Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01447/12
Data do Acordão:06/18/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E DA EDIFICAÇÃO
EQUIPAMENTO DE INTERESSE COLECTIVO
INFRA-ESTRUTURAS
INSTALAÇÃO DE NOVOS EQUIPAMENTOS
CEDENCIA
COMPENSAÇÃO
Sumário:I - Um hospital [privado ou público] pode, para vários outros efeitos, ser considerado como um “equipamento coletivo” mas tal não implica que o mesmo deva integrar o conceito de “equipamento de utilização coletiva” previsto no art. 43.º do RJUE face àquilo que são as exigências do normativo na sua articulação e conexão com o demais quadro normativo [legal e regulamentar].
II - Destinando-se o lote a ser edificado tal implica uma sobrecarga no território que exige e justifica a definição de áreas destinadas a prosseguir fins coletivos ou de utilização/uso coletivo, assegurando dessa forma um ordenamento do território e um ambiente urbano equilibrados e adequados.
III - Tais exigências de cedências só não existirão quando a área já estiver servida a esse nível, isoladamente ou em conjunto, por espaços, infraestruturas e equipamentos públicos, sendo que numa tal situação caímos no âmbito da previsão do n.º 4 do art. 44.º do RJUE e no mecanismo da compensação ali instituído.
Nº Convencional:JSTA00069264
Nº do Documento:SA12015061801447
Data de Entrada:01/31/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL
Legislação Nacional:RJUE99 ART41 ART43 ART44 ART128
PORT 1136/01
RMCV PORTO ART2 N1 Q ART42
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0854/07 DE 2008/11/12
Referência a Doutrina:FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSE CASTANHEIRA NEVES, DULCE LOPES E FERNANDA MAÇÃS - REGIME JURÍDICO DE URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO COMENTADO 3ED PAG372 PAG375
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

1.1. “A…………………” [doravante «A…………» representada pela B……………….., SA], devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [«TAF/P»] a presente ação administrativa especial contra “MUNICÍPIO DO PORTO” peticionando, pela motivação inserta na petição inicial, que fosse “anulado o despacho do Sr. Vereador do Pelouro do Urbanismo e da Mobilidade da CMP, proferido em 19.01.2006, que deferiu o pedido de licenciamento de operação de loteamento a que corresponde o Proc. n.º 12.636/03, na parte que decidiu que a operação urbanística deve prever áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva e de equipamentos de utilização coletiva e o A. obrigado a proceder à sua cedência ou a pagar ao Município uma compensação pela não cedência e défice”.

1.2. O «TAF/P», por acórdão de 29.11.2010, julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo o R. do pedido.

1.3. O A., inconformado, recorreu para o TCA Norte o qual, por acórdão de 15.06.2012, negou provimento ao recurso jurisdicional, confirmando o julgado recorrido.

