem sequer lhe haver respondido (mas este ponto não abrange o inquérito n.º 4096/00, de que tratámos acima), sobre vários processos, relacionando-se dois deles (com os ns.º 22/2006 e 9137/00) com a reforma de autos. Todavia, os factos censuráveis ligados a estes dois processos não consistiam – como ocorrera no PD n.º 12/2009 – no incumprimento das ordens de reforma; consistiam, sim, em informações erradas quanto ao número de processos a reformar e quanto à presença actual de um processo, cujo desaparecimento o autor teria dissimulado por algum tempo à Directora do DIAP.

Podemos, pois, confirmar o que antes antecipáramos: os factos integrantes da segunda violação do dever de zelo, por que o autor foi punido no PD n.º 12/2009, não foram tidos em conta no PD n.º 2/2010. Pelo que, relativamente a tais factos, o acto não pecou por ofensa do princípio «ne bis in idem».

Consideremos agora o terceiro motivo por que o agora autor foi sancionado no PD n.º 12/2009, que, conforme vimos, consistiu em ele, violando o dever de zelo, não ter cumprido os prazos de movimentação: (i) de 106 inquéritos (105 dos quais lhe foram retirados pela sua superiora hierárquica em 29/1/2009), tendo mesmo permitido a prescrição do procedimento criminal em 38 deles; (ii) de 29 inquéritos e de um processo administrativo, todos «pendentes a seu cargo em 25/2/2009». E, mais uma vez, há que ponderar se este assunto está de alguma forma repetido na perseguição disciplinar de que o autor foi alvo no PD n.º 2/2010.

Para tanto, teremos de desdobrar a tarefa em cinco pontos, os quais correspondem às únicas faltas, reconhecidas no acto impugnado, que apresentam alguma conexão com a ofensa do dever de zelo, aludida no anterior parágrafo.

Um dos 105 processos redistribuídos em 29/1/2009 foi o inquérito n.º 2744/00, que a acusação proferida no PD n.º 12/2009 disse (no art. 22º) ser o que estava por movimentar há mais tempo, encontrando-se mesmo prescrito. Sublinhe-se que esse processo foi um daqueles 105, tendo integrado o lote de 35 inquéritos redistribuídos ao Sr. Procurador da República E… («vide», igualmente, o art. 14º da mesma acusação, a fls. 240 do I vol. do Anexo-A ao processo instrutor). Assim, é claríssimo que o autor foi, no PD n.º 12/2009, perseguido e punido por ter atrasado e deixado prescrever o inquérito n.º 2744/00, violando desse modo o seu dever de zelo.

Ora, no PD n.º 2/2010, o autor foi sancionado por violação do dever de imparcialidade, em virtude de ter avocado ilegalmente um inquérito que corria em …– que, no DIAP … …, veio a receber o n.º 2744/00 – tê-lo atrasado, deixado prescrever (em 21/11/2007) e mantido na sua posse, inerte, até à data da sua redistribuição, assim dando «objectivamente» a ideia de que favorecera «os interesses daqueles que se encontravam eventualmente envolvidos nos factos participados, em detrimento do interesse na descoberta da verdade».

Portanto, e relativamente à conduta que adoptou no inquérito n.º 2744/00, o autor foi punido, no PD n.º 12/2009, por violação do dever de zelo e, no PD n.º 2/2010, por violação do dever de imparcialidade.

Decerto que tais punições, para coerentemente se referirem aos distintos deveres tidos por violados, haveriam de se suportar em factos diferentes – «grosso modo», uma actuação displicente num caso, uma actuação parcial no outro; e nessa linha se inscreve a afirmação do Sr. Instrutor, inclusa no relatório final e depois acolhida no acto impugnado, de que, no PD n.º 2/2010, «não consta qualquer facto, entendido este na sua totalidade, que conste dos factos dados como provados no PD n.º 12/2009».

Mas é óbvio que a afirmação de que aquelas punições sofridas pelo autor nos dois processos disciplinares não se basearam nos mesmos factos, se entendidos na sua «totalidade» ou «integralidade», logo sugeria que tais factos eram parcialmente coincidentes. E, na verdade, assim sucede. Em ambos os casos, o autor foi punido por deter na sua posse o inquérito n.º 2744/00 desde 2000, deixá-lo prescrever em 21/7/2007 e, em seguida, mantê-lo sem despacho até à data (em 21/1/2009) da sua redistribuição. Devido a estes comportamentos, o autor foi sancionado no PD n.º 12/2009 por infracção do dever de zelo; e, ainda devido a esses mesmos comportamentos (acrescidos da avocação ilegal do inquérito em 2000), ele foi sancionado no PD n.º 2/2010 por infracção do dever de imparcialidade.

E a identidade dos factos por que o autor foi punido nos dois processos disciplinares torna-se mais clara ante o significado que o facto novo, trazido no PD n.º 2/2010 (a referida avocação ilegal do inquérito em 2000), aporta para a ofensa do dever de imparcialidade. Com efeito, e como o próprio acto, «per relationem», admite, este dever impõe que o magistrado guarde equidistância relativamente aos interesses conflituantes nos processos. Ora, a mera avocação ilegal do inquérito, só por si, não representava a ofensa daquele dever – pois uma tal ofensa haveria de se deduzir do tipo de propulsão que o autor dera ao inquérito. Sendo assim, a referência, feita no PD n.º 2/2010, à avocação efectuada em 2000 não passa de um elemento explicativo da paralisia a que o autor votou depois o inquérito – permitindo que os factos em que se analisa tal paralisia signifiquem, não apenas uma violação do dever de zelo, mas algo de muito mais sério («a infracção mais grave que foi imputada ao magistrado arguido», disse o Sr. Instrutor no seu relatório final, com concordância do CSMP), ou seja, a ofensa do dever de imparcialidade.

É, portanto, inequívoco que o autor, pelo modo como agiu no inquérito n.º 2744/00, foi punido nos dois processos disciplinares: no PD n.º 12/2009, porque esse modo revelava que não fora zeloso; no PD n.º 2/2010, porque esse modo revelava que fora parcial.

Mas isto gera logo duas sucessivas perplexidades: «primo», parece incompatível que uma mesma conduta possa simultaneamente violar os dois sobreditos deveres; «secundo», e mesmo que se admita tal compatibilidade, não se crê admissível punir o agente faltoso em concurso real.

Esqueçamos por momentos que o autor foi punido em dois processos disciplinares pelo que fez no inquérito n.º 2744/00; e perguntemo-nos se ele podia ser assim sancionado, pela dupla infracção dos deveres de zelo e de imparcialidade, num mesmo processo. Note-se que esta pergunta tem razão de ser pois, se ele não pudesse ser punido nesse hipotético processo em concurso real, também não poderá, «a pari» ou «a fortiori», ser punido pela violação dos dois deveres em processos disciplinares distintos.

Na determinação dos deveres funcionais violados, busca-se a verdadeira causa da falta disciplinar – causa formal, porque caracterizadora dela. Ora, se o autor agiu censuravelmente no inquérito n.º 2744/00 por ser parcial, isto é, porque teve o intuito de beneficiar ou de prejudicar alguém, é porque o fez por uma razão diferente da mera falta de zelo; e, daí, logo se segue a dificuldade, senão mesmo a impossibilidade, de se imputar ao autor a simultânea infracção dos deveres de zelo e de imparcialidade. Mas, se acaso admitirmos como possível a simultânea ofensa desses deveres, então teremos sempre de reconhecer que as respectivas faltas se articulariam em concurso aparente – ficando a violação do dever de zelo consumida pela violação do superior dever de imparcialidade.

A anterior digressão, embora exterior ao princípio que o autor diz violado, mostra que as faltas, relativas ao inquérito n.º 2744/00, por que ele veio a ser punido nos dois processos disciplinares só poderiam no máximo, e se fossem reconhecidas num mesmo processo, entrar em concurso aparente. E, se assim é, algo de errado sucedeu «in casu», pois a dupla punição, ocorrida em momentos diferidos, equivale à punição, «uno actu», em concurso real. E estamos agora em melhores condições para ajuizar se realmente houve o desrespeito do princípio «ne bis in idem» (também identificado por uma outra fórmula, embora menos corrente – «bis de eadem re ne sit actio»).

