Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0327/20.5BECBR
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
FUMUS BONI JURIS
AVALIAÇÃO DO IMPACTO AMBIENTAL
Sumário:Num juízo sumário e perfunctório – como é próprio da tutela cautelar –, é de entender que as instalações para a criação intensiva com espaço para 2916 porcos não cabe no anexo I ao RJAIA, aprovado pelo DL n.º 151-B/2013, de 31/10, por ficar abaixo do limiar aí fixado, nem está previsto no “caso geral” do seu anexo II, que apenas abrange as instalações dedicadas a espécies não incluídas no anexo I, pelo que não está demonstrada a verificação do requisito de concessão de suspensões de eficácia com fundamento na sujeição dessas instalações a AIA obrigatória.
Nº Convencional:JSTA00071353
Nº do Documento:SA1202112160327/20
Data de Entrada:03/31/2021
Recorrente:MUNICÍPIO DE MONTEMOR-O-VELHO E OUTROS
Recorrido 1:JUNTA DE FREGUESIA DE TENTÚGAL E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Legislação Nacional:CPC ART615º, N1, AL.B), E ART154º, N2
CPTA ART120º, N1, 2ª PARTE
RJAIA [DL 151-B/2013, DE 31/10] ART1º, N3, ANEXO I [N23, AL.C)] E ANEXO II [AL.E)]
RJAP [DL 81/2013, DE 14/6] ART2º, AL.E)
CC ART9º, N2
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. A entidade requerida, MUNICÍPIO DE MONTEMOR-O-VELHO, e a contra- interessada, A…………., LDA., no processo cautelar de suspensão de eficácia do despacho, de 14/11/2019, da Vereadora da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, que licenciou as obras de construção de um conjunto de edifícios, com a área de 4.967,75 m², destinados à criação de 2.916 suínos em sistema intensivo, que havia sido intentado por JUNTA DE FREGUESIA DE TENTÚGAL, JUNTA DE FREGUESIA DE MEÃS DO CAMPO, B………., C…………, D…………, E………….. e F…………., interpuseram, para este STA, recursos de revista do acórdão do TCA-Norte que, revogando a sentença do TAF de Coimbra, ordenara a baixa dos autos a este tribunal para aí ser produzida prova.

O referido Município, na sua alegação, formulou as seguintes conclusões:

1. Nos termos do nº 1 e 2 do artº 150º do CPTA, conjugado com o nº 1 do artº 672º do CPC, há lugar a recurso de revista quando esteja em causa uma questão cuja apreciação seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, ou quando, estejam em causa interesses de particular relevância social.

2. A presente revista é assim admissível uma vez que o seu objeto envolve a apreciação de questões de importância fundamental, em função da sua relevância jurídica, da sua relevância social e a sua admissão afigura-se claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

3. As questões submetidas a recurso, resumem-se a:

a) Saber se ao licenciamento municipal de obras particulares, para a construção de um conjunto de edifícios, destinados à criação de 2.916 suínos, em sistema intensivo, cujo solo se localiza em espaço de uso múltiplo agrícola e florestal, Espaço Agrícola de Produção tipo II, encontrando-se uma parte do prédio inserido em Reserva Agrícola Nacional e em Reserva Ecológica Nacional, não se encontrando localizado em área sensível, se é legalmente exigível a sujeição de tal pedido de licenciamento da obra, a Avaliação de Impacte Ambiente (AIA) e consequentemente a Estudo de Impacte Ambiental (EIA) e a Declaração de Impacte Ambiental (DIA), face ao disposto no artº 1º do Decreto-Lei nº 135/2003, de 28 de junho e al. c) do ponto 2.2 do Anexo I do RJAIA.

b) Se, sobre o Juiz, impende a obrigação de produção de prova no que concerne ao periculum in mora, sabendo-se antecipadamente que não foi demonstrado o fumus boni iuris e consequentemente, não é provável que na ação principal possam os requerentes ter vencimento de causa.

c) Apreciar a nulidade da decisão recorrida de acordo o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, em virtude do TCA Norte, ter aderido sem qualquer fundamentação, à tese dos recorrentes, uma vez que o efetivamente escrito relativamente à questão da obrigatoriedade de AIA, (utilizado como argumento, para ordenar a baixa dos autos ao TAF de Coimbra), é precisamente o que consta ipsis verbis nas alegações do recurso, através da mera transcrição sem aspas, do texto completo da recorrente. Nada mais foi escrito. Não foi acolhida uma única frase dos recorridos, sequer valorada ou avaliada qualquer razão constante das suas contra alegações. No douto acórdão do STA de 22/04/2021, publicado in www.dgsi.pt foi assim decidido: “Como facilmente se percebe, um tipo de fundamentação que se limita à adesão das alegações de uma das partes – prática proibida no 154.º, n.º 2, do CPC, aqui aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA – equivale à ausência total de motivação jurídica da decisão, o que determina a nulidade da decisão recorrida de acordo o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC” o que aqui expressamente se invoca.

