Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:067/09.6BESNT 0656/18
Data do Acordão:09/21/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário:Não se justifica admitir recurso de revista relativamente a questões cuja complexidade apenas resulta das vicissitudes especiais do caso concreto que previsivelmente se não repetirão e cuja decisão pelo TCA, se mostra plausível e juridicamente fundamentada.
Nº Convencional:JSTA000P23613
Nº do Documento:SA120180921067/09
Data de Entrada:06/28/2018
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE SINTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A…………, LDA recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 28-2-2018, que revogou a sentença proferida pelo TAF de Sintra, proferida na ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM por si intentada contra o MUNICÍPIO DE SINTRA e julgou procedente a excepção da prescrição, absolvendo o réu do pedido.

1.2. Não fundamenta e especial a admissibilidade da revista.

1.3. O Município de Sintra pugna, desde logo, pela não admissão da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A primeira instância – depois de ter julgado improcedente a excepção da prescrição – condenou o réu (Município de Sintra) a pagar à ora recorrente (A…………, Lda) (i) a quantia de 65.077,36 euros, a título de danos patrimoniais e juros de mora, correspondentes aos gastos com a emissão dos alvarás de licença n.ºs 77/96 e 78/97; (ii) a quantia a liquidar correspondente ao material e mão-de-obra gastos pela autora com a movimentação de terras e outras obras nos referidos lotes, e respectivos juros de mora.

3.2.1. Vejamos as ocorrências processuais mais relevantes, para compreendermos o caso.

Na base da pretensão da autora está a circunstância de ter celebrado um contrato promessa de compra e venda de três lotes de terreno com vista à construção de vários apartamentos (104).

No seguimento desse contrato promessa, entregou a título de sinal a quantia de 60.000.000$00 (sessenta milhões de escudos), tomou posse dos terrenos e, em nome de B………… – promitente vendedor – levantou as licenças de construção n.ºs 77 e 78/96, pagando pelas mesmas a quantia total de 13.047.470$00.

Só que, ainda antes de ser celebrada a escritura de compra e venda, foram declaradas nulas as deliberações que tinham licenciado a construção nos referidos lotes. A decisão que declarou a nulidade das deliberações que licenciaram as construções – no âmbito da execução de julgado de acórdão do STA proferido em 20-6-2002 – foi proferida em 23-5-2003, e não foi impugnada (cfr. matéria de facto da alínea p) e q)).

Daí que não se tenha realizado a escritura de compra e venda.

Entretanto os promitentes vendedores intentam nos tribunais judiciais pedindo no essencial a restituição dos terrenos e o reconhecimento do direito a fazerem seu o sinal recebido.

Em reconvenção a ora autora veio invocar o incumprimento do contrato promessa (por não poder construir) e em reconvenção pedir a devolução do sinal em dobro e o pagamento dos gastos com o levantamento das licenças e gastos com as obras feitas no terreno.

Foi proferida sentença que julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente.

Em recurso da sentença, a Relação revogou a sentença, julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré apenas a devolver os terrenos e julgou a reconvenção também parcialmente procedente, condenando os autores a pagarem à ré (ora autora) o valor do sinal pago (em singelo) e ainda a quantia paga para levantar as licenças (13.047.470$00).

Em recurso do acórdão da Relação o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão mantendo a condenação dos autores a pagarem à ré apenas a devolução do sinal, acrescida de juros de mora, não incluindo – portanto – o montante pago pelo levantamento das licenças de construção (que, como já referimos foram declaradas nulas pela Câmara Municipal de Sintra, por decisão não impugnada)

3.3. Perante as ocorrências destacadas, a 1ª instância entendeu que não se tinha verificado a excepção da prescrição, pois a mesma apenas começou a correr na data em que foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça (10-9-2008), pois só nesta data a autora ficou a saber que não era o promitente vendedor o responsável pelo cumprimento das obrigações ora em causa (valor das taxas devidas pelo levantamento das licenças e gastos com os terrenos visando a construção dos apartamentos). Daí que tendo a presente acção sido instaurada em 22-1-2009, o réu sido citado em 30-1-2009, não se encontra ultrapassado o prazo de 3 anos a que alude, quer o art. 482º (enriquecimento sem causa) quer o art. 498º (responsabilidade civil extracontratual) do C. Civil.

3.4. O TCA Sul revogou a sentença da primeira instância por entender que, quer à luz do enriquecimento sem causa, quer da responsabilidade civil extracontratual o direito da autora (ora recorrente) prescreveu.