O art. 29º, n.º 5, da CRP, indiscutivelmente extensível aos processos disciplinares, proíbe que, na actividade sancionatória, se proceda a uma dupla valoração do mesmo substrato material. As fundamentais razões dessa proibição residem, por um lado, na paz jurídica que ao arguido se deve garantir finda a perseguição de que foi alvo e, por outro lado, no interesse em evitar pronúncias díspares sobre factos unitários. E, para que a referida proibição assuma o devido alcance, a doutrina fá-la acompanhar do que designa por um mandado de esgotante apreciação de toda a matéria cognoscível («vide», v.g., Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2007, pág. 978, e Eduardo Correia, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, «in» a Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1983, pág. 331).

Assim, quem averigua da responsabilidade disciplinar de um arguido por via de certos factos deve esgotar todas as consequências sancionatórias que desses factos derivem; porque, se o não fizer, não poderá a perspectiva omitida ser recuperada num outro processo – seja «a se», seja em conjunto com a parte já antes tida em conta – por isso traduzir um segundo juízo punitivo sobre os mesmos factos.

Ora, foi isso que sucedeu «in casu», em notória ofensa do princípio «ne bis in idem». O Sr. Instrutor do PD n.º 12/2009 podia ter averiguado e sabido que o inquérito n.º 2744/00, a que expressamente se referiu, fora ilegalmente avocado pelo autor em 2000. Aliás, nem sequer está excluído que ele o soubesse, mas entendesse que a falta correspondente a essa avocação – por esta ser um acto instantâneo, embora causal do efeito continuado do processo permanecer nas mãos de quem o avocara – estava já prescrita. E, do mesmo modo, esse Sr. Instrutor podia ter encarado a globalidade dos factos relacionados com aquele inquérito pelo prisma da ofensa do dever de imparcialidade – como sucedeu no PD n.º 2/2010. Todavia, não o fez. E, não o tendo feito, vedado estava ao acto impugnado, a pretexto de que o anterior processo disciplinar não esgotara a responsabilidade disciplinar do autor a propósito da sua conduta no inquérito n.º 2744/00, proceder à recuperação dos mesmos factos, usando-os para punir o arguido outra vez.

Portanto, o autor tem razão quando clama que o princípio «ne bis in idem» foi violado – para já, no que respeita à ofensa do princípio da imparcialidade. E, contra esta conclusão, de nada vale o argumento, esgrimido pelo Sr. Instrutor e apropriado pelo acto, de que ainda se não mostra definitiva a pronúncia sancionatória aplicada no PD n.º 12/2009. A circunstância desse acto punitivo ter sido impugnado «in judicio» é irrelevante para o problema em apreço; pois o que agora importa saber é se o autor foi disciplinarmente perseguido e punido duas vezes pelos mesmos factos – e não se a primeira punição se consolidou na ordem jurídica. E convém também referir que o cúmulo das penas aplicadas nos dois processos disciplinares não afasta, e antes cristaliza, a dupla punição, na exacta medida em que tal cúmulo precisamente assenta nas faltas e penas parcelares, tidas por reciprocamente irredutíveis.

Terminamos aqui o primeiro dos cinco pontos que nos propusemos tratar. E, passando ao segundo, averiguaremos se o princípio «ne bis in idem» foi violado relativamente às 66 vezes em que, segundo o acto impugnado, o autor ofendeu o dever de prossecução do interesse público por não ter tomado a decisão de encerrar inquéritos (como se diz nos ns.º 72 e 73 dos factos provados, a fls. 1547 do processo disciplinar apenso).

A factualidade tida por assente consta do acórdão da Secção Disciplinar, de 30/4/2010 – que, nesta parte, reproduz «ipsis verbis» tudo o que o Sr. Instrutor dissera no seu relatório final. E será aos números ordenadores dessa factualidade, descrita nas fls. 1498 a 1580 do processo instrutor apenso, que seguidamente aludiremos. Assim:

Nos ns.º 20 a 50 dessa matéria, imputou-se ao autor o facto de, após ter avocado e atrasado 51 inquéritos relacionados com negligência médica, não ter tomado a decisão de os encerrar até à data em que o pôde fazer – ou 29/1/2009, momento em que 47 deles foram redistribuídos, ou, quanto aos 4 restantes (com os ns.º 420/07, 6892/07, 356/07 e 8387/07), até 13/4/09, «data em que foi transferido da comarca»;

Nos ns.º 51 a 62 dessa matéria, imputou-se ao autor o facto de, após ter avocado e atrasado 4 inquéritos dirigidos contra agentes de autoridade, não ter tomado a decisão de os encerrar até 29/1/2009, data em que eles foram redistribuídos;

Nos ns.º 63 a 68 dessa matéria, imputou-se ao autor o facto de, após ter atrasado 5 inquéritos, 4 dos quais prescreveram, não ter tomado a decisão de os encerrar até 29/1/2009, data em que eles foram redistribuídos;

E, nos ns.º 69 a 74 dessa matéria, imputou-se ao autor o facto de, após ter atrasado 6 inquéritos, não ter tomado a decisão de os encerrar até 29/1/2009, data em que eles foram redistribuídos.

Aqui, convém notar duas coisas: «primo», que, relativamente aos ns.º 51 a 62, 63 a 68 e 69 a 74, disse-se, nos ns.º 62, 68 e 72, que a não prossecução do interesse público nesses 15 processos persistiu, nuns casos, até 29/1/2009 e, noutros, até o aqui autor ser transferido da comarca; mas isso não é exacto, pois a descrição do «conteúdo» desses 15 processos (que consta dos ns.º 61, 67 e 71) evidencia que todos eles foram redistribuídos em 29/1/2009. «Secundo», que a adição de todos os processos referidos nos ns.º 20 a 74 soma 66 – o que corresponde às «66 vezes» em que (segundo o n.º 73) o autor, por não encerrar os inquéritos, infringiu «o dever geral de prossecução do interesse público».

Assim, desses 66 inquéritos, 62 foram redistribuídos em 29/1/2009, integrando o lote dos 105 redistribuídos nessa data. Mas já sabemos que o autor, no PD n.º 12/2009, foi punido por ter deixado atrasar esses 105 inquéritos, o que foi então qualificado como uma violação do dever de zelo. É, pois, de perguntar se ele podia ser perseguido e sancionado, agora no PD n.º 2/2010, por não ter proferido o despacho final em 62 desses 105 processos.

E a resposta só pode ser negativa, aliás por uma dupla razão. «Primo», porque o autor foi acusado e punido, no PD n.º 12/2009, por, em 15/1/2009, ter aqueles 105 inquéritos «ainda pendentes e por movimentar há mais de dez dias» (cfr. o art. 12º da acusação proferida nesse processo disciplinar, acolhida nos acórdãos da Secção Disciplinar e do Plenário do CSMP, respectivamente de 11/9/2009 e de 20/10/2009). Ora, a censura derivada da não movimentação desses 105 inquéritos – e, portanto, também daqueles 62, que neles se incluíam – abarcava todos os actos processuais que, em tais inquéritos, o arguido mantivesse em falta, incluindo os despachos finais, se fosse o caso. Consequentemente, o PD n.º 2/2010 – ao autonomizar os atrasos nos 62 inquéritos, já antes punidos, da «decisão de os encerrar», vindo a punir o autor pela falta de arquivamento deles – procedeu a uma distinção artificiosa e recaiu numa segunda punição pelos mesmos factos.

Mas, se acaso se devesse reconhecer que o PD n.º 12/2009 não perseguira o autor pela falta de encerramento dos 62 inquéritos, a bondade do acto não melhoraria neste ponto. É que, e «secundo», sempre teria de se dizer que uma esgotante apreciação da matéria factual sobre que se debruçou o PD n.º 12/2009 permitiria descortinar essa outra falta, avinda da omissão de encerrar os 62 inquéritos e intimamente conexa com a falta conhecida. E, então, valeria aqui, «mutatis mutandis», tudo aquilo que acima expendemos quanto à impossibilidade, fundada do princípio «ne bis in idem», de se prosseguir alhures e relativamente ao mesmo substrato uma perseguição disciplinar já promovida e consumada.

É, portanto, seguro que o acto impugnado, ao sancionar o autor por não ter encerrado os ditos 62 inquéritos, violou o princípio «ne bis in idem», pois ele já fora punido por isso – ou, no mínimo, poderia tê-lo sido – no PD n.º 12/2009. Mas o mesmo já não sucede com os 4 inquéritos restantes (que, com aqueles 62, somam os 66), posto que a omissão de encerrar tais inquéritos subsistiu até 13/4/2009, data em que o autor foi transferido da comarca – o que mostra que a falta é posterior a 20/2/2009, ocasião em que se iniciou o processo de inquérito que foi mais tarde convertido no PD n.º 12/2009.

