Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01688/13
Data do Acordão:12/04/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:GARANTIA
PENHORA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Sumário:I – O valor pelo qual foram avaliados os bens oferecidos em garantia aceite pelo credor hipotecário não tem de ser aceite pela Administração fiscal para efeitos de determinação da idoneidade da garantia prestada na vertente da sua suficiência (artigo 199.º do CPPT).
II – Embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, é lícito que se recorra a este preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia.
III – Tal critério não se afigura violador do princípio da proporcionalidade, consagrado nos arts. 17.º n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP, nas vertentes da necessidade e do equilíbrio ou da proibição do excesso, porquanto não parece que possa aceitar-se valerem os bens como garantia mais do que o valor pelo qual poderão ser avaliados para venda executiva.
IV – O acto de indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal mediante o oferecimento de bens à penhora é um acto administrativo em matéria tributária e não um acto próprio do processo de execução fiscal e que, ao contrário do que sucede com o pedido de dispensa da prestação de garantia (artigo 170.º do CPPT), não reveste por lei natureza urgente, razão pela qual não há fundamento legal para se ter por excluído o direito de audiência prévia ao indeferimento do pedido de suspensão da execução mediante oferecimento de bens à penhora, ex vi do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
Nº Convencional:JSTA00068494
Nº do Documento:SA22013120401688
Data de Entrada:11/01/2013
Recorrente:A..., SOCIEDADE AGRÍCOLA, LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART250 ART199 ART170.
LGT98 ART60 N1.
CONST76 ART17 N2 ART266 N2.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…………………, SOCIEDADE AGRÍCOLA, LDA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Leiria, de 17 de Setembro de 2013, que julgou improcedente a reclamação judicial por si deduzida contra o despacho de indeferimento do pedido de prestação de garantia por si apresentado para suspensão da execução fiscal na pendência de reclamação graciosa que deduziu e que tem por objecto liquidação oficiosa de IRC do ano de 2011, despacho aquele proferido no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2089201301009869, apresentando para tal as seguintes conclusões:
1 – Para efeitos de suspensão de execução, nos termos do art. 169.º, n.º 2 do CPPT, a recorrente apresentou requerimento dirigido ao Chefe do serviço de Finanças de Santarém, oferecendo a prestação de garantia sobre um prédio misto e dois prédios rústico, sendo que em tal requerimento a reclamante indicou que os imóveis indicados se encontravam hipotecados à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pernes, até ao valor de 450.000 € e que os mesmos haviam sido avaliados por aquela entidade no montante de 806.000,00 € (oitocentos e seis mil euros) juntando o documento comprovativo de tal avaliação e escrituras públicas de constituição de hipoteca e de reforço de hipoteca.
2 – O Serviço de Finanças de Santarém, que efetuou o cálculo para a prestação de garantia no valor de 57.460,33€, não impugnou, nem questionou a avaliação dos imóveis indicada e junta pela recorrente mas por entender que o valor do imóvel relevante para aferir da idoneidade da garantia é o valor patrimonial tributário, entendimento que funda no art. 250.º do CPPT, não aceitou a garantias oferecida pela recorrente, tendo a douta decisão recorrida considerado correta esta decisão.
3 – Segundo a tese da ATA, aceite pela douta sentença recorrida o valor patrimonial atual destes imóveis é de €172.265,71 (artigos urbanos) e de €51.434,33 (artigos rústicos), num total de €223.700,04, considerando que, para a finalidade aqui em causa, o valor global dos imóveis a considerar é de €239.336,42 (€172.265,71 + €67.070,71) pelo que, como sobre os imóveis em questão está registada uma hipoteca voluntária a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pernes, CRL, sendo o capital de €450.000,00 e o montante máximo assegurado de €659.794,50 e que especificamente sobre o prédio rústico identificado com o n.º 4 da secção AJ, incide uma penhora a favor da Fazenda Nacional, no valor de €2.818,21, no âmbito de outros PEF instaurados em nome desta sociedade, o valor a considerar assim determinado será nulo, uma vez que a soma dos valores patrimoniais é inferior aos montantes a deduzir.
4 – No entanto, face ao valor de mercado e descontado o valor máximo por que o bem poderá responder pelas garantias a que está afeta, resulta um valor liquido mínimo de 143.387,29€ (806.000 € - 659.794,50€ -2.818,21€) pelo que, sendo o valor da quantia exequenda e acrescido de 57.460,33€ para efeitos de garantia, o valor do bem é, sem dúvida, suficiente para garantir a dívida exequenda e com margem confortável.