1.4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o mesmo A., inconformado com o acórdão proferido pelo TCA Norte, interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 373 e segs.], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
...
1.ª) O presente recurso de revista é interposto do douto Acórdão do TCAN, proferido em 15.06.2012, …, que julgou improcedente o recurso jurisdicional que havia sido interposto do Acórdão do TAF do Porto, de 29.11.2010, …, que negou provimento à ação administrativa especial proposta pelo A. A………….., ora Recorrente, contra o R. Município do Porto e pela qual se impugnou o despacho do Exmo. Sr. Vereador da CMP, Dr. C………………, proferido em 19.01.2006 e exarado sobre a INF/259/06/DMGUI, que deferiu o pedido de licenciamento de operação de loteamento a que corresponde o Proc. n.º 12.636/03, na parte em que decidiu que a operação loteamento destinada a equipamento coletivo, no caso um hospital, está obrigada a prever e a ceder áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva e de equipamento de utilização coletiva e a pagar ao Município uma compensação pela não cedência.
O douto Acórdão ora recorrido, manteve a decisão da 1.ª instância, por considerar que não se verifica a violação da Portaria n.º 1136/2001, dos arts. 2.º, n.º 1, al. q) e 42.º do RMUE (Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Porto) e dos arts. 43.º e 128.º, n.º 3 do RJUE, pois entende que a classificação do hospital como equipamento coletivo não afasta a necessidade de previsão de áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva e a equipamentos coletivos e, na sua falta, ao pagamento de compensação, uma vez que um hospital privado, assim como um colégio privado e um lar de terceira idade privado, «Não deixam, pois, de ter natureza de serviços ou até de comércio, pois, apesar da utilização coletiva, não deixam de ter por objeto uma atividade lucrativa». (sublinhados nossos);
2.ª) A questão fundamental que se submete ao Venerando STA como objeto do recurso de revista, consiste em saber se, à luz do disposto nos arts. 43.º e 128.º, n.º 3 do RJUE, na Portaria n.º 1.136/2001, de 25.09. e dos arts. 2.º, n.º 1, al. q) e 42.º do RMUE, uma operação de loteamento (no caso, emparcelamento de 2 prédios num só lote) destinada à implantação de um hospital privado, que é qualificado como equipamento coletivo, está sujeita à obrigação de previsão de áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva e a equipamentos coletivos e, na sua falta, ao pagamento de compensação, à semelhança do que sucede com as operações de loteamento para edifícios destinados a serviços ou comércio.
(…)
4.ª) Na douta decisão ora recorrida, o Tribunal a quo entendeu que:
i. o teor do art. 43.º do RJUE e da Portaria n.º 1.136/2001 não permite afastar a obrigatoriedade da previsão de áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de utilização coletiva mesmo no caso de a operação de loteamento se destinar à instalação de um equipamento coletivo, como é um hospital;
ii. e que no caso do hospital privado, este deve prever áreas de acordo com os parâmetros definidos para os serviços, pois, não obstante ser um equipamento coletivo, não deixa de ter natureza de serviços, porque tem «por objeto uma atividade lucrativa» (vide supra 9. e 10.).
5.ª) Como resulta dos autos e é reconhecido pelas decisões judiciais proferidas, o hospital privado é um equipamento coletivo, tendo sido expressamente qualificado pela CMP como «equipamento urbano» no Pedido de Informação Prévia e como «equipamento de saúde» nas informações técnicas e no alvará de loteamento, pelo que o facto de revestir a natureza de equipamento coletivo afasta a obrigação, constante do n.º 1 do art. 43.º do RJUE, de previsão de áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de utilização coletiva e, em consequência, da sua cedência ou, no caso de não cedência, do pagamento de uma compensação nos termos do n.º 5 do art. 44º do RJUE.
E ainda que se admitisse que o art. 43º do RJUE permite, de uma forma genérica, a exigência de previsão de áreas para os fins referidos nas operações urbanísticas destinadas a equipamentos coletivos, sucede que a Portaria n.º 1.136/2001, que define os parâmetros de dimensionamento na falta de definição em plano municipal de ordenamento do território e que foi aplicada ao caso concreto, ao abrigo do n.º 3 do art. 128.º do RJUE, não prevê os parâmetros para este tipo de operações urbanísticas, na medida em que o hospital, ainda que privado, não é um edifício de serviços (vide supra 12. a 14.).
6.ª) Os equipamentos coletivos correspondem a edificações onde se localizam atividades destinadas à prestação de serviços de interesse público imprescindíveis à qualidade de vida das populações, promovendo essa mesma qualidade de vida e assegurando a otimização do acesso à cultura, à educação e à formação, à justiça, à saúde, à segurança social, ao desporto e ao lazer, conforme resulta do art. 17.º, n.º 1 do RJIGT e da densificação efetuada pela Portaria n.º 1.136/2001 (vide supra 15.).
7.ª) A obrigação constante do n.º 1 do art. 43.º do RJUE, de as operações de loteamento (bem como as demais operações urbanísticas que sejam qualificadas como de impacto semelhante ou com impacte urbanístico relevante, cfr. arts. 57.º, n.º 5 e 44.º, n.º 5 do RJUE) preverem áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de utilização coletiva, visa «a obtenção de um adequado ordenamento do território, em especial, na sua vertente de racionalização da ocupação da urbe», e tem o seu fundamento e explicação no quadro normativo em que a mesma se insere, em especial as normas constitucionais, a Lei de Bases da Política de Ordenamento o Território e de Urbanismo (LBPTOU) e o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão territorial (RJIGT) (vide supra 16. e 17.).
8.ª) Com efeito, o legislador pretende cumprir as normas da constituição que lhe impõem, por um lado, o dever constitucional de promover o «correto ordenamento do território», tendo em vista uma correta localização das atividades, nos termos dos arts. 9.º, al. e) e 66.º, n.º 2, al. b) da CRP, e por outro, de tal tarefa ser levada a cabo com respeito ao Princípio da Igualdade e ao direito de propriedade, consagrados nos arts. 13.º e 62.º da CRP, à luz dos quais a imposição de restrições ao exercício do direito de propriedade está sujeita a exigência de equidade ou proporcionalidade.
Daqui decorre que os encargos que sejam impostos pela realização das operações urbanísticas, como a previsão (e cedência) de áreas para fins coletivos, contribuindo para a criação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos coletivos, devem ser proporcionais e equitativos, de modo a que todos contribuam para a criação e manutenção de espaços de interesse coletivo, promovendo o correto ordenamento do território e a qualidade de vida na urbe, em medida compatível com o impacto urbanístico da operação urbanística, que depende da sua dimensão e dos usos previstos (vide supra 18.).
9.ª) Num segundo plano, surgem os fins, princípios e objetivos que a LBPTOU definiu para a ordenamento do território e para a ocupação, a utilização e transformação solo, nos seus arts. 3.º, 5.º, 6.º e 14.º, n.º 1, entre os quais assumem particular importância para a matéria em análise, a distribuição equilibrada das funções de habitação, trabalho, cultura e lazer (art. 6.º, n.º 1, al b)), a qual implica que a programação, a criação e a manutenção dos equipamentos coletivos sejam realizadas considerando as necessidades específicas das populações, as acessibilidades e a adequação da capacidade de utilização (art. 6.º, n.º 2). No mesmo sentido, art. 18.º, n.º 2, al. a) do RJIGT (vide supra 19.).
10.ª) Considerando o enquadramento a nível constitucional e da LBPOTU, o legislador procurou criar um conjunto de regras que garantissem um adequado ordenamento do território, com uma correta distribuição e localização das várias funções e atividades económicas, bem como a existência de infraestruturas, equipamentos coletivos e espaços verdes, tendo para tanto previsto no domínio do ordenamento do território existem várias normas no RJIGT (das quais se destacam os arts. 17.º, 18.º, 19.º, 70.º, als. g) e h), 85.º, n.º 1, als. e) e f), 88.º, als. b), c) e f), e 91.º, n.º 1, als. c) e i)) e no que respeita à disciplina das operações urbanistas o art. 43.º do RJUE, sendo assim evidente que o seu objetivo é garantir que a realização de operações de loteamento promova o equilíbrio na distribuição e localização das várias funções urbanas, assegurando-se um desenho urbano racional e harmonioso, orientado por imperativos de qualidade de vida urbana e do ambiente. Para tal, devem prever parcelas de terreno destinadas a fins de interesse ou coletivo, como são as infraestruturas, os espaços verdes e de utilização coletiva e os equipamentos coletivos.
Por esta razão, as operações de loteamento que prevejam a construção nos lotes de edifícios para habitação, comércio, serviços, indústria e, ou armazéns têm que prever tais parcelas de terreno (ou pagar uma compensação), devendo a dimensão das mesmas resultar de uma prévia definição regulamentar, em função do impacto urbanístico que se entenda que cada uma daquelas utilizações tem.
A previsão destas parcelas é uma contrapartida pela ocupação, utilização e transformação do solo urbano para aquelas funções urbanas, de modo a garantir a existência de áreas destinadas a usos ou utilizações de interesse coletivo (vide supra 20. e 21.).
11.ª) Quando uma operação de loteamento se destina a equipamento coletivo, a obrigação de promover um adequado ordenamento do território, com a correta distribuição de funções e a criação e manutenção de equipamentos coletivos está desde logo cumprida, uma vez que a própria operação de loteamento cria um equipamento coletivo.
