Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0166/11.4BESNT
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:ACÇÃO
CAUSA DE PEDIR
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CPTA
Sumário:I – A causa de pedir é constituída pelo acervo de factos que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido, só havendo ineptidão da petição inicial quando esta de todo não dê a conhecer qual é a pretensão do autor ou os respectivos motivos. Ou seja, quando aquela é absolutamente imprestável para o fim a que se destina.
II - Decorre da conjugação dos artigos 37º, 38º e 46º do CPTA (na sua redacção original), que a propositura de acções de responsabilidade civil da Administração se mostra separada da impugnação dos actos administrativos que estão na sua origem, motivo pelo qual só a título incidental é que o Tribunal pode conhecer da ilegalidade de acto administrativo que a origina.
III – Não sendo a pretensão da autora a anulação do acto que reputa de ilegal, mas, apenas, o ressarcimento dos prejuízos que decorreram dessa ilegalidade, nada impedia que lançasse mão daquela acção, com vista a peticionar tal indemnização, independentemente de ter, previamente, impugnado tal acto, sendo a acção proposta a adequada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual (cfr. art. 37º, nºs 1 e 2, al. f) do CPTA).
Nº Convencional:JSTA000P24591
Nº do Documento:SA1201905230166/11
Data de Entrada:02/04/2019
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:ADMINISTRAÇÃO DA REGIÃO HIDROGRÁFICA DO CENTRO, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. RELATÓRIO

A…………, Lda, interpôs para a Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, recurso de revista do acórdão do TCA Sul, proferido em 28.06.2018, que confirmou a sentença do TAF de Sintra que, por ineptidão da petição inicial, absolvera da instância o Réu - inicialmente, a Administração da Região Hidrográfica do Centro, IP, a que sucedeu a Agência Portuguesa do Ambiente, IP - na acção administrativa comum, na qual são deduzidos pedidos de condenação no pagamento de indemnizações.