Passemos ao terceiro ponto. Aqui, importa ver se o mesmo princípio «ne bis in idem» foi violado no que tange às três violações do dever de prossecução do interesse público a que se faz referência nos ns.º 75 e 78 dos factos provados («vide» fls. 1550 do processo disciplinar apenso).

Assim, o autor foi acusado e punido por, relativamente ao processo n.º 9/2002, não ter deduzido o pedido cível na acusação de 29/4/2005; por não ter promovido a instauração de procedimento criminal no processo n.º 6/2002; e por não ter promovido a extinção da medida de coacção de suspensão de exercício imposta ao arguido no processo n.º 508/02, abstenção que causou ao Estado um prejuízo patrimonial de cerca de 58.000 euros.

Note-se que a primeira dessas imputações também afirma que o autor não deduziu o pedido cível até 13/4/2009, data em que foi transferido da comarca – o que assimilaria a omissão dele a um atraso. Mas, ou o pedido cível era deduzido com a acusação (ou no seu prazo), ou já não o seria pelo MºPº (art. 77º do CPP) – e é, aliás, nessa perspectiva que a censura disciplinar vem inicialmente delineada; donde se segue que a falta atribuída ao autor não tem a ver com retardamentos e, por isso mesmo, é alheia aos atrasos por que ele fora punido no PD n.º 12/2009.

A segunda imputação, porque referida a uma abstenção do autor que se prolongou «até 13/4/09, data em que foi transferido da comarca», excede o período temporal sobre que incidiu o PD n.º 12/2009, motivo por que é de afastar «in limine» qualquer ofensa do princípio «ne bis in idem».

A terceira imputação levou a que o autor fosse punido por ter atrasado uma promoção que deveria ter efectuado «até 15/5/05» e que omitiu até à data (que já sabemos ser 29/1/2009) em que o processo foi redistribuído ao Dr. E…; de modo que a promoção em falta só veio a ser feita por este magistrado em 30/4/2009, assim ocorrendo um retardamento que prejudicou o Estado. Ora, isto mostra que o processo n.º 508/02 foi um dos 105 inquéritos redistribuídos pela Directora do DIAP, cujos atrasos na sua movimentação já haviam motivado a punição disciplinar do autor no PD n.º 12/2009; o que coloca a questão de saber se o acto impugnado, ao discernir esta falta, terá ferido o princípio «ne bis in idem».

Embora as duas punições arranquem do mesmo processo, cremos que o princípio não foi violado por serem diferentes os factos constitutivos das duas faltas. Com efeito, os atrasos considerados no PD n.º 12/2009, relativamente àqueles 105 inquéritos (e, portanto, também ao inquérito n.º 508/02), referiram-se somente à última conclusão neles aberta (inquéritos «por movimentar há mais de dez dias» – art. 12º da acusação, a fls. 240 do I vol. do Anexo-A ao processo instrutor); já o atraso censurado no PD n.º 2/2010, de que agora curamos, respeitou à omissão de uma promoção desde 15/5/2005 – omissão essa que poderia persistir mesmo que o autor fosse despachando o inquérito n.º 508/02 dentro dos prazos das sucessivas conclusões.

E não se objecte que o mandado de uma esgotante apreciação obrigaria a que, no PD n.º 12/2009, se conhecesse de toda e qualquer responsabilidade disciplinar do arguido em relação ao inquérito n.º 508/02. Com efeito, esse mandado ordena-se à qualificação dos factos, à sua graduação quantitativa e às suas circunstâncias; mas não vai ao ponto de abranger factos diversos que, com os averiguados, não mantenham essas estreitas relações. E é precisamente isso que ocorre «in casu»: o pormenor dos factos considerados nos dois processos disciplinares se reportarem ao mesmo inquérito não afasta a evidência de que se trata de factos diferentes; e, assim sendo, é imediatamente de concluir pela não violação do princípio «ne bis in idem».

Assente que o vício denunciado não existe no terceiro ponto que abordámos, vejamos o quarto. Como resulta dos ns.º 79 a 82 da factualidade assente, o autor foi punido por violação do dever de lealdade em virtude de ter avocado ilegalmente (ofendendo regras de competência territorial e material) e dirigido 18 processos. Ora, estes factos não são assimiláveis aos atrasos por que o autor foi punido no PD n.º 12/2009 – o que afasta a ideia de que houve aqui uma ofensa do princípio «ne bis in idem». E essa ideia não ressurge devido à certeza de que dois desses dezoito processos foram redistribuídos em 29/1/2009 – fazendo, portanto, parte do lote dos 105 por cujos retardamentos o autor foi sancionado no PD n.º 12/2009; e isto porque os factos constitutivos das faltas disciplinares continuam a ser diferentes nos dois procedimentos (são aqui aplicáveis as considerações que tecemos no parágrafo anterior).

O quinto ponto que mantém alguma ligação à terceira falta disciplinar por que o autor foi punido no PD n.º 12/2009 respeita aos ns.º 83 a 87 da factualidade provada (cfr. fls. 1555 e ss. do vol. V do processo instrutor apenso). Neste âmbito, indicaram-se 11 processos em que o autor «não exarou os seus despachos no prazo de 10 dias», assim infringindo o dever de zelo. Mas, desses onze processos, foram retirados três, de modo que a censura se limitou à actuação do autor em oito; e, ademais, tal censura foi ainda restringida aos atrasos sucedidos depois de 20/2/2009 (data do início do inquérito disciplinar depois convertido no PD n.º 12/2009), a fim de se evitar uma dupla perseguição pelos mesmos factos (como se depreende do que se diz na pág. 8 do acórdão da Secção Disciplinar, de 30/4/2010). É, pois, manifesto que não houve, neste domínio, uma qualquer violação do princípio «ne bis in idem».

Resta assinalar que a existência de tal vício nunca se poderia pôr no confronto entre a terceira falta por que o autor foi sancionado no PD n.º 12/2009, conexionada com atrasos, e as faltas disciplinares punidas pelo acto impugnado e advindas da ofensa dos deveres de exercer a acção penal (em virtude da ordem verbal do autor para que o inquérito n.º 2731/04 não fosse apresentado ao magistrado de turno, mas a si próprio) e de obediência e correcção (em virtude dele ter prestado informações erróneas à superiora hierárquica).

Recapitulando, temos que o autor tem parcialmente razão quando afirma que, no PD n.º 2/2010, foi sancionado por factos «idênticos» àqueles por que fora punido no PD n.º 12/2009; pois isso realmente sucedeu no que respeita aos factos integradores de várias ofensas causais da pena aplicada pelo acto – a ofensa do dever de imparcialidade e sessenta e duas ofensas do dever de prossecução do interesse público. Nesse domínio, o acto impugnado feriu o princípio «ne bis in idem». Mas esta arguição do autor improcede no demais, ou seja, relativamente às restantes sete violações do dever de prossecução do interesse público e às ofensas dos deveres de exercer a acção penal, de lealdade, de zelo, de obediência e de correcção.

Porém, não se encontra ainda esgotada a apreciação do vício decorrente da ofensa do princípio «ne bis in idem». É que o autor, para além de localizar tal vício na identidade dos factos por que foi sancionado nos dois processos disciplinares, também o ligou ao pormenor das prescrições do procedimento criminal que lhe foram atribuídas terem sido consideradas disciplinarmente duas vezes – como faltas sancionáveis no PD n.º 12/2009 e como agravantes da sua responsabilidade no PD n.º 2/2010.

Esta denúncia, porém, carece de base. É que o acórdão impugnado, aludindo aos 38 inquéritos cuja prescrição do procedimento criminal fora atendida no PD n.º 12/2009, teve o cuidado de dizer que essa era uma matéria irrelevante «para a escolha da pena nos presentes autos» (cfr. fls. 1675 do processo disciplinar apenso). Isto mostra que o Plenário do CSMP se demarcou, neste ponto, da posição da Secção Disciplinar – que, embora distinguindo esses 38 casos de todos os 67 em que se verificaram prescrições, tomara ainda todos «como agravante da conduta do magistrado arguido» («vide» fls. 1494 do mesmo processo instrutor). Portanto, o acto impugnado excluiu que as 38 prescrições consideradas no PD n.º 12/2009 fossem havidas como circunstância agravante da responsabilidade disciplinar do autor, conhecida no PD n.º 2/2010; e perante tal exclusão, nenhum motivo subsiste para que ao acto se impute, neste ponto, uma violação do princípio «ne bis in idem».