d) Por último, suscitar a melhor interpretação do direito e segurança jurídica, uma vez que o TCA Norte, pronunciando-se sobre a questão da dispensa ou obrigatoriedade da AIA, vem afirmar “ … Deste modo, os 600 bovinos referidos na al. e) do Anexo II do RJAIA equivalem a 360 CN ou 240 CN, consoante estejam em causa animais com idade superior ou inferior a 6 meses. Assim, e dado que a instalação em causa nos autos tem capacidade para 437,4 CN, a mesma excede o limiar fixado na al. e) do Anexo II do dito diploma, pelo que está sujeita a AIA.”, aderindo assim, sem qualquer fundamentação, à tese dos recorrentes. Circunstância nova, uma vez que tal entendimento é muito mais restritivo do que o aplicado às zonas sensíveis (zonas de proteção especial) cujo patamar se situa no limiar dos 1000 porcos. A manter-se tal interpretação da lei, o que se não concede, esta irá causar o caos nos licenciamentos deste tipo de atividades, uma vez que as entidades coordenadoras da AIA e as entidades licenciadoras da actividade, dependentes do Ministério da Agricultura, têm vindo a perfilar entendimento em sentido contrário ao agora defendido. Isto é, a enquadrar as explorações de e até 3000 porcos, no ponto 23 do citado Anexo I, dispensando-as da AIA, conforme pareceres junto aos autos, o que terá como consequência que milhares de explorações em funcionamento no nosso país, passem súbita e inesperadamente a serem consideradas ilegais, por força da nulidade dos respetivos licenciamentos (atividade e obras) cujos prejuízos financeiros daí decorrentes serão inimaginável, o que não deixará de causar forte alarme e perturbação social.

Crê-se, assim, que se está perante uma questão que cria um impacto invulgar na ordem jurídica / social por ausência de norma ou normas jurídicas, ou da sua correta interpretação o que, consequentemente determina insegurança jurídica / social na comunidade e na ordem jurídica, abrindo a porta a uma discricionariedade e arbitrariedade injustificáveis, potenciadoras de um sentimento de insegurança que social e juridicamente, se não podem aceitar.

4. Por despacho de 14/11/2019, da Senhora Vereadora da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, com o pelouro do urbanismo, foram licenciadas as obras de construção de um conjunto de edifícios, com a área de 4.967,75 m², destinados à criação de 2.916 suínos, em sistema intensivo.

5. O TAF de Coimbra entendeu que o vício que os requerentes imputam ao acto impugnado, improcede – vício de violação de lei por infração do disposto no artigo 1º, n.º 3, al. b) do Decreto-lei n.º 151-B/2013, de 31/10, resultante da não sujeição da instalação pecuária a Estudo de Impacte Ambiental (EIA) e a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) – pelo que não se mostra preenchido o requisito do fumus boni iuris.

6. E considerando que os requisitos para a concessão da providência cautelar são cumulativos (artº 120º do CPTA), entendeu estar prejudicado o conhecimento dos demais e julgou improcedente o pedido cautelar.

7. As partes entendem e admitem que a questão controvertida é iminentemente de direito, fazendo-o consignar nas respetivas peças processuais e exortando o meritíssimo juiz a decidir, com base nos elementos constantes nos autos.

8. Os requerentes cautelares discordaram da decisão proferida em primeira instância, imputando ao aresto os seguintes vícios:

a) Erro de julgamento de direito ao recusar a produção de prova testemunhal, por violação do artigo 118º, n.º 5 CPTA, do princípio da tutela jurisdicional efectiva, do princípio da vinculação do juiz pelo pedido e da apreciação de todos os factos que interessam para a decisão da causa e do princípio da universalidade e liberdade dos meios de prova (cfr. conclusões C) a L) das alegações).

b) Nulidade por omissão de pronúncia, em virtude de não ter sido apreciado o requisito do periculum in mora (cfr. conclusões M) a V) das alegações).

c) Erro de julgamento de direito ao considerar não preenchido o requisito do fumus boni iuris (cfr. conclusões W) a WW) das alegações).

9. Conforme jurisprudência constante e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo o julgador poderá indeferir a providência cautelar quando seja manifestamente evidente que um dos requisitos não se mostra preenchido, isto, é, quando seja provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada improcedente porque o vício imputado ao acto suspendendo não se verifica. Nesse caso, a ponderação dos factos pertinentes para aferir do periculum in mora e a produção de prova sobre os mesmos, revelar-se-ia um ato inútil e dilatório.

10. Os requerentes não têm razão, na medida em que a instalação em causa não está sujeita a AIA, conforme foi demonstrado pelo requerido Município e contrainteressada, em sede de oposição á providência cautelar.

11. A aplicação do Anexo II do decreto-lei n.º 151-B/2013, é residual, conforme decorre do texto da sua al. e), sendo a AIA exigível apenas para instalações de pecuária intensiva não incluídas no Anexo I.

12. O requerido está incluído no Anexo I, porém, não atinge os limiares normativos estabelecidos pela previsão do n.º 23, al. c) do Anexo I, por estar em causa uma exploração com menos de 3000 suínos.