5 – Acontece que para a douta sentença recorrida “partindo do princípio de que se torna necessária a venda dos bens, os mesmos são colocados à venda de acordo com o estabelecido no artigo 250.º do CPPT, onde se estabelecem as formas de determinação os valores de venda dos bens que, no caso dos imóveis é sempre o seu valor patrimonial tributário.
Ora, seguindo a tese do reclamante, verificava-se desde logo, a violação deste normativo pois o valor de mercado apresentado é muito superior ao respetivo valor patrimonial. (…)
Desde logo por uma questão de certeza e segurança do comércio jurídico, pois não faria qualquer sentido submeter a AT às regras do mercado imobiliário da oferta e da procura”.
6 – A recorrente discorda deste entendimento que não resulta, nem expressamente nem da teleologia dos arts. 199.º e 250.º do CPPT, pois os valores referidos neste último preceito destinam-se a estabelecer o valor base de venda, sem que com isto se possa entender que no âmbito do Código de Procedimento e Processo Tributário, que é esse o valor real do imóvel.
7 – Tal entendimento, para além de não resultar da lei, é violador do princípio da proporcionalidade, consagrado nos arts. 17.º n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP, nas vertentes da necessidade e do equilíbrio ou da proibição do excesso, na medida em que vai para além do que é necessário para salvaguarda dos interesses do credor Estado, através duma precaução excessiva baseada numa prognose pessimista sobre uma possível desvalorização do valor do bem, sacrificando de modo injustificado os interesses do executado.
8 – Tal entendimento, levaria à inaceitável dualidade de, para efeitos de garantia a idoneidade dos imóveis ser aferida em função do valor patrimonial tributário e a dos bens móveis ser aferida em função do seu valor de mercado, quando é certo, que os imóveis são até mais seguros que os móveis, uma vez que estes, notoriamente, são mais facilmente deterioráveis ou dissipáveis.
9 – Entendemos assim que, tal como relativamente a qualquer outro bem, a idoneidade do valor dum bem imóvel, para efeitos de garantia, ao abrigo do art. 199.º do CPPT, deve ser o do seu valor de mercado, embora se possa admitir alguma margem de discricionariedade da ATA na margem de tal valor relativamente à dívida exequenda e acrescido.
10 – No caso em apreço face ao valor de mercado e descontado o valor máximo por que o bem poderá responder pelas garantias a que está afeta, resulta um valor líquido mínimo de 143.387,29€ (806.000€ - 659.794,50€ - 2.818,21€) pelo que, sendo o valor da garantia exequenda e acrescido de 57.460,33 € para efeitos de garantia, o valor do bem é, sem dúvida, suficiente para garantir a dívida exequenda.
11 – Por último diga-se que, embora com dúvidas, tendo em conta a controvertida natureza judicial ou administrativa da decisão de não aceitação da garantia, se continua a sustentar os vícios de preterição do direito de audição antes da decisão final e de falta de fundamentação, na medida em que, relativamente ao primeiro aspeto, entende-se que deveria a ATA ter notificado a recorrente da sua intenção de indeferir o requerido, sendo esta ideia é reforçada pela circunstância de tal decisão ter decidido adotar como referência o valor patrimonial tributário em detrimento do valor de mercado do imóvel.
12 – No que respeita à falta de fundamentação não são indicadas na decisão de indeferimento as razões porque “(…) não é expectável que, em caso de necessidade de execução da mesma, considerando o valor base da venda e os ónus já registados, o mercado esteja disponível para pagar valor suficiente para assegurar ao Estado a efetiva cobrança da dívida, numa situação de incumprimento por parte da executada”, sendo que a ATA não contestou ou questionou a avaliação indicada e junta com o requerimento para prestação de garantia.
13 – Assim sendo, deve o ato tributário ser anulado com fundamento em violação de lei ou quando assim não se entenda por vícios de violação do direito de audição e de falta de fundamentação, revogando-se a douta sentença recorrida.
14 – Foram violados os arts. 199.º do Código de Procedimento e Processo Tributário e os arts. 17.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos:
1. É pois, inquestionável que a decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, face aos critérios a seguir para a declaração de suspensão da execução fiscal, condicionada a prestação de garantia idónea e suficiente.