A análise do primeiro vício arguido pelo autor mostra que o acto terá de ser erradicado da ordem jurídica. Mas, e como já dissemos, há que prosseguir a indagação relativamente às demais causas de invalidade invocadas, «ex vi» do art. 95º, n.º 2, do CPTA – continuando-se a fazê-lo a partir do que o autor alegou na petição inicial, por ele já deter, nesse momento, um conhecimento completo do acto e dos vícios que lhe poderiam ser opostos.

(…)”.

O referido acórdão foi confirmado pelo Pleno da Secção de Contencioso Administrativo de 23-1-2013.

O CSMP após a decisão do STA, declarando a nulidade do acto punitivo, proferiu nova decisão, sem ter reformulado a acusação do processo disciplinar e sem ter previamente ouvido o autor.

Entendeu o CSMP que o vício reconhecido pelo STA estava localizado na decisão punitiva e não no procedimento; que todo o procedimento disciplinar não continha vícios e, portanto, era viável reformular a decisão final, expurgando os factos que o STA tinha considerado abrangidos pela dupla punição, isto é, todos os factos pelos quais o autor tinha sido perseguido e disciplinarmente punido no processo disciplinar 2/2000 (que deu origem à acção administrativa especial 01214/09, ainda pendente neste STA).

Entendemos que, relativamente à necessidade de repetição do procedimento por força da nulidade da decisão final, o autor não tem razão, desde - note-se - que o CSMP se limite a remover os factos considerados abrangidos pela proibição do princípio ne bis in idem.

Na verdade, como decorre do teor do acórdão do STA que declarou a nulidade do acto punitivo, tal nulidade ocorre na decisão, mais concretamente no facto desta ter punido o autor por factos relativamente aos quais já havia sido punido.

Ora, se um arguido for acusado da prática de vários factos e a decisão final entender que alguns deles se não provaram, ou não podem ser atendidos, nada impõe a reformulação da acusação.

Impõe-se, tão só, uma decisão de acordo com os factos dados como provados.

Ora se é assim no decorrer normal de um procedimento – em que se provam menos factos dos que constam da acusação - também assim deve ser no caso de uma decisão administrativa ser declarada nula por ter atendido a factos constantes da acusação que não poderia ter atendido. Há, neste último caso, que retomar o procedimento a partir da nulidade declarada e qualificar juridicamente (disciplinarmente) os factos relativamente aos quais não ocorreu a violação do princípio “ne bis in idem”.

Mais complexa é a questão de saber se haverá, ou não, necessidade de proceder a nova reformulação do processo quando os factos provados a final traduzam uma alteração dos factos (substancial ou não) ou da qualificação jurídica. Contudo, nestas situações de alteração dos factos ou da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, a necessidade de ouvir o arguido tem contornos especiais e será abordada no ponto seguinte. No ponto que agora abordamos está em causa a questão de saber se a mera supressão de factos constantes da acusação por força da violação do princípio ne bis in idem impõe – só por si – a necessidade de nova acusação.

Ora, esta necessidade não decorre de qualquer norma legal, nem de qualquer princípio jurídico.

Na verdade, o arguido relativamente aos factos constantes da acusação que subsistem já foi ouvido e teve oportunidade de sobre eles requerer o que entendeu. Tais factos foram dados como provados no processo disciplinar, sem que qualquer vício tenha sido detectado, e, portanto, não tem sequer sentido acusar alguém de factos já dados como validamente provados.

Assim, nesta perspectiva, o acto punitivo – acto do Plenário do CSMP – não sofre de qualquer vício, ou seja, a nulidade do acto anterior não implicava, só por si, a reformulação da acusação.

(ii) Necessidade de nova acusação por ter havido alteração da qualificação jurídica.

A questão não fica totalmente resolvida, uma vez que o autor considera ter havido uma alteração da qualificação jurídica dos factos da acusação.

Esta questão, embora conexionada com a anterior é diferente, na medida em que agora o que vamos averiguar é se os factos da acusação (que podem ser atendidos após expurgado o vício gerador de nulidade do acto anterior) subsistem com a qualificação jurídica original, ou se houve (como alega o autor) alteração dessa qualificação jurídica.

Vejamos este ponto.

Na acusação do processo disciplinar 2/2010 relativamente aos factos 1 a 19 (relativos à avocação de um processo) o art. 19º tinha s seguinte imputação:

19. Com estes factos, documentados no anexo B, infringiu o magistrado arguido, de forma muito grave, o dever geral de imparcialidade que se encontra previsto na alínea c), do n.º 2, do artigo 3º da Lei n.º 58/2008, de 29 de Setembro.”.

No Acórdão da Secção Disciplinar que deu execução ao acórdão anulatório, os mesmos factos sofreram alguma modificação, tendo o art. 15º a seguinte redacção:

15. Ao actuar deste modo, consciente, voluntário e persistente, infringiu o dever geral de lealdade, previsto na al. g) do n.º 2, do art. 3º do Estatuto disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (ED), aprovado pela Lei 58/2008, de 9 de Setembro, aplicável “ex vi” artigo 216º do Estatuto do Ministério Público, na redacção introduzida pela lei n.º 60/98, de 27 de Agosto.

Decorre do exposto que foi alterada a qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido. Na acusação fora-lhe imputado a violação do dever geral de imparcialidade e foi punido nesse enquadramento jurídico.

Após a declaração de nulidade da respectiva punição, por violação do princípio “ne bis in idem”, a entidade detentora do poder disciplinar poderia reformular a decisão é certo, suprimindo o vício reconhecido na decisão do STA, mantendo válido todo o procedimento disciplinar. Mas teria que respeitar as regras deste procedimento que impõem que o arguido seja notificado dos factos da acusação e da qualificação jurídica de tais factos.

O art. 204º do EMP considera “nulidade insuprível a falta de audiência do arguido com possibilidade de defesa…”

O art. 197º, 2 do EMP diz-nos que “Concluída a instrução e junto o registo disciplinar do arguido, o instrutor deduz acusação no prazo de dez dias, articulando discriminadamente os factos constitutivos da infracção disciplinar e os que integram circunstâncias agravantes ou atenuantes que repute indicados, indicando os preceitos legais no caso aplicáveis”.

Existirá, portanto, falta de audiência do arguido, sempre que este venha a ser punido por factos ou preceitos legais não indicados na acusação. Falta essa que, nos termos do art. 204º do EMP é geradora de nulidade insuprível. Nulidade insuprível do procedimento, que, por seu turno e nos termos do art. 134º do CPA fere o acto punitivo de anulabilidade.

No presente caso verifica-se que o arguido veio a ser punido com fundamento em normas legais não indicadas na acusação como qualificando a sua conduta descrita nos artigos 1 a 15 dos factos dados como provados, mais concretamente as normas que se reportam ao dever de lealdade previsto na al. g) do n.º 2 do art. 3º da Lei 58/2008, de 29 de Setembro.

Relativamente aos mesmos factos o arguido fora notificado, sim, no âmbito do processo disciplinar 2/2010, com a indicação de que os mesmos infringiam o dever geral de imparcialidade previsto na al. c), do n.º 2, do art. 3º da Lei 58/2008 de 29 de Setembro.

Portanto, ocorreu efectivamente a violação do art. 204º do EMP, devidamente articulado com o art. 134º do EMP, na justa medida em que o arguido não foi notificado de uma acusação de onde constassem as normas legais que foram aplicadas no acto punitivo.

Daí que, neste ponto, o arguido tenha toda a razão, devendo em consequência proceder o alegado vício.

2.2.4. Violação do art. 173º do CPTA (conclusão N).

Alega o arguido que, no momento em que a Secção disciplinar do CSMP de 15-2-2013 foi proferido ainda não tinha transitado em julgado o Acórdão do STA proferido no processo 722/10, pelo que terá sido violado o disposto no art. 173º, 1, do CPTA.

Diz o CSMP que o acórdão do Pleno de 23-1-2013 não era susceptível de recurso ordinário ou de reclamação e portanto os respectivos efeitos já não eram possíveis de qualquer alteração, estando já devidamente definida a situação material subjacente e que a decisão da Secção Disciplinar não é definitiva, sendo que quando foi proferido o Acórdão do Plenário do CSMP já o acórdão de 23-1-2013, tinha transitado.

Vejamos.

A nosso ver o autor não tem razão porque o art. 173º, 1, do CPTA impõe, é certo, à Administração a obrigação de, na execução do julgado anulatório, respeitar os limites do caso julgado.

