Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:063/13
Data do Acordão:04/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
REQUISITOS
Sumário:I - Não pode ser admitido o recurso de revista excepcional previsto no art.º 150.º do CPTA se as questões colocadas têm uma natureza casuística, com contornos particulares no contexto factual e jurídico do caso concreto, reconduzindo-se a matérias que não revelam especial complexidade do ponto de vista intelectual e jurídico, sem impacto ou interesse comunitário significativo, e também não se antevê a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal para uma melhor aplicação do direito porque não se visiona na apreciação feita pelo tribunal recorrido qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.
Nº Convencional:JSTA000P15658
Nº do Documento:SA220130430063
Data de Entrada:01/17/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S. A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no art.º 150.º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que, em sede de recurso jurisdicional interposto de sentença proferida pelo TAF de Sintra, e conhecendo em substituição deste tribunal, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A……., S.A., actualmente com a denominação de B……., SGPS, S. A., contra a liquidação de IRC referente ao exercício de 2000, no montante de € 257.747,93.
1.1. Terminou as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo:

A) Quanto à questão de determinar se, perante determinados pagamentos efectuados por entidade residente a entidade não residente e, face às características desse contrato, estamos perante uma transferência de “Know How” ou, simplesmente, perante uma prestação de serviços “Engineering”, verificam-se os requisitos que permitem a interposição de recurso de revista para o STA, nos termos do art. 150º do CPTA.

B) Uma vez que, tal questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos de utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo, da interposição do presente recurso a possibilidade da melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do direito, dado que tal questão tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros.

C) Assim, tal questão assume particular relevância jurídica ou social, atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito neste e em outros casos futuros, tendo em conta não só a pertinência da questão jurídica centrada na determinação do regime jurídico de tais figuras, que interessa a todos os sujeitos passivos, mas também, no facto de, estando-se perante uma mera questão jurídica, assumir toda a importância definir os traços característicos de cada uma das mesmas, que nem sempre são de fácil destrinça, de forma a gerar um entendimento e aplicação uniforme daqueles dois conceitos.

D) Acresce que, a resposta a dar à presente questão jurídica pode interessar a um leque alargado de interessados, sendo claramente necessária a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária para uma melhor aplicação do direito, de boa administração da justiça em sentido amplo e objectivo. Até porque tratando-se de uma questão exclusivamente de direito, seria o STA e não o TCA Sul o Tribunal hierarquicamente competente para a apreciar. O que significa que, sem a intervenção do Tribunal superior, fica incompleta a determinação e aplicação do direito no caso em concreto.

E) Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação do quadro legal relativo ao conceito de Know How e Engineering, sendo certo que esta questão pode interessar a um leque alargado de interessados e eventuais casos pendentes em Tribunal, pelo que, o presente recurso servirá para uma melhor e, a partir da pronúncia do STA, uniforme aplicação do direito.

F) Quanto ao mérito do presente recurso, o acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos então artigos 4º nº 3, al. c) e 75º nº 1, al. a) e nº 3, do CIRC, na redacção à data aplicável, aos factos, não se podendo manter.

G) Conforme resulta dos factos dados como provados, foi realizado um contrato entre a C…… e a D……. em Março de 2000. Tal contrato teve como objecto a realização em Portugal de corridas inseridas em provas do Road Racing inscritas no calendário oficial do FIM World Road Racing Championship, para os anos de 2000 e 2001. No âmbito do mesmo contrato cada uma das partes assumiu direitos e obrigações.

H) No entanto, não há dúvida de que todos os conhecimentos técnicos necessários à realização de uma prova deste tipo estão do lado da C……, bem como que os promotores não detêm tal conhecimento técnico, estando dependentes da C…….. para a realização da mesma prova.

I) Designadamente, o próprio contorno da prova, publicidade, design e concepção, depende de transferência de informação, de conhecimentos da C…….., que fornece todas as indicações necessárias à boa organização do evento. Em muitas cláusulas do contrato é dito que os promotores recebem aconselhamentos e indicações da C…….., cfr., por exemplo, cláusula 15, último parágrafo.