2. No caso dos autos, alega a Recorrente a nulidade da sentença porquanto determina que é o VPT do imóvel pretendido oferecer em garantia que serve para determinar o valor base de venda e não o seu eventual valor de mercado.
3. Na verdade, não pode a Recorrente apoiar-se em elementos que têm uma funcionalidade legal diferente para a determinação dos valores patrimoniais para efeitos de venda daquele bem imóvel.
4. O art. 250.º do CPPT não deixa margem para dúvidas quanto aos valores a atribuir aos bens imóveis para efeitos de venda judicial no âmbito da execução fiscal.
5. Estabelece o referido normativo legal que o valor base para a venda de imóveis urbanos, inscritos ou omissos na matriz, é determinado “pelo valor patrimonial tributário apurado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)” (al. a) do n.º 1 do citado preceito legal);
6. E que, “O valor base a anunciar para venda é igual a 70% do determinado nos termos do n.º 1” (cfr. o nº 4 do artigo citado).
7. Assim, é claro o legislador quanto à enunciação dos elementos indicadores que servem ou devem ser aplicados para o apuramento do valor base a anunciar para venda, que não correspondem de forma alguma aos valores de mercado relativos à afectação do prédio.
8. Pelo que, a Recorrente está em erro sobre os pressupostos relativamente à determinação do valor da venda dos imóveis, ao pretender a aplicação do valor de mercado, olvidando no mais, todo o condicionalismo da mesma porquanto sobre os mesmos impende hipoteca voluntária de valor muito superior ao do seu VPT.
9. Não se estando perante qualquer margem de escolha por parte da Administração Tributária, em que esta possa livremente optar por aceitar ou não determinada garantia idónea, tal aceitação está dependente apenas de estarmos perante uma garantia susceptível de assegurar os créditos exequentes, o que se afere com base nos factos apurados nos autos, tal como foi decidido pelo tribunal a quo.
10. Pelo que, decorre a legalidade do despacho recorrido, não estando eivado de qualquer erro ou irregularidade que leve à sua anulabilidade, designadamente, no que concerne ao valor base a atender para efeitos da venda do bem penhorado, cujo VPT está devidamente atribuído, resultando o seu valor da última avaliação patrimonial efectuada nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
11. E, consequentemente, afere-se da credibilidade da sentença recorrida, sem qualquer mácula que se lhe possa apontar por absoluta ausência de vícios da mesma.
12. Igualmente padece de fundamento a alegada preterição de formalidade legal invocada pela Recorrente, porquanto não foi notificada para direito de audição antes da decisão final de indeferimento do pedido pelo OEF e falta de fundamentação dessa decisão.
13. In casu, não ocorre nenhuma das situações descritas. Antes, tem-se o referido despacho devidamente fundamentado, pelo que, não incorre a sentença recorrida em qualquer dos vícios invocados pela Recorrente.
14. Posto isto, não subsistem quaisquer razões que nos levem a considerar que não poderia o Tribunal a quo sindicar no caso em presença da actuação da administração, devendo a sentença recorrida permanecer inalterada.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado NÃO PROVIDO, e mantida a decisão proferida nos autos, por total ausência de vícios que se lhe apontem.
Com o que, V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA!

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 225 a 228 dos autos, concluindo que a decisão recorrida não padece do vício de errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 199.º e 250.º do CPPT, que lhe é imputado pelo Recorrente, motivo pelo qual deve a mesma ser confirmada e o presente recurso ser julgado improcedente.

Com dispensa de vistos, dado o carácter urgente do processo, vêm os autos à conferência.

- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É a da saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento - e não em nulidade, como erradamente pressupõe a recorrida (cfr. conclusão 2 das contra-alegações de recurso) –, ao decidir que não padece o despacho sindicado do vício de violação de lei ao não ter aceitado como garantia oferecida para suspensão da execução fiscal na pendência de reclamação graciosa tendo por objecto liquidação de IRC do ano de 2011 os bens oferecidos à penhora pela ora recorrente, no entendimento de que estes são inidóneos – porque de valor insuficiente, atento ao respectivo valor patrimonial tributário e aos ónus que sobre eles já incidem – para garantia da dívida exequenda e acrescido (cfr. conclusões 1 a 10 das alegações de recurso) e bem assim se bem decidiu ao julgar inverificados os vícios de falta de fundamentação e de preterição do direito de audição prévia antes do indeferimento (conclusões 11 e 12 das alegações).