Do preceito resulta, sem dúvida, uma obrigação de executar.

Mas, não resulta a impossibilidade de ser proferido um acto de execução antes do trânsito da decisão anulatória. Sobre essa possibilidade o preceito nada diz e, portanto, se a mesma ocorrer não existe em boa verdade violação do preceito.

O que acontece, bem vistas as coisas, se for proferido um acto antes do trânsito da decisão anulatória, é que esse acto terá de estar em conformidade com o julgado, sob pena de nulidade (art. 133º, al. h) do CPA). Mas a nulidade advém da desconformidade com o trânsito em julgado.

Se o novo acto, ainda que proferido antes do trânsito em julgado da decisão anulatória, cumprir escrupulosamente o caso julgado, o mesmo não sofre de qualquer invalidade, pois não ofende qualquer norma ou princípio jurídico.

Seria, de resto, uma nulidade sem qualquer razão de ser, pois não existiria (nem o autor o invocou) qualquer bem jurídico carente de protecção e, portanto, a justificar a sanção (de invalidade).

Assim, quanto ao alegado vício, a acção deve ser julgada improcedente.

2.2.5. Violação do art. 30º do EMP e 16º do Regulamento interno da PGR e princípio da transparência (conclusões Q a GG).

Nas conclusões Q a GG o autor imputa à deliberação impugnada o vício decorrente de não ter havido sorteio do Inspector e do Relator no CSMP.

Quanto à falta de sorteio do inspector do CSMP a alegação do autor improcede. O art. 30º do EMP impõe, é certo, a distribuição dos processos “pelos membros do Conselho”, através de sorteio, mas não impõe essa forma para a designação do instrutor do processo disciplinar. Assim, quanto à nomeação do instrutor do processo disciplinar, sem ter havido sorteio, não ocorre a violação do art. 30º do EMP nem do art. 16º do Regulamento Interno da PGR.

Quanto ao relator no âmbito do CSMP exige o art. 30º, 1 do EMP, efectivamente, que haja sorteio, quando diz: “Os processos são distribuídos por sorteio pelos membros do Conselho, nos termos do regulamento interno”. Por seu turno o art. 16º do Regulamento Interno da PGR dizia o seguinte: “A distribuição tem por fim repartir o serviço do Conselho pelos respectivos membros e designar relatores. A distribuição dos processos relativos a avaliação do mérito profissional dos magistrados ou a matéria disciplinar é efectuada por sorteio, respeitando, quanto possível, a ordem de entrada nos Serviços de Apoio Técnico e Administrativo. Não poderão ser distribuídos aos vogais magistrados processos relativos a magistrados de antiguidade e categoria superiores às suas.”

Como decorre dos autos relativamente ao relator do CSMP a quem foi distribuído, foi junta a seguinte informação com indicação do que foi feito:

“(…)

A distribuição dos processos resulta da aplicação de um programa informático que assenta num algoritmo, o qual por sua vez determina as seguintes operações sucessivas:

a) Eliminação automática de todos os Membros do Conselho Superior do Ministério Público, por força de circunstâncias e de impedimentos legais, designadamente dos que decorrem dos artigos 30º, n.º 3, do Estatuto do Ministério público (EMP), 16º, n.º 3, do Regulamento Interno da Procuradoria-Geral da República (RIPGR) e 44º e 48º, ambos do Código de Procedimento Administrativo.

b) Seriação automática dos Membros remanescentes, segundo critério de número de processos distribuídos pendentes, com eliminação automática dos que têm maior número.

c) Selecção automática do Membro ou dos Membros com menor número de processos distribuídos pendentes. Se for mais do que um, o programa sorteia o Relator. Se a última distribuição repuser a igualdade entre esses membros, a distribuição do processo é feita, de novo, por sorteio automático entre todos os que tenham igual número de processos, podendo recair sobre o mesmo Relator da distribuição imediatamente anterior – que ficará automaticamente eliminado para a distribuição imediatamente seguinte.

Deve consignar-se ainda que a distribuição tem lugar em dia e hora previamente fixados e que os processos são submetidos à distribuição segundo (o número de ordem) de entrada na Procuradoria-Geral da República, como estipula o art. 16º, n.º 2, do RIPGR. Ao acto são presentes o Senhor Conselheiro Procurador Geral da República ou, nos seus impedimentos, o seu substituto legal, o Senhor Conselheiro Vice-procurador da República. No final é imprimido o mapa indicativo do resultado da distribuição, com base no qual o Senhor Conselheiro Procurador Geral da República profere os despachos de designação do Relator nos respectivos processos.

No dia 5 de Fevereiro de 2013 foram distribuídos dois processos disciplinares: o da LIC. F…………………….. e o do LIC A…………….., recebidos na Procuradoria – Geral da República no mesmo dia (28 de Janeiro de 2013), tendo aquele recebido o número de ordem de entrada 2773 e este o 2774. Na distribuição do primeiro foram automaticamente eliminados os Senhores Vogais G………………….. e H………………... (art. 16º, n.º 3, do RIPGR), pois são Procuradores da República, com os números de ordem na Lista de Antiguidade 409 e 483, respectivamente, cabendo à LIC. F……………….. o número 33 na mesma Lista. Foi eliminado o Senhor Vogal Dr. I…………………, que havia renunciado ao exercício de funções para assumir o cargo de Secretário – Geral da procuradoria. Dos membros remanescentes só o Senhor Vogal Dr. D…………………. tinha um processo distribuído pendente (Os Senhores Vogais DRs. J………………. e K…………….., L……………., M………………. e N………………., tinham cada um, 2 processos distribuídos pendentes). Após esta primeira distribuição, o Senhor Vogal DR. D………………. ficou com dois processos distribuídos pendentes, cada um. O sorteio automático recaiu neste mesmo Relator, que ficou automaticamente excluído do processo seguinte.” – cfr. fls. 159 e seguintes.

As operações acima referidas configuram, a nosso ver, um efectivo sorteio, ainda que feito em termos automáticos através de um programa informático. O art. 30º do EMP e o art. 16º do RIPGR não estabelecem os termos concretos em que deve ser feito o sorteio, pelo que desde que seja respeitada a finalidade da norma que é a obter o relator de modo aleatório, deve considerar-se cumprida tal formalidade.

A situação destes autos é, pois, em termos factuais, muito distinta da que foi apreciada no acórdão deste STA proferido no processo 022/12, proferido em 27-3-2014. Com efeito, no processo 022/12 não se provou que tivesse havido qualquer sorteio, constando dos autos apenas um despacho designado o relator - cfr.al.s k) matéria de facto daquele processo (publicado em www.dgsi.pt): “(…) Ao Conselho Superior do Ministério público. Designo relator o Exmo. Sr. Dr. (…). Lisboa, 9 de Maio de 2011”.

Assim, e porque no presente processo o relator foi encontrado através de acto aleatório e automático (sorteio) não se verifica o alegado vício.

2.2.6. Violação do princípio “ne bis in idem” (conclusões HH a NN).

Diz o autor, nas conclusões HH a NN que o princípio ne bis in idem voltou a ser violado uma vez que o acto punitivo voltou a punir o autor com base na mesma factualidade que já havia determinado a nulidade do acto punitivo como integrante da violação do dever de imparcialidade, punindo-o agora pela violação do dever de lealdade.

Com efeito, concretiza o autor, “se atentarmos na factualidade constante dos artigos 1º a 16º insertos na pág. 12 do acórdão do Plenário de 14-7-2010 e na factualidade ínsita nos artigos 1º a 14º constantes da pág. 6 do novo acto punitivo ora proferido, facilmente se verifica que a factualidade é exactamente a mesma (apenas retirando as referências à prescrição do procedimento). Sumariamente – continua o autor - o que se verifica é o seguinte:

- no âmbito do primeiro processo disciplinar, por via do qual foi aplicada ao Autor, a pena de inactividade, este foi punido por violação do dever de zelo por não ter dado andamento ao processo de inquérito n.º 6786/97;

- já no âmbito do segundo processo disciplinar, por via do qual foi aplicada ao Autor a pena de aposentação compulsiva, este foi punido por ter avocado o aludido processo e, novamente por não lhe ter dado andamento;

- agora em alegada a execução do acórdão anulatório, é o Autor punido por – e não obstante se volte a fazer referência ao facto de não se ter dado andamento ao aludido processo (cfr. artigos 12º e 13º, pág. 6 do acórdão da Secção disciplinar) – tê-lo avocado, violando agora e de forma completamente nova, o dever de lealdade”.

