Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0586/10
Data do Acordão:11/03/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
CITAÇÃO
Sumário:I – O disposto no artigo 37.º do CPPT respeita tão só a actos tributários, nomeadamente actos de liquidação, passíveis de reacção na via contenciosa contra a sua validade/existência, o que não será o caso da citação do executado em processo de execução fiscal, atenta a sua natureza de acto judicial.
II – A irregularidade ou a nulidade da citação terá de ser arguida no próprio processo de execução fiscal (artigo 198.º do CPC e 103.º, n.º 1 LGT), sendo que do indeferimento dessa arguição cabe reclamação para os tribunais tributários, nos termos dos artigos 276.º do CPPT e 103.º n.º 2 da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P12304
Nº do Documento:SA2201011030586
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1- A… e B…, melhor identificados nos autos, vêm recorrer da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, com fundamento na intempestividade da oposição à execução fiscal por eles deduzida, absolveu do pedido a Fazenda Pública, tendo formulado as seguintes conclusões:
1 - Entendem os Recorrentes que a citação efectuada em 14/11/2003, é imperfeita, incompleta, por falta dos títulos executivos e por isso não produz efeito como citação para execução.
2 - Recebidos os títulos em 23/08/2004 tomou-se eficaz a citação, aperfeiçoada com a entrega dos títulos, portanto, o prazo para deduzir a oposição conta-se desde a data da perfeição da citação.
3 — Conforme art. 190° n°1 do CPPT e art. 811°, n° 1, alínea b), do CPC ex vi art. 2° do CPPT, a falta de título executivo ou quando seja manifesta a insuficiência do título apresentado, constitui fundamento para recusar o recebimento da execução.
4 — A falta de título executivo, impede que o executado venha arguir a prescrição da divida, pois, é pelo título executivo que o executado verifica a data em que a divida emergiu, como foi o caso dos autos, logo, a falta daquele redunda em prejuízo para a defesa do executado, nos mesmos moldes da falta de citação.
5 - Quer a doutrina quer a jurisprudência, estão de acordo que, a falta de requisitos do título executivo gera uma nulidade de conhecimento oficioso, então, a falta absoluta de título, por maioria de razão, acarreta uma nulidade equivalente à falta de citação, prevista no art. 165° do CPPT.
6 - Só na presença dos títulos é que os executados puderam elaborar a sua defesa, sem aqueles, não conheciam a data em que emergiu a divida nem poderiam ter verificado a sua prescrição, portanto, a citação para a execução só se tomou eficaz, com a entrega dos títulos aos executados, pois, foi a análise dos títulos que lhes permitiu a elaboração, sem prejuízo, da sua defesa.
7 — Dado que, só em 23/08/2004, com a entrega dos títulos pelo Serviço de Finanças, puderam os executados conhecer a data, extensão e demais temos da divida exequenda, o chamamento dos executados à execução só se tomou eficaz e permitiu a sua defesa na data assinalada, portanto, é a partir desta data que deve ser contado o prazo para dedução da oposição.
2- A Fazenda Pública não contra-alegou.
3- O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“Alegam os recorrentes que a falta de título executivo, impede que o executado venha arguir a prescrição da divida, pois, é pelo título executivo que o executado verifica a data em que a divida emergiu, como foi o caso dos autos, logo, a falta daquele redunda em prejuízo para a defesa do executado, nos mesmos moldes da falta de citação.
E que só em 23/08/2004, com a entrega dos títulos pelo Serviço de Finanças, puderam os executados conhecer a data, extensão e demais temos da divida exequenda.
Concluem que o chamamento dos executados à execução só se tomou eficaz e permitiu a sua defesa na data assinalada, sendo que é a partir desta data que deve ser contado o prazo para dedução da oposição.
Afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
Com efeito a sentença recorrida está conforme à jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal Administrativo que tem vindo a entender que «A citação em processo de execução fiscal que não comunique a fundamentação do despacho de reversão não toma o acto de reversão inoponível ao responsável subsidiário, o qual pode invocar a irregularidade ou a nulidade da citação, e não socorrer-se do artigo 37 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, uma vez que este dispositivo legal é aplicável às comunicações de “decisões em matéria tributária” que não contenham a fundamentação legalmente exigível, e não se aplica a actos de natureza judicial como é a citação em processo de execução fiscal1»- cf. neste sentido, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 06.06.2007, 91/07, de 12.05.2010, recurso 84/10, de 12.05.2010, recurso 632/09, e de 25.11.2009, recurso 552/09.