A recorrente apresentou alegações com o seguinte quadro conclusivo:
1. A ora recorrente instaurou uma acção administrativa comum contra a ADMINISTRAÇÃO DE REGIÃO HIDROGRÁFICA DO CENTRO, IP, entretanto absorvida na AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, IP (alínea d) do n.º 1 do art. 15.º do DL 56/2012, de 12 de Março), pedindo a condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização de arquitectura variável por danos e prejuízos decorrentes da prática de um acto ilícito, consubstanciado na fixação de um prazo de duração da licença ou concessão inferior ao que resultaria da lei (art. 25.º, n.º 2, do DL 225-A/2007, de 31 de Maio) e também da própria actuação da ré que sempre lhe deu a entender que lhe atribuiria um prazo pelo menos até 2025, o que não fez em clara violação do princípio da boa fé, na sua vertente da confiança, consagrado no art. 6.º-A do CPA ao tempo em vigor (CPA anterior ao que foi aprovado pelo DL 4/2015, de 7 de janeiro).
2. Sucede que por despacho saneador-sentença, a 1.ª instância absolveu a ré da instância por ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, bem como por verificação da excepção inominada prevista no n.º 2 do art. 38.º do CPTA.
3. Não conformada, a autora recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Sul que, primeiro por decisão singular e posteriormente, no seguimento de reclamação para conferência, por Acórdão, manteve a decisão recorrida.
4. É desse Acórdão que a recorrente interpõe o presente recurso de revista excepcional.
5. Nos termos do disposto no art. 150.º, n.º 1, do CPTA, das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
6. Crê a recorrente que no caso em apreço se verificam as circunstâncias que legitimam o presente recurso em razão da necessidade clara de uma melhor aplicação do direito.
7. Desde logo, importa saber se a apontada ineptidão da petição inicial, primeira das excepções invocadas, é tão evidente que torna inútil qualquer instrução posterior para apreciação e julgamento do pedido.
8. Essa, a clara evidência de que, face à petição, se torna inútil dar continuidade ao processo para apreciação e julgamento do pedido, parece ser a métrica jurisprudencialmente assumida para fundamentar uma decisão tão radical.
9. E se não é assim tão evidente, justifica-se plenamente a intervenção do tribunal superior para se estabelecer com mais rigor os contornos da figura para que o direito melhor possa ser aplicado e assim assegurada a tutela jurisdicional efectiva postulada pelo art. 2.º do CPTA que, de contrário, ficaria comprometida.
10. E essa dita inutilidade não é evidente, pelo menos com a intensidade que uma corrente jurisprudencial mais recente exige para inviabilizar a apreciação e julgamento do pedido.
11. Mas também quanto à segunda excepção invocada, precípua do normativo constante do art. 38.º, n.º 2, do CPTA, necessário se torna fazer intervir o tribunal superior para saber se o pedido de indemnização deduzido em acção administrativa comum, como é o caso, consubstancia o efeito que resultaria da “anulação do acto inimpugnável”.
12. Para o tribunal a quo, a autora, ao ter peticionado em acção administrativa comum o pagamento de uma indemnização em resultado de danos decorrentes de um acto, que reputa ilícito, imputável à ré, sem o ter atacado previamente, e já não estando em prazo para o fazer, procura obter o efeito que resultaria da anulação desse acto, agora inimpugnável, o que lhe estaria vedado pelo n.º 2 do art. 38.º do CPTA.
13. A interpretação a ter do art. 38.º do CPTA e designadamente do disposto no seu n.º 2 deve, contudo, ser mais aberta e menos restritiva relativamente à possibilidade de sindicar incidentalmente a validade do acto administrativo que não possa já ser tempestivamente atacado.
14. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, a pp 227 e ss, depois de referirem, em nota de rodapé, que o STA começou por interpretar a ressalva contida na segunda parte do preceito como constituindo “uma verdadeira excepção peremptória do exercício do direito de indemnização atribuindo assim à acção indemnizatória uma natureza meramente subsidiária em relação ao recurso contencioso”, informam que, “embora tenha havido divergências quanto à interpretação deste dispositivo legal (referem-se à citada corrente jurisprudencial do STA), a jurisprudência administrativa — na linha do ensinamento entretanto expresso por AFONSO QUEIRÓ — acabou por fixar-se no entendimento de que nele não se estabelece um regime de caducidade do direito de ressarcimento, mas um regime de exclusão ou diminuição da indemnização quando a negligência processual do lesado, por falta ou deficiente impugnação contenciosa do acto administrativo ilegal ou utilização de meios processuais acessórios, tenha contribuído para a produção ou agravamento dos danos.
15. E mais à frente: “o regime de direito substantivo que abre... a possibilidade da apreciação incidental da ilegalidade de actos administrativos inimpugnáveis, segundo o disposto no artigo 38.º do CPTA, não é o resultante do artigo 7.º do Decreto-Lei n. 48051, mas o que advém das normas do artigo 22.º da CRP e dos artigos 2.º e 3.º deste último diploma, que consagram o dever de a Administração reparar os danos resultantes dos seus actos administrativos ilegais como um efeito jurídico distinto daquele que pode ser obtido pela via do processo impugnatório.
16. É por este motivo que, no n.º 1 deste artigo 38.º, desde logo se admite que a apreciação incidental da ilegalidade de um acto administrativo pode ter lugar no âmbito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual por danos decorrentes da prática desse acto.
