Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01029/10
Data do Acordão:04/26/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
ARRESTO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário:I - Na verificação e graduação de créditos em execução fiscal, o arresto não convertido em penhora confere ao arrestante preferência igual à que dá a penhora.
II - Não estando o credor na posse de título executivo, a única forma que tem para que lhe sejam concedidos os poderes processuais dos credores reclamantes é solicitar o incidente processual previsto no artigo 869º do CPC, requerendo que a graduação de créditos aguarde a obtenção do título executivo consubstanciado na sentença a proferir na acção que intentou ou que vai intentar contra o executado.
Nº Convencional:JSTA000P14045
Nº do Documento:SA22012042601029
Data de Entrada:12/21/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:B... E OUTRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.1. A…… S.A, identificada nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença que não reconheceu o crédito por si reclamado na execução fiscal nº 2534800401000870 que corre termos no Serviço de Finanças de Cinfães contra B…… e mulher C…… .
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
a) O crédito reclamado pela ora Recorrente no âmbito do processo de execução fiscal n.° 2534800401000870 e apensos foi objecto de rejeição, porquanto aquela reclamação se fundou na existência de um arresto registado, mas não convertido em penhora, perfilhando o tribunal a quo o entendimento de que o arresto não é uma garantia real.
b) O arresto é, para a lei civil, uma garantia geral (do cumprimento) das obrigações e, para a lei processual, um procedimento cautelar de garantia.
c) O artigo 865.º do C.P.C. estabelece como pressupostos da admissibilidade da reclamação de créditos a existência de garantia real sobre os bens penhorados e a existência de título executivo.
d) A Recorrente goza de garantia real sobre os imóveis penhorados no âmbito da execução fiscal, por força do registo da decisão de arresto, ainda que não convertido em penhora.
e) A favor da tese de que o arresto constitui uma verdadeira garantia real, ainda que não convertido em penhora, manifestam-se Menezes Cordeiro, Pires de Lima, Antunes Varela, Salvador da Costa e Abílio Neto.
d) De acordo com os ensinamentos dos Prof. Miguel Teixeira de Sousa e do Prof. Januário de Costa Gomes, é aplicável ao arresto o regime relativo à efectivação da penhora (cfr. artigos 838.º a 855.º do C.P.C.) e aos seus efeitos, nomeadamente o direito que o arrestante adquire a ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (artigo 822.º do C.P.C.).
g) No caso sub judice, apenas está por cumprir o requisito formal atinente à existência do título executivo.
h) A falta de título executivo não constitui fundamento de rejeição da reclamação de créditos.
i) Nos termos do disposto no artigo 869°, nº 1 do C.P.C., o credor que tenha acção pendente contra o executado e que, por esse motivo, ainda não dispõe de um título exequível, mantém os seus direitos no concurso com os demais, havendo lugar à suspensão da graduação de créditos relativamente aos bens sobre os quais incida a sua garantia.
j) O arresto, além de garantia processual, constitui uma verdadeira garantia real, de cariz antecipatório.
k) A “garantia real” e o “título executivo” são dois pressupostos distintos.
l) O título executivo em falta no caso sub judice e que permitirá à ora Recorrente procederá conversão do arresto em penhora será a sentença que vier a ser proferida em sede de acção declarativa de condenação, a qual corre termos sob o Proc. n.° 10047/05.5TBVNG, na 2.ª Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia.
m) O artigo 869° do C.P.C. regula a situação em que a credora é titular de um crédito que goza de garantia real sobre os bens penhorados (o arresto registado), mas não tem ainda um título exequível quando se inicia a fase concursal de credores, não preenchendo o pressuposto do n.º 2 do artigo 865° do C.P.C. para a reclamação do seu crédito.
n) A ora Recorrente registou, junto da Conservatória do Registo Predial competente, o arresto sobre os imóveis penhorados, tendo intentado, nos termos legais, a competente acção declarativa, a qual não foi ainda objecto de decisão final, mantendo-se pendente.