Atendendo ao fundamento e ao objetivo da norma em análise não faz sentido a sua aplicação a situações em que a operação urbanística se destine a equipamento coletivo. De outro modo, verificar-se-á uma violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, porque quem promova uma operação urbanística para equipamentos coletivos será obrigado a encargos desproporcionados, quando comparado com os demais, uma vez que cria equipamentos coletivos e, ainda assim, terá que prever (ou compensar) parcelas de terreno para fins coletivos. Nesta eventualidade, é evidente que a repartição dos encargos não é equitativa, nem proporcional, observando-se uma duplicação da previsão ou contributo para os espaços com finalidades coletivas, o que constitui também um sacrifício ou restrição inadmissível do direito de propriedade, muito para além do que resulta da sua vinculação social (vide supra 22.).
12.ª) Neste contexto e interpretando o n.º 1 do art. 43.º do RJUE de um modo sistemático e teleológico, conforme nos impõe o n.º 1 do art. 9.º do Código Civil, ou seja, considerando o disposto nas normas da Constituição, da LBPOTU e também do RJIGT acima citadas, conclui-se que as operações urbanísticas, nomeadamente as operações de loteamento, destinadas à instalação de equipamentos coletivos, como é o caso de um hospital, não estão sujeitas à obrigação de previsão de áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de utilização coletiva, porque a própria operação urbanística cumpre os objetivos e finalidades prosseguidos pela norma em análise (vide supra 23.).
13.ª) Pelas razões acima descritas, a Portaria n.º 1.136/2001, quando estabelece os parâmetros para o dimensionamento das áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva e equipamentos de utilização coletiva, não contemplou sequer as situações em que o «tipo de ocupação» da operação urbanística seja equipamento coletivo, apenas estabelecendo as regras quando a ocupação ou destino sejam a habitação, em moradia unifamiliar e coletiva, o comércio, os serviços, a indústria e armazéns (vide supra 24.).
14.ª) Em sentido contrário, o douto Acórdão ora recorrido defende que a letra da lei não permite a interpretação de que a operação de loteamento causa não esteja sujeita ao art. 43.º do RJUE e que não resulta da Portaria n.º 1.136/2001 que o legislador quisesse fazer uma distinção quanto à aferição da necessidade ou não previsão das referidas áreas em função da finalidade da operação de loteamento, concluindo que um hospital privado tem a natureza de serviços, porque tem por objeto uma atividade lucrativa - «Não deixam, pois, de ter natureza de serviços ou até de comércio, pois, apesar da utilização coletiva, não deixam de ter por objeto uma atividade lucrativa» (sublinhados nossos) - pelo que a aplicação dos parâmetros previstos para os loteamentos destinados a serviços será válida.
Salvo o devido respeito, este entendimento não atende ao facto de o legislador distinguir os equipamentos coletivos das operações destinadas a serviços ou a comércio, diferenciando o seu regime, e recorre a um critério manifestamente errado, que tem que ver com a «atividade lucrativa» (vide supra 25. e 26.).
15.ª) Partindo do elemento sistemático e teleológico, a interpretação do conteúdo do art. 43.º do RJUE e da Portaria n.º 1.136/2001 tem que ter em conta ou devemos considerar o disposto, entre outros, no RJIGT, de onde retiramos que o legislador:
a) faz uma distinção clara entre os equipamentos coletivos, sejam privados ou públicos, e as funções ou usos de serviços e comércio (assim como os de habitação e indústria), tratando-se de modo separado, e
b) pretende abranger tanto os equipamentos privados, como os públicos,
como se como se extrai, de imediato, dos arts. 17.º; 18.º; 19.º; 70.º, als. g) e h); 85.º, n.º 1, als. b) e f); 88.º, als., b), c) e f); 90.º, n.º 1, e 91.º, n.º 1, als. c), d) e i) do RJIGT, o que nos conduz à conclusão de que a Lei distingue os equipamentos coletivos, sejam eles privados ou públicos, dos serviços, pelo que a Portaria n.º 1.136/2001 tem de ser interpretada e aplicada atendendo a esta distinção, de onde resulta que um equipamento coletivo não dá origem à aplicação dos parâmetros ali previstos, ao invés do que sucede com os serviços (vide supra 27. a 29.).
16.ª) O Tribunal a quo defende que o hospital privado, embora equipamento coletivo, reveste a natureza de serviços, porque tem por objeto uma atividade lucrativa - «Não deixam, pois, de ter natureza de serviços ou até de comércio, pois, apesar da utilização coletiva, não deixam de ter por objeto uma atividade lucrativa» (sublinhados nossos) - o que constitui um argumento ou critério é incongruente, sem fundamento legal e que viola as disposições do RJUE.
Desde logo, um hospital privado (ou «um colégio privado quer um lar de terceira idade privado») pode não desenvolver uma atividade lucrativa, pois não é o lucro ou o objetivo de o obter que tornam algo privado, sendo possível (e até comum) que os equipamentos coletivos sejam propriedade e explorados entidades privadas sem fins lucrativo, como é o caso das cooperativas e das instituições particulares de segurança social (IPSS), como as misericórdias, que são, por definição, pessoas coletivas sem finalidade lucrativa, como determinam, respetivamente, o art. 2.º, n.º 1 do Código Cooperativo e o art. 1.º, n.º 1 dos Estatutos das Instituições Particulares de Segurança Social (aprovado pelo DL n.º 119/83).
Seguindo o critério definido no douto Acórdão recorrido, um loteamento levado a cabo por uma misericórdia para aí construir um hospital (privado) já não teria a natureza de serviços. Logo, não se lhe aplicariam os parâmetros previstos na Portaria n.º 1.136/2001 para as áreas destinadas a espaços verdes e utilização coletiva, a infraestruturas e a equipamentos coletivos. Ora, não se descortina qualquer diferença do ponto de vista urbanístico entre um hospital privado propriedade de uma sociedade comercial e um hospital de uma misericórdia que justifique um regime diferente quanto à matéria em análise. Ambos são equipamentos coletivos, pelo que devem cumprir as mesmas regras (vide supra 30. e 31.).
17.ª) Da mui douta decisão recorrida resulta que só os equipamentos privados têm a natureza de serviços, pelo que, a contrario, um equipamento coletivo público (ex.: hospital público) não poderá ter tal natureza e, assim, uma operação de loteamento promovida pelo Estado e destinada à construção de um hospital, não teria que cumprir a citada portaria e prever áreas para as finalidades coletivas descritas. Ou seja, depararíamos com uma situação com dois hospitais iguais, um privado e outro público, em que aquele teria que prever áreas destinadas a espaços verdes e utilização coletiva, a infraestruturas e a equipamentos coletivos, enquanto o público não, o que é inaceitável, pois não se verifica qualquer diferença entre ambos do ponto de vista urbanístico, além de que violaria as normas legais em vigor.
Apesar de as operações de loteamento promovidas pelo se encontrarem isentas de controlo prévio municipal, nos termos do art. 7.º, n.º 1, al. b) do RJUE, do ponto de vista substantivo, ou seja, no que concerne às normas de cariz material que disciplinam o conteúdo das operações urbanísticas, o Estado está obrigado ao seu cumprimento integral, como dispõe o n.º 6 do art. 7.º do RJUE. Ora, o art. 43.º, n.º 1 do RJUE e a Portaria n.º 1.136/2001 são normas que disciplinam o conteúdo material das operações urbanísticas, pois estabelecem requisitos sobre o seu conteúdo, e não respeitam aos aspetos do procedimento administrativo de controlo prévio, pelo que o loteamento levado a cabo pelo Estado para um hospital estaria obrigado a cumprir a obrigação de previsão das referidas áreas e eventualmente a ceder ou até a pagar a compensação, tanto mais que a Portaria n.º 1.136/2001 não distingue entre equipamentos privados e equipamentos públicos (vide supra 32.).
18.ª) O acima exposto demonstra que, para efeitos da interpretação e aplicação do art. 43.º, n.º 1 do RJUE e da Portaria n.º 1.136/2001, aplicável ao caso concreto por via do n.º 3 do art. 128.º do RJUE, não existem razões objetivas para distinguir os equipamentos coletivos em função da sua titularidade, se são públicos ou privados, se têm por objeto uma atividade lucrativa ou não, com também decorre do disposto nos arts. 2.º, n.º 1, al. q) e 42.º do RMUE, bem como do art. 4.º, n.º 19 do Regulamento do PDM do Porto e no projeto de regulamento do PDM.
Face à natureza e finalidade dos equipamentos coletivos, de todos os equipamentos coletivos, não faz sentido, nem existe qualquer fundamento teórico ou na letra da lei, que determine a obrigação de previsão de áreas para fins coletivos, não relevando se é público ou privado, se tem por objeto ou não uma atividade lucrativa (vide supra 33. e 34.).
19.ª) A questão fundamental que motiva a revista deve, pois, ser esclarecida no seguinte sentido: à luz do disposto nos arts. 43.º e 128.º, n.º 3 do RJUE, na Portaria n.º 1.136/2001, de 25.09. e dos arts. 2.º, n.º 1, al. q) e 42.º do RMUE, e mesmo do PDM do Porto, uma operação de loteamento destinada à implantação de um equipamento coletivo, como um hospital privado, não está sujeita à obrigação de previsão de áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva, a infraestruturas e a equipamentos coletivos e, na sua falta, ao pagamento de compensação, ao invés do que sucede com os edifícios destinados a serviços ou comércio (vide supra 35. e 36.).
20.ª) Em consequência, deve ser julgado procedente o presente recurso de revista, serem revogados os doutos acórdãos do TAF do Porto e do TCAN e julgada procedente a ação administrativa especial anulando-se o ato administrativo impugnado na parte impugnada”.