13. Posição adotada pelas várias entidades públicas, designadamente pela CCDR Centro entidade coordenadora da AIA, nos pareceres favoráveis que pelas mesmas foram subscritas.

14. A estabilização da instância verificou-se com a citação do requerido e da contrainteressada, mantendo-se o pedido e a causa de pedir.

15. A impugnação da factualidade alegada no que concerne ao periculum in mora ocorre por mera cautela de patrocínio, como reação a uma decisão que em tese lhes pudesse ser desfavorável sendo tal facto irrelevante.

16. No que tange ao fumus boni iuris o TCA Norte, não coloca em crise a decisão do TAF de Coimbra, o que leva a concluir concordar com a mesma.

17. Não aponta, neste particular, qualquer necessidade de aferir novos requisitos, afigurando-se que neste circunspecto a produção de prova adicional, sempre redundaria numa inutilidade, sobretudo quando aplicável a um ato que não sofre de qualquer vício.

18. De resto, a questão de mérito só poderá ser discutida na ação principal, conforme jurisprudência seguida pelo STA.

19. A interposta providência cautelar confunde licenciamento da actividade pecuária da responsabilidade da DRAP Centro, com o licenciamento de obras particulares, cuja competência é exclusiva do Município.

20. Como melhor resulta do aí alegado, os requerentes pretendem suspender o ato de licenciamento, no entanto aduzem factos que se reportam ao exercício da actividade e exploração, alegando para o efeito danos hipotéticos que apenas poderão ser assacados ao exercício dessa actividade.

21. Em contrapolo, não alegam quaisquer danos imputáveis à construção licenciada, contradição evidenciada nos invocados vícios que imputam à sentença do TAF Coimbra, designadamente na alusão ao periculum in mora.

22. Sendo esta uma actividade futura, porque inexistente, nunca tais vícios poderiam estribar o decretamento da suspensão do ato de construção, verificando-se a existência de uma contradição insanável entre os fins a alcançar na providência e a matéria de facto alegada.

23. Destarte, a defendida produção de prova pelo TCA Norte seria sempre irrelevante, sobretudo quando de antemão se conhece claramente que um dos requisitos não está verificado e a ponderação de interesses a fazer sobre futuros supostos danos, seria irreal e mais uma vez inútil.

24. Quanto ao direito à tutela jurisdicional efetiva, tratando-se de uma questão eminentemente de direito (saber se o procedimento de licenciamento da obra está ou não sujeito a AIA) e não de facto, é óbvio que o mesmo se não mostra violado.

25. Pelo que bem andou o TAF de Coimbra quando decidiu in casu, indeferir a produção de prova, por falta de utilidade e por isso desprovida de sentido jurídico.

26. As entidades públicas intervenientes pronunciaram-se pela não sujeição do licenciamento a AIA, de cujos pareceres os requerentes cautelares tiveram em devido tempo conhecimento e não impugnaram designadamente o proferido pela CCDR Centro.

27. Toda a factualidade documental, alegada e assente, com relevância para a boa decisão da causa, nomeadamente o PA, contém de forma clara e suficiente matéria para que seja proferida a decisão final, resultando demonstrado a ausência de qualquer vício, sendo razoável que ocorra a decisão de mérito.

28. Até, porque, de acordo com o plasmado no artº 118º, nº 1 do CPTA, no relatado contexto, não há lugar á produção obrigatória de prova.

29. O TCA Norte, no acórdão recorrido pronunciando-se sobre a questão da dispensa ou obrigatoriedade da AIA, vem afirmar “ … Deste modo, os 600 bovinos referidos na al. e) do Anexo II do RJAIA equivalem a 360 CN ou 240 CN, consoante estejam em causa animais com idade superior ou inferior a 6 meses. Assim, e dado que a instalação em causa nos autos tem capacidade para 437,4 CN, a mesma excede o limiar fixado na al. e) do Anexo II do dito diploma, pelo que está sujeita a AIA.”

30. Adere assim, sem qualquer fundamentação, à tese dos recorrentes. O que foi escrito, nesta parte, é precisamente o invocado nas alegações do recurso. Salvo o devido respeito que é muito, trata-se da mera transcrição ipsis verbis, do texto completo da recorrente. Excluindo a expressão corrente “Não cremos, porém, que assim seja”, nada mais foi escrito. Não foi acolhida uma única frase dos recorridos, sequer valorada ou avaliada qualquer razão constante das suas contra alegações.

31. Como melhor resulta da sua análise o acórdão recorrido, não se encontra na verdade fundamentado. Não foi feita qualquer ponderação, quer na vertente própria, quer na vertente especifica como de resto se impunha. Não se vislumbra qualquer confronto entre os argumentos trazidos à lide pelos recorrentes e recorridos. O TCA Norte ignorou completamente as razões invocadas pelos recorridos, ao mesmo tempo que reproduziu na íntegra a tese dos recorrentes. Agiu como se não existissem contra alegações.