o) A sentença recorrida, ao decidir que o arresto registado a favor da Recorrente não tem nenhum valor para efeito de preferência quanto ao pagamento do seu crédito, defrauda as suas legitimas expectativas quanto à recuperação do mesmo, despoja-a das suas garantias, revertendo todos os actos processuais e registais por si praticados a favor de credor diverso, o qual, em face de uma decisão distinta, não lhe preferiria, dado ser titular de uma garantia real posterior à sua.
p) O arresto confere uma verdadeira preferência de pagamento ao credor arrestante, que não sendo actual é potencial, garantindo que os bens arrestados se conservarão na esfera patrimonial do devedor até ao momento em que é reconhecido em definitivo o direito de crédito e está em condições de fazer converter aqueles bens em dinheiro para com ele se fazer pagar.
q) O artigo 822°, nº 2 do C.P.C., fazendo retroagir a penhora à data do registo do arresto, possui cariz garantístico, não deixando margem ao intérprete para qualquer outra interpretação a não ser a de que o credor arrestante tem preferência de pagamento em relação aos demais credores com garantia real posterior.
r) Foi também na convicção de que o arresto é uma garantia real que o Serviço de Finanças de Cinfães, citou em Dezembro de 2008, a ora Recorrente, “na qualidade de credor com garantia real sobre o bem penhorado”, para reclamar o seu crédito no processo de execução fiscal.
s) É inaceitável a posição adoptada na sentença recorrida que rejeita a reclamação de créditos com base em arresto não convertido em penhora, em virtude de a mesma embargar a normal tramitação do processo executivo e atrasar a graduação do crédito por ele garantido.
t) Admitir e pactuar com uma decisão semelhante à recorrida traduz-se na denegação da Justiça e na negação do Estado de Direito.
u) Nas situações em que inexiste título executivo, o artigo 869.º, nº 1 do C.P.C. manda que “a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em falta”.
v) Pelo requerimento intitulado “reclamação de créditos”, a ora Recorrente deu a conhecer ao processo de execução fiscal que era titular da garantia real de arresto sobre o imóvel penhorado, sobre a qual mantinha total interesse, até porque se encontra pendente a acção declarativa de condenação tendente à composição definitiva do litígio com os Executados.
ww) O requerimento de reclamação de créditos configura, pois, na ausência de título executivo, o requerimento a que alude o citado artigo 869°, n.º 1 do C.P.C., razão pela qual a douta sentença recorrida se deveria ter pronunciado sobre a questão suscitada em sede de impugnação.
x) Os Executados, devidamente notificados da reclamação/requerimento apresentado pela ora Recorrente, nada disseram a propósito da existência/inexistência do crédito reclamado.
y) Nos termos do disposto no artigo 869°, n.º 3 do C.P.C., deverá considerar-se formado o título executivo em falta e reclamado o crédito nos termos do requerimento apresentado pelo credor nas situações em que o executado nada diga, valendo o seu silêncio como reconhecimento da existência do crédito.
z) A reclamação de créditos apresentada pela ora Recorrente no processo de execução fiscal é admissível, devendo ser-lhe atribuídos os efeitos previstos no artigo 869°, n.º 1 do C.P.C. no que respeita ao momento da graduação concursal de credores quanto aos bens arrestados.

1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

2. Na sentença considerou-se o seguinte:

A) Foi penhorada uma casa de habitação de dois andares, sita no Lugar ......, com superfície coberta de 51 m2 a confrontar de norte com caminho, de sul e nascente com D…… e de poente com servidão, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Travanca sob o art° 83, concelho de Cinfães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cinfães sob o n°00015/280286 - auto de penhora de fls. 60;
B) E uma fracção autónoma destinada a habitação, designada por ……, situada no rés-do-chão do corpo terceiro do edifício (corpo direito), composta por seis divisões, duas varandas a Poente, garagem individual situada no corpo do segundo edifício (corpo central), sinalizada por P11 e P12; P8 - A e P10 - A, sita em …… - ……., com superfície coberta de 163,5m2, varandas com 14,20m2 e garagem com 40,80m2, a confrontar de norte com a Rua ……, de sul e nascente com E…… e de poente com caminho, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Cinfães, sob o art° no 2350, fracção I, concelho de Cinfães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cinfães sob o n° 01044/021294-I - auto de penhora de fls. 61;
C) Sobre esta fracção existem e estão registados os seguintes ónus: 1) - Foi constituída uma hipoteca legal a favor da Fazenda Pública para garantia das dívidas exequendas nos processos de execução fiscal referentes a IVA e Coimas - cfr. Certidão de fls. 88 a 91; 2) - Arresto registado a favor de A…… em 18.07.2005 (fls. 37).