J) E se a realização do evento depende da conjugação da actuação de todas estas entidades, também é certo que os promotores, para a boa realização do evento, dispuseram do conhecimento técnico da C……., estando dependentes do fornecimento de indicações técnicas da mesma.

K) Sendo certo que a C…….. possui o Know How necessário à realização deste tipo de eventos, parece-nos evidente ter havido uma transferência do mesmo para a então impugnante enquanto promotora do evento, isto é, houve uma transferência de um conhecimento técnico, não divulgado e resultante de uma experiência adquirida pela C……. e que não pode ser conhecida pela simples observação da actuação da mesma neste domínio.

L) Há, pois, que concluir que neste tipo de organização de eventos, desportivos, musicais ou outros, e sendo o evento organizado pelo conjunto das entidades intervenientes, se uma dispõe do conhecimento técnico, o mais certo é transferi-lo para aquela que, por razões de proximidade e por o evento se realizar no seu país, promove, localmente, o evento.

M) Deve, pois, integrar-se no conceito de transferência de Know How, um tipo de transferência de conhecimento técnico como o presente, em que é chamado à organização de um evento desportivo de nível internacional a entidade que tem o conhecimento técnico necessário à realização do mesmo e sem a qual, muito eventualmente, o mesmo não se realizaria com sucesso e em que esta não se limita a vir e a aplicar os seus conhecimentos, mas actua em colaboração com a entidade residente transferindo as informações necessárias e de que aquela não dispõe, à realização do evento e, ainda que essas informações se restrinjam ao modo de disposição do espaço físico onde se vai realizar o mesmo evento, disposição dos pilotos, boxes, público e publicidade.

N) Assim, o preço que a então impugnante pagou à C……. teve, necessariamente, em conta o preço justo do conhecimento técnico detido pela C……. que foi posto à disposição e transferido para a então impugnante, indispensável para a realização com sucesso de um evento deste tipo.

O) Donde, os montantes pagos pela então impugnante à C……. têm que ser qualificados como rendimentos de capitais, sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido o presente recurso de revista e, analisado o mérito do recurso, deve ser dado provimento ao mesmo, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.


1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:

1ª - Prevê o nº 1 do artº 150 do CPTA que das decisões proferidas em 2ª instância pelos Tribunais Centrais Administrativos pode ser admitido, excepcionalmente, recurso de revista para o Supremo Tribuna! Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental “ ou “ quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.”;

2ª - A Fazenda Pública, nas suas alegações de recurso, limita-se a acenar com a lei e a reproduzir literalmente os requisitos que a mesma exige, sem lograr demonstrar os pressupostos da respectiva aplicação;

3ª - No caso vertente, a questão jurídica fundamental - (isto é, a destrinça entre contratos de know how e de engineering, bem como se os rendimentos dos mesmos resultantes são, ou não, tributáveis em Portugal em sede de IRC, por os prestadores não terem estabelecimento estável em Portugal) - é questão pacífica e vastamente tratada pela jurisprudência, podendo indicar-se a título exemplificativo os Acórdãos do STA nºs 016217 de 28-10-1998 e 0845/05 de 08-03-2006 e do TCA Sul nºs 02579/08 de 12-05-2010 e 02628/08 de 18-03-2009;

4ª - Tal questão jurídica não revela elevada complexidade nem, muito menos, suscita quaisquer dúvidas sérias, seja ao nível jurisprudencial ou ao nível doutrinário;

5ª - Nem o caso em apreço tem “... capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros.” na medida em que se reporta a um única prova que se realiza em Portugal uma vez por ano, revestindo a sua realização e organização especificidades muito próprias - (muito diferentes de outros tipos de espectáculos e eventos, ao contrário do que afirma a Fazenda Pública) - nomeadamente ao nível de recursos humanos e materiais especializados, recursos estes que são sempre os mesmos utilizados pela C……. em todas as provas, que os desloca pelo Mundo para aquele efeito;

6ª - A questão em apreço tem na sua génese uma situação particularíssima insusceptível, pois, de “... se repetir num número indeterminado de casos futuros.”