32. O acórdão recorrido é deste modo nulo, por violação dos artigos 608º, nº 2 e 615º, als b) e d) do CPC.

33. É ainda nulo por violação dos princípios da “garantia de acesso aos tribunais” e da “tutela jurisdicional efetiva” nos tribunais de segunda instância, conforme preceitua o artº 2º do CPA e artº 2º do CPTA porquanto “não basta copiar inteiramente o texto do posição do recorrente, é também preciso uma “decisão que aprecie” (e deixe alguma evidência ou rasto de que isso, essa apreciação/esse sopesar, foi feito) a pretensão (neste caso, pretensão nas contra-alegações bastamente fundamentada e em razões próprias e bem explicadas) da outra parte recorrida”.

34. Acresce, ainda a ofensa ao “princípio do contraditório” previsto no artº 3º do CPC): pois não basta decidir sobre uma questão … sobre que a contraparte meramente “se pronunciou”: preciso é que essa pronúncia específica não seja um mero “proforma inócuo” do qual se diga apenas “sucumbe”…, perdeu. E bem assim da igualdade efectiva das partes: não se pode “aderir” em bloco à argumentação de uma parte, mais nada dizer, nem ver e analisar, por uma só frase substantiva que seja, a basta argumentação e questões suscitadas pela contraparte.

35. O artigo 205.º da CRP (decisões dos tribunais) consagra, no seu n.º 1, o dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente.

36. O artigo 154.º, n.º 2, do CPC, dispõe do seguinte modo: “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.

37. O STA tem vindo a decidir no sentido de que a lei impede que a fundamentação utilizada na decisão judicial se faça por mera adesão aos fundamentos alegados por uma das partes, tratando-se de “prática que não dá garantias de efetiva ponderação dos argumentos aduzidos por ambas as partes” (vejam-se os Acórdãos do STA de 05.02.2014, Proc. n.º 1846/13, de 20.05.2015, Proc. n.º 50/15, e, recentemente, de 04.02.2021, Proc. n.º 308/18.9BEAVR).

38. No douto acórdão do STA de 22/04/2021, publicado in www.dgsi.pt foi decidido “Como facilmente se percebe, um tipo de fundamentação que se limita à adesão das alegações de uma das partes – prática proibida no 154.º, n.º 2, do CPC, aqui aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA – equivale à ausência total de motivação jurídica da decisão, o que determina a nulidade da decisão recorrida de acordo o artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, o que aqui expressamente se invoca.

39. O TCA Norte, pronunciando-se sobre a questão da dispensa ou obrigatoriedade da AIA, aderiu sem qualquer fundamentação, à tese dos recorrentes.

40. O que determina estarmos perante uma nova perspetiva da questão, afigurando-se que tal entendimento é muito mais restritivo do que o aplicado às zonas sensíveis (zonas de proteção especial) cujo patamar se situa no limiar dos 1000 porcos.

41. A manter-se tal interpretação da lei, o que se não concede, esta irá causar o caos nos licenciamentos deste tipo de atividades, uma vez que as entidades coordenadoras da AIA e as entidades licenciadoras da atividade dependentes do Ministério da Agricultura, têm vindo a perfilhar entendimento em sentido contrário ao agora defendido sem motivação pelo TCA Norte. Isto é, a enquadrar as explorações de e até 3000 porcos, no ponto 23 do citado Anexo I, dispensando-as da AIA, conforme pareceres junto aos autos, o que terá como consequência que milhares de explorações em funcionamento no nosso país, passem súbita e inesperadamente a serem consideradas ilegais, por força da nulidade dos respetivos licenciamentos (atividade e obras) cujos prejuízos financeiros daí decorrentes serão inimagináveis. Esta nova visão, não deixará de causar forte alarme e perturbação social, afigurando-se por isso a necessidade de suscitar a melhor interpretação do direito e segurança jurídica, o que só pode ser assegurado pelo STA.

42. Pelos apontados motivos o recorrido acórdão do TCA Norte, padece de nulidade, erro de julgamento e vício de raciocínio”.

Por sua vez, a aludida contra-interessada, na respectiva alegação, concluiu do seguinte modo:

1. O TAF-Coimbra decidiu pelo indeferimento da presente providência cautelar «[a]tendendo a que os requisitos para a concessão da providência cautelar requerida, mormente, o fumus boni iuris, o periculum in mora e a ponderação de interesses são cumulativos, soçobrando o primeiro, fica prejudicado o conhecimento dos restantes.».

2. Por seu turno, o TCA-Norte, no acórdão ora recorrido, considerou que «no julgamento da matéria de facto o tribunal de 1ª instância deve considerar todos os factos alegados pelo requerente que assumam relevância para aferir do preenchimento dos aludidos requisitos, dando-os como provados ou não provados. Isto independentemente do juízo prévio que possa fazer acerca do preenchimento de um dos requisitos. Assim, ainda que nesse juízo conclua que um dos requisitos não se verifica e que, por isso, o pedido cautelar tem necessariamente de improceder em virtude dos mesmos serem cumulativos, deve o tribunal de 1ª instância considerar no julgamento da matéria de facto todos os factos alegados pelo requerente que relevem para aferir do preenchimento dos requisitos enunciados no artigo 120º CPTA.», pelo que ordenou a produção de prova testemunhal.