5 – Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos:
A) Em 31/01/2013, o Serviço de Finanças de Santarém instaurou contra A…………………….. – Sociedade Agrícola, Lda. o processo de execução fiscal n.º 2089201301009869, por dívida de IRC do exercício de 2011, com a quantia exequenda de €45.510,05. – (cfr. fls. 52 a 54 dos autos).
B) Em 26/04/2013, a executada, ora reclamante, apresentou ao Chefe do Serviço de Finanças de Santarém requerimento para suspensão da execução fiscal identificada na alínea anterior, oferecendo como garantia os seguintes bens imóveis:
- Prédio misto, composto de terra de semeadura, figueiras, olival, dependências agrícolas, casa de rés-do-chão e primeiro andar para habitação, vários anexos e logradouro, casa em ruínas e logradouro, sito na A…………………, lugar e freguesia de ……………., concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 531/…......., inscrito na matriz sob os artigos 6 e 6, ambos da secção AJ e na matriz predial urbana sob os artigos 948 e 949;
- Prédio rústico, composto de olival e solo subjacente de cultura arvense, sito no ……………… ou A……………………….. – Sociedade Agrícola, Lda., sita na freguesia de …………., descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 324/…………., inscrito na matriz predial sob os artigos 7 e 8, ambos da secção AJ;
- Prédio rústico, composto de solo subjacente de cultura arvense e olival, sito em ……………, freguesia de ……………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º 731/………….. e inscrito na matriz sob o artigo 4 da secção AJ.- (cfr. doc. de fls. 57 dos autos).
C) No mesmo requerimento, referido na alínea anterior, a reclamante indicou que os imóveis se encontravam hipotecados à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pernes até ao valor de 450.000,oo€ e que os mesmos haviam sido avaliados por aquela entidade no valor de 806.000,00€ - (cfr. docs. de fls. 57 a 75 dos autos).
D) Em 17/05/2013, o Serviço de Finanças de Santarém efetuou o cálculo para a prestação de garantia, no valor de €57.460,33 – (cfr. doc. de fls. 86 dos autos).
E) Sobre o requerimento referido em B), o Serviço de Finanças de Santarém prestou informação, onde consta, designadamente, que “(…) A soma de todos os valores patrimoniais perfaz a quantia de €223.700,04. O valor necessário para garantir o processo é de €57 460,33, conforme doc. de fls. 36. Conforme doc. de fls. 31 a 34, sobre os mesmos imóveis existe uma hipoteca voluntária a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo no montante assegurado de €659.794,50.
Existe ainda, uma penhora a nosso favor, do prédio rústico inscrito sob o art.º 4 Secção AJ (…)” – (cfr. fls. 89 e 90 dos autos).
F) Em 28/05/2013, a Direcção de Finanças de Santarém sobre o requerido em B) prestou informação onde consta, além do mais, o seguinte:
“Relativamente ao PEF em causa, encontra-se pendente Reclamação Graciosa, a correr termos na DJT desta DF, sendo que o montante total em dívida na presente data ascende a €45.968,26. Para efeitos de prestação de garantia, foi pelo SF de Santarém calculado, a 17 de Maio de 2013, o valor necessário de €57.460,33.
Os imóveis em questão são um prédio misto, identificado na matriz rústica com os artigos n.º 5 e n.º 6, secção AJ e na matriz urbana com os artigos n.º 948 e n.º 949 e três prédios rústicos, identificados na matriz com os artigos n.º 4, n.º 7 e n.º 8, secção AJ, todos da freguesia de …………, concelho de Santarém.
Estes imóveis correspondem a um conjunto diverso de imóveis destinados a habitação, escritório, atividade agrícola e/ou industrial, bem como variados terrenos destinados a culturas diversificadas e pastagens.
O valor patrimonial atual destes imóveis é de €172.265,71 (artigos urbanos) e de €51.434,33 (artigos rústicos), num total de €223.700,04.
Relativamente aos prédios rústicos, importa considerar o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 250.º do CPPT, pelo que o seu valor patrimonial atualizado com base nos fatores de correção monetária passa a ser de €67.070,71, resultante da aplicação dos coeficientes respetivos aos anos de determinação dos VP iniciais, conforme tabela infra.