D) Foi penhorado o Prédio composto de cultura de sequeiro com área de 530 m2, a confrontar de norte com estrada municipal, de nascente com F……, de sul e poente com G……, inscrita na matriz predial rústica da freguesia de Travanca, sob o artigo n° 987, concelho de Cinfães, omisso na Conservatória do Registo Predial de Cinfães.
E) Foi penhora a quantia de 604,43 € referente é apólice de PPR E 8E5 da Companhia de Seguros H…… .
F) A reclamante A…… tem o respectivo crédito (com acção proposta para obter esse reconhecimento) acautelado por arresto não convertido em penhora.

3. Atento o teor da decisão recorrida e das conclusões da recorrente, estão em causa duas questões: (i) a de saber se o arresto não convertido em penhora constitui uma garantia real para efeitos de reclamação de créditos em execução fiscal; (ii) em caso afirmativo, se o silêncio do executado sobre o crédito reclamado formou um título exequível.
A sentença recorrida não admitiu o crédito reclamado pela recorrente com fundamento em que o arresto sobre o imóvel penhorado nos autos não tem a natureza de garantia real, dando como prejudicada a apreciação da questão levantada pelo exequente quanto à falta de título executivo no termo do prazo para a reclamação.
Após ter exposto, de forma exaustiva, a divergência existente entre a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça quanto à natureza do arresto, a sentença recorrida julgou em conformidade com essa jurisprudência, argumentando o seguinte: (i) o arresto é uma providência cautelar que “não se propõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, visando apenas assegurar a eficácia da providência que, no futuro, irá definir, em termos definitivos, a relação jurídico litigiosa”; (ii) “sendo o arresto uma providência cautelar e, como tal, provisória, não lhe poderão ser aplicáveis os efeitos da penhora que não se compadeçam com esse carácter cautelar e provisório e que se destinam a produzir um efeito definitivo, como é o caso, da preferência no pagamento”; (iii) do nº 2 do artigo 822º do Código Civil, resulta que o “direito de ser pago com preferência decorre apenas da penhora e não do arresto convertido em penhora”.
São conhecidas as divergências na doutrina quanto à natureza do arresto como garantia real: uns, consideram que o arresto é uma garantia real (cfr. Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. II, 7ª ed. pág. 469, nota 1; Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II – reimpressão - 1987, pág. 495 e Direitos Reais, reimpressão, pág. 771 e 772; Lebre de Freitas, Acção Executiva, 5ª ed. pág. 310 e Código de Processo Civil Anotado, II, 132; Anselmo de Castro, A Acção executiva singular, comum e especial, 1977, 178; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2005, 297; Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 2ª ed. pág. 13; e Paulo Cunha, Da garantia nas obrigações, II, 157/158; outros, consideram que o arresto só é garantia real quando convertido em penhora (cfr. Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, 1993, 202 a 204; Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, pág. 246; Miguel Lucas Pires, Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua influência no concurso de credores, pág. 143; e Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 333, que parece ter mudado de opinião, nos Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 236).
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar queface ao estatuído nos arts. 622.º, n.º 2, do Código Civil (que dispõe: “Ao arresto são extensíveis, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora”) e 822.º, n.º 2, do mesmo diploma (“Tendo os bens do executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto”), onde se sustenta que o comando de a anterioridade da penhora se reportar à do arresto prévio, não teria sentido prático, se o arresto valesse “a se” como garantia real” (cfr. Acs. de 21/11/06, proc. nº 06A2980, de 8/6/2006, proc. nº 06A1532 e de 375/2007, proc. nº 07B747).