Excepção será apenas o caso, como refere, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. 1, pag. 339, em que «se estiver perante uma situação enquadrável na alínea h) do n 1 do artigo 204.º deste Código, em que a lei autorize a discussão da legalidade concreta da liquidação da dívida exequenda por não estar legalmente assegurado meio de impugnação contenciosa daquela, ou se se tratar de caso em que seja admissível impugnação judicial a contar da efectivação da citação, como sucede com os responsáveis solidários ou subsidiários (artigo 22.º, n.º4, da LGT)».
Mas não é esse o caso dos autos em que se deduz oposição à execução, mas não vem alegada a ilegalidade concreta da liquidação.
Assim os recorrentes haveriam de ter arguido a nulidade da citação (art. 198.º, n.º 2 do Código de Processo Civil) no âmbito do processo de execução fiscal, com a garantia adicional de poderem reclamar do eventual acto de indeferimento de tal arguição de nulidade (arts. 103.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária e 276.º do Código de Procedimento e Processo Tributário).
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1. Em 25/03/1994 foi instaurado o processo de execução com o n° 3336-Tribunal Tributário de Lisboa 94/100430.1 assente na certidão de dívida n° 686 da Administração do Porto de Lisboa (doravante APL) para cobrança coerciva do valor de 1.317.425$00, €6.571,29 (cf. certidão que se dá por reproduzida a fl. 43 dos autos e fl. 52 do processo de execução apenso);
2. Em 14/11/2003 os Oponentes assinaram a certidão de citação a que se reporta a dívida referida no ponto anterior (fls. 78 e 89 e 56 e 68 do processo de execução apenso);
3. Em 15/12/2003 A… dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças um requerimento com o seguinte teor “Requerimento — (.) fui efectivamente citado em 14 de Novembro de 2003, na altura não foram entregues os títulos executivos pelo que solicito agora que os mesmos sejam entregues. Pede deferimento, Sacavém, 15 de Dezembro de 2003” (fls. 90 os autos e 69 do processo executivo);
4. O processo de execução esteve parado desde 24/09/1996 a 08/07/2002 (fls. 7 e 8 do processo de execução);
5. Em 24/09/2004 foi apresentado no Serviço de Finanças a petição inicial da presente oposição (cf. carimbo no canto superior direito de fls. 1 dos autos);
6. Por ofício de 23/08/2004 o Serviço de Finanças remeteu a A… os títulos identificados no mesmo, cujo teor se dá por reproduzido (fls. 91).
5- A questão jurídica que importa conhecer no presente recurso prende-se em saber se os executados, em processo de execução fiscal, podem beneficiar do diferimento do prazo para deduzir oposição decorrente da previsão normativa constante do n.º 2 do artigo 37.º do CPPT, quando seja insuficiente a citação que lhes foi feita e após terem solicitado à Administração Fiscal os elementos em falta, no caso os títulos executivos.
Neste Supremo Tribunal tem vindo a consolidar-se jurisprudência sucessivamente reiterada no sentido de ser negativa a resposta à questão acima delineada.
Não descortinamos razões ponderosas para divergir desse entendimento, pelo que seguiremos de perto a fundamentação jurídica em que os arestos proferidos se alicerçaram - cfr. acórdãos de 6/06/2009, 25/11/2009, 12/05/2010 e 12/05/2010, nos recursos n.ºs 91/07, 552/09, 632/09 e 84/10.
Vejamos.
Determina o n.º 1 do artigo 190.º do CPPT, sob a epígrafe “Formalidade das citações”, o seguinte; “A citação deve conter os elementos previstos nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 163.º do presente Código ou, em alternativa, ser acompanhado de cópia do título executivo.”
Daí que, na ausência dos elementos assim exigidos, imprescindíveis para os executados exercerem com eficácia a sua defesa, a tutela jurídica que lhes é conferida perante essa situação tem expressão através da arguição da respectiva nulidade ou irregularidade de citação no próprio processo judicial de execução (Cfr. artigo 198.º do CPC e 103.º n.º 1 da LGT).
Sendo que, do indeferimento dessa arguição perante o órgão de execução fiscal, cabe reclamação para os tribunais tributários, nos termos dos artigos 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2 da LGT.
Certo é ainda que, por outro lado, os n.º 1 e 2 do artigo 37.º do CPPT estabelecem o seguinte:
ARTIGO 37°
Comunicação ou notificação insuficiente
1- Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a sua fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.
2- Se o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida.
(...)».
