Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0565/18
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA
Sumário:Deve admitir-se revista relativamente à interpretação do art. 6º, n.º 6 da Lei da Nacionalidade, no sentido de saber se nos “descendentes de portugueses” ali referidos são apenas os “portugueses de origem” ou também os “portugueses que obtiveram a nacionalidade por naturalização”.
Nº Convencional:JSTA000P23477
Nº do Documento:SA1201806280565
Data de Entrada:06/08/2018
Recorrente:MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Recorrido 1:A.....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.
Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Norte, proferido em 16-2-2018, que revogou a sentença proferida pelo TAF do Porto, que na ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra si intentada por A……… e onde este pediu a anulação do acto administrativo que indeferiu o seu pedido de concessão da nacionalidade portuguesa, e condenou o ora recorrente a praticar novo acto, sem as ilegalidades que lhe foram apontadas.

1.2. A questão controvertida é a da interpretação do segmento do art. 6º, n.º 6 da Lei da Nacionalidade quando se refere “(…) aos que forem havidos como descendentes de portugueses (…)” . Mais concretamente – por ser esse o aspecto que se discutiu no processo - se este segmento abrange também aqueles que adquiriram a nacionalidade portuguesa por naturalização.

Considera que deve ser admitida a revista relativamente uma vez que a matéria em causa – a da nacionalidade portuguesa – tem importante relevância social e jurídica.

1.3. O recorrido não apresentou contra alegações.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. No presente caso o autor (ora recorrido) é filho de B………., que tem nacionalidade portuguesa (factos 1 e 12). Ao pai do requerente foi concedida a nacionalidade portuguesa, quando autor era menor (facto 2).

A pretensão do autor a obter a nacionalidade portuguesa foi indeferida com a seguinte fundamentação:

“(…)

3. Como fundamento do pedido invocou o facto de ser descendente de português, o que em si mesmo, não poderia constituir um fundamento de relevo absoluto para o fim em vista, até porque o seu pai apenas veio a obter essa nacionalidade por naturalização, ao abrigo do disposto no art. 7º da Lei 37/81, de 3 de Outubro e seus irmãos adquiriram a nacionalidade portuguesa ao abrigo do art. 2º da citada Lei (fls. 8, 38 e 39), não tendo o interessado podido beneficiar da concessão da nacionalidade do pai, por, nesse período, existir um relacionamento menos bem entre os pais, como aliás o próprio reconhece – fls. 2.

Ora, estes factos, por si só, não são credores de particular relevância, atendendo a que são comuns a um significativo número de indivíduos da geração do requerente, nascidos nas ex-colónias, não justificando a derrogação dos princípios gerais estabelecidos pelo legislador para conceder a naturalização, que constam do n.º 1 do art.6º da LN e do art. 19º do RN, designadamente a residência legal no território português pelo período mínimo de 6 anos.

4. Por estas razões e sem se omitir que o art. 6º, n.º 6 da Lei n.º 37/81 contempla um poder discricionário, fomos de opinião que o pedido não merece acolhimento

(…)”.

O acórdão recorrido entendeu que a circunstância do autor (requerente do pedido de concessão da nacionalidade portuguesa) ser descendente (filho) de um português por naturalização não obstava a que, nos termos do art. 6º, n.º 6 da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3/10, na redacção introduzida pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/4), pudesse ser concedida a naturalização com “dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b e c) do n.º 1”, ou seja, com dispensa da residência em território português há pelo menos 6 anos (al. b) e conhecerem suficientemente a língua portuguesa (al. c).

Consequentemente e perante a concreta fundamentação do acto de indeferimento condenou o Ministério da Justiça a praticar “(…) novo acto com explicitação de fundamentos que objectivamente justifiquem o exercício do poder discricionário de não dispensar tal requisito. No pressuposto, já acima indicado, de que não pode afastar o direito à naturalização com o fundamento de o ascendente não ser português de origem mas apenas naturalizado.

3.3. Neste recurso o Ministério da Justiça considera que a expressão “descendente de portugueses” possa e deva ser vista como “descendente de portugueses de origem” (excluindo aqueles que a adquiriram por naturalização), sendo esta uma questão que, a seu ver, justificaria a admissão da revista.

A nosso ver deve ser admitida a revista dada a especial relevância e importância social da questão subjacente: aquisição da nacionalidade portuguesa.

Por outro lado, a questão concretamente colocada, sobre a interpretação do art.6º, n.º 6 da Lei da Nacionalidade, tem inegável projecção sobre casos futuros, sendo certo ainda que as instâncias tiveram posições diversas. É, além do mais, bastante discutível – embora o acórdão não tenha colocado a questão com essa configuração – que o conceito legal “(…) havidos como descendentes de portugueses” seja aplicável ao presente caso, tendo em conta que, nos termos do art. 2º, n.º 2 da Lei da Nacionalidade “São portugueses de origem: (…) 2. Os filhos de pai português ou mãe portuguesa nascidos no estrangeiro se declararem que querem ser portugueses ou inscreverem o nascimento no registo civil português;(…)”.

Justifica-se, portanto, a admissão da revista.

4. Decisão

Face ao exposto admite-se a revista.

Lisboa, 28 de Junho de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.