A jurisprudência do STA, bem conhecedora desta divergência, tomou partido pelo entendimento que se lhe afigurou «maioritário», considerando que o arresto não convertido em penhora “tem preferência no pagamento do seu crédito pelas forças do bem arrestado”. O principal argumento utilizado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que as expressões “parte aplicável” (nº 2 do art. 622º) e “anterioridade da penhora” (nº 2 do art. 822º) contêm uma negação de que o arresto confira preferência antes da conversão em penhora, é afastado no seguintes termos: “Não é controvertido que o arresto e a penhora são dois institutos diferentes, apesar de próximos. Um e outro produzem os efeitos que a lei lhes atribui. Donde se retira que quando o arresto é convertido em penhora deixa de interessar saber quais são os efeitos do arresto. A partir da conversão em penhora já não há arresto, mas penhora. Os efeitos do arresto convertido em penhora são, consequentemente, os da penhora. Com a vantagem, para o arrestante, da sua retroacção ao momento do arresto. Nem de outro modo se compreenderia, pois se não houvesse a falada retroacção o arrestante sairia prejudicado com a conversão em penhora: esta, sendo necessariamente posterior, colocá-lo-ia em desvantagem absoluta (face à sua anterior preferência) e relativa (perante os demais credores). Assim, quando a lei indica quais são os efeitos do arresto, não está a referir-se aos do que já foi convertido em penhora – estes são já da penhora, e não do arresto – mas aos do arresto não convertido em penhora”.
Deste modo, considera-se que, na verificação e graduação de créditos por apenso a execução fiscal, o arresto não convertido em penhora confere ao arrestante preferência igual à que dá a penhora, porque, «o artigo 622º do Código Civil, ao atribuir ao arresto, «na parte aplicável, os demais efeitos da penhora», não pode estar a referir-se senão ao arresto antes de convertido em penhora; já que, após tal conversão, deixa de ter cabimento falar nos efeitos do arresto, para só importarem os da penhora. E porque o artigo 822º nº 1 do mesmo diploma confere ao exequente «o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior». Ao exequente e, acrescentamos nós, ao arrestante, por força da equiparação do artigo 622º. A lei não hierarquiza o arresto e a penhora, não define os contornos daquele como garantia menor relativamente à penhora. Ambos conferem a mesma preferência, qualquer deles cedendo perante direitos reais de garantia anteriores» (cfr. ac. de 15/2/2007, rec nº 01131/06).
O nº 2 do artigo 406º do CPC e o nº 2 do artigo 622º do Código Civil são claros no sentido de que são aplicáveis ao arresto as disposições relativas à penhora, e por conseguinte, são-lhe aplicáveis as normas relativas aos bens penhoráveis, as relativas ao regime de efectivação da penhora e também as que estatuem sobre os seus efeitos, entre elas, a que confere ao arrestante o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (art. 822º do CCv). Como refere Anselmo de Castro, o efeito da preferência é aplicável ao arresto, pelo que «não são possíveis, assim as dúvidas que anteriormente se levantavam por falta de uma clara e explícita disposição que atribuísse ao arresto o efeito da preferência independentemente da sua conversão em penhora. A opinião dominante, que era negativa, conduzia à inutilização do arresto quando não fosse possível ao seu titular convertê-lo a tempo em penhora e a verdadeiros desajustamentos no sistema legal, v.g. de gozar de preferência a hipoteca judicial e não o arresto, apesar de institutos com a mesma finalidade» (cfr. ob. cit. pág. 178).
Sendo o arresto uma causa legítima de preferência, o problema dos autos já não é de falta de garantia real, até porque a jurisprudência deste Tribunal tem vido a interpretar em sentido amplo a norma do nº 1 do artigo 240º do CPPT, mas sim da falta de título executivo.