SecçãoArtigoVP Inicial AnoCoef.VPActualizado
AJ42.818,2119921,46 4.114,59
AJ51.852,7319941,28 2.371,49
AJ646.180,6019941,2859.111,17
AJ7365,2019862,68
    978,74
AJ8184,60 19962,68
    494,73
Total67.070,71

Como tal, para a finalidade aqui em causa, o valor global dos imóveis a considerar é de €239.336,42 (€ 172.265,71 + €67.070,71).
Sobre os imóveis em questão está registada uma hipoteca voluntária a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pernes, CRL., sendo o capital de €450.000,00 e o montante máximo assegurado de €659.794,50.
Especificamente sobre o prédio rústico identificado com o n.º 4 da secção AJ, incide ainda uma penhora a favor da Fazenda Nacional, no valor de €2.818,21, no âmbito de outros PEF instaurados em nome desta sociedade.
Assim, para efeitos de garantia, estes imóveis deverão ser considerados apenas pelo seu valor líquido, para tal se deduzindo ao valor patrimonial (determinado nos termos das respetivas normas legais, conforme o artigo 250.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) os ónus e encargos que sobre eles incidem.
Deste modo, o valor a considerar assim determinado será nulo, uma vez que a soma dos valores patrimoniais é inferior aos montantes a deduzir.
Face ao descrito parece poder concluir-se que os imóveis aqui em apreciação, não poderão constituir garantia idónea e suficiente neste PEF porquanto não é expectável que, em caso de necessidade de execução da mesma, considerando o valor base da venda e os ónus já registados, o mercado esteja disponível para pagar valor suficiente para permitir assegurar ao Estado a efetiva cobrança da dívida, numa situação de incumprimento por parte da executada. (…)” – cfr. doc. de fls. 94 a 96 dos autos).

G) Em 12/06/2013, a Chefe do Serviço de Finanças de Santarém, com base na informação referida na alínea anterior, proferiu despacho, designadamente, nos seguintes termos:” (…) Em cumprimento das instruções administrativas transmitidas superiormente por mail de 16-03-2012 da DSGCT, foi o parecer de indeferimento submetido à concordância do Exmo. Diretor de Finanças.
Confirmado superiormente que a situação em apreciação não pode constituir garantia idónea e suficiente, conforme despacho de 29-05-2013, suportado na informação de fls. 44 a 46, no uso da competência conferida pelos artigos 149.º e 150.º do CPPT, indefiro o pedido de dispensa de garantia. (…)”. – (cfr. doc. de fls. 97 e 98 dos autos).

6. Apreciando
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida quanto à inidoneidade quantitativa dos bens oferecidos à penhora para suspensão da execução fiscal
A sentença recorrida, a fls. 160 a 175 dos autos, julgou improcedente a reclamação judicial deduzida pela ora recorrente contra o despacho que indeferiu o seu pedido de suspensão da execução fiscal mediante o oferecimento à penhora, como garantia, de um prédio misto e dois prédios rústicos, no entendimento de que bem andou o despacho recorrido ao considerar que os bens oferecidos em garantia devem ser avaliados, não pelo seu valor comercial resultante da avaliação efetuada, mas antes segundo a regra do artigo 250.º do CPPT, atendendo ao respectivo valor patrimonial tributário, e descontando-lhe o valor dos ónus e encargos que sobre eles incidem já, porquanto a aceitação da garantia, (…) deve ter em consideração a sua aptidão para, se for o caso, assegurar a totalidade da dívida exequenda e acrescido e no caso dos imóveis, partindo do princípio de que se tornava necessária a venda dos bens, os mesmos são colocados em venda de acordo com o estabelecido no artigo 250.º do CPPT, onde se estabelecem as formas de determinação dos valores de venda dos bens que, no caso dos imóveis é sempre o seu valor patrimonial tributário (cfr. sentença recorrida, a fls. 169/170 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, alegando que o julgado quanto ao valor dos bens a considerar não resulta, nem expressamente nem da teleologia dos arts. 199.º e 250.º do CPPT, pois os valores referidos neste último preceito destinam-se a estabelecer o valor base de venda, sem que com isto se possa entender que no âmbito do Código de Procedimento e Processo Tributário, que é esse o valor real do imóvel, mais alegando que tal entendimento, para além de não resultar da lei, é violador do princípio da proporcionalidade, consagrado nos arts. 17.