Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01004/12.6BEPRT
Data do Acordão:05/25/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DECISÃO SUMÁRIA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Os recursos de revista têm por objecto acórdãos do TCA, e não decisões singulares dos relatores. Não é de admitir recurso de revista que se mostra dirigido a despacho do relator do TCA.
Nº Convencional:JSTA000P31044
Nº do Documento:SA12023052501004/12
Data de Entrada:05/10/2023
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE VILA REAL E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO [MP] vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor recurso de revista do «despacho» - de 02.02.2023 - pelo qual a Relatora do processo, já em sede de apelação no TCAS, decidiu indeferir o requerimento - apresentado ao abrigo do artigo 62º do CPTA - visando o prosseguimento da acção executiva - acção executiva intentada por AA e BB «contra» a CÂMARA MUNICIPAL DE VILA REAL e os contra-interessados CC e sua mulher DD, visando dar execução a sentença transitada em julgado que declarou a nulidade da deliberação camarária que licenciou construção de uma habitação aos contra-interessados.

Alega que a presente «revista» deverá ser admitida em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito».

A entidade executada - MUNICIPIO DE VILA REAL - contra-alegou defendendo, além do mais, a não admissão do recurso de revista, nomeadamente por o despacho recorrido fazer uma correcta aplicação do direito.

2. Com a presente «acção executiva» visavam os exequentes - AA e sua mulher - obter execução coerciva da decisão judicial que declarou a nulidade do acto que licenciou a construção de uma habitação aos contra-interessados - CC e sua mulher.

Por sentença do TAF do Porto - de 07.12.2018 - foi julgada improcedente a invocação de causa legítima de inexecução e foi fixado o acto executório do julgado: demolição da construção - «habitação unifamiliar» situada no lote nº...8 do «Loteamento ...», situado no Lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho ... - dentro de 90 dias, sendo a CÂMARA MUNICIPAL DE VILA REAL [CMVR] responsável pela mesma.

Na verdade, entendeu-se na sentença que não existindo causa legítima de inexecução, e não havendo possibilidade de conformar o edificado com a «legalidade urbanística», apenas restaria a solução da demolição.

Na pendência de apelação apresentada pela CMVR - nomeadamente por considerar desproporcional o acto executório ordenado -, foi gizada «transacção» entre todos os intervenientes - exequentes, câmara, e contra-interessados - mediante a qual - em essência - punham termo ao «processo» mediante o pagamento, efectivo, feito pelo «executado» aos «exequentes», da quantia de 20.996,81€ a título de indemnização.

Esta transacção foi «homologada» por decisão sumária do tribunal de apelação - datada de 28.11.2022 - e, consequentemente, declarada extinta a lide entre as partes.

A 29.12.2022 o MINISTÉRIO PÚBLICO veio aos autos apresentar requerimento, fazendo-o com base no artigo 62º do CPTA, no sentido do prosseguimento da acção executiva, por entender que a sua efectiva decisão se reveste de «interesse público», aceitando e fazendo sua a acção «no estado em que se encontra» - efectivamente o artigo 62º do CPTA, sob a epígrafe de «Prossecução da acção pelo Ministério Público» diz: «1- O Ministério Público pode, no exercício da acção pública, assumir a posição de autor, requerendo o seguimento de processo que, por decisão ainda não transitada, tenha terminado por desistência ou outra circunstância própria do autor. 2- Para o efeito do disposto no número anterior, o juiz, uma vez extinta a instância, dará vista do processo ao Ministério Público.

Notificados deste requerimento, os «exequentes» pronunciaram-se no sentido do seu indeferimento, devendo manter-se - a seu ver - extinta a lide conforme foi decidido.

E foi assim que, por «despacho» de 02.02.2023, proferido pela Relatora no tribunal de apelação - TCAS - foi decidido indeferir o requerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, por não ser admissível atenta a intempestividade do requerido e a ausência de uma desistência por parte dos recorridos, mantendo-se, desta forma, extinta a lide. Ademais, acrescenta, tudo indica que as edificações construídas nos lotes se encontram regularizadas e conformes com a respectiva licença de loteamento, soçobrando qualquer razão de interesse público que justificasse o prosseguimento da presente acção…

O MINISTÉRIO PÚBLICO discorda, e pede revista desta decisão do tribunal de 2ª instância, alegando que o juiz, uma vez extinta a instância, lhe devia «dar vista do processo», o que não foi feito, e que, assim, obstou ao exercício do desígnio estatutário previsto no artigo 4º, nº1 alínea j) da Lei nº68/2019, de 27.01 - ESTATUTO DO MISTÉRIO PÚBLICO -, não cabendo ao tribunal denegar o exercício desta faculdade com fundamento na possível improcedência do pedido a final.

3. Mas a sua pretensão de revista não poderá ser admitida. Vejamos.

Decorre do «artigo 140º do CPTA» que os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários a apelação e a revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão» [nº1], que só existe recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo nos casos e termos previstos no capítulo seguinte [nº2], sendo que os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, salvo o disposto no presente título [nº3].

E deriva do «nº1 do artigo 150º do CPTA» que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, prevendo-se no seu nº2 que a revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

Estipula-se, por sua vez, no «nº2 do artigo 24º do ETAF» que compete ainda à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos de revista sobre matéria de direito interpostos de acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo dos tribunais centrais administrativos e de decisões dos tribunais administrativos de círculo, segundo o disposto na lei de processo.

Preceitua-se no «nº1 do artigo 671º do CPC» que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

E, por fim, decorre dos «artigos 652º, nº3 do CPC» que - salvo o disposto no nº6 do artigo 641º, que não é o presente caso - quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.

Ora, do presente quadro legal ressuma - sem sombra de dúvida - que apenas os acórdãos dos TCA’s constituem decisões passíveis de recurso de revista, deles não sendo objecto quer os despachos quer as decisões sumárias proferidas pelo Relator nesses tribunais - ver, entre outros, AC STA de 27.11.2018, processo 01550/13.BELRA; AC STA de 12.12.2019, processo 034/16.3BELSB ; AC STA de 10.03.2022, processo nº0450/11.7BEBRG-S1.

Daí que o recorrente - MINISTÉRIO PÚBLICO - confrontado com o despacho da Relatora, de 02.02.2023 - que lhe indeferiu o requerimento de 29.12.2022 - e uma vez que dele discordava, devia ter apresentado reclamação do mesmo para a conferência para que o tribunal de 2ª instância proferisse acórdão sobre o mérito da pretensão que viu indeferida, sendo que só desta última decisão - lavrada em colectivo - haveria lugar a impugnação através da interposição de recurso de revista.

A utilização deste recurso para reagir ao «despacho» da Relatora apresenta-se, pois, como indevida e incorrecta, sem prejuízo - obviamente - da respectiva interposição poder vir a ser convolada em reclamação para a conferência - nos termos das normas citadas por último - caso se verifiquem os necessários pressupostos - nomeadamente em termos temporais - o que deverá ser aferido pelo tribunal «a quo».

Flui do exposto que a presente pretensão de recurso de revista se mostra inadmissível, não devendo, nem podendo, ser submetida à apreciação deste Supremo Tribunal.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Sem custas - artigo 4º, nº1 alínea a), do RCP.

Lisboa, 25 de Maio de 2023. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.