Esta questão, que ficou prejudicada na sentença recorrida pela solução dada ao litígio, tem que ser apreciada a partir do momento em que se considera que o arresto é uma garantia especial que preenche um dos requisitos da reclamação de créditos. Seja por imposição do nº 2 do artigo 715º do CPC, uma vez que se dispõe dos elementos necessários, seja porque o recorrente a suscitou nas alegações, impõe-se averiguar se o recorrente podia reclamar o crédito garantido pelo arresto.
Nos termos do n.º 2 do artigo 865º do CPC, aplicável à execução fiscal pela remissão do artigo 246º do CPPT, «a reclamação tem por base um título exequível». Os pressupostos essenciais da reclamação de créditos pelos credores preferentes ou com preferência de pagamento sobre os bens penhorados são assim, a titularidade de um crédito com garantia real sobre os bens penhorados – pressuposto material – e a disponibilidade de um título executivo – pressuposto formal. Significa isto que o reclamante tem de estar munido de garantia real sobre o bem penhorado e dispor de título exequível.
No caso dos autos, quando a recorrente reclamou o crédito ainda não dispunha de título executivo porque, como alegou e demonstrou, tinha pendente no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia uma acção contra o executado pedindo a sua condenação na quantia garantida pelo crédito reclamado. Não estando na posse de título executivo, a única forma que tinha para que lhe fossem concedidos os poderes processuais dos credores reclamantes era solicitar o incidente processual previsto no artigo 869º do CPC, requerendo que a graduação de créditos aguardasse a obtenção do título executivo consubstanciado na sentença a proferir na acção que intentou contra o executado.
Com efeito, não existindo título executivo, o reclamante não podia reclamar o crédito pura e simplesmente, nos termos do art.º 865.º nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil. Mas, a entender-se que goza de uma garantia real, podia socorrer-se da faculdade prevista no artigo 869.º, n.º 1, do mesmo diploma: “O credor que não esteja munido de título exequível pode requerer, dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos, que a graduação de créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde a obtenção do título em causa”. Como afirma Amâncio Ferreira, «por vezes, o credor, na altura da abertura do concurso, não se encontra munido de título executivo, apesar de o seu crédito gozar de garantia real sobre os bens penhorados. É o que ocorre quando o crédito é privilegiado ou se encontra assegurado mediante arresto ou direito de retenção. Num quadro destes, deve o credor, dentro do prazo facultado para a reclamação dos créditos, requerer que a graduação dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia, aguarde até que ele obtenha o título em falta» (cfr. Curso de Processo de Execução, Almedina, Coimbra 9º ed. pág. 325; de igual modo, ac. do STA de 29/1/2003, rec. nº 0608/02).
Ora, no caso dos autos, o reclamante não requereu, dentro do prazo de reclamação, que a reclamação de créditos aguardasse a sentença condenatória a proferir na acção que havia intentado contra o executado. Se o tivesse feito, poderia ter-se formado título executivo judicial impróprio se, após notificado para se pronunciar no prazo de 10 dias sobre a existência do crédito invocado, reconhecesse a sua existência, sem prejuízo da sua impugnação pelo exequente e restantes credores (cfr. nº 2 s 3 do art. 869º do CPC). E se o executado negasse a existência do crédito, deveria o reclamante deduzir na acção pendente a intervenção principal provocada do exequente e dos credores interessados, nos termos do artigo 325º do CPC.
Não tendo havido o requerimento referido no artigo 869º do CPC, não se produziram os efeitos nele estabelecidos, e por conseguinte, o reclamante não tem título executivo, podendo ser proferida imediatamente sentença de graduação de créditos sem necessidade de se esperar que sentença a proferir na acção cível pendente seja junta os autos. Assim, o atraso na prolação da sentença não pode ser usado pelo reclamante como pretexto para o insucesso da sua reclamação. Podia pelo menos ter tentado lançar mão do mecanismo previsto no art.º 869.º n.º 1 do CPC. Se o não fez, só de si próprio se pode queixar.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, julgando em substituição, não reconhecer o crédito reclamado pela recorrente, dada a falta de título executivo.
Custas pelo reclamante, apenas na primeira instância.
Lisboa, 26 de Abril de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.