Na resposta a esta alegação o CSMP entende que deu rigorosa execução ao acórdão do Pleno da Secção Administrativa do STA de 23 de Janeiro de 2013, pois “foram removidos os factos referentes à infracção do dever de imparcialidade (relativa ao inquérito n.º 2744) …”.

O autor não alega que, relativamente aos fatos relativos à violação do dever de prossecução do interesse público tenha havido remoção dos factos, portanto, importa apenas indagar se efectivamente foram removidos os factos relativos ao inquérito 2744/00, mais concretamente aos factos 1 a 15 dados como assentes no Acórdão da Secção Disciplinar do CSMP de 15 de Fevereiro de 2013 e aos factos 1 a 19 do Acórdão da Secção disciplinar do CSMP de 14 de Julho de 2010.

Vejamos então com a devida atenção este ponto.

No acórdão de 14 de Julho de 2010, foram dados como provados os seguintes factos:

“(…)

1- O magistrado arguido, antes de exercer funções de Procurador da República na 1ª Secção do DIAP ………….., exerceu funções de idêntica categoria no Círculo Judicial ……………., até 25/1/2000.

2 - Em 21/11/97, nos serviços do M.ºP.º daquele Círculo Judicial, foi autuado o inquérito n.º 6786/97, em obediência a despacho por si exarado sobre comunicação do Dr. O……………….., então inspector-geral de saúde, relativa a um caso de fornecimento, sem qualquer controlo, pelo H. de ………, no …………., ao Centro de Diálise de ................., de eritropoietina; para além da subtracção, daquele Centro de Diálise, no Verão de 1996, de algumas caixas dos medicamentos Eprex e Recormon, contendo aquela substância.

3 - Nessa mesma data, o magistrado arguido decidiu avocar o dito processo e dirigiu o mesmo, com regularidade, até 16/12/97, data em que ordenou que os autos aguardassem o resultado das diligências que se encontrava a realizar no inquérito n.° 3254/97.

4 - Só em 7/1/00, voltou a prosseguir com a investigação, designando datas para 3 inquirições.

5 - Em 1/2/00, o referido processo passou a ser dirigido pelo senhor Procurador da República P………………..

6 - Até que, em 6/3/00, sem que existisse qualquer despacho para o efeito, o funcionário Q……………….., técnico de justiça principal da 3ª Secção dos Serviços do M.ºP.º ………………., remeteu os autos ao DIAP ……………...

7 - No livro de registo de inquéritos dos serviços do M.ºP.º da comarca ……………….., não foi efectuada qualquer anotação, continuando a figurar tal processo como pendente.

8 - Em 9/3/00, o magistrado arguido exarou um despacho sobre o rosto do processo vindo ……………….. do seguinte teor: "À distribuição pela 1ª Secção"

9 - O processo foi efectivamente distribuído, então, em 10/3/00, à 1ª Secção e à Letra C, com o NUIPC 2744/00.8TD……..

10 - Todavia, sem qualquer despacho nesse sentido, passou a processo do senhor Procurador - PR, ou seja, do Dr. A………………...

11 - Este, em 15/3/00, avocou o inquérito, nos termos da alínea a), do n.º1, do artigo 63°, do Estatuto do M.ºP.º, não tendo dado conhecimento do facto, nem ao Dr. P…………….., nem ao magistrado da Letra C, da 1ª Secção do DIAP ……………...

12 - Desde essa data, passou a dirigir o inquérito com regularidade até 15/7/2001, data em que resolveu terminar as diligências de investigação, sem que delas tivesse resultado qualquer indício, não constituindo arguido quem quer que seja.

13 - Sabia que os crimes de corrupção e de peculato são punidos com pena de prisão de 1 a 8 anos.

14 - Por isso, sabia que o respectivo procedimento criminal prescreve no prazo de 10 anos.

15 - Não obstante, tendo ocorrido a prescrição do procedimento criminal, quanto a todos os factos participados, em 21/11/07, não encerrou o inquérito até 29/1/09 data em que o mesmo foi redistribuído.

16 - Ao avocar um inquérito para cuja direcção não tinha competência, sabendo que o mesmo se encontrava registado nos serviços do M.ºP.º doutra comarca, sem dar conhecimento do facto ao magistrado titular, e, ao permitir que ocorresse a prescrição do respectivo procedimento criminal, o magistrado arguido necessariamente representou que estava a omitir, contra direito, actos decisórios que se impunha tomar num processo de inquérito criminal e deliberada e conscientemente não tomou tais decisões.

17 - Sabia, também, que, no exercício das suas funções de Procurador da República, tinha de actuar com equidistância relativamente aos interesses com que fosse confrontado, sem discriminar positiva ou negativamente qualquer deles, na perspectiva do respeito pela igualdade dos cidadãos.

18 - Mas, não obstante, não actuou desse modo, pois que, ao avocar um inquérito para o qual sabia carecer de competência para dirigir, subtraindo-o à direcção do magistrado titular, e ao abster-se de o formalizar, objectivamente se colocou ao lado dos interesses daqueles que se encontravam eventualmente envolvidos nos factos participados, em detrimento do interesse da descoberta da verdade.

19 - Com estes factos, documentados no anexo B, infringiu o magistrado arguido de forma muito grave, o dever geral de imparcialidade que se encontra previsto na alínea c), do n.º 2, do artigo 3° da Lei n.º 58/2008, de 29 de Setembro e definido no n.º 5 desse mesmo artigo.

(…)

O acto punitivo aplicado ao Autor pela prática dos factos, onde se incluíam os acima referidos, veio a ser declarado nulo por violação do princípio ne bis in idem. No que diz respeito ao inquérito 2744/00 o acórdão anulatório (na subsecção, mas confirmado no Pleno) disse o seguinte:

“(…)”

A anterior digressão, embora exterior ao princípio que o autor diz violado, mostra que as faltas, relativas ao inquérito n.º 2744/00, por que ele veio a ser punido nos dois processos disciplinares só poderiam no máximo, e se fossem reconhecidas num mesmo processo, entrar em concurso aparente. E, se assim é, algo de errado sucedeu «in casu», pois a dupla punição, ocorrida em momentos diferidos, equivale à punição, «uno actu», em concurso real. E estamos agora em melhores condições para ajuizar se realmente houve o desrespeito do princípio «ne bis in idem» (também identificado por uma outra fórmula, embora menos corrente – «bis de eadem re ne sit actio»).

O art. 29º, n.º 5, da CRP, indiscutivelmente extensível aos processos disciplinares, proíbe que, na actividade sancionatória, se proceda a uma dupla valoração do mesmo substrato material. As fundamentais razões dessa proibição residem, por um lado, na paz jurídica que ao arguido se deve garantir finda a perseguição de que foi alvo e, por outro lado, no interesse em evitar pronúncias díspares sobre factos unitários. E, para que a referida proibição assuma o devido alcance, a doutrina fá-la acompanhar do que designa por um mandado de esgotante apreciação de toda a matéria cognoscível («vide», v.g., Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2007, pág. 978, e Eduardo Correia, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, «in» a Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1983, pág. 331).

Assim, quem averigua da responsabilidade disciplinar de um arguido por via de certos factos deve esgotar todas as consequências sancionatórias que desses factos derivem; porque, se o não fizer, não poderá a perspectiva omitida ser recuperada num outro processo – seja «a se», seja em conjunto com a parte já antes tida em conta – por isso traduzir um segundo juízo punitivo sobre os mesmos factos.

Ora, foi isso que sucedeu «in casu», em notória ofensa do princípio «ne bis in idem». O Sr. Instrutor do PD n.º 12/2009 podia ter averiguado e sabido que o inquérito n.º 2744/00, a que expressamente se referiu, fora ilegalmente avocado pelo autor em 2000. Aliás, nem sequer está excluído que ele o soubesse, mas entendesse que a falta correspondente a essa avocação – por esta ser um acto instantâneo, embora causal do efeito continuado do processo permanecer nas mãos de quem o avocara – estava já prescrita. E, do mesmo modo, esse Sr. Instrutor podia ter encarado a globalidade dos factos relacionados com aquele inquérito pelo prisma da ofensa do dever de imparcialidade – como sucedeu no PD n.º 2/2010. Todavia, não o fez. E, não o tendo feito, vedado estava ao acto impugnado, a pretexto de que o anterior processo disciplinar não esgotara a responsabilidade disciplinar do autor a propósito da sua conduta no inquérito n.º 2744/00, proceder à recuperação dos mesmos factos, usando-os para punir o arguido outra vez.