17. A procedência do pedido indemnizatório depende da verificação dessa ilegalidade e esta carece de ser analisada incidentalmente sempre que o pedido seja deduzido em processo autónomo (no âmbito da acção administrativa comum), e não em cumulação com um pedido impugnatório (no âmbito de uma acção administrativa especial).
18. Mas, por outro lado, a acção de responsabilidade não se confunde com uma acção dirigida ao próprio restabelecimento dos direitos ou interesses postos em causa por um acto administrativo ilegal, que, embora também siga os termos da acção administrativa comum (cfr. artigo 37.º, n.º 2, alínea d)), como se dirige à reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, pressupõe a prévia anulação desse acto, como resulta do n.º 2 do artigo 38.º (negrito nosso).
19. Com esta acção, não pretende a recorrente obter o efeito que resultaria da anulação do acto inimpugnável.
20. A recorrente não atacou em tempo o acto ilícito (fixação do termo da concessão em 2014), não porque estivesse de acordo com o seu sentido e alcance, mas apenas porque seria irrealista esperar obter uma decisão judicial que recuperasse em tempo útil o projecto.
21. Na verdade, a concessão poderia ser garantidamente dada, no entendimento da recorrente, até 2025, e esse prazo até seria aceitável, mas, conforme se compreende, não se compadeceria com o tempo que uma acção administrativa consabidamente impõe para ajuizar sobre a ilicitude do acto (basta verificar o tempo já consumido pela presente acção).
22. Se e quando a decisão chegasse, ainda que reconhecendo o direito à autora de explorar o aproveitamento até 2025, seria tarde para que o pudesse fazer numa óptica de rentabilidade económico-financeira do projecto. Daí que apenas a indemnização responda (e respondesse ao tempo da prática do acto) aos interesses da autora.
23. Quer dizer, a recorrente não tinha interesse na anulação do acto se a consequência fosse a de ser investida na situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado porque já não teria tempo para rentabilizar o projecto.
24. Parece assim clara ou manifesta a necessidade de fazer intervir o tribunal superior na temática em questão dadas as limitações apostas pelo tribunal recorrido à admissibilidade do pedido de indemnização por danos decorrentes de acto ilícito, em acção administrativa comum e sem que previamente (ou alternativamente) em acção administrativa especial esse acto haja sido atacado, acto que, por efeito do tempo, se consolidou na vida jurídica.
25. Assim, seja para garantia da tutela jurisdicional efectiva postulada pelo art. 2.º do CPTA, seja para assegurar o eventual ressarcimento dos danos resultantes dos actos administrativos ilegais postulado em termos mais amplos pelo art. 22.º da CRP, que de outro modo seriam violados, que necessário se torna fazer intervir o tribunal superior para uma melhor aplicação do direito.
26. Se o recurso for admitido, importa reverter a decisão tomada pela 2.ª instância já que, com o devido respeito, não tem razão quanto a nenhuma das excepções invocadas.
27. Quanto à primeira, ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade do pedido e da correlação deste com a causa de pedir, crê-se, com a devida vénia e consideração, para além do que acima já se expendeu a respeito da admissibilidade do presente recurso, que o tribunal recorrido incorreu em errada aplicação da lei, porque o pedido está precisamente indicado, não faltando, nem sendo obscuro, assim como correlacionada com o mesmo está a causa de pedir.
28. Pediu-se a condenação da ré ao pagamento de uma indemnização de arquitectura variável por danos e prejuízos decorrentes da prática de um acto ilícito, consubstanciado na fixação de um prazo de duração da licença ou concessão inferior ao que resultaria da lei (art. 25.º n.º 2, do DL 225-A/2007, de 31 de Maio) e também da própria actuação da ré que sempre deu a entender que atribuiria um prazo pelo menos até 2025, o que não fez em clara violação do princípio da boa-fé, na sua vertente da confiança, consagrado no art. 6.º do CPA ao tempo em vigor (CPA anterior ao que foi aprovado pelo DL 4/2015, de 7 de Janeiro).
29. A ré não arguiu a ineptidão da petição inicial e demonstrou ter compreendido cabalmente o pedido, conforme se vê do art. 14.º da contestação, que, aliás, impugnou.
30. E quanto à segunda excepção, a que resulta do n.º 2 do art. 38.º do CPTA, também se crê, pelas razões acima indicadas quando se abordou a matéria da admissibilidade do presente recurso, que o tribunal recorrido fez uma errada aplicação da lei.
31. Em acréscimo às conclusões que acima se apresentam relativamente a esta excepção, é de salientar que pelo menos o pedido de indemnização que tem como causa de pedir a violação do princípio da boa-fé, na sua dimensão da confiança, não exigiria prévia ou autónoma acção de anulação de acto ilícito, e estaria sempre fora da previsão contida no n.º 2 do art. 38.º do CPTA pelo que, pelo menos quanto a ele, a acção deveria prosseguir.
32. E por último, nem sequer se mostra invocada a dita “inimpugnabilidade” do acto que justificaria, ainda que mal no entendimento da recorrente, a verificação da alegada excepção inominada do n.º 2 do art. 38.º do CPTA.
Nestes termos e nos que V. Ex. se dignem suprir, deve a presente revista ser recebida e, assim sendo, ter provimento e revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que determine o prosseguimento dos autos até final, com identificação do objecto do litígio e a definição dos temas de prova, bem como com a produção de prova e julgamento. Com o que se fará JUSTIÇA.