1.5. Devidamente notificado o R., aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 421 e segs.] nas quais termina com o quadro conclusivo seguinte:

I - DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO

SEM PRESCINDIR,
II - DO ALEGADO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR OFENSA DA PORTARIA N.º 1136/2001, DOS ARTIGOS 2.º, N.º 1, AL. Q) E 42.º DO RMEU E DOS ARTIGOS 43.º E 128.º, N.º 3, DO RJUE
D. Encontrando-se a operação de loteamento promovida pela A…………….sujeita a controlo prévio de licenciamento, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea a) do RJUE, esta teria de atender ao disposto no artigo 43.º do referido diploma legal, que prescreve que os projetos de loteamento devem prever não só áreas destinadas a utilização coletiva, mas também áreas para a implantação de espaços verdes, infraestruturas viárias e equipamentos.
E. O artigo 43.º do RJUE pretende garantir a qualidade de vida dos cidadãos em operações urbanísticas que impliquem um acréscimo da utilização dos solos e uma maior pressão populacional.
F. O legislador entendeu, para este efeito, serem necessárias parcelas para as referidas finalidades, independentemente de as mesmas virem a ser cedidas ao domínio público municipal ou permanecerem propriedade privada, ficando, neste caso, como partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos.
G. O projeto de loteamento terá de cumprir, em princípio, com a obrigatoriedade de prever áreas para cada uma das referidas finalidades, não resultando do texto legal, nem da Portaria n.º 1136/2001, que as mesmas sejam intercambiáveis, ou seja, tenham a possibilidade de se compensarem entre si.
H. O artigo 43.º, n.º 1 tem de ser conciliado com o disposto no n.º 4 do artigo 44.º do RJUE, nos termos do qual se admite que o prédio a lotear pode estar já servido por todas as infraestruturas necessárias a servir os espaços urbanos e as edificações ou não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde público.
I. O caso dos autos é enquadrável no disposto no n.º 4 do artigo 44.º do RJUE, o que significa que a A…………. terá de pagar ao Município do Porto a compensação a que alude o referido artigo.
J. Vista e revista a Portaria n.º 1136/2001, não se vislumbra qualquer indicação que o legislador quisesse fazer uma distinção quanto à aferição da necessidade ou não de se preverem áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos de utilização coletiva em função da finalidade da operação de loteamento.
K. Não é inteligível como a A…………….. não consegue conciliar a finalidade da operação de loteamento que requereu - que, no caso, se trata de uma ocupação para construção de um equipamento coletivo - com o disposto nos quadros I e II da Portaria n.º 1136/2001, uma vez que um equipamento de utilização coletiva poderá ser subsumível à categoria de comércio ou serviços.
L. A Portaria n.º 1136/2001 não padece da omissão que lhe imputa a A………….. e é inteiramente aplicável às situações em que a finalidade da operação de loteamento seja a construção de um equipamento de utilização coletiva.
M. Mesmo que se considere existir a omissão apontada - no que não se concede e apenas se equaciona por cautela de patrocínio - sempre se dirá que sendo o artigo 43.º do RJUE um normativo de aplicação obrigatória em todas as operações de loteamento, esta omissão nunca teria o condão de determinar a não aplicação do disposto no artigo 43.º do RJUE ao caso sub judice …”.

1.6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 09.01.2013, veio a ser admitido o recurso de revista, considerando-se, nomeadamente, que o acórdão recorrido entendeu “… que o art. 43.º do RJUE tem em vista dotar a urbe de espaços e equipamentos de utilização coletiva, de espaços livres quer para as infraestruturas viárias e seu possível alargamento quer para reduzir a poluição pela redução da ocupação do espaço da cidade. (…) Daqui passou para considerar a construção de um hospital privado como uma edificação destinada a serviços e uma atividade explorada comercialmente, pelo que, entendeu, de acordo com o enunciado daquele artigo 43.º e o disposto na Portaria 1136/2001, estar submetida à vinculação de ceder terreno para o domínio público municipal ou a afetar parcelas a uso público nos termos daquelas normas, ou, em caso de falta, pagar a compensação estabelecida. (…) A interpretação da norma do artigo 43.º do RJUE suscita alguma perplexidade desde logo em caso como o presente, em que a construção a efetuar é ela mesma um equipamento destinado a utilização coletiva (…). (…) Por outro lado subsiste o facto de a construção licenciada respeitar a um hospital isto é, ser destinada a serviços e ao mesmo tempo a uma atividade comercial e também, sem dúvida, o facto de trazer uma maior pressão no uso do solo e na densidade de utilização de todos os fatores ambientais daquela área e dos seus acessos …”.

1.7. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso [cfr. fls. 501/505], sendo que esta pronúncia objeto de contraditório mereceu resposta discordante do recorrente [cfr. fls. 515 e segs.] e concordante do recorrido [cfr. fls. 508].

1.8. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir em Conferência.



