Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01200/16
Data do Acordão:11/23/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS
ADJUDICAÇÃO
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
Sumário:Não há lugar a admitir revista excepcional se se está em sede de litígio cuja matéria não se apresenta como de importância fundamental, não se revelando, igualmente, clara necessidade da revista para melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P21187
Nº do Documento:SA12016112301200
Data de Entrada:10/28/2016
Recorrente:B... LDA E MUNICÍPIO DE PENAFIEL
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.

1.1. A…………… intentou acção administrativa de contencioso pré-contratual contra o Município de Penafiel e “B……………, Lda.”, esta na qualidade de contra interessada, impugnando a deliberação da respectiva Câmara Municipal de 18/09/2014, que, no âmbito do concurso público para a “Concepção, Construção e Concessão de Exploração do Bar ………. – Penafiel”, aprovou a proposta de adjudicação à contra-interessada. Pediu a sua anulação, a exclusão da proposta da adjudicatária e que fosse efectuado o convite a que respeita o artigo 102.º, 5, do CPTA.

1.2. Depois de despacho saneador, que apreciou diversas excepções, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, por sentença de 17.12.2015, (fls. 1186/1225), anulou o acto de adjudicação.

1.3. Autora e o Réu interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte
Por acórdão de 15.7.2016 (fls. 1415/1470), o TCA não admitiu o recurso interposto pelo Município de Penafiel e concedeu parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Autora, determinando a exclusão da proposta da adjudicatária.

1.4. É desse acórdão que o Município de Penafiel e a adjudicatária recorrem ao abrigo do artigo 150.º do CPTA.

1.5. A Autora contra-alegou.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. Como se disse, recorreram Município e contrainteressada, a adjudicatária no concurso.
Para um melhor enquadramento histórico do caso, deve recordar-se que na matéria de facto assente regista-se que uma primitiva deliberação de adjudicação no âmbito do concurso em crise havia sido tomada em 2012. Essa adjudicação foi anulada em sede de processo judicial por acórdão do mesmo TCAN de 26.9.2013, transitado em julgado. A deliberação que foi impugnada no presente processo é, pois, uma segunda deliberação, que também acabou por adjudicar à primitiva adjudicatária.

Quanto ao recurso do Município.
Trata-se de não ter sido admitido o recurso que interpusera para o Tribunal Central.
O acórdão fundou a não admissão desse recurso em o Município ter nas conclusões das suas alegações apontado unicamente vícios ao despacho saneador, não à sentença. Concluiu o acórdão: «Assim, considerando que a decisão final não integra o objecto do recurso, que do despacho saneador não cabe recurso de apelação por não se integrar na previsão normativa dos nºs 1 e 2 do artigo 644º do CPC, e considerando que as restantes decisões proferidas pelo tribunal de primeira instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no nº 1 do referido artigo 644º (veja-se ainda o disposto no nº 5 do artigo 142º do CPTA), sendo certo que a situação não se subsume à previsão normativa do nº 4 do artigo 644º do CPC, prevista para o caso de não haver recurso da decisão final, é de concluir pela inadmissibilidade do recurso cujo objecto se cinge à matéria de excepção decidida no despacho saneador».

O Município entende que deveria ter sido convidado a «aperfeiçoamento das conclusões das suas alegações (cf. artº 639.º e art° 146.º n.º 6 CPTA)».
Deve notar-se que, nos termos do acórdão, suscitada que fora aquela questão da falta de conclusões contra a sentença, o Município nada disse.
Porventura, teria sido esse o momento para o Município ter colocado qualquer dificuldade e ou a necessidade de aperfeiçoamento.
É certo que o tribunal tem o dever de convite no quadro da previsão do artigo 639.º do CPC. Mas o que o acórdão considerou, no fundo, foi que não havia sequer conclusões quanto à sentença. E a falta de conclusões não estará abrangida pelo dever de convite.
Nessa parte, não se afigura que o caso tenha sido decidido fora de um quadro de plausibilidade. E, como se disse, houve um momento mais certo onde a situação poderia ter sido logo discutida, não se reservando para uma eventual revista.
Ademais, a situação é muito particular, e não está em discussão sequer o problema mais geral da distinção entre o que releva do recurso propriamente dito e o que releva da impugnação de decisões a efectivar nesse recurso.