Notificado o recorrido para contra-alegar, nos termos do n.º 3 do art. 144.º do CPTA, não apresentou contra-alegações.

Por acórdão, da formação a que alude o art. 150º, nº 6 do CPTA, deste Supremo Tribunal Administrativo, de 11.01.2019, a revista foi admitida.

O Exmo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de, “(…)Entende-se, nesta conformidade, que o presente recurso de revista merece ser provido devendo, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido e a sentença por ele confirmada, baixando os autos para prosseguimento da acção, com a apreciação das excepções de prescrição e da ilegitimidade passiva cujo conhecimento foi considerado prejudicado pela decisão proferida e eventual conhecimento do mérito da causa, após produção da prova requerida e consequente ampliação da matéria de facto, se a tanto nada mais obstar.”

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os Factos
O acórdão recorrido considerou relevantes para a decisão do presente recurso, as seguintes incidências fáctico-processuais fixadas no saneador-sentença de primeira instância:
A. - Por deliberação registada em 19 de Maio de 2010, a Autora incorporou por fusão, a sociedade comercial com a denominação B…………, LDA. - cf. certidão junta como doc. 1 à p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
B. - A B…………, LDA tinha como objecto social a produção de energia eléctrica, tendo sido constituída, em 06.04.2000, pela sociedade C…………, LDA e por D………… - cf. certidão junta como doc. 2 à p.i., e contrato de sociedade junto como doc. 3 junto à p.i., cujo teor se dão por integralmente reproduzido;
C. A sociedade E…………, entretanto falida, e adquirida pela C………… tinha projectado promover e explorar o aproveitamento (mini)eléctrico de Cativelos - acordo;
D.- Com data de 30 de Agosto de 1991, foi emitido o Alvará de Licença n° 85, a favor da E…………, "de autorização para utilizar as águas do rio Torto, no lugar de Cativelos, (...) para produção de energia (...) a qual ficará sujeita às seguintes cláusulas: (...)SS
1. Os trabalhos de construção deverão ser iniciados e concluídos nos prazos estabelecidos na legislação em vigor.
2. O não cumprimento dos prazos estabelecidos em I faz caducar o alvará de licença nos termos do n° 6 do art. 27° do Decreto-lei n° 189/88 de 27 de Maio.
(...)
6 Prazo da licença
O prazo da licença terminará em 31 de Dezembro de 2014, podendo a entidade licenciada a explorar o aproveitamento, nas mesmas condições, até à concretização do previsto escalão de Girabolhos, com o limite de 35 anos contar da data da aprovação do projecto referido no nº 11 da Portaria n° 958/89, de 28 de Outubro."
- cf. doc. 5 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido
E. Em 18 de Agosto de 2000, a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Centro (DRAOT/C) autorizou o averbamento para o nome de B…………, LDA do alvará n° 85, para a utilização das águas do Rio Torto, que estava titulado em nome da E………… - cf. doc. 4 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
F. A E…………, não pôde dar seguimento ao procedimento administrativo, que ficou suspenso de facto durante anos em parte por causa de dificuldades económico-financeiras que defrontou no final da década de oitenta, princípios de noventa, que a impediram de concretizar o projecto de Cativelos e veio a provar a sua falência - acordo;
G. A E………… requereu em 29 de Abril de 1992, uma prorrogação do prazo, por nove meses, para apresentar o projecto de construção, o que foi deferido até 30.11.1992 - acordo e cf. doc. 6 junto à p.i, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
H. A E………… entregou 3 exemplares do projecto de infraestrutura em 26.11.1992, tendo a DGRN informado em 25.01.1993, que não estava em conformidade, tendo entregue novos exemplares em 31.03.1993 - acordo;
I. Em 27.01.1999 a DRA/C instou a E………… a informar do seu interesse em prosseguir com o mesmo - acordo;
J. A C………… em resposta ao ofício precedente, informou a DRA/C, em 8.02.1999 das dificuldades que a E………… tinha passado e da sua aquisição daquela, tendo requerido um prazo mais dilatado para reactivar o projecto - cf. doc. 9 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
K. Através de ofício de 7.06.1999 a DRA/C, comunicou à C………… "considera-se de prorrogar o prazo para reactivação do processo, o qual terminará a 31 de Outubro do corrente ano, sob pena de ser revogado o alvará de utilização" - cf. doc. 10 junto à p,i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
L. Através de ofício datado de 18.11.1999 a DRA/C comunicou à C…………, onde se refere designadamente: "(...)
2- Atendendo aos argumentos apresentados os quais se relacionam com o processo de recuperação da empresa, considera-se de conceder o prazo solicitado para apresentação do projecto e EIA, o qual terminará no dia 30 de Abril de 2000.
De referir que esta será a prorrogação última concedida.
3- Relativamente ao art. 62 do Alvará de licença nº 85, emitido pelo INAG, informa-se que nesta data solicitaremos parecer à DGE, sobre a vossa pretensão" - cf. doc. 11 junto à p.i. cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
M. A DRAOT/C em resposta à carta da B…………, de 18.03.2003, informou por ofício datado de 11.04.2003 que, “face à entrada em vigor da Portaria 295/2002, de 19 de Março, que veio a regular o procedimento de obtenção das licenças necessárias para produção de energia hidroeléctrica por pequenas centrais hidroeléctricas, informamos V. Exa que, de acordo com o disposto no ponto 2 do art. 39º deste diploma, sem prejuízo dos actos e formalidades já praticadas ao abrigo da anterior legislação. Tal facto obriga a que se proceda a uma análise à validade do Alvará de Licença de Utilização de água n° 85, de 1991/08/30, entretanto emitido." - cf. doc. 17 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
N. Em 8.03.2006, a DGE informava a B………… da concessão da licença de estabelecimento (a licença da infra-estrutura eléctrica) que veio a ser rectificada em 22.03.006, conforme doc. 25 e 26, juntos à pi., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
O. Em 13 de Abril de 2007, a B………… celebrou com o IAPMEI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e Investimento), contrato de concessão de incentivos no âmbito da Medida de Apoio ao Aproveitamento do Potencial Energético e Racionalização de Consumos, por via do qual obteve um incentivo não reembolsável à construção da AHE de Cativelos no valor de €471.761,16 - cf. doc. 53 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