º n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP, nas vertentes da necessidade e do equilíbrio ou da proibição do excesso, na medida em que vai para além do que é necessário para salvaguarda dos interesses do credor Estado, através duma precaução excessiva baseada numa prognose pessimista sobre uma possível desvalorização do valor do bem, sacrificando de modo injustificado os interesses do executado e que tal entendimento levaria à inaceitável dualidade de, para efeitos de garantia a idoneidade dos imóveis ser aferida em função do valor patrimonial tributário e a dos bens móveis ser aferida em função do seu valor de mercado, quando é certo, que os imóveis são até mais seguros que os móveis, uma vez que estes, notoriamente, são mais facilmente deterioráveis ou dissipáveis, pugnando, pois, para que se entenda que a idoneidade do valor dum bem imóvel, para efeitos de garantia, ao abrigo do art. 199.º do CPPT, deve ser o do seu valor de mercado, embora se possa admitir alguma margem de discricionariedade da ATA na margem de tal valor relativamente à dívida exequenda e acrescido e que, no caso em apreço face ao valor de mercado e descontado o valor máximo por que o bem poderá responder pelas garantias a que está afeta, resulta um valor líquido mínimo de 143.387,29€ (806.000€ - 659.794,50€ - 2.818,21€) pelo que, sendo o valor da garantia exequenda e acrescido de 57.460,33 € para efeitos de garantia, o valor do bem é, sem dúvida, suficiente para garantir a dívida exequenda.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, no seu parecer junto aos autos, sustenta que o recurso não merece provimento, atento a que a avaliação que consta da documentação junta aos autos pelo Recorrente foi efectuada por um perito sem mencionar quaisquer critérios objectivos tidos em consideração nessa avaliação e o Recorrente nunca suscitou, seja junto do órgão de execução fiscal, seja na sua reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância, a realização de avaliação dos imóveis para determinar o seu valor de mercado, caso houvesse razões para fazer crer que este era de valor superior ao valor patrimonial atribuído (cfr. parecer, a fls. 227).
Vejamos.
A recorrente funda a sua pretensão de suficiência da garantia oferecida para suspender a execução fiscal num valor de avaliação dos prédios oferecidos à penhora que toma como “o valor de mercado”, pretendendo que seja esse o valor considerado para determinar da suficiência dos bens oferecidos em garantia.
Sucede que tal valor, aceite pela credora hipotecária, não tem de o ser pelo credor Fisco, ou por qualquer outro credor, e nem sequer pode sê-lo por parte do Fisco, por expressa determinação da lei (artigo 250.º do CPPT), havendo necessidade de proceder à venda executiva dos bens dados em garantia, pois que a lei tributária fixa, sem margem para qualquer outra ponderação, a forma de determinação do valor dos bens para venda.
Foi por recurso a tais regras, em particular as contidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 250.º do CPPT, que a Administração tributária avaliou os bens oferecidos à penhora e, descontando ao valor apurado o dos ónus e encargos já incidentes sobre tais bens, concluiu que os bens oferecidos tinham “valor nulo” para o efeito pretendido – o de constituírem garantia idónea para suspensão da execução na pendência da reclamação graciosa -, entendimento este que foi sancionado pelo Tribunal “a quo” e que não merece reparo.
De facto, a exigência, como regra, de prestação de garantia para suspensão da execução na pendência de meio procedimental ou processual tendo por objecto a legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda visa acautelar a boa cobrança do crédito tributário caso o diferendo venha a ser resolvido em sentido favorável à pretensão da Administração tributária, sendo que, nesse caso, se não for voluntariamente efectuado o pagamento, a Administração accionará a garantia, o que, no caso de bens oferecidos à penhora – como é o dos autos –, consistirá na venda executiva dos bens penhorados.
Faz, por isso, sentido que, embora o artigo 199.º do CPPT não remeta expressamente para o artigo 250.º do CPPT no que concerne à forma de determinar o valor dos bens oferecidos como garantia, se recorra a este último preceito legal para a determinação também de tal valor, pois que, a final, será esse o valor de referência se a execução houver que prosseguir pela venda executiva dos bens penhorados oferecidos em garantia.
Não se desconhece que este critério de aferição do valor dos bens oferecidos em garantia pode prejudicar relativamente os proprietários de prédios rústicos, designadamente em relação aos proprietários de prédios urbanos (cujos valores patrimoniais tributários actuais se encontram hoje mais próximos dos valores de mercado).