3. O STA, conhecendo do recurso de revista interposto, explicitou que «(…) o juízo formulado pelo acórdão recorrido quanto a necessidade de produção de prova testemunhal deveria ter como pressuposto que, ao contrário do que sustentara a sentença do TAF, se encontrava preenchido o requisito do “fumus boni iuris”. E que essa diligência não tem qualquer relevância para a decisão final se tiver por objecto factos pertinentes para a decisão a tomar sobre o “periculum in mora” quando seja de manter aquela sentença.

E, ao contrário do que alegam os recorridos, esta posição não viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva nem limita os tribunais superiores no conhecimento do recurso interposto da decisão cautelar, dado que, nos termos do art.° 149.°, do CPTA, o TCA tem poderes de substituição do tribunal recorrido que até englobam a realização de novas diligências probatórias e os poderes de cognição do STA incluem a análise de todos os requisitos de atribuição das providencias cautelares.

Assim, não é de sufragar o entendimento do acórdão recorrido quando, para a formulação do aludido juízo de necessidade, abstraiu do que fora decidido na sentença, bastando-se exclusivamente com a circunstância de existirem factos controvertidos pertinentes para se aferir da verificação do requisito do “periculum in mora”.

Procedem, pois, as presentes revistas, devendo ser determinada a baixa dos autos ao tribunal recorrido, para aí se conhecer do objecto da apelação, por não ser de aplicar o disposto no n.º 5 do art.º 150.° do CPTA em virtude de aquele tribunal se ter limitado a ordenar a produção de prova testemunhal sem se pronunciar sobre a atribuição ou recusa da providência cautelar.”

4. Descendo os autos ao TCA Norte para dar cumprimento ao determinado pelo STA, foi proferido novo acórdão – e do qual se recorre - determinando, no que ora avulta, o seguinte: “Os requerentes cautelares, ora recorrentes, discordam do assim decidido, imputando-lhe os seguintes vícios:

(i) Erro de julgamento de direito ao recusar a produção de prova testemunhal, por violação do artigo 118º, n.º 5 CPTA, do princípio da tutela jurisdicional efectiva, do princípio da vinculação do juiz pelo pedido e da apreciação de todos os factos que interessam para a decisão da causa e do princípio da universalidade e liberdade dos meios de prova (cfr. conclusões C) a L) das alegações);

(ii) Nulidade por omissão de pronúncia, em virtude de não ter sido apreciado o requisito do periculum in mora (cfr. conclusões M) a V) das alegações);

(iii) Erro de julgamento de direito ao considerar não preenchido o requisito do fumus boni iuris (cfr. conclusões W) a WW) das alegações).”

5. Considerando não se verificar os dois primeiros vícios imputados pelos aí Recorrentes, no que concerne ao terceiro vício (e melhor indicado em iii) ateve-se o TCA Norte na reapreciação do “julgamento feito pelo TAF de Coimbra a respeito do fumus boni iuris”.

6. Para tanto e com referência ao DL n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro (doravante RJAIA), o TCA Norte, após obliterar a existência, sentido e geist inerente à alínea a), do n.º 3, do artigo 1.º, limita-se a um excurso conclusivo, nos seguintes termos: “Não cremos, porém, que assim seja. É que o ponto 23. do Anexo I reporta-se a “Instalações para criação intensiva de aves de capoeira ou de suínos, com espaço para mais de: (…) c) 3 000 porcos de produção (+30 kg); (…)” e o projecto aqui em causa tem uma capacidade para 2916 suínos.

Entendemos, assim, que o projecto da contra-interessada tem enquadramento não no Anexo I do RJAIA, mas antes no seu Anexo II.”

7. Consequentemente, concluiu o TCA Norte “entendemos que se verifica o fumus boni iuris, procedendo, por isso, o erro de julgamento de direito imputado à sentença recorrida”, determinando, no demais, a remessa dos autos ao TAF Coimbra para produção de prova testemunhal e decisão sobre os demais requisitos da providência cautelar.

8. Para além do anteriormente referido, o TCA Norte não faz nenhuma referência aos sucessivos pareceres das diversas entidades com competência técnica especializada e que em momento algum perfilharam o entendimento plasmado no Acórdão ora em crise.

9. Integram o Procedimento Administrativo (doravante PA), Pareceres da DRAPC (Direcção Regional Agricultura e Pescas Centro), da APA (Agência Portuguesa do Ambiente) ou da CCDR (Comissão Coordenação Desenvolvimento Regional Centro) que, unanimemente, determinaram que o projecto em causa não estava sujeito a Avaliação Impacte Ambiental (doravante, AIA).

10. Evocando-se o especial e acrescido dever de fundamentação, foi ainda carreado para os Autos Parecer subscrito pela Senhora Professora Doutora Fernanda Paula Oliveira, e que aqui, inter alia, verteu o seguinte:

«Com efeito, os autores da providência cautelar consideram estar a instalação em apreço sujeita a AIA por entenderem que a mesma se reconduz à situação prevista na alínea e) do n.º 1 do Anexo II do RJAIA. E chegam a esta conclusão por entenderem que a referida instalação tem um limiar superior ao valor que decorre da ponderação de cabeças equivalentes a 600 bovinos (aplicando para o efeito o disposto no Decreto-Lei n.º 81/2013.