P. A B………… tomou conhecimento, ainda em 2007, pela comunicação social de que o Governo tinha lançado um programa de investimentos em grandes barragens do qual faria parte um Aproveitamento Hidroeléctrico identificado como “Girabolhos” - acordo;
Q. A B………… apresentou em 12.11.2007 no âmbito da consulta pública, as suas objecções, designadamente “Nos documentos consultados não é referido o horizonte de realização deste empreendimento de Girabolhos, depreendemos, todavia que por estar a decorrer consulta pública, o horizonte de realização tomado no âmbito desta consulta será anterior a 2025, o que acontecendo em muito prejudicaria a viabilidade e rentabilidade do empreendimento de Cativelos”
- cf. doc. 59, junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
R. Em 11 de Abril de 2008 a CCDR/C notificou a B…………, de que enviara ao Secretário de Estado do Ambiente, nos termos do disposto no n° 2 do art. 93º do DL 226-A/2007, para aprovação a “minuta” do contrato de concessão para exploração, do Aproveitamento Hidroeléctrico de Cativelos", onde se refere: “O prazo de validade do contrato de concessão, de acordo com o previsto no ALVARÁ nº 85 e reiterado no parecer do Instituto da Água, terminará em 31 de Dezembro de 2014, podendo essa empresa continuar a explorar o aproveitamento nas mesmas condições, até à concretização/enchimento do previsto Aproveitamento
S. A B………… respondeu, em 23.05.2008, nos termos constantes de doc. 61 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
T. A CCDR/C enviou à B………… o ofício datado de 2008.08.11, com a nova versão da “minuta” inicial do Contrato de Concessão n.º 02/C/E/CCDR/Centro/2008, após efectuadas as correcções propostas pelo INAG e pelo Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional - cf. doc. 62 junto à p.i.;
U. A B………… respondeu, em 24.09.2008 à CCDR/C nos termos constantes do doc. 63 junto à p.i., onde refere “Não podemos deixar de nos manifestar contra esta data de 2014, tal como já o fizemos em carta de 23 de Maio do corrente ano, e da qual aguardamos resposta”;
V. Em carta datada de 13.11.2008, dirigida à ARHC, IP, a B…………, onde refere designadamente que “Em 23 de Maio pp. enviámos ao Exm° Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro a carta cuja cópia anexamos.
Nela colocávamos em crise o prazo que a Administração pretendia conceder-nos a concessão de utilização das águas do rio Torto, no lugar de Cativelos, para a produção de energia hidroeléctrica.
Conforme dissemos na vossa carta, sentimo-nos com direitos adquiridos relativamente ao aproveitamento de Cativelos e caso não seja viável à Administração respeitá-los, como parece ser o caso, pretendemos saber de que forma seremos indemnizados, tendo como pressuposto um horizonte de exploração de 35 (trinta e cinco) anos" - do doc. 64 junto à p. i./doc. 6 junto à Contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
W. Em 5.01.2009, a ARH/C comunicou à B…………, que "face à interferência da pretensão com o futuro aproveitamento Hidroeléctrico de Girabolhos, do Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico, a nova versão da "minuta do Contrato de Concessão no 02/C/CCDR/Centro não mereceu a homologação de S. Excelência o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, inviabilizando a concretização do projecto na forma em que se encontra apresentado.
Assim, ao abrigo do art. 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo, notifica-se essa empresa para, no prazo de 10 dias, contados a partir da data de recepção se pronunciar por escrito nos termos e para os efeitos daqueles preceitos."- cf. doc. 65 junto à p. i.;
X. A B………… respondeu, em 19.01.2009 (por lapso refere 2008) nos termos constantes de doc. 66 junto à pi., do qual se destaca o seguinte: "18. Do procedimento podemos contudo adivinhar que é o programa denominado de Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico que determina a não atribuição de uma utilização de águas, para além de 2014".
25. Embora de natureza atípica, o Programa foi efectivamente concretizado e com base nele já se abriram concursos tendo em vista a construção e exploração de barragens em determinados cursos de água, entre os quais o concurso de Girabolhos, que afecta o nosso aproveitamento de Cativelos.
26. Sem discutir a bondade das preocupações que o Programa visa responder, e a sua utilidade no âmbito da política energética nacional, não podemos contudo deixar de nos insurgirmos contra o facto do projecto de Girabolhos afectar de modo decisivo o nosso projecto de Cativelos.
(...)
34. Nestes termos, atento o estado do licenciamento do nosso projecto, a “recusa de homologação” de um contrato de concessão que nos atribua o direito de utilizar as águas dos cursos de água nele identificados pelo prazo de 35 anos constitui um acto injustificado e desconforme com as leis aplicáveis, gerador de responsabilidade civil. Nestes termos, requeremos a clarificação das questões enunciadas nos pontos I e II, supra, e a reapreciação da intenção anunciada no sentido de (a) nos ser atribuído o direito a utilizar as águas dos rios identificados no nosso projecto, pelo prazo mínimo de 35 anos ou (b) em alternativa a justa indemnização pela frustração da concretização do nosso projecto.
Y. A ora Ré, em 22.10.2009, respondeu no sentido de “que o contrato de concessão não foi celebrado por opção própria da v/parte e não por culpa imputável a esta ARH do Centro, IP, logo nunca nasceu qualquer vínculo jurídico contratual de onde pudesse emergir o direito de indemnização.
As condições para o licenciamento do Aproveitamento Hidroeléctrico de Cativelos, há muito que vos vêm sendo transmitidas, o que faz crer ter havido da parte da empresa promotora uma perda total de interesse na concretização do contrato de concessão.
Do exposto resulta não haver lugar a pagamento de qualquer indemnização, considerando também o facto de o processo de licenciamento ter estado tanto tempo parado por atrasos que em larga escala, se deveram ao promotor, e também o de não ter sido feito qualquer investimento (o que a verificar-se seria irregular, atendendo a que o promotor não dispunha de autorização nesse sentido)” - cf. doc. 68 junto à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.