2. DAS QUESTÕES A DECIDIR
No essencial, constitui objeto de apreciação nesta sede o invocado erro de julgamento apontado à decisão judicial recorrida por, no entendimento do recorrente, o julgado haver incorrido em incorreta interpretação e aplicação do disposto, nomeadamente, nos arts. 43.º, 128.º do RJUE, conjugado com a Portaria n.º 1136/2001, 02.º, n.º 1, al. q), e 42.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto [doravante RMEU do Porto], 04.º, n.º 19 do PDM do Porto [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) Em 11.10.2001 o A. deu entrada na Câmara Municipal do Porto (CMP) dum pedido de informação prévia (PIP) para a construção de um hospital nos prédios sitos na Av.ª ………., ……………., ………. a ………., descritos na Conservatória do Registo Predial do Porto sob os números 1352 e 1353, da freguesia de …………., e inscritos na matriz predial urbana sob os artigos 5864 e 5865, da mesma freguesia, dando origem ao processo n.º 24.213/01 - cfr. doc. de fls. 73 a 82 dos autos.
II) A Câmara Municipal do Porto [CMP], após consulta das entidades externas, na sua sessão de 11.06.2002, deliberou aprovar a proposta n.º 8279/02 e aplicar o regime de exceção do art. 15.º, n.º 2 das Normas Provisórias, por considerar o hospital um prédio destinado «a equipamentos urbanos que, por reconhecido interesse, sirvam o desenvolvimento da cidade tanto pela funcionalidade como por expressão plástica ou monumental» - cfr. doc. de fls. 73 a 82 dos autos.
III) Em 19.06.2002 o senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo da CMP proferiu despacho a aprovar o PIP referido em I) - cfr. doc. de fls.73 dos autos.
IV) Esse despacho foi notificado ao A. em 21.06.2002 - cfr. doc. de fls. 73 dos autos.
V) Em 20.06.2003 a Requerente apresentou pedido de licenciamento de obras de construção do edifício destinado ao hospital, tendo apresentado o respetivo projeto de arquitetura - cfr. «P.A.».
VI) Esse pedido deu início ao processo administrativo n.º 12.636/03 - cfr. «P.A.».
VII) Em 08.09.2004 e sobre o pedido referido em V) foi proferida a informação técnica de fls. 84 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, designadamente, o seguinte:
«1. O Requerente apresenta um pedido de licenciamento para um edifício destinado à instalação de um hospital privado com uma unidade residencial com cuidados de assistência para pessoas idosas. (...)
5. A proposta apresentada surge na sequência de um PIP aprovado em 19/06/2002. O pedido de licenciamento deu entrada no prazo de validade do PIP.
6. Analisada a proposta apresentada verifica-se que a mesma mantém os pressupostos que estiveram na base da aprovação do PIP e existe conformidade entre o PIP e o pedido de licenciamento no que se refere aos parâmetros urbanísticos considerados, ou seja, a capacidade construtiva, o índice volumétrico e a utilização anteriormente considerada.
7. Em relação ao equipamento proposto, entendo que o mesmo constitui uma mais-valia para o município do Porto na medida em que permite alternativas aos cuidados de saúde para além de representar uma importância relevante do ponto de vista social na medida em que permite o acompanhamento a pessoas idosas, com assistência permanente.
8. (...) o requerente apresenta uma exposição contestando a intenção de suspensão do procedimento alegando que o pedido apresentado se conforma com o PIP aprovado. São também apresentadas certidões da Conservatória do Registo Predial. Analisados estes elementos verifica-se que o terreno da pretensão é constituído por dois prédios autónomos (...) logo, a operação em causa carece de prévio licenciamento de emparcelamento.
9. Desta forma, proponho a suspensão do procedimento em relação ao presente processo, devendo o requerente instruir um pedido de loteamento/emparcelamento, não devendo prosseguir o presente processo sem que seja emitido o necessário alvará de Loteamento/Emparcelamento».
VIII) A informação referida no ponto que antecede foi homologada por despacho de 25.09.2004 da autoria do senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade - cfr. doc. de fls. 85 dos autos.
IX) Por ofício datado de 19.10.2004, o A. foi notificado, para efeitos da audiência prévia, da informação e do despacho referidos em VII) e VIII) - cfr. doc. de fls..
X) Na sequência da informação e do despacho referidos em VII) e VIII), o A. apresentou em 13.10.2004 nos competentes serviços do R. um pedido de licenciamento da operação de loteamento para emparcelamento dos dois prédios referidos em I) - cfr. «P.A.».
XI) Esse pedido deu origem ao processo administrativo n.º 32.838/04/DMSP - cfr. «P.A.».
XII) Em 24.03.2005 foi emitida pelos serviços do R. a INF/5079/05/DMGU, de fls. 86 e 87 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, designadamente, o seguinte:
«... 3. Dado o entendimento superior da necessidade de aplicação dos parâmetros definidos na Portaria 1136/01, de 25 de setembro, a dotação de estacionamento corresponde a 1030 lugares, aos quais deverão acrescentar 30%, perfazendo um total de 1.339,65 lugares;
4. Contudo, salvo melhor opinião, por se tratar de um serviço, mas que engloba um equipamento privado de interesse público, deverá ser suficiente o cumprimento do art. 37.º do RMEU, que refere expressamente a dotação de estacionamento para uso de ‘clínicas e hospitais’.
5. De acordo com as instruções superiores para a contabilização dos parâmetros definidos na Portaria 1136/01, de 25 de setembro, deverão ser considerados os seguintes valores, referentes ao cálculo das respetivas taxas de compensação:
* Espaços verdes e de utilização coletiva = 5770,8 m2;
São propostas áreas de cedência ao domínio público de 72 m2;
Défice 5698,8 m2;
* Equipamentos de utilização coletiva = total em défice = 5152,5 m2».
XIII) Em 29.03.2005 o gestor do processo, Arquiteto D…………., emitiu a INF/5164/05/DMGU, de fls. 88 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzida, segundo a qual:
«1. Pese embora a informação do GAAU que antecede, a verdade é que, face aos elementos que são apresentados pelo técnico responsável pelo presente projeto de loteamento/emparcelamento, verifica-se que não é cumprida a dotação de estacionamento calculada de acordo com os parâmetros de dimensionamento do n.º de lugares previstos na Portaria n.º 1136/2001, de 25 de setembro.
2. Atendendo aos fundamentos de facto e de direito expressos, tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 44.º do DL 555/99, alterado pelo DL 177/2001, e com base no disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 24.º deste mesmo diploma, propõe-se o indeferimento da pretensão.
3. Mais se propõe que seja promovida a correspondente notificação da entidade interessada nos termos dos artigos 100.º e 101.º do CPA ...».
XIV) O A. opôs-se à aplicação da Portaria n.º 1136/2001 e à exigência de previsão e cedência de espaços verdes e de utilização coletiva e de equipamento de utilização coletiva - cfr. «P.A.».
XV) Em 07.06.2005 é elaborada a INF/298/05/DMGUI, junta aos autos a fls. 89, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual se refere, designadamente que:
«... A pretensão refere-se a pedido de licenciamento de operação de loteamento, na forma de emparcelamento.
De acordo com a INF/5079/05/DMGU, foram calculadas as seguintes áreas a ceder neste pretensão para a criação de: (...)
Face ao solicitado no ponto 1 da INF/295/05/DMGUI, concluímos que a pretensão está inserida em área já servida por espaços verdes e de utilização coletiva e equipamentos de utilização coletiva, pelo que propomos a isenção de cedência das respetivas áreas - 5698,8 m2 e 5 152,5 m2 -, ficando o requerente obrigado ao pagamento de uma compensação ao município nos termos definidos no Regulamento e Liquidação e Cobrança de Taxas e Outras Receitas Municipais».
XVI) Na mesma data é elaborada a INF/301/05/DMGUI, junta aos autos a fls. 90, na qual consta o seguinte:
«1. Face à informação 298/05 do Gabinete de Apreciação de Projetos, a pretensão está inserida em área já servida por espaços verdes e equipamentos de utilização coletiva, pelo que de acordo com o disposto pelo n.º 4 do artigo 44.º do RJUE, o défice das referidas áreas poderá, caso seja esse o entendimento do município, ser compensado pelo requerente em numerário.
2. O requerente deverá assim ser notificado para corrigir a proposta de forma a prever o número de lugares de estacionamento estipulados pela Secção V do Capítulo III do Título IV do Regulamento do PDM (257 lugares).
3. Posteriormente, deverá ser promovida a discussão pública da propostas, conforme previsto pelo artigo 22.º do RJUE, a efetuar nos termos do disposto pelo artigo 77.º do Decreto-Lei 380/99 de 22 de setembro».
XVII) Por OF/218/05/DMGUI, datado de 08.06.2005, o A. foi notificado para “Em referência ao processo em epígrafe, comunico a V. Ex.ª a necessidade de regularização do mesmo, devendo para tal apresentar elementos em conformidade, face à informação técnica n.º INF/301/05/DMGUI e despacho de 2005.06.07 do Exm.º Senhor Vereador do Pelouro de Urbanismo, Mobilidade e Desenvolvimento Social, Dr. E……………, de que se junta fotocópia” - cfr. doc. de fls. 91 dos autos.
XVIII) Em 15.06.2005 os serviços técnicos da CMP elaboraram a INF/406/05/DMGUI, junta aos autos a fls. 93, da qual consta o seguinte:
«1. Caso o parecer jurídico (INF/705/DMJC) seja superiormente aceite, encontra-se ultrapassada a necessidade do requerente corrigir o projeto de arquitetura, conforme referido no ponto da INF/301/05/DMGUI.
O número de lugares de estacionamento previstos no presente projeto (239) está de acordo com o estipulado pelo artigo 37.º do Regulamento Municipal de Edificação e Urbanização do Concelho do Porto (RMEU).
2. O pedido de licenciamento poderá prosseguir nos termos referidos nos pontos 1 e 3 da INF/301/05/DMGUI».
XIX) Sobre a informação que antecede foi proferido despacho de homologação pelo Senhor Vereador do Pelouro do Urbanismo, Mobilidade e Desenvolvimento Social em 15.06.2005 - cfr.doc. de fls. 92 dos autos.
XX) A informação e o despacho referidos em XVIII) e XIX) foram notificados ao A. pelo OF/309/05/DMGUI, datado de 17.06.2005 - cfr. doc. de fls. 92 dos autos.
XXI) Em 04.07.2005 o A. deu entrada nos serviços da Entidade Demandada, da exposição de fls. 96 a 101 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, na qual se pronunciou contra a aplicação da Portaria n.º 1136/2001 e contra a exigência de previsão e cedência de parcelas para espaços verdes e de utilização coletiva e de equipamento para utilização coletiva.
XXII) Em 13.01.2006 foi elaborada a informação INF/259/06/DMGUI, junta aos autos a fls. 59 a 61, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, designadamente, o seguinte:
«... 1. Caracterização da pretensão
1.1. O Requerente do emparcelamento do prédio situado na Avenida ……….., n.º ………. (...). Solicita a realização de uma operação de loteamento, criando um lote destinado à construção de um edifício destinado a Hospital Privado com Unidade Residencial de Cuidados Continuados para Pessoas Idosas (...).
1.2 Solicita ainda o requerente, a emissão de alvará … de loteamento (...).
2. Consulta de Entidades Exteriores aos Município
De acordo com o disposto pelo n.º 2 do artigo 3.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 125/2002 de 15 de outubro, Estabelecimento de Medidas Preventivas (MP) e n.º 1 do artigo 42.º do RJUE, foi consultada a CCDR-N, que emitiu parecer favorável (ata da reunião n.º 31/2005).
3. Pareceres dos serviços da Câmara Municipal
Foi consultado o Gabinete de Apreciação Arquitetónica e Urbanística que se pronunciou favoravelmente (INF/3871/05/DMGU, INF/5079/05/DMGU E INF/298/05/DMGUI).
4. (...)
5. (...)
6. Áreas de cedência e infraestruturas.
É prevista apenas a cedência ao município a área de 72 m2 para espaço de utilização coletiva. Encontrando-se o prédio a lotear já servido pelas necessárias infraestruturas, não se justifica a cedência de área para equipamento ou áreas verdes. De acordo com o disposto pelo n.º 4, do artigo 44.º do RJUE, o défice das referidas áreas poderá, caso seja esse o entendimento do município ser compensado pelo requerente em numerário.
6.1 Espaços verdes e de utilização coletiva: 5698,8 m2;
6.2 Equipamentos de utilização coletiva: 5152,5 m2.
(...)
7. Proposta de despacho
O pedido sobre a presente operação urbanística (...) assim como o pedido de emissão de alvará de loteamento, estão em condições de ser deferidos».
XXIII) Em 16.01.2006 o Chefe de Divisão de Gestão Urbanística proferiu despacho de concordância com a informação referida em XXII), propondo o deferimento do pedido de licenciamento e a emissão do respetivo alvará - cfr. doc. de fls. 61 dos autos;
XXIV) Em 18.01.2006 o Diretor Municipal do Urbanismo proferiu despacho de concordância com a informação referida em XXII), propondo o deferimento do pedido de licenciamento e a emissão do respetivo alvará - cfr. doc. de fls. 61 dos autos.
XXV) Em 19.01.2006 o senhor Vereador do Urbanismo e de Mobilidade proferiu despacho de concordância com a informação e os despachos referidos em XXII)), XXIII) e XXIV) e deferiu o pedido de licenciamento apresentado pelo A..
XXVI) Em 02.02.2006 foram remetidas, por fax dirigido ao Dr. F………. cópias da INF259/06/DMGUI na qual foi exarado o referido despacho do Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade da CMP, datado de 19.01.2006.
XXVII) Por ofício datado de 30.03.2006 - OF/2956/06/DMR - junto aos autos a fls. 63 a 65, que aqui se dá por reproduzido, a entidade demandada, reportando-se ao despacho de deferimento de 19.01.2006 do pedido de emissão do alvará de licença de loteamento n.º 97/06/DMU, notificou o ora A. do ato de liquidação das taxas;
XXVIII) A 04.05.2006 o A. apresentou um requerimento e dirigiu uma exposição ao senhor Presidente da CMP, nos termos que constam dos documentos juntos aos autos a fls. 67 a 68 e 69 a 72 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, expressando a sua oposição e não aceitação da obrigação de pagamento das mencionadas taxas e da respetiva liquidação.
XXIX) Em 06.04.2006 o A. efetuou o pagamento das taxas - cfr. doc. de fls. 95 dos autos.
XXX) Em 06.04.2006 foi emitido o correspondente alvará de loteamento - alvará n.º ALV/97/06/DMU - cfr. doc. de fls. 62 dos autos.