7ª - Isto é, não apresenta “... contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando apresente capacidade de repercussão de grande impacto na comunidade.” - Acórdão STA de 09-05-12 prolatado no âmbito do Proc. nº 0448/12;

8ª - Consequentemente, o recurso interposto pela Fazenda Pública não deverá ser admitido, sob pena de violação do disposto no artº 150º do CPTA;

9ª - Acresce que, a Fazenda Pública pretende transformar esse Venerando Tribunal numa nova instância de recurso, no que à apreciação da matéria de facto concerne, ao questionar a matéria de facto – (curiosamente só se refere ao contrato celebrado que, mesmo assim é suficiente para se atestar da bondade da douta decisão recorrida, e omite toda a restante prova produzida, nomeadamente a testemunhal) - e a interpretação e valoração dada pelo tribunal recorrido;

10ª - A Fazenda Pública manifesta, pura e simplesmente, divergência sobre as ilações e juízos de facto que o tribunal recorrido extraiu da factualidade fixada, o que lhe é vedado pelas regras que determinam a competência dos tribunais administrativos, pelo que, também por esta via o recurso não pode ser admitido;

11ª - No entanto, ainda que se considerasse admissível o recurso, o que se coloca por mera necessidade de raciocínio, o mesmo nunca poderia proceder, porquanto a douta sentença recorrida não apresenta qualquer mácula que a inquine pois, fez um correcto juízo do enquadramento factual provado e do regime legal aplicável ao caso;


1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que não devia ser admitida a revista, por não se verificarem, in casu, os pressupostos contidos no art. 150º do CPTA, fazendo ressaltar que a decisão recorrida envereda por jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo.

1.4. Colhidos que foram os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência, tendo em conta que constitui jurisprudência já consolidada nesta Secção de Contencioso Tributário que o recurso de revista excepcional, previsto no artigo 150.º CPTA, é admissível no âmbito do contencioso tributário.

2. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no n.º 5 do referido preceito legal

Por conseguinte, o recurso de revista excepcional para o STA só é admissível se for claramente necessário para uma melhor aplicação do direito ou se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, sendo que esta importância fundamental tem de ser detectada não perante o interesse teórico da questão, mas perante o seu interesse prático e objectivo, medido pela utilidade da revista em face da capacidade de expansão da controvérsia ou da sua vocação para ultrapassar os limites da situação singular.

Deste modo, e como tem sido explicado nos inúmeros acórdãos proferidos por esta formação, que aqui nos dispensamos de enumerar, a relevância jurídica fundamental deve ser detectada perante a relevância prática da questão, medida pela sua utilidade face à capacidade de expansão da controvérsia, e verificar-se-á tanto em face de questões de direito substantivo como de direito processual, quando apresentem especial ou elevada complexidade (seja em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, seja de um enquadramento normativo especialmente intrincado, complexo ou confuso, seja da necessidade de compatibilizar diversos regimes legais, princípios e institutos jurídicos) ou quando a sua análise tenha suscitado dúvidas sérias ao nível da jurisprudência e/ou da doutrina.

Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando estiver em causa um caso que apresente contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, representando uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos, e se detecte um interesse comunitário significativo na resolução da questão.

Por fim, a clara necessidade do recurso de revista para uma melhor aplicação do direito há-de resultar da repetição ou possibilidade de repetição noutros casos e da necessidade de garantir a uniformização do direito, estando em causa matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente e/ou contraditória, impondo-se a intervenção do órgão de cúpula da justiça como condição para dissipar dúvidas e alcançar melhor aplicação do direito. Pelo que a admissão do recurso terá lugar, designadamente, quando o caso concreto contém uma questão bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros e a decisão nas instâncias esteja ostensivamente errada ou seja juridicamente insustentável, ou se suscitem fundadas dúvidas por se verificar uma divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, tornando-se objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.