3. O Direito
O acórdão recorrido, confirmando a decisão do TAF de Sintra, considerou inepta a petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir, bem como verificada a excepção dilatória prevista no art. 38º, nº 2 do CPTA.
No que se refere à ineptidão da petição inicial considerou, em consonância com o decidido em 1ª instância, que: “Dúvidas não sobram, pois, de que, a Autora, como se demonstra na sentença não deu a conhecer suficientemente a causa de pedir e qual o efeito jurídico que pretendia obter pelo que não é permitido ao tribunal «ad quem» alterar ou substituir o facto jurídico que aquela invocara como base da sua pretensão de modo a decidir a questão posta ao veredicto judicial, com fundamento numa causa que a Autora e ora Recorrente não pôs à consideração e decisão do tribunal «a quo».”.

Vejamos.
Na petição inicial da acção administrativa comum, sob a forma ordinária, que intentou contra a Administração do Centro, IP, a que sucedeu o actual Réu, a A. pretende efectivar a responsabilidade civil extracontratual, pedindo a condenação do R., no seguinte:
- na indemnização global de €2.445.037,00, correspondente à rentabilidade líquida que o projecto de Cativelos geraria para a autora, caso tivesse sido efectivamente concessionado para um prazo de 35 anos; ou, caso assim se não entenda, por se considerar que o prazo de aproveitamento não seria superior a 2025;
- na indemnização global de €1.280.510,00, correspondente à rentabilidade líquida que o projecto de Cativelos geraria para a autora, caso tivesse sido efectivamente concessionado por um prazo até 2025;
Ou caso assim se não entenda, por se considerar que, por não ter sido celebrado o contrato de concessão e construído o aproveitamento, a autora não pode reclamar os custos do investimento;
- na indemnização global de €1.875.000,00 correspondente ao valor de mercado do projecto na fase em que se encontrava à data da sua inviabilização, tendo em consideração o prazo de 35 anos;
- ou de €907.322,00, se se entender que o projecto não poderia continuar para além de 2025; ou,
- caso assim se não entenda, por se considerar que a autora apenas tem direito à tutela do seu interesse contratual negativo;
- na indemnização global de €451.733,26 correspondente aos custos e encargos suportados pela autora com a elaboração, submissão a licenciamento e desenvolvimento do projecto, e com perda do valor correspondente à aquisição de quotas representativas do seu capital social;
- em qualquer dos casos, ser a Ré condenada a pagar juros de mora desde a data da citação até integral e efectivo pagamento, à taxa de juros legal.

Descreve as diversas diligências que realizou para adquirir o projecto para promover e explorar o aproveitamento hidroeléctrico de Cativelos.
Refere, em síntese, que o licenciamento que viria a ser concluído em 2007, não faria qualquer sentido, dada a complexidade dos estudos exigidos e as dificuldades a ultrapassar, se fosse balizado por um horizonte temporal a terminar em 2014.
O novo título que substituiria a Licença de Cativelos seria já corporizado em contrato de concessão, nos termos do DL nº 226-A/2007.
Em Abril de 2008 foi a B………… notificada de que enviara ao Secretário de Estado do Ambiente, para aprovação a “minuta” do contrato de concessão para construção e exploração do aproveitamento Hidroeléctrico de Cativelos, onde se informava de que “terminará em Dezembro de 2014, embora pudesse “continuar a explorar o aproveitamento, nas mesmas condições, até à concretização/enchimento do previsto Aproveitamento Hidroeléctrico de Girabolhos.
Não se conformando, respondeu à CCDR, em 23.05.2008, invocando o direito de explorar o aproveitamento durante pelo menos 35 anos a contar da data da ligação da central produtora à rede pública, ou, noutra perspectiva, da conclusão das obras ou o direito a ser indemnizada, caso esta possibilidade não fosse concretizada.
A Administração recusou-se a homologar a concessão numa fase em que o procedimento de licenciamento já aguardava um acto e recusou também indemnizar a autora pelos danos causados. Nesta data em que foi recusada a homologação da concessão já só faltaria à autora construir o Aproveitamento e explorá-lo, não estando em falta qualquer outra licença.
É assim o interesse contratual positivo que está em causa na presente acção, devendo a Ré colocar a autora na situação em que caso a concessão viesse a ser atribuída por um prazo de 35 anos (prazo corrente para estes casos, segundo alega) ou no mínimo até 2025.
Como valor da indemnização toma em conta o rendimento potencial da AHE de Cativelos, que se concretizado em 2010, geraria ao fim de 35 anos de exploração, ganhos líquidos de €2.445.037,00. Montante que representa a perda directa que a Autora sofreu por não poder concretizar o projecto, nas condições que indicou. Sendo esse montante que a Ré está, nos termos dos artigos 1º e seguintes do DL nº 67/2007, de 31/12, obrigada a pagar à Autora (ou então esse montante reduzido segundo os critérios que refere).