Portanto, o autor tem razão quando clama que o princípio «ne bis in idem» foi violado – para já, no que respeita à ofensa do princípio da imparcialidade. E, contra esta conclusão, de nada vale o argumento, esgrimido pelo Sr. Instrutor e apropriado pelo acto, de que ainda se não mostra definitiva a pronúncia sancionatória aplicada no PD n.º 12/2009. A circunstância desse acto punitivo ter sido impugnado «in judicio» é irrelevante para o problema em apreço; pois o que agora importa saber é se o autor foi disciplinarmente perseguido e punido duas vezes pelos mesmos factos – e não se a primeira punição se consolidou na ordem jurídica. E convém também referir que o cúmulo das penas aplicadas nos dois processos disciplinares não afasta, e antes cristaliza, a dupla punição, na exacta medida em que tal cúmulo precisamente assenta nas faltas e penas parcelares, tidas por reciprocamente irredutíveis.

(…)”

Ao executar o acórdão anulatório o CSMP deu como assente o seguinte quadro factual:

“(…)

1- O arguido, antes de exercer funções de Procurador da República na 1ª Secção do DIAP …………………, exerceu funções de idêntica categoria no Círculo Judicial …………………., até 25/1/2000.

2 - Em 21/11/97, nos serviços do M.ºP.º daquele Círculo Judicial, foi autuado o inquérito n.º 6786/97, em obediência a despacho por si exarado sobre comunicação do Dr. O……………….., então inspector-geral de saúde, relativa a um caso de fornecimento, sem qualquer controlo, pelo H. de ……….., no …………., ao Centro de Diálise de ...................., de eritropoietina; para além da subtracção, daquele Centro de Diálise, no Verão de 1996, de algumas caixas dos medicamentos Eprex e Recormon, contendo aquela substância.

3 - Nessa mesma data, o magistrado arguido decidiu avocar o dito processo e dirigiu o mesmo, com regularidade, até 16/12/97, data em que ordenou que os autos aguardassem o resultado das diligências que se encontrava a realizar no inquérito n.° 3254/97.

4 - Só em 7/1/00, voltou a prosseguir com a investigação, designando datas para 3 inquirições.

5 - Em 1/2/00, o referido processo passou a ser dirigido pelo senhor Procurador da República P………………...

6 - Até que, em 6/3/00, sem que existisse qualquer despacho para o efeito, o funcionário Q…………………, técnico de justiça principal da 3ª Secção dos Serviços do M.ºP.º ………………., remeteu os autos ao DIAP ……………..

7 - No livro de registo de inquéritos dos serviços do M.ºP.º da comarca ………………., não foi efectuada qualquer anotação, continuando a figurar tal processo como pendente.

8 - Em 9/3/00, o magistrado arguido exarou um despacho sobre o rosto do processo vindo de ……………….. do seguinte teor: "À distribuição pela 1ª Secção"

9 - O processo foi efectivamente distribuído, então, em 10/3/00, à 1ª Secção e à Letra C, com o NUIPC 2744/00.8TD……..

10 - Todavia, sem qualquer despacho nesse sentido, passou a processo do senhor Procurador - PR, ou seja, do Dr. A……………….

11 - Este, em 15/3/00, avocou o inquérito, nos termos da alínea a), do n.º1, do artigo 63°, do Estatuto do M.ºP.º, não tendo dado conhecimento do facto, nem ao Dr. P……………….., nem ao magistrado da Letra C, da 1ª Secção do DIAP …………….

12 - Desde essa data, passou a dirigir o inquérito com regularidade até 15/7/2001, data em que resolveu terminar as diligências de investigação, sem que delas tivesse resultado qualquer indício, não constituindo arguido quem quer que seja.

13 - O arguido manteve o processo, inerte, na sua posse, até 29/1/2009, data em que o mesmo foi distribuído.

14 - Ao avocar um inquérito para o qual sabia carecer de competência territorial e material para dirigir, subtraindo-o à direcção do Magistrado titular e sabendo que o mesmo se encontrava registado nos serviços do MºPº doutra comarca, sem dar conhecimento do facto ao Magistrado titular, o arguido necessariamente representou que estava a omitir, contra direito, a observância das regras legais (previstas no CPP) e dos provimentos do DIAP …………….., que bem sabia servirem com rigor e precisão os objectivos dos serviços, subordinados à sua finalidade última que é a melhor Administração da Justiça que for possível.

15 – Ao actuar deste modo, consciente, voluntário e persistente, infringiu o dever geral de lealdade, previsto no al. g) do n.º 2, do art. 3º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (ED), aprovado pela Lei 58/2008, de 9 de Setembro, aplicável ex vi artigo 216º do Estatuto do Ministério Público (EMP) aprovado pela lei n.º 47/86, de 15 de Agosto, na redacção introduzida pela lei 60/98, de 27 de Agosto.

(…)”

Das transcrições levadas a cabo resulta claro que o CSMP não removeu da acusação e fundamentação da nova pena os factos atinentes ao inquérito 2744/00. Voltou a dar como assentes os factos, sublinhando agora, na qualificação jurídica, que os mesmos integravam a violação do dever de lealdade, pondo em destaque (facto 14) o acto de avocação do inquérito.

Ora, estes factos – ou seja a avocação do inquérito, sem ter dado conhecimento ao magistrado a quem o mesmo tinha sido distribuído, nem ao Magistrado da letra C da 1ª Secção do DIAP, já tinha servido para declarar a nulidade por violação do princípio ne bis in idem.

Recorde-se mais uma vez o acórdão anulatório:

“(…)

O Sr. Instrutor do PD n.º 12/2009 podia ter averiguado e sabido que o inquérito n.º 2744/00, a que expressamente se referiu, fora ilegalmente avocado pelo autor em 2000. Aliás, nem sequer está excluído que ele o soubesse, mas entendesse que a falta correspondente a essa avocação – por esta ser um acto instantâneo, embora causal do efeito continuado do processo permanecer nas mãos de quem o avocara – estava já prescrita. E, do mesmo modo, esse Sr. Instrutor podia ter encarado a globalidade dos factos relacionados com aquele inquérito pelo prisma da ofensa do dever de imparcialidade – como sucedeu no PD n.º 2/2010. Todavia, não o fez. E, não o tendo feito, vedado estava ao acto impugnado, a pretexto de que o anterior processo disciplinar não esgotara a responsabilidade disciplinar do autor a propósito da sua conduta no inquérito n.º 2744/00, proceder à recuperação dos mesmos factos, usando-os para punir o arguido outra vez.

(…)”.

Este entendimento é totalmente transponível para o novo acto. É, portanto, bastante claro que o CSMP voltou a punir o autor pelos factos relativos ao inquérito que já constavam e tinham sofrido punição no PD 12/2009. Factos que, como sublinhou o acórdão anulatório – a que o acto ora impugnado pretende dar execução e que portanto tem que respeitar – podiam ter sido averiguados no PD 12/2009.

Não há, neste ponto, qualquer dúvida.

Os factos relativos à avocação do inquérito podiam ter sido averiguados no âmbito do processo 12/2009 e, por esse motivo, estava vedado ao acto punitivo “… proceder à recuperação dos mesmos factos usando-os para punir o arguido outra vez.”

Com efeito o CSMP não podia ter recuperado tais factos, qualificados juridicamente como integrando a violação do dever de imparcialidade (e por isso o acto foi declarado nulo) e, pela mesma razão, não o pode fazer agora qualificando os mesmos factos como integrando a violação do dever de lealdade e, por isso, o acto punitivo não pode deixar de ser, novamente, declarado nulo.

Nulidade que advém da ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental do autor, previsto no art. 29º da CRP e do disposto no 133º, n.º 2, al. d), do CPA.

Deste modo e por ter havido novamente violação do princípio ne bis in idem deve o acto impugnado ser também novamente declarado nulo.

2.2.7. Falta de fundamentação e violação do princípio da culpa na escolha e graduação da pena (conclusões OO a SS).

Nas conclusões oo) a ss) o autor considera não estar justificado porque é que as infracções ao dever geral de prossecução do interesse público são consideradas graves (conclusão oo)). Não estão ainda explicitadas, diz o autor, quais as seis infracções que o autor, segundo o acórdão, praticou com dolo (conclusão qq)), o que além de falta de fundamentação configura ainda uma violação do princípio da culpa.

Vejamos.