Não parece, porém, ao contrário do alegado, que tal critério se afigure violador do princípio da proporcionalidade, consagrado nos arts. 17.º n.º 2 e 266.º, n.º 2 da CRP, nas vertentes da necessidade e do equilíbrio ou da proibição do excesso, porquanto não parece que possa aceitar-se valerem os bens como garantia mais do que o valor pelo qual poderão ser avaliados para venda executiva.
Improcede, deste modo, a alegação da recorrente tendente a demonstrar o erro de julgamento da sentença recorrida quanto ao alegado vício de violação de lei do despacho reclamado.

6.2 Dos alegados vícios de preterição do direito de audiência prévia e de falta de fundamentação
A sentença recorrida também julgou inverificados os vícios de falta de fundamentação do despacho reclamado e de “preterição do direito de audição” antes do indeferimento, considerando, quanto à alegada falta de fundamentação, que o despacho sindicado, contém, devidamente explicitadas, as razões que conduziram ao indeferimento do pedido formulado bastando ler o articulado apresentado pela reclamante para se concluir que apreendeu as razões que determinaram a AT a decidir nos moldes em que decidiu, o que lhe permitiu o efetivo exercício da tutela dos seus direitos (cfr. sentença recorrida, a fls. 173 dos autos).
O decidido quanto à alegada falta de fundamentação não merece qualquer censura.
Constam do despacho sindicado, de forma clara, coerente e congruente, e que o destinatário bem compreendeu (como demonstra a sua petição de reclamação), as razões pelas quais foi indeferida a pretensão de prestar garantia através do oferecimento à penhora daqueles concretos bens, a saber, o facto de os respectivos valores patrimoniais tributários serem inferiores aos dos ónus que sobre eles impendem, razão pela qual, para efeitos de garantia, o valor dos bens oferecidos era de considerar nulo.
A afirmação, também constante do despacho reclamado, de que (…) não é expectável que, em caso de necessidade de execução da mesma, considerando o valor base da venda e os ónus já registados, o mercado esteja disponível para pagar valor suficiente para assegurar ao Estado a efetiva cobrança da dívida, numa situação de incumprimento por parte da executada não parece carecer de qualquer explicitação adicional, pois que resulta suficientemente clara nos seus termos. O facto de a ATA não ter contestado ou questionado o valor de avaliação junto pela recorrente com o seu requerimento em nada releva pois, como se disse já, não estava vinculado, o credor Fisco ou qualquer outro, à aceitação de tal valor de avaliação.
Já no que concerne à preterição do direito de audiência prévia antes do indeferimento, que a sentença recorrida julgou não ter lugar atenta a natureza processual do acto sindicado (porque praticado no âmbito de uma execução fiscal), ou, caso assim não se entenda e se lhe atribua a natureza de um “ato administrativo em matéria tributária”, face à natureza urgente decorrente do art. 170.º do CPPT, pelo que também por esse motivo não haveria lugar a audiência dos interessados (cfr. sentença recorrida, a fls. 173), não acompanhamos o decidido.
É para nós claro que o acto de indeferimento do pedido de suspensão da execução fiscal mediante o oferecimento de bens à penhora é um acto administrativo em matéria tributária e não um acto próprio do processo de execução fiscal e que, ao contrário do que sucede com o pedido de dispensa da prestação de garantia (artigo 170.º do CPPT), não reveste por lei natureza urgente, razão pela qual não há fundamento legal para se ter por excluído o direito de audiência prévia ao indeferimento do seu pedido de suspensão da execução mediante oferecimento de bens à penhora, ex vi do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.
E se tivesse sido assegurado à ora recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre o projecto de indeferimento do seu pedido, dando-lhe a conhecer antecipadamente o critério de avaliação dos bens oferecidos que a Administração iria considerar, ter-se-ia permitido ao reclamante, ora recorrente, ter oferecido outros bens, como aliás peticionou ab initio na sua petição de reclamação.

Por esta razão - preterição do direito de audição prévia ao indeferimento – merece o recurso provimento, revogando-se a sentença recorrida que assim o não julgou e anulando-se o despacho sindicado.

- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou inverificado o vício de preterição do direito de audição e por esse motivo julgando procedente a reclamação, com a consequente anulação do despacho reclamado.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2013. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Casimiro Gonçalves.