Alcança-se linearmente deste normativo que a sua aplicação se restringe às decisões da administração em matéria tributária, o que não será o caso da citação do executado em processo de execução fiscal, de natureza judicial (artigo 103.º n.º 1 da LGT), a qual se destina a dar conhecimento de que contra ele foi instaurada determinada execução, não respeitando a actos tributários, nomeadamente actos de liquidação, passíveis de reacção na via contenciosa contra a sua validade/existência.
Como se deixou expresso no já citado acórdão de 6/06/2009, rec. 91/07:
“Com efeito, para que a notificação dos requisitos omitidos (ou a passagem de certidão que os contenha) produza, no caso de citação em processo de execução fiscal, os efeitos previstos no n.º 2 daquele artigo 37.º, é necessário que: - se trate de oposição à execução que tenha como fundamento a ilegalidade da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação — artigo 204., n.º 1, alínea h) do CPPT; ou - seja admissível a impugnação judicial a contar da citação — como sucede com os responsáveis solidários ou subsidiários que, nos preditos termos do artigo 22.º, n.º 4, da LGT, podem “reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal”.
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Por isso, o uso da faculdade prevista no n.º 1 deste artigo 37.º apenas difere o termo inicial do prazo relativamente à própria impugnação judicial e não também em relação à oposição”, regime que é de aplicar também “aos casos em que a citação comunica (...) a decisão de reversão da execução fiscal”.
Cfr. Jorge de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado, 5. edição, nota 12 ao artigo 37.º, p. 339.
Por fim, o n.º 1 do artigo 37.º prevê, ainda, um requisito temporal — o interessado tem 30 dias para requerer a notificação ou a passagem de certidão que contenha os elementos em falta.
Se durante este prazo o interessado nada requerer, preclude a invocação do vício do acto de notificação que deixará de ser relevante para afastar os efeitos normais desta.
Na verdade, o artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, estabelece que a impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte. Mas se se entendesse que apenas as notificações realizadas de acordo com todos os requisitos legais seriam idóneas para conferir eficácia aos actos notificados, então o n.º 2 do artigo 37.º não teria utilidade: é que tratando de casos em que a notificação não é legal, o prazo de impugnação não começaria a correr.
Daí que este último inciso normativo só tenha sentido útil se se entender que a omissão dos requisitos exigidos pela lei deixa de ser relevante se o interessado nada fizer naquele prazo de 30 dias, tornando-se o acto notificado eficaz.
Cfr. Jorge de Sousa, cit., 5. edição, nota 3 ao artigo 372, p. 333.
Note-se que se trata, aqui, do vício de ausência de comunicação da fundamentação legalmente exigida, que não de nulidade da notificação prevista no artigo 39.º, n.º 9, do CPPT.
Nestes casos de nulidade, não se admite que a invocação dos vícios que a geram
- falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data —, precluda com a inércia do notificado: uma vez que têm consequências mais gravosas que a falta de notificação da fundamentação do acto notificado, a inexistência daqueles elementos essenciais torna o acto inoponível ao contribuinte.
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Assim, a falta de citação ocorre nos casos taxativamente previstos do artigo 195.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, e constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal — artigo 165., n.º 1, alínea a), do CPPT -, sendo de conhecimento oficioso e podendo ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (n.2 4 deste último inciso normativo).
E a nulidade da citação ocorre quando não hajam sido observadas, na sua realização, as formalidades prescritas na lei — artigo 198., n.º 1, do CPC. Ora, no caso dos autos, a citação do despacho de reversão não foi acompanhado da fundamentação deste, requisito que é exigido pelo artigo 23.2, n.º 4, in fine, da LGT.
Contudo, a nulidade da citação não é de conhecimento oficioso, antes tem que ser arguida (e não o foi) no prazo que tiver sido indicado para a contestação — dito artigo 198., n.º 2 -, isto é, no prazo de oposição à execução (que já findou). Cfr. os acórdãos do STA de 24 de Agosto de 2005 — processo n.º 0934/05 e de 7 de Setembro de 2005 — processo n.º 0950/05.”
Ora, no caso “sub judicio”, não vindo alegado a ilegalidade concreta da liquidação e tendo os executados sido citados a 14/11/03 (cfr. 2. do probatório), citação essa cuja nulidade não foi arguida junto do órgão de execução fiscal, a oposição deduzida a 24/09/04 (cfr. 6. do probatório) é manifestamente intempestiva, como bem se entendeu na sentença recorrida, um vez que se mostra excedido o prazo de 30 dias para o efeito previsto no n.º 1 do artigo 203.º do CPPT.
Improcedem, deste modo, a conclusões da alegação dos recorrentes.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 3 de Novembro de 2010. – Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do Vale – Jorge Lino.