(i) O acórdão da Secção Disciplinar (confirmado pelo acórdão do Plenário do CSMP) considerou que o arguido praticou infracções ao dever geral do interesse público “graves” relativamente aos pontos 16 a 42; 43 a 46 (fls. 49 e 50 do acórdão, a que correspondem as folhas 55 e 56, destes autos).

Nos artigos 16 a 42 estão descritos os factos relativos a vários processos de inquérito onde o arguido. Nesses processos (que estão identificados no acórdão) imputou-se ao arguido ter admitido como possível “jamais finalizar os demais processos” (art. 37), e que não “tomou, como devia, a decisão de os encerrar, não obstante ter representado como possível que não mais o poderia fazer, porque iria ser transferido da comarca, tendo-se conformado com tal resultado”. Conclui-se que tais factos integravam a infracção continuada grave, por violação do dever de prossecução do interesse público.

Nos artigos 43 a 46 são descritos factos relativos a 3 processos sendo-lhe imputado o seguinte: “Em todos os referidos processos, o arguido não tomou como era devido, a decisão de promover os procedimentos adequados à situação, cujos contornos perfeitamente conhecia, não obstante ter representado como possível que não mais o poderia fazer, quer porque alguns deles iriam ser redistribuídos, quer porque iria ser transferido para …………….., tendo-se conformado com o resultado” (facto 44). Daí ter-lhe imputado a prática em “execução contínua ou permanente” por três vezes “o dever geral de prossecução do interesse público”, sendo-lhe imputável uma infracção disciplinar continuada e grave, por violação daquele dever geral de prossecução do interesse público”.

Do teor do acórdão resulta que foram imputadas ao autor infracções ao dever de prossecução do interesse público com representação de que não poderia promover o andamento dos processos de forma adequada.

Com esta configuração entende-se a razão do autor ter considerado as referidas infracções como graves, o que basta, a nosso ver, para preencher os requisitos da fundamentação, como de resto explicita no ponto D do acórdão, para onde se remete e onde é posto em destaque o dolo, a duração da no tempo, a violação de vários deveres, os prejuízos causados aos cidadãos e aos Magistrados do MP (fls. 51 do acórdão e 56 dos autos). Deste modo o autor ficou a saber qual a razão da qualificação das infracções como graves, pela descrição dos factos e pela avaliação que deles foi feita.

Daí que não tenha ocorrido a alegada falta de fundamentação neste aspecto.

(ii) Diz ainda o autor que não sabe quais as infracções alegadamente cometidas com dolo. É verdade que o acórdão se refere a seis – em oito – infracções são imputadas a título de dolo, mas não diz quais.

Julgamos que não se verifica o vício de falta de fundamentação. O dolo (matéria de facto) ou está dado como provado nos factos, ou não.

Se o autor entende que dos factos provados não resulta provado o dolo, então o vício é de erro nos pressupostos e não falta de fundamentação.

A entidade entende que houve dolo em 6 infracções tomando em conta os factos dados como provados. Para a fundamentação do acto punitivo nada mais é necessário, pois o destinatário do acto tem ao seu dispor os factos dados como provados e a afirmação de que, dos mesmos resulta haver 6 casos de dolo. Pode, assim, sustentar o erro sobre os motivos o que, por seu turno, inviabiliza a existência de falta de fundamentação – a qual por definição impede a detecção do erro.

Assim, sendo possível ao autor, face à matéria de facto dada como provada, refutar e contestar jurisdicionalmente a existência de dolo, não está violado o dever de fundamentar, nem o princípio da culpa.

2.2.8. Violação do princípio da proporcionalidade (conclusões TT a WW).

Finalmente o autor considera violado o princípio da proporcionalidade fundamentalmente por terem sido removidas (dada a violação do princípio ne bis in idem) as 62 vezes em que teria violado o dever de prossecução do interesse público.

Neste ponto o autor não tem razão.

Não é pelo facto de ter havido uma redução substancial do número de vezes que dever é violado que as restantes infracções disciplinares justificam uma pena de aposentação compulsiva.

Na verdade o CSMP entendeu verificadas 8 infracções, assim descriminadas:

1. Violação do dever de lealdade (factos 1 a 15 da matéria assente): avocação do processo de inquérito n.º 3254, sem qualquer despacho nesse sentido, tendo terminado as diligências em 15/7/2001, sem que delas resultasse qualquer indício.

2. Violação do dever de prossecução do interesse público (factos 16 a 42 da matéria assente): deixou de tramitar processo de negligência médica, cujo procedimento criminal veio a prescrever (os quatro processos indicados no facto n.º 39).

3. Violação do dever de prossecução do interesse público (factos 43 a 46 da matéria assente): não promoveu o andamento nos 3 processos indicados no facto n.º 43.

4. Violação do dever de lealdade (factos 47 a 50): por ter avocado os processos indicados no facto 48 (18 processos) apesar dos mesmos não fazerem parte dos processos que lhe tinham sido distribuídos.

5. Violação do dever de zelo (factos 51 a 55): não exarou despacho no prazo de dez dias nos processos identificados no facto 51 (11 processos).

6. Violação ao dever de actuar em obediência ao princípio da legalidade no exercício da acção penal (factos 56 a 59): por ter dado uma ordem verbal para que o processo 2731/04 – com arguidos presos preventivamente – fosse apresentado ao Magistrado de turno e não a si.

7. Violação do dever de obediência em concurso com (8) violação do dever de correcção (factos 60 a 62): por ter informado erroneamente a sua superior hierárquica, nos processos identificados no facto 60 (18 processos).

Mais entendeu o CSMP:

É muito acentuada a gravidade da conduta do arguido, que lhe é apontada a título de dolo, prolongada no tempo ao longo de vários anos, violadora de plúrimos deveres gerais e especiais, causadora de indiscutíveis prejuízos pessoais, directos, para os cidadãos directamente envolvidos nos processos onde foram detectadas as violações desses deveres. Dos Magistrados do Ministério Público espera-se sempre, uma conduta que não crie suspeições ou dúvidas sobre a sua actuação nas situações concretas que lhes estão confiadas. Pese embora não estar em causa a imputação ao Arguido de um comportamento desonesto, não se pode ignorar que, entre outros factos, procedeu a avocações ilegais e inexplicadas de processos, que, independentemente de qualquer propósito manteve inertes na sua posse, até lhe serem subtraídos, alguns já prescritos. Acresce que o Ministério Público é depositário constitucional de múltiplas funções, assumindo singular exposição pública e relevância as que se prendem com o exercício da acção penal. O arguido era Magistrado no DIAP ………………, o ……… Departamento de Investigação e Acção Penal do País, onde são investigados crimes graves e complexos, onde o Estado de Direito e a Comunidade depositam especial confiança e esperam uma rigorosa e boa administração da Justiça. O comportamento do Arguido traiu essa confiança, perante a comunidade em geral, os cidadãos directamente envolvidos nos processos aqui em causa, todos os profissionais forenses que dele tomaram conhecimento e a hierarquia (desde a mais imediata e directa até ao Procurador Geral da República, que quis comprometer, invocando conhecimento contemporâneo das suas faltas) e desprestigiou indelevelmente a imagem da Magistratura e da Justiça. A gravidade dos factos e de todas as infracções que dolosamente cometeu, nas circunstâncias apontadas, comprometeu, de modo sério e irreversível, a confiança exigível a uma prestação funcional de um Magistrado do Ministério Público.

(…)”.

O CSMP avaliou os factos praticados pelo arguido como integrando a al. a) do n.º 1º art. 184º, ou seja, entendeu que estava perante um caso de definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função ou inaptidão para o seu exercício.

O artigo 184º do EMP determina que as penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis quando o magistrado:

a) revele definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função;

b) revele falta de honestidade, grave insubordinação ou tenha conduta imoral ou desonrosa;

c) Revele inaptidão profissional;

d) Tenha sido condenado por crime praticado em flagrante delito e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres a ela inerentes.

(…)”

A qualificação levada a cabo pelo CSMP não se mostra eivada de erro manifesto e cabe na previsão do preceito legal que prevê a pena de aposentação compulsiva, pelo que, não se verifica a alegada desproporcionalidade da pena aplicada.

Daí que nesta parte o recurso não mereça provimento.

3. Decisão

Face ao exposto, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo acordam em julgar a acção procedente e, com os fundamentos acima invocados, declarar nulo o acto impugnado.

Custas pelo réu.

Lisboa, 30 de Outubro de 2014. – António Bento São Pedro (relator) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Francisco Fonseca da Paz.