*

3.2. DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação da questão que constitui objeto de recurso, ou seja, determinar se assiste ou não razão ao A. no erro de julgamento que assaca ao acórdão do TCA/N quanto no mesmo se confirmou o juízo de improcedência da pretensão invalidatória do ato administrativo impugnado enquanto fundada na violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 43.º e 128.º do RJUE em articulação com a Portaria n.º 1136/2001, e arts 02.º, n.º 1, al. q), e 42.º do RMEU do Porto [publicado no DR II.ª série, n.º 34 (apêndice n.º 24), de 10.02.2003 - entretanto revogado pelo Código Regulamentar do Município do Porto publicado no DR, II.ª série, n.º 56, de 19.03.2008].
Atentemos, previamente, ao quadro legal pertinente considerando a redação à data vigente e que se mostra aplicável.

I. Assim, no quadro na Secção III relativa a “condições especiais de licenciamento ou comunicação prévia” do RJUE [DL n.º 555/99, de 16.12, sucessivamente alterado mas na redação anterior àquela que foi introduzida pela Lei n.º 60/2007, de 04.09] constava uma subsecção I relativa a “operações de loteamento” [definidas no art. 02.º do mesmo diploma como “as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados imediata ou subsequentemente à edificação urbana, e que resulte da divisão de um ou vários prédios, ou do seu emparcelamento ou reparcelamento” - al. i)], subsecção essa na qual o art. 41.º preceituava que “[a]s operações de loteamento só podem realizar-se nas áreas situadas dentro do perímetro urbano e em terrenos já urbanizados ou cuja urbanização se encontre programada em plano municipal de ordenamento do território”.

II. Com a mesma inserção e sob a epígrafe de “áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos” resultava do art. 43.º que “[o]s projetos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos” (n.º 1), que “[o]s parâmetros para o dimensionamento das áreas referidas no número anterior são os que estiverem definidos em plano municipal de ordenamento do território, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território e pelo plano regional de ordenamento do território” (n.º 2) e que “[p]ara aferir se o projeto de loteamento respeita os parâmetros a que alude o número anterior consideram-se quer as parcelas de natureza privada a afetar àqueles fins quer as parcelas a ceder à câmara municipal nos termos do artigo seguinte” (n.º 3), sendo que “[o]s espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos de natureza privada constituem partes comuns dos lotes resultantes da operação de loteamento e dos edifícios que neles venham a ser construídos e regem-se pelo disposto nos artigos 1420.º a 1438.º-A do Código Civil” (n.º 4).

III. E no normativo seguinte, com a epígrafe de “cedências”, dispunha-se que “[o] proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedem gratuitamente ao município as parcelas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização coletiva e as infraestruturas que, de acordo com a lei e a licença ou autorização de loteamento, devam integrar o domínio municipal” (n.º 1), que “[p]ara os efeitos do número anterior, o requerente deve assinalar as áreas de cedência ao município em planta a entregar com o pedido de licenciamento ou autorização” (n.º 2) e que “[a]s parcelas de terrenos cedidas ao município integram-se automaticamente no domínio público municipal com a emissão de alvará” (n.º 3), sendo que “[s]e o prédio a lotear já estiver servido pelas infraestruturas a que se refere a alínea h) do artigo 2.º ou não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde públicos no referido prédio, ou ainda nos casos referidos no n.º 4 do artigo anterior, não há lugar a qualquer cedência para esses fins, ficando, no entanto, o proprietário obrigado ao pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou em espécie, nos termos definidos em regulamento municipal” (n.º 4).

IV. Por sua vez, no art. 128.º do RJUE [normativo entretanto revogado pela referida Lei n.º 60/2007], preceito no qual se mostrava estabelecido um regime transitório, estipulava-se, no que para os autos releva, que “[a]té ao estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º, dos parâmetros para o dimensionamento das áreas referidas no n.º 1 do mesmo artigo, continuam os mesmos a ser fixados por portaria do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território” (n.º 3), fixação essa que veio ser realizada pela Portaria n.º 1136/01, de 25.09, em cujos quadros anexos I e II são estabelecidos os parâmetros para os dimensionamentos das áreas para espaços verdes e de utilização coletiva e para equipamentos de utilização coletiva, referindo-se no seu preâmbulo que o “Decreto-lei n.º 555/99 …, que aprovou o novo regime jurídico da urbanização e da edificação, estipula nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º que os projetos de loteamento devem prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos, cujos parâmetros de dimensionamento são os que estiverem definidos em plano municipal de ordenamento do território, de acordo com as diretrizes fixadas pelo Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território e pelo plano regional de ordenamento do território. (…) Com o objetivo de garantir a previsão daquelas áreas nos projetos de loteamento, estipula o n.º 3 do artigo 128.º do Decreto-lei n.º 555/99 …, que, até ao estabelecimento dos parâmetros nos termos legalmente consagrados, a sua fixação continua a efetuar-se através de portaria, tal como vinha já sucedendo até aqui”.

V. Resulta, por outro lado, do art. 02.º, n.º 1, al. q) do RMEU do Porto, que deve entender-se por «equipamento urbano» “edificações ou instalações destinadas à prestação de serviços à comunidade, entre outros, nos domínios assistencial e sanitário, educativo, cultural e desportivo, religioso, administrativo, defesa e segurança, à gestão e exploração dos transportes coletivos e das infraestruturas urbanas e ainda os mercados públicos e cemitérios”.