Quanto ao recurso da adjudicatária.
Insurge-se contra diferentes segmentos do acórdão do TCA Norte, especialmente, em sede de apreciação sobre a «publicidade do programa de concurso e do caderno de encargos», sobre aditamento da matéria de facto, sobre a «violação no erro de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 137.º, n.º 2, 141.º e 142.º do CPA e artigos 100.º, n.º 2, e 101.º CPTA», culminando na exclusão da sua proposta. E suscita problema de violação de caso julgado e violação dos princípios da proporcionalidade, concorrência, igualdade, boa-fé, transparência.
Na verdade, ponto essencial na decisão do TCA teve que ver com a problemática decorrente da redacção/alteração do programa de concurso e do caderno de encargos, na parte relativa à apresentação de projecto de execução/projecto de arquitectura. O acórdão centrou-se, aí, na apreciação do que era entendido como «ratificação» dos documentos do concurso, operada após a anulação judicial da primeira adjudicação.
Considerou o acórdão, nomeadamente:
«os factos assentes em Q) e R) do acervo probatório, os artigos 6° do Programa do Concurso e 5° do Caderno de Encargos foram alvo da chamada “ratificação”, pela deliberação n°471, de 20-11-2014, aprovada por maioria na reunião ordinária da Câmara Municipal de Penafiel que nesse dia teve lugar.
Assim, quanto ao artigo 6° do Programa do Concurso, à versão aprovada em reunião da Câmara Municipal de Penafiel de 19/01/2012, foi acrescentado na versão dita “ratificada” em 2014, na alínea b) do n° 1, o seguinte: “Nesta primeira fase apresentam projecto de arquitectura”. E acrescentado ainda, no seu n° 3, o seguinte: “A proposta deverá ser carregada numa pasta única, utilizando para o efeito, um dos programas freeware para compactação de ficheiros, sendo que, deverão sempre dar especial atenção ao n°4 do art.º57.º do CCP”.
Relativamente ao Caderno de Encargos, o disposto no n° 1 da cláusula 5ª que na versão aprovada em 19-01-2012 tinha a seguinte redacção: “1. O projecto apresentado pelo concorrente, e aceite pelo dono da obra, constitui o projecto de execução a considerar para a realização da empreitada”; e passou, na versão dita “ratificada” em 20-11-2014, para o seguinte teor: “1. O projecto de arquitectura apresentado pelo concorrente, e aceite pelo dono da obra, constitui a base do projecto de execução a considerar para a realização da empreitada”.
O que está em causa não é a ratificação de acto nulo ou inexistente a que alude o artigo 137° do CPA/91, nem no sentido tradicional, enquanto acto através do qual o órgão competente sana o vício de incompetência (relativa) de um acto da autoria de um órgão incompetente, nem no sentido que para efeitos do CPA/91 ali se verte, enquanto acto pelo qual o órgão competente para a prática do acto procede à sanação de um vício seu, relativo à respectiva competência, forma ou formalidade […]
[…]
Na deliberação de “ratificação”, n°471, de 20-11-2014, o Réu refere-se a «diferenças verificadas», tanto quanto ao Programa do Concurso como ao Caderno de Encargos e na sua contestação diz que se trata de «pequena desconformidade».
Na verdade, o que se verifica é uma modificação substantiva, sob a denominação de “ratificação”, operada no âmbito da rectificação das peças do procedimento.
Ora, o Código dos Contratos Públicos prevê uma tramitação específica para a rectificação das peças do procedimento, relevando para o efeito o disposto no artigo 50°. De harmonia com o seu n° 3, o órgão competente para a decisão de contratar pode proceder à rectificação de erros ou omissões das peças do procedimento nos termos e no prazo previstos no número anterior.
Significa isso que os referidos erros ou omissões eram rectificáveis por escrito até ao termo do segundo terço do prazo fixado para a apresentação das propostas. Tendo em conta a data da publicação do anúncio de abertura do concurso (15-03-2012), devendo as propostas ser apresentadas até 23-04-2012, o 2° terço do prazo tem o seu dies ad quem em 10-04-2012.
Donde, ao ser “ratificado” — na verdade, rectificado — mais de dois anos depois daquele termo, pela deliberação n°471, de 20-11-2014, essa “ratificação” ocorreu em violação da referida norma legal» (fls.1458).