(…)

Nem colocam em causa a pronúncia de todas as entidades que se pronunciaram de forma favorável sobre o pedido de autorização de instalação, incluindo a CCDRC. Note-se que, caso fosse obrigatório o desencadeamento do procedimento de avaliação de impacte ambiental, seria a CCDR a entidade de AIA (cfr. artigo 8.º do RJAIA). Foi porém esta mesma entidade que, no âmbito da sua pronúncia em sede de autorização de instalação, expressamente conclui pela “pela não abrangência do projeto atual por aquele regime” porque se verifica “haver espaço para 2982 porcos, valor inferior ao liminar de «espaço para mais de 3000 porcos de produção (+ 30 kg)»

11. Ora, “O dever de fundamentação das decisões judiciais resulta, desde logo, de imposição constitucional, nos quadros do n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, densificando-se legalmente, desde logo, no prescrito no art.º 154.º do Cód. De Processo Civil;

Tal dever constitucional e legal tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma” – cf. Ac TRL, de 26.10.2017, Proc. 2585/16.0T8LSB-B.L1, in www.pgdlisboa.pt

12. No entanto, a leitura do acórdão TCA Norte rapidamente permite concluir que não existe “explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido”, impossibilitando que os “destinatários possam entender as razões da decisão proferida”.

13. O acórdão em crise opta acriticamente pela aplicação de uma norma [alínea b), do n.º 3, do artigo 1.º do DL n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro], nada dizendo quanto à aplicação da alínea a) do mesmo preceito.

14. Tal opção – reitera-se, acrítica e não fundamentada – colide precisamente com o âmago dos autos, tal como bem foi enquadrado pelo TAF Coimbra, “O dissenso entre requerentes, requerido e contrainteressada, surge quanto à aplicabilidade ao caso do estabelecido no ponto i), da al. b), do n.º 3 do artigo 1.º do RJAIA. Com efeito, se para os primeiros não se mostrando aplicável a referida al. a), sempre seria a situação em causa subsumível na al. b), i), para o segundo e terceira, sendo subsumível a situação em causa na previsão daquela alínea, não poderá esta última ser mobilizada.”, pois que o presente dissenso decorre precisamente entre a aplicação da alínea a) ou da alínea b) da citada norma.

15. Por conseguinte, o Acórdão recorrido ao determinar simplesmente – de forma acrítica – a aplicação da alínea b) (com remissão para o Anexo II), traduz uma mera adesão à tese alegatória dos aqui recorridos e, sobretudo, omite o dever de fundamentação, com total ausência de argumentos discursivos lógicos e perceptíveis que expliquem ou justifiquem a não aplicação da alínea a), ou seja, a posição defendida pelos aqui recorrentes.

16. É precisamente esta nulidade imputável pela ausência de fundamentação que consubstancia uma das dimensões pelas quais a recorrente considera – e mantendo elevado respeito por mais esclarecida opinião – que se impõe a admissão da presente revista.

17. Este Supremo Tribunal tem-se pronunciado ex abundanti, e de forma reiterada, sobre a exigência da fundamentação em detrimento da adesão acrítica à tese alegada por um dos intervenientes processuais arrimando-se, para tanto, no artigo 154.º, n.º2, do Código de Processo Civil (v. entre muitos outros, os Acórdãos tirados nos processos 0690/19.0BEALM, 1846/13, 50/15 ou 308/18.9BEAVR.

18. A decisão tirada nos presentes autos pelo TCA Norte afronta, de modo inequívoco, a jurisprudência uniforme deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, o que motiva a necessidade de intervenção deste para uma melhor aplicação do direito, com o sentido e alcance que lhe é conferida pelo artigo 150.º, n.º 1, do CPTA

19. No que concerne ao erro na interpretação e aplicação do Direito denota-se que os requerentes da providência cautelar formularam o seguinte pedido: «Termos em que deve a presente Providência Cautelar ser declarada procedente por provada e, em consequência, ser suspensa a eficácia do Despacho de 14/11/2019 da Senhora Vereadora da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho.» (sic), alegando suposta ilegalidade cometida em face do artigo 1.º, n.º 3, alíneas a) e b) do DL 151-B/2013 de 31.10 (RJAIA).

20. Contudo, como bem se faz denotar na Sentença do TAF Coimbra, os requerentes e ora o TCA Norte laboram em erro, furtando-se à interpretação lógica e coerente do diploma acima indicado.

21. Para aferir da sujeição a AIA importa a análise e interpretação dos Anexos I e II, respectivamente, sendo que cada um dos anexos elenca os projectos abrangidos, tipificando-os e restringindo a sua aplicabilidade mediante quantificação de critérios inerentes à capacidade instalada de produção de cada actividade.