VI. Previa-se no art. 42.º do referido Regulamento, em matéria das áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos, disciplinada no capítulo IV do mesmo, que “[a]s operações urbanísticas que, nos termos do número seguinte devam prever áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos de utilização coletiva, ficam sujeitas à aplicação dos parâmetros de dimensionamento definidos em PMOT ou, em caso de omissão, pela Portaria n.º 1136/2001, de 25 de Setembro” (n.º 1), que “[e]stão sujeitas ao disposto no número anterior as seguintes operações urbanísticas: a) Operações de loteamento ou suas alterações, entendendo-se como tal apenas as áreas das parcelas objeto dessa alteração; b) As obras que, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 555/99 … determinem impactes semelhantes a uma operação de loteamento, nomeadamente quando respeitem a construções que: i) Disponham de mais que uma caixa de escadas de acesso comum a frações ou unidades independentes; ii) Disponham de três ou mais frações ou unidades independentes com acesso direto a partir do espaço exterior; iii) Provoquem uma sobrecarga significativa dos níveis de serviço nas infraestruturas, nomeadamente vias de acesso, tráfego e estacionamento” (n.º 2) e que “[a]s áreas que, pelos critérios de dimensionamento definidos no n.º 1 deste artigo, se destinem a espaços verdes e de utilização coletiva e a equipamentos de utilização coletiva poderão ser afetas a um único destes dois fins, quando a Câmara Municipal assim o entenda por razões de ordem urbanística” (n.º 3), sendo que “[q]uando haja lugar à cedência para o domínio público municipal de espaços verdes e de utilização coletiva, as áreas verdes terão que apresentar continuidade, considerando-se como parcela mínima: a) se os espaços verdes e de utilização coletiva a ceder tiverem uma área superior a 2000 m2, a parcela mínima contínua é de 2000 m2, devendo qualquer das suas dimensões ser superior a 25 m; b) se a área a ceder for superior a 1000 m2 e inferior a 2000 m2, a parcela mínima contínua é de 1000 m2, devendo qualquer das suas dimensões ser superior a 20 m; c) abaixo do limiar da alínea anterior deverá ser garantido uma área verde contínua de utilização coletiva mínima de 250 m2, com a adoção de soluções de espaços pavimentados e arborizados” (n.º 4), na certeza de que “[a]s áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva e a equipamentos de utilização coletiva a integrar no domínio público municipal deverão sempre possuir acesso direto a espaço ou via pública ou integrar áreas que já possua acesso, e a sua localização será tal que contribua efetivamente para a qualificação do espaço urbano onde se integram e para o usufruto da população instalada ou a instalar no local” (n.º 5).

VII. A decisão recorrida improcedeu a pretensão impugnatória considerando que no caso o ato licenciador não enfermava de violação de lei por infração, nomeadamente, dos arts. 43.º e 44.º do RJUE juízo de que o recorrente discorda porquanto entende que a operação de loteamento em causa, enquanto destinada à implantação dum hospital privado o qual deverá ser qualificado como equipamento coletivo, não está sujeita à obrigação de previsão de áreas destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva e a equipamentos coletivos, e, na sua falta, ao pagamento de compensação, já que, ao que se infere do seu posicionamento, pelo facto de vir a ser construído um hospital tal já basta para se observar o comando inserto no referido art. 43.º.

VIII. O quadro normativo ora em questão do RJUE corresponde, no essencial, aquilo que constituía o regime anteriormente vigente e que se mostrava inserto nos arts. 15.º e 16.º do DL n.º 448/91, sendo que dúvidas não parecem existir quanto ao facto de serem conceitos distintos a previsão de “áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos” a que se refere o art. 43.º e a outro a cedência de “parcelas” para integrar no domínio público municipal a que se reporta o art. 44.º [cfr. confirmando esta distinção veja-se o n.º 3 do art. 43.º], na certeza, porém, que os mesmos não são estanques e importa serem conjugadamente interpretados, mormente, em situações como a do caso vertente em que o prédio a lotear, atenta a sua localização, já está servido por infraestruturas ou equipamentos que satisfazem inteiramente as necessidades.

IX. Para a adequada interpretação do referido regime, mormente, do que seja o conceito de “equipamentos coletivos” ou “equipamento de utilização coletiva”, importa que nos socorramos daquilo que a referida Portaria n.º 1136/01 se definiu a esse propósito considerando como tal as “áreas afetas às instalações (inclui as ocupadas pelas edificações e os terrenos envolventes afetos às instalações) destinadas à prestação de serviços às coletividades (saúde, ensino, administração, assistência social, segurança pública, proteção civil, etc.), à prestação de serviços de carácter económico (mercados, feiras, etc.) e à prática de atividades culturais, de recreio e lazer e de desporto”, sendo que por “espaços verdes e de utilização coletiva” os mesmos correspondem a “espaços livres, entendidos como espaços exteriores, enquadrados na estrutura verde urbana, que se prestam a uma utilização menos condicionada, a comportamentos espontâneos e a uma estada descontraída por parte da população utente. Inclui, nomeadamente, jardins, equipamentos desportivos a céu aberto e praças, com exclusão dos logradouros privados em moradias uni ou bifamiliares” e as “infraestruturas” “integram a rede viária (espaço construído destinado à circulação de pessoas e viaturas) e o estacionamento”.

X. Transpondo e tendo presentes os referidos conceitos para a interpretação do regime previsto no art. 43.º do RJUE e normas legais e regulamentares com aquele conexas temos que a imposição dele constante quanto à necessidade de previsão nos projetos de loteamento de áreas para espaços verdes e de utilização coletiva, de infraestruturas viárias e equipamentos constitui o reflexo daquilo que são as exigências dum equilibrado e adequado ordenamento do território, em particular, das cidades.

XI. Visando-se, assim, prosseguir tal desiderato importa, então, articular o regime inserto no art. 43.º do RJUE com o regime previsto no normativo seguinte do mesmo diploma pelo que, para esse efeito, a caracterização dos equipamentos passa pela consideração não apenas da definição da sua finalidade específica mas pelo regime jurídico ao qual os mesmos se encontram sujeitos já que configurarão ou áreas comuns aos lotes resultantes das operações de loteamento e dos edifícios que nos mesmos venham a ser implantados ou áreas de cedência para o domínio municipal.

XII. Na verdade, tais parcelas ficam sujeitas a um regime próprio porquanto ou passarão a propriedade municipal [cfr. art. 44.º] ou constituirão partes comuns dos lotes e das edificações neles construídas [cfr. art. 43.º, n.º 4], sendo que, em ambas as situações, tais parcelas/partes deixam de ter um uso ou uma utilização especificamente privatístico.

XIII. Nessa medida e tal como é referido por Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs “não são, por isso, equiparáveis a estes equipamentos de utilização coletiva os demais equipamentos que sejam integrados num lote e que, por isso, são essencialmente pensados numa perspetiva privada” [in: “Regime Jurídico de Urbanização e Edificação Comentado”, 3.ª edição, p. 372].

XIV. Daí que, ao invés do regime específico a que ficam sujeitas quer as parcelas dos lotes com o estatuto de partes comuns destes quer as parcelas municipais, temos que os lotes de per si constituem novas unidades prediais livremente transacionáveis no quadro do comércio jurídico e mostram-se, assim, afetos à satisfação exclusiva dos interesses do seu proprietário ou titular de outros direitos.