Vejamos se tais requisitos se verificam no caso vertente.

É incontroverso, face à matéria fáctica assente nas instâncias, que na sequência de uma acção inspectiva, que teve por objecto os exercícios da ora Recorrida nos anos de 1999 e 2000, a Administração Tributária procedeu à correcção do IRC quanto a retenções na fonte, liquidando o imposto respectivo, por entender que os pagamentos efectuados pela Recorrida à empresa C…….. (C……..) no exercício de 2000, pela promoção da realização do Grande Prémio do FIM World Road Racing Championship, consubstanciavam royalties sujeitas a retenção na fonte, de acordo com o disposto no art. 88º, nº 1, do CIRC.

Contra essa liquidação a Recorrida deduziu impugnação judicial, invocando, além do mais, a caducidade do direito de liquidar e a inaplicabilidade da obrigação de retenção na fonte, por se não tratar no caso em apreço de contrato de transferência de know-how, inexistindo, por conseguinte royalties susceptíveis da tributação em causa.

A sentença de 1ª instância julgou procedente a impugnação com fundamento na caducidade do direito de liquidar o tributo.
Dessa sentença recorreu a Fazenda Pública para o TCAS, sustentando que a sentença recorrida incorrera em erro de julgamento, por incorrecta interpretação e aplicação dos arts. 36º, nº 2, 49º e 51º, do RCPIT, bem como do art. 45º, nº 5, da LGT, pugnando pela sua revogação, atenta a inverificação da dita caducidade.

O acórdão do TCAS, revogando embora a sentença de 1ª instância por entender que não se verificava a caducidade do direito de liquidar, conheceu dos fundamentos invocados na impugnação e, após proficiente análise e confronto dos conceitos de contrato de transferência de know-how, contrato de prestação de serviços técnicos (em particular, dos serviços de engineering) e contrato de assistência técnica, julgou procedente a impugnação, com a seguinte fundamentação:
«Face aos ensinamentos supra e ao concreto objecto do contrato outorgado entre a impugnante e a C……., cujas cláusulas mais significativas constam da matéria da alínea probatório supra, delas se não vê que a impugnante tenha adquirido, temporária ou definitivamente, informações, conhecimentos ou experiências próprias não divulgadas, que depois tenha aplicado no exercício da sua actividade, sem que a C…….tenha intervindo nessa aplicação da tecnologia ou ensinamentos cedidos, com tal aplicação a fazer-se por conta própria e autónoma, bem como a contrapartida paga o foi por uma quantia global que se não mostra que tenha tido em conta um qualquer relação com a facturação, a produção ou o lucro, pelo que se não pode qualificar a mesma como de royalties, como fez a AT para proceder à tributação em causa, por falta de retenção sobre tal montante pago a entidade não residente em território português, não se vendo que tecnologia ou informações relevantes tenham sido cedidas ou concessionadas à ora impugnante, temporária ou permanentemente, para esta utilizar, de forma autónoma, pelo que tal pagamento não pode ser subsumível ao conceito de transmissão de know-how ou de outros rendimentos de capitais, com incidência objectiva, então nas normas dos art.ºs 4.º n.º3, alínea c) e seus n.ºs 1 a 3, e 75.º n.º1, alínea a) n.º 3 do mesmo CIRC (redacção e renumeração de então, em 2000, que não as invocadas pela AT, designadamente do seu art.º 88.º, n.º1, que só a assumiram pela republicação do Código pelo Dec.Lei nº 198/2001, de 3 de Julho), em que tal retenção tinha carácter definitivo para entidades sem estabelecimento estável em território português, como acontecia com a referida C……. . (…)
Assim, não tendo a AT logrado provar que tal verba corresponde ou tem por contrapartida um contrato de know-how, que possa ser qualificada de royalties ou semelhante, para que o pagamento de tal montante se encontrasse sujeito à retenção na fonte, como legalmente lhe cabia nos termos do disposto no art.º 74.º, n.º1, da LGT, por constitutivo de tal liquidação, como igualmente bem se pronuncia o Exmo. RMP junto deste Tribunal, no seu parecer, o acto de liquidação padece dos vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, causa da sua invalidade nos termos do disposto no art.º 99.º do CPPT, não podendo deixar de ser anulado, tendo em conta que nos encontramos perante um contencioso de mera anulação como se dispunha na norma do art.º 6.º do anterior ETAF.».