22. Ab initio reconhecem os aqui recorridos, o projecto em análise consiste num “conjunto de edifícios destinados a uma instalação pecuária de classe 1, com capacidade para 2.916 suínos” (sic); facto alegado pelos requerentes da providência cautelar e confessado pelo requerido e contra-interessada.

23. O Anexo I, no ponto 23, alínea c) estatui de forma clara e precisa que estão sujeitos a AIA as instalações para criação intensiva de suínos com espaço para mais de 3 000 porcos de produção (+30 kg). Por decorrência lógica, as instalações de criação de suínos com menos de 3000 porcos não estão sujeitas a AIA.

24. O acórdão recorrido não faz aplicação da alínea a) do número 3 do artigo 1.º do RJAIA, obliterando o enquadramento factual que o legislador pretendeu e que previu expressamente. Ademais, o acórdão não só não aplica a norma, como não justifica ou fundamenta a sua não aplicação.

25. O legislador estabeleceu que, excluindo aquelas que se situem em zonas sensíveis, apenas as instalações com mais de 3000 porcos estariam sujeitas a AIA.

26. O acórdão em crise, com a solução que preconiza, defende que o critério definido no Anexo I (>3000 porcos) é revogado e sem alguma aplicação prática face ao Anexo II, passando a ser o único critério que todas as instalações para mais de 2400 animais (360 CN, o equivalente a 600 bovinos) estão sujeitas a AIA.

27. Questiona-se pois, qual o sentido teleológico do RJAIA definir primeiramente que as Instalações com menos de 3000 porcos não estão sujeitas a AIA (Anexo I), para no Anexo seguinte determinar que, afinal, todas as instalações com mais de 2400 porcos requerem obrigatoriamente AIA (Anexo II).

28. Tal é ilógico, irrazoável, inconsistente e resulta de uma aplicação desconforme e ilegal do RJAIA.

29. Ademais, como se deixou antevisto, trata-se de uma interpretação incoerente e inédita e, particularmente, oposta a todos os pareceres (DRAPC, APA, CCDR) integrados no PA.

30. Implica assim dizer, que no decurso do PA vários técnicos foram convocados para a sua instrução, análise, e decisão e em momento algum foi suscitada a eventual sujeição a AIA, isto porque não é um requisito legal atentas as dimensões e capacidades produtivas das instalações da contra-interessada, aqui recorrente.

31. A competência de aplicação do Anexo II é residual pois, como decorre do próprio texto da alínea e), a AIA é exigível para instalações de pecuária intensiva não incluídas no Anexo I.

32. O requerido está incluído no Anexo I, mas não atinge os limiares normativos estabelecidos pela previsão normativa do n.º 23, al. c) do Anexo I pois a AIA só é exigível quando está em causa uma exploração de mais de 3000 suínos (com um peso superior a 30 kg).

33. Denote-se ainda que não é mero acaso ou desleixo legislativo o facto de no Anexo I se enunciarem várias espécies animais, excluindo os animais da espécie bovina; E de igual modo, não será despiciendo que no Anexo II (casos gerais), apenas é mencionada a espécie bovina e não a suína.

34. Esta diferenciação entre espécie suína e bovina corrobora a natureza excludente entre os dois Anexos, comporta coerência no regime legal e demonstra que a instalação em crise para 2916 porcos não está sujeita a AIA.

35. Atente-se que no Anexo II, para as “Áreas Sensíveis”, o legislador determina critérios para animais bovinos e suínos; nos “Casos Gerais” apenas estabeleceu critérios para instalações de bovinos e nada refere quanto aos suínos pois no que concerne aos suínos, os “Casos Gerais” já se encontram previstos no Anexo I, sendo o critério o limite de 3000 porcos.

36. É pois o entendimento aqui explanado que encontra reflexo na fundamentação da Sentença do TAF Coimbra manifestando que “apenas a interpretação que se deixou exposta se mostra de acordo com a norma ora transcrita. Com efeito, a admitir-se que estão sujeitas a AIA as instalações de pecuária intensiva de porcos reprodutores com mais de 360 “CN” nos casos gerais, teríamos que o limiar mínimo nestas situações, seria quase 3 vezes menor do que nas áreas consideradas sensíveis (1000 porcos), e por isso, naturalmente, importariam uma proteção maior, situação de não se mostraria razoável”.

37. Este Supremo Tribunal tem sistematicamente explicitado que Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto.

A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.

O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico). – Ac STA de 29.11.2011, Proc. n.º 0701/10, disponível em www.dgsi.pt

38. A metodologia assente no STA para correcta aplicação do Direito corrobora e sustenta todo o espectro alegatório dos recorrentes, quer pela análise do elemento literal e dos elementos lógicos (histórico, racional e teleológico) e comprova um dos erros que macula o acórdão do TCA Norte.

39. É fulcral que o julgador aquando da aplicação do Direito se inteire e imbua do espírito legislativo indissociável das normas e intrínseco à subsunção dos factos ao Direito.