Convidada a esclarecer a sua petição veio fazê-lo, a fls. 651 a 654, referindo, nomeadamente, que ao tomar a decisão em 2008, de atribuir a concessão apenas até 2014, a ré violou o normativo contido no nº 2 do art. 25º do DL nº 226-A/2007, frustrando as legítimas expectativas que a autora tinha de lhe ver concedido um prazo de 35 anos ou, no mínimo um prazo até 2025, “construídas na prática até então seguida pela Administração na fixação do prazo para a exploração do recurso hídrico para a produção de energia (35 anos) e na posição tomada pela ré no próprio PA, no qual declarou acolher-se à posição que, sobre o tema, viesse a ser tomada pela Direcção-Geral de Energia”, com isso violando o princípio da boa-fé, previsto no art. 6º-A do CPA.
E que ao actuar desta forma, “cometeu a ré um acto ilícito já que violador do direito da autora ao aproveitamento de um prazo de 35 anos ou, no mínimo, a terminar em 2025, assim incorrendo na obrigação de a indemnizar conforme art.ºs 3.º, 7.º ou 8.º e 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, na redacção dada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho”.

Na sua contestação a Ré defendeu-se por excepção invocando a prescrição do direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual e a sua ilegitimidade, nos termos do nº 2 do art. 10º do CPTA.
Apresentou igualmente defesa por impugnação expondo os motivos por que considera dever improceder a acção e, procederem as excepções invocadas.
E, no âmbito da excepção de ilegitimidade, refere, desde logo, no art. 14º da contestação, que: “(…), nos termos em que a A. configura a presente acção, o suposto facto lesivo, gerador da pretensão indemnizatória cujo pagamento peticiona, reportar-se-á à decisão de implementação do AH de Girabolhos em data efectiva não posterior a 2014 – assim inviabilizando a possibilidade de exploração do AH de Cativelos para além dessa data (cf. artigos 138.º, 139.º, 141.º e 142.º da p.i.)” (cfr. igualmente o artigo 4º da contestação no qual se sintetiza a tese sustentada na acção pela autora).

Como já se disse as instâncias consideraram inepta a petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir.
Preceitua o art. 186º, nº 1 do CPC que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. Sendo certo que a ineptidão da petição inicial ocorre quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (nº 2, alínea a) do mesmo preceito).
A causa de pedir é constituída pelo acervo de factos que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1945, págs. 359 e segts.).
Só há ineptidão da petição inicial quando esta de todo não dê a conhecer qual é a pretensão do autor ou os respectivos motivos. Ou seja, quando aquela é absolutamente imprestável para o fim a que se destina.
Ora, contrariamente ao que entendeu o acórdão recorrido, da petição inicial e dos esclarecimentos prestados a convite do Tribunal detecta-se quais os motivos por que a autora alega existir um determinado facto ilícito [o réu não lhe ter permitido celebrar um contrato de concessão de um aproveitamento hidroeléctrico com duração bastante para justificar os investimentos anteriores e futuros] e que este é gerador de danos na sua esfera jurídica, devendo ser indemnizada nos montantes que indica. Tanto assim é que a Ré identifica a pretensão da autora, contrapõe-lhe a sua versão dos factos e os motivos pelos quais considera que a mesma não pode proceder.
Como bem refere o acórdão que admitiu a revista “(…) há uma assinalável diferença (…), entre a petição inepta – isto é, formalmente viciada – e a que careça de viabilidade substantiva”.
No caso, a petição inicial pode não ser particularmente clara e ser mesmo algo confusa, mas isso não a torna inepta, podendo quanto muito ver-se comprometido o êxito da acção, questão esta atinente ao mérito e não à nulidade processual prevista no art. 186º, nº 1 do CPC.
Termos em que, o acórdão recorrido incorreu no erro de julgamento que a Recorrente lhe imputa ao considerar a petição inicial inepta.