Neste recurso de revista, a Fazenda Pública continua a insistir que, no caso dos autos, está em causa um contrato de transferência de know-how, pelo que a contrapartida paga pela Recorrida à sociedade C……. constitui rendimento de capital, sujeito a retenção na fonte, nos termos dos arts. 4º, nº 3, al. c), e 75º, nº 1, al. a), e nº 3, do CIRC, com a redacção que apresentavam à data dos factos, motivo por que sustenta que o acórdão recorrido fez incorrecta interpretação e aplicação dos mencionados preceitos legais.

E, advogando que a matéria em causa assume relevância jurídica e social pela sua utilidade jurídica, que extravasa os limites da situação singular face à possibilidade da sua repetição num número indeterminado de casos futuros, reclamando, também por isso, uma interpretação pacificadora e uniforme pelo STA, coloca duas questões para resolução neste recurso excepcional: (i) a de saber se o contrato celebrado entre a Recorrida e a C……., em Março de 2000, para que esta promovesse a realização do Grande Prémio do FIM World Road Racing Championship, integra o conceito de transferência de know-how; (ii) a de saber se os montantes recebidos pela C……. no âmbito desse contrato constituem rendimentos de capitais, sujeitos a retenção na fonte, a título definitivo, por aplicação do que dispõem os arts. 4º, nº 3, al. c), e 75º, nº 1, al. a), e nº 3, do CIRC, com a redacção que apresentavam à data dos factos, ou seja, antes das alterações introduzidas pelo Dec.Lei nº 198/2001, de 3.07.

Ora, salvo o devido respeito, as questões que a Recorrente coloca têm uma natureza casuística, com contornos muito próprios e específicos no contexto factual e jurídico do caso concreto e das causas de pedir invocadas, não sendo previsível que a sua solução tenha ou posso vir a ter repercussão noutras situações, atenta a natureza peculiar e singular do caso.

Por outro lado, tais questões não revelam especial ou particular complexidade do ponto de vista intelectual e jurídico, não revestindo dificuldade ou relevância superior à comum, não se antevendo, por conseguinte, utilidade na intervenção deste Supremo Tribunal que extravase do âmbito da relação que se encontra em litígio nos autos. Isto é, o interesse da matéria não ultrapassa as fronteiras deste concreto e singular litígio e as questões colocadas não se apresentam como particularmente controversas ou problemáticas, até porque foram já amplamente tratadas na doutrina onde, tal como na jurisprudência deste Supremo Tribunal, se não detectam divergências.

O que tudo nos leva a concluir no sentido de que tais questões não revestem uma relevância jurídica fundamental face à definição que acima deixámos explicitada.

E também não se vislumbra uma relevância social fundamental na apreciação das ditas questões, por não se detectar um interesse comunitário significativo nessa apreciação e resolução, dado que os interesses em jogo não ultrapassam os limites do caso concreto.

E porque também não se visiona, na apreciação feita pelo tribunal recorrido, qualquer erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica, ostensivamente errada ou juridicamente insustentável que imponha a admissão da revista como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, fica afastada a necessidade de este Tribunal intervir nesse quadro.

Deste modo, e visto o recurso excepcional de revista não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, nem pode ser utilizado para a imputação de erros de julgamento ao acórdão recorrido sem a verificação dos requisitos previstos no art.º 150.º do CPTA, não pode ser admitido o presente recurso.


3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em não admitir a revista.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 30 de Abril de 2013. – Dulce Neto (relatora) – Alfredo Madureira – Valente Torrão.