O acórdão recorrido referiu que a autora foi notificada em 30-5-2003 do despacho proferido em 23-5-2003, que declarou a nulidade das deliberações camarárias que aprovaram os processos de licenciamento (fls. 773 dos autos e 33 do acórdão). Daí que a primeira data para se proceder à contagem da prescrição seja a desta notificação.

A presente acção administrativa foi instaurada em 22-1-2009 e o réu citado em 30-1-2009, pelo que tinha decorrido mais de três anos a contar de 23-5-2003.

Daí que o acórdão tenha averiguado se tinham, ou não ocorrido, causas de suspensão ou interrupção da prescrição e afastado tal eventualidade.

Houve, é certo, uma notificação judicial avulsa em 26-3-1999. Contudo, nessa data (26-3-1999) ainda nem sequer tinha começado a correr o prazo da prescrição que, para o TCA Sul, só começou a correr em 30-5-2003.

Também ocorreu a acção instaurada, nos tribunais judicias, mas essa acção não foi instaurada contra o Município de Sintra, que nele não interveio e, portanto, quanto a ele não se interrompeu a prescrição.

O TCA Sul entendeu ainda que, mesmo tendo em conta o art. 482º do CC, de onde decorre que o prazo da prescrição, no enriquecimento sem causa, só começa a correr com o conhecimento da “pessoa do responsável”, esse conhecimento ocorreu – para a autora – logo que teve conhecimento da declaração de nulidade dos licenciamentos, isto é, em 30-5-2003.

A autora só reclamou junto do Município de Sintra as quantias que agora vem pedir em 22-1-2009 e, portanto, concluiu o acórdão recorrido, o seu direito mostra-se prescrito, quer à luz da responsabilidade civil extracontratual, quer à luz do enriquecimento sem causa.

3.5. Neste recurso é, essencialmente, posto em causa o entendimento do acórdão recorrido, na parte em que este deu como assente que a autora foi notificada da deliberação que declarou a nulidade dos licenciamentos em 30-5-2003, quando o que consta da matéria de facto é que “(…) por ofício de 30-5-2003, o chamado B………… e o mandatário da ora autora foram notificados do despacho de 23-5-2003”. Argumenta a autora que “esta não era parte no processo de licenciamento, a decorrer entre o Município de Sintra e B…………, daí não ter sido notificada nos termos do art. 100º do CPA”.

3.6. Como decorre do exposto as questões jurídicas apreciadas pelo TCA Sul, quando aos termos de contagem do prazo da prescrição, mostram-se fundamentadas e juridicamente plausíveis. Quer o regime da prescrição previsto no art. 482º, que o previsto no art. 498º do C. Civil quer as situações de suspensão e prescrição, foram enunciados sem evidenciar qualquer erro que de resto lhe não é apontado na revista.

Portanto, o que subsiste – como litígio – é apenas saber se a autora foi ou não notificada da deliberação que declarou a nulidade dos licenciamentos, como conclui o acórdão. Pois, dando por certa tal notificação e radicando nessa deliberação a causa da impossibilidade de construir, é claramente plausível que, com a mesma notificação a autora ficou a saber quem beneficiou com o recebimento das taxas que pagou para levantar as licenças de construção.

Deste modo, com esta configuração o litígio resume-se a saber se a notificação feita ao mandatário da autora se pode considerar como relevante para determinar o início da contagem da prescrição.

Julgamos, todavia, que com estes contornos a questão não justifica a admissibilidade da revista. Desde logo por ser entendimento jurisprudencial que “na procuração outorgada a advogado para representar o interessado no procedimento consideram-se abrangidos os de receber notificações, sem necessidade de outorga de poderes especiais” – acórdão deste STA de 30-3-2000, proferido no processo 040673, citado pela entidade recorrida. De resto, a autora mostrou conhecimento – quando contestou a acção judicial – que os actos de licenciamento tinham sido declarados nulos, ou seja, mostrou ter conhecimento daqueles actos, pelo menos na data em que contestou. Ou seja, a decisão recorrida não evidencia qualquer erro a justificar só por si a intervenção deste STA, sendo pelo contrário uma decisão plausível e juridicamente fundamentada.

Também não pode dizer-se que a questão – tal como está actualmente configurada – seja de importância fundamental de um ponto de vista jurídico ou social, pois a mesma resulta de complexidade processual específica, ou seja, complexidade deste caso que pela sua especificidade e com as vicissitudes que sofreu, não é facilmente repetível.

Daí que não se justifique admitir a revista.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pela recorrente.

Porto, 21 de Setembro de 2018. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.