A apreciação feita apresenta-se sustentada e, mesmo que controversa, não se afasta do que é juridicamente defensável.
Ora, chegando à conclusão a que chegou, o acórdão avançou para o ponto essencial, pois que no recurso que julgou era-lhe pedida decisão de exclusão da proposta da adjudicatária, por não ter apresentado projecto de execução.
Esse facto não seria relevante se o acórdão tivesse aceitado a bondade das alterações que haviam sido introduzidas nos documentos concursais; mas sê-lo-ia na hipótese contrária, que foi a acabada de sintetizar.
Assim, o acórdão veio a considerar, entre o mais:
«Tal como consta do Caderno e Encargos aprovado em reunião da Câmara Municipal de Penafiel, em 19-01-2012, “O projecto apresentado pelo concorrente, e aceite pelo dono da obra, constitui o projecto de execução a considerar para a realização da empreitada”, seguindo-se na alínea d) do n° 1 do artigo 12° a identificação do projecto de execução como subfactor de apreciação das propostas no âmbito do critério da proposta economicamente mais vantajosa, neste caso, relativamente à melhor solução técnica, no qual é relevada a «qualidade do projeto de execução». /Acresce que a proposta a apresentar é constituída, entre o mais mencionado no artigo 57° do CCP, pelos documentos que, em função do objecto do contrato a celebrar e dos aspectos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com o que o concorrente se dispõe a contratar [alínea b) do n° 1 do referido artigo 57° do CCP]. / Não tendo a concorrente adjudicatária apresentado esse exigido projecto de execução [assente em X)], impunha-se a exclusão da sua proposta, em face do disposto na alínea b) do n° 2 do artigo 70.º do CCP. Não o tendo feito, tais normas mostram-se violadas pelo acto impugnado» (fls. 1561 a 1563).

Também este segmento de apreciação, aqui apenas transcrito na sua parte final, se apresenta com sustentação plausível.

Como se disse, a Recorrente invoca violação de caso julgado, o do acórdão do mesmo TCAN de 26.9.2013.
Ocorre que a ora recorrente já na sua contestação suscitara excepções de litispendência e caso julgado. Essas excepções foram julgadas improcedentes pelo despacho saneador de 18.9.2015. E embora tenha reclamado, o certo é que não chegou a recorrer da sentença, pelo que essa decisão de improcedência transitou.
É certo que a recorrente coloca a distinção entre excepção de caso julgado e autoridade de caso julgado. Mas há que notar que a autoridade que a ora recorrente pretende descobrir, a autoridade do caso julgado quanto à questão da exclusão da sua proposta, fora precisamente elemento por si invocado aquando da excepção que suscitou. E aquele despacho saneador, discutindo-o expressamente, não o acolheu. Assim, sem prejuízo de ser susceptível de problematização, a verdade é que não é patente, pelo menos, erro em que o acórdão possa ter incorrido nesta vertente.
Já os problemas respeitantes à proporcionalidade e concorrência vêm fundamentalmente ligados aos prejuízos que sofrerá e são mais do âmbito da execução de sentença do que da decisão anulatória. Os demais relevam, essencialmente, do que esteve subjacente à própria decisão.

Do que se acabou de indicar, verifica-se que se está em sede de litígio cujo impacto não se revela de importância fundamental, já que ela própria é limitada pelo âmbito do concurso a que respeita, «Concepção, Construção e Concessão de Exploração do Bar ………… – Penafiel» (lembre-se, até, que tendo sido pedida revista do primeiro acórdão do TCAN, de 26.9.2013, esta mesma Formação, por acórdão de 16.01.2014, processo n.º 1881/13, julgou não o admitir, nomeadamente, por não se evidenciar «uma situação de impacto social relevante, sendo que continua aberta a possibilidade de concretização dos objectivos para que o concurso foi lançado».

De igual modo, as questões jurídicas suscitadas, quer as aqui expressamente referenciadas, quer as demais, não se constituem como questões jurídicas de ordem geral ou de outro género que se situem fora do âmbito normal das controvérsias judiciais.
E por isso, também não se revela a clara necessidade da revista para melhor aplicação do direito.
Sendo assim, não estão preenchidos os supra indicados requisitos para a admissão das revistas.

3. Nestes termos, não se admitem as revistas.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 23 de Novembro de 2016. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.