Alega ainda a Recorrente que o acórdão recorrido terá interpretado de forma incorrecta o nº 2 do art. 38º do CPTA, ao considerar que este normativo vedava à autora, peticionar em acção administrativa comum o pagamento de uma indemnização em resultado de danos decorrentes de um acto, que reputa ilícito, imputável à ré, sem o ter atacado previamente, e já não estando em prazo para o fazer, procurando obter o efeito que resultaria da anulação desse acto, agora inimpugnável.

O acórdão recorrido, tal como já o fizera a 1ª instância, entendeu que o nº 2 do art. 38º do CPTA, não permitia que a autora lançasse mão da acção administrativa comum para pôr em causa a legalidade do acto administrativo emergente do despacho constante da CDCR, de 11.04.2008. Proibindo a lei que o tipo de acção administrativa comum possa ser usado “…para obter o efeito típico resultante da anulação do acto inimpugnável, ou seja, possa ser usada para tornear a falta de impugnação desse acto, com eventual ofensa do caso resolvido administrativo”.

No caso dos autos a pretensão da Autora é a condenação da Ré no pagamento de indemnização fundada, por um lado, na ilegalidade do prazo de duração da licença que foi fixado; E, por outro lado, na frustração da expectativa que reputa ser legítima e fundada na exploração do “AH de Cativelos”, pelo menos até 2025, ou pelo prazo de 35 anos, sendo que nada a impedia de lançar mão da acção administrativa comum intentada para obter uma indemnização que a compensasse dos prejuízos advindos desse circunstancialismo.
Com efeito, não sendo a pretensão da aqui Recorrente a anulação de um determinado acto administrativo, mas, apenas, o ressarcimento dos prejuízos que decorreram, além do mais, dessa ilegalidade, nada impedia que lançasse mão daquela acção, com vista a peticionar tal indemnização, independentemente de ter, previamente, impugnado tal acto, sendo a acção proposta a adequada a efectivar a responsabilidade civil extracontratual (cfr. art. 37º, nºs 1 e 2, al. f) do CPTA na versão original aqui aplicável).
Aliás, decorre da conjugação dos artigos 37º, 38º e 46º do CPTA, que a propositura de acções de responsabilidade civil da Administração se mostra separada da impugnação dos actos administrativos que estão na sua origem.
Por isso, só a título incidental é que o Tribunal pode conhecer da ilegalidade de acto administrativo que a origina.
Como se escreveu no acórdão deste STA de 26.09.2013, Proc. 029/12: «De resto, é isso que resulta do que se estatui no n.º 2 do mesmo normativo [o art. 38º] onde se dissociam os efeitos que podem ser alcançados através desses diferentes meios processuais e, por isso, se prescreve que “a acção administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do acto impugnável.
Ou seja, a diferenciação entre aqueles dois meios processuais é tão clara que o art.º 38.º/1 do CPTA prescreve que “…no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado.”.
Significa isto que só “nos casos em que a lei substantiva o admita”, é que é possível, na acção destinada a accionar a responsabilidade civil da Administração, que o Tribunal conheça da ilegalidade de acto administrativo que já não possa ser impugnado. Mas, ainda assim, só a título incidental.
E, tal apreciação apenas se destina a servir de fundamento jurídico ao pedido indemnizatório dos danos resultantes da prática de acto ilegal, nunca podendo visar uma anulação ou declaração de invalidade do acto, que, em princípio, continuará a produzir os seus efeitos na ordem jurídica [cfr. neste sentido o ac. deste STA de 18.10.2018, Proc. 0586/13.0BEPRT (anteriormente nº 0999/17)].
Ou seja, no caso dos autos aquela apreciação incidental apenas se destinaria a aferir dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, previstos no art. 7º, nº 1 da Lei nº 67/2007, de 31/12 (mormente, o facto, a ilicitude e a culpa).
Estando, pois, como estamos no âmbito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual haverá que aferir da verificação dos respectivos pressupostos - cfr. art. 7º do DL nº 67/2007, de 31/12 [caso não procedam as excepções invocadas pela Ré].
Termos em que, o acórdão recorrido incorreu no erro de julgamento que a Recorrente lhe imputa, quanto à interpretação que fez sobre a ineptidão da petição inicial e do nº 2 do art. 38º do CPTA, pelo que é de considerar procedente o recurso, devendo os autos baixar para prosseguimento da acção, com a apreciação das excepções de prescrição e ilegitimidade passiva, cujo conhecimento foi considerado prejudicado em 1ª instância, e, eventual conhecimento do mérito da causa, após produção de prova se necessária.

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, e determinando a baixa dos autos, para prosseguir os seus termos conforme acima indicado.
Sem custas.

Lisboa, 23 de Maio de 2019. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.