XV. Ora tal exige que se proceda a clara distinção entre lotes e parcelas destinadas para equipamentos de utilização coletiva, termos em que, quando inseridos no âmbito de loteamentos, tais equipamentos terão, para assim serem considerados, de ser implantados em áreas de cedência para o domínio municipal ou em áreas comuns dos lotes e não poderão se objeto de apropriação por nenhum titular dos lotes, razão pela qual a aferição dos parâmetros de dimensionamento para espaços verdes de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos de utilização coletiva terá de ser feita em função da ocupação prevista e admitida para cada um dos lotes do loteamento.

XVI. É que destinando-se os mesmos a edificação urbana tal implica uma sobrecarga no território que exige e justifica a definição de áreas destinadas a prosseguir fins coletivos ou de utilização/uso coletivo, assegurando dessa forma um ordenamento do território, um ambiente urbano, equilibrados e adequados, sendo que tais exigências só não existirão quando a área já estiver servida a esse nível.

XVII. De facto, será apenas quanto aos equipamentos inseridos em parcelas municipais ou em parcelas comuns aos lotes ou às edificações neles construídos que não se fazem exigências quanto a parâmetros de dimensionamento para infraestruturas, estacionamentos ou para espaços verdes e de utilização coletiva.

XVIII. Este Tribunal no âmbito do processo n.º 854/07 proferiu acórdão, datado de 12.11.2008, no qual se pronunciou sobre a necessidade duma leitura articulada e conjugada dos dois dispositivos em referência na sua articulação com demais quadro legal e regulamentar, integrando-os no quadro dos poderes conferidos às autarquias em matéria de urbanismo e edificação bem como dos objetivos aos mesmos subjacentes.

XIX. Assim e no que para a discussão deste litígio releva ali se sustentou que “a questão está em saber se o referido dever de previsão de áreas ainda subsiste, tout court, quando o prédio já estiver servido pelas funcionalidades a que se destinam as áreas que devem ser previstas, ou se, neste caso, não avançará o mecanismo de cedências a que se refere o art. 44.º, n.º 4 (…). (…) com vista à satisfação dos interesses de ordem pública que às câmaras cabe prosseguir, são-lhes outorgados amplos poderes na área do urbanismo concretamente em matéria de urbanização e edificação. (…) Veja-se, para o que mais diretamente interessa para o caso, a possibilidade de indeferir pedidos de licenciamento (respeitantes a «operações urbanísticas», e não apenas a obras de construção) com o recurso ao preenchimento de conceitos jurídicos indeterminados (cf., v.g., art. 24.º, n.º 2, do RJUE), assim se conferindo uma larga margem de liberdade no seu preenchimento concreto. (…) Ora, a consideração como ilegal de ato da Administração autárquica que aprova um loteamento (e assim o dever impor-se o indeferimento do pedido de licenciamento) sem obrigação de cedência ao domínio público de qualquer parcela com vista às referidas funcionalidades uma vez que, atenta a sua localização, as respetivas necessidades já estão alegadamente satisfeitas, e onde se não preveem quaisquer outros equipamentos públicos, constituiria seguramente uma relevante compressão daqueles poderes”.

XX. E suscitando a questão sobre qual deverá ter-se como sendo o posicionamento do legislador perante situação em que o prédio a lotear já estiver servido por infraestruturas ou não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde público defendeu-se, em resposta, que “a «imposição» concreta de X de área para implantação de espaços verdes e de y para infraestruturas viárias e equipamentos … pode resultar numa afronta a valores que às câmaras cumpre salvaguardar nas operações urbanísticas em causa (como o património cultural ou paisagístico, natural ou edificado, estética das povoações, adequada inserção no ambiente urbano, etc.), o que no caso apenas se previne com a conjugação dos arts. 43.º e 44.º citados, como se propugna. (…) Ou seja, para respeitar os parâmetros de dimensionamento aplicáveis na área de acordo com as definições constantes de plano municipal de ordenamento do território (e assim prevenir tratamentos discriminatórios), e de harmonia com o estabelecido pela Port.ª 1136/01 (Anexo I), deve entender-se que o falado dever de previsão a que se refere o citado art. 43.º acaba por ter expressão (ou ser compensado) através de mecanismos como aquele a que se refere a deliberação impugnada de harmonia com o previsto no n.º 4 do art. 44.º. (…) Em resumo, quando na deliberação impugnada se não estabeleceram áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos (uma vez que, atenta a sua localização, as respetivas necessidades já estavam satisfeitas, e por não se preverem quaisquer outros equipamentos públicos), e não estando em causa, nem a violação dos parâmetros para o dimensionamento das áreas a tal destinadas pelos instrumentos normativos referidos no n.º 2 do art. 43.º (interpretado em conjugação com o disposto no art. 44.º), nem a correspondência do referido mecanismo de compensação com as áreas respetivas a que se refere a deliberação impugnada, não pode dizer-se que a mesma incorreu no erro de direito que lhe é imputado”.

XXI. Também Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs afirmam que, no quadro dum loteamento urbano, as áreas destinadas a dar cumprimento aos parâmetros de dimensionamento “não devem ser inseridas em lotes, na medida em que não estão sujeitas ao tradicional regime jurídico da propriedade privada, mas em parcelas diferenciadas integradas no loteamento, assegurando-se, assim, o seu papel estruturante no âmbito deste e permitindo-se que a edificabilidade a concretizar nessas áreas - sobretudo se em causa estiver um equipamento e sempre na dependência do que o PMOT determinar - não sejam contabilizadas para efeitos de cumprimento dos índices urbanísticos ou de realização de encargos” [in: ob. cit., p. 375].

XXII. De harmonia com o que vimos sustentando se é certo que um hospital [privado ou público] pode, para vários outros efeitos, ser considerado como um “equipamento coletivo” tal não implica, todavia, que o mesmo deva integrar o conceito de “equipamento de utilização coletiva” previsto no art. 43.º do RJUE face àquilo que são, como supra se aludiu, as exigências dele constante na sua articulação e conexão com o demais quadro normativo [legal e regulamentar].

XXIII. Não se pode, pois, retirar do art. 43.º do RJUE o entendimento sustentado pelo recorrente de que perante uma operação urbanística de loteamento em que o lote ou um dos lotes se destine a implantar hospital não haja lugar à necessidade de cumprimento das exigências nele previstas quanto a áreas destinadas à implantação de espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos, tanto mais que tal implicaria ou conduziria, em última instância, à total ausência, nomeadamente, de áreas relativas a infraestruturas ou a espaços verdes para aquele hospital, não se percebendo, num contexto em que o local não estivesse servido por infraestruturas ou não se justificasse a necessidade de qualquer equipamento ou espaço verde público, como ao mesmo se poderia aceder, como o mesmo poderia funcionar, nem como o mesmo se poderia integrar no ordenamento, no ambiente urbano.

XXIV. Destinando-se o lote a ser edificado tal implica uma sobrecarga no território que exige e justifica a definição de áreas destinadas a prosseguir fins coletivos ou de utilização/uso coletivo, assegurando dessa forma um ordenamento do território, um ambiente urbano, equilibrados e adequados, pelo que tais exigências de cedências só não existirão quando a área já estiver servida a esse nível, isoladamente ou em conjunto, por espaços, infraestruturas e equipamentos públicos que respondam satisfatoriamente às necessidades das populações, em particular, aquilo que o loteamento vai gerar em termos de aumento da procura, do peso/carga sobre tais espaços e infraestruturas, pois aí, nesse caso, caímos na previsão do n.º 4 do art. 44.º do RJUE e no mecanismo da compensação ali instituído.

XXV. Pelo exposto, improcede a presente revista, impondo-se, com a fundamentação antecedente, confirmar o julgado sob impugnação e o juízo de improcedência da pretensão anulatória deduzido pelo aqui recorrente.


4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional sub specie e, consequentemente, com a motivação antecedente confirmar a decisão judicial recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
D.N..

Lisboa, 18 de junho de 2015. - Carlos Luís Medeiros de Carvalho(relator) – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Augusto Andrade de Oliveira.