40. Neste particular, julgamos ser consabido a crescente preocupação ambiental na sociedade e a vontade de a legislação acompanhar as maiores necessidades de prevenção e consciência ambiental. De igual modo, é inquestionável que a exploração pecuária de bovinos é entre todas as espécies pecuárias aquela que representa a maior pegada ambiental dado as enormes emissões de gases que daí resultam.

41. Por conseguinte, é irrazoável pensar que:

- no que tange aos bovinos, tenha sido a vontade do legislador aumentar o critério quantitativo de obrigatoriedade de AIA 500 bovinos [Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de maio, Anexo II, e)] para 600 bovinos [RJAIA, Anexo II, al. e]

- e no que tange aos suínos, tenha sido a vontade do legislador restringir o critério quantitativo de obrigatoriedade de AIA 3000 porcos [Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de maio, Anexo II, e)] para 2400 porcos na interpretação do TCA Norte e sem qualquer respaldo na lei.

42. Por fim, apenas o entendimento que o Anexo II tem uma aplicação residual face ao Anexo I permite conferir alguma racionalidade e coerência ao RJAIA e em particular aos critérios de sujeição a AIA.

43. A contrario, caso assim não fosse e existisse alguma complementaridade entre os Anexos, o critério definido no Anexo I (>3000 porcos) não teria qualquer aplicação prática, uma vez que seria derrogado imediatamente face ao Anexo II, passando a ser o único critério que todas as instalações para mais de 2400 porcos (360 CN, o equivalente a 600 bovinos) estariam sujeitas a AIA.

44. Deve presumir-se que se fosse vontade ou intenção do legislador estabelecer que todas as instalações com mais de 2400 porcos (360 CN, o equivalente a 600 bovinos) estivessem sujeitas a AIA, então haveria uma norma clara e precisa nesse sentido.

45. É manifesto que nos deparamos com, por um lado, grosseira omissão do dever de fundamentação, e por outro, com errónea aplicação do Direito.

46. Tal como está estruturada, à providência cautelar subjazem dois axiomas que, com a citação e oposição do requerido e contra-interessada, se tornam imutáveis e consolidam o litígio por força do princípio da estabilidade da instância.

47. Por outro lado, este pedido é – pretensamente – suportado, como denotou o TCA Norte, com a alegação de «factualidade relevante para aferir do preenchimento do requisito do periculum in mora, concretamente a vertida nos artigos 73º, 74º, 81º, 84º, 93º, 94º, 95º, 96º, 97º, 98º, 102º, 104º, 105º, 106º, 109º, 110º, 111º, 113º, 114º, 115º, 116º, 117º, 120º, 121º, 122º, 123º, 124º, 125º, 126º, 127º, 128º, 129º, 130º, 131º, 132º, 133º, 134º e 135º. Por outro lado, para além de prova documental (juntaram 12 documentos), indicaram prova testemunhal (7 testemunhas).» (cfr. citado Acórdão TCA Norte).

48. Com a citação do requerido e da contra-interessada sedimentou-se, ou melhor, estabilizou-se a instância.

49. Por confirmação do princípio da estabilidade da instância, independentemente da respectiva (e passe a repetição) instância, a demanda não poderá extravasar a causa de pedir inicialmente formulada.

50. Ad latere, desde já se reafirme que a contra-interessada, em sede das suas contra-alegações, expressamente denunciou que «a alteração da causa de pedir sempre careceria da anuência das recorridas sendo que esta não a aceita, o que se deixa aqui expresso para todos os efeitos de direito.

51. Reconduz-se isto a dizer que o Tribunal a quo ficou vinculado pelo pedido dos recorrentes, não se colocando a hipótese de uma interpretação extensiva ou restritiva do requisito do fumus boni iuris, mas tão só a resposta à verificação ou não verificação daquele requisito, o que fez com a clareza legal, mas que por não agradar aos recorrentes já desesperadamente invocam uma interpretação extensiva para tentar acobertar uma sibilina alteração da causa de pedir.».

52. Assim, e por confirmação do já aludido princípio da estabilidade da instância, independentemente da respectiva (e passe a repetição) instância, a demanda não poderá extravasar – e sempre se diga, tentar enviesar – os dois axiomas acima indicados.

53. Conclui-se pela evidência de que os AA., recorrentes em segunda instância, arrimaram-se numa suposta ilegalidade cometida em face do artigo 1.º, n.º 3, alíneas a) e b) do DL 151-B/2013 de 31.10.

54. Tal não se demonstrou pelas razões abundantemente expendidas na sentença de primeira instância, razão pela qual improcedeu, necessariamente, a providência cautelar.

55. E a utilização do vocábulo «necessariamente» decorre da exigência de verificação cumulativa dos requisitos vertidos no artigo 120.º do CPTA; não se verificando um deles, a apreciação cautelar está votada ao insucesso, só podendo ser a questão de mérito discutida em sede da acção principal.

56. O sentido decisório apontado pelo TCA Norte apenas seria possível se se alterasse a causa de pedir por banda dos autores – situação que mereceu a expressa posição da contra-interessada, e ora recorrente – e em que aqueles sustentassem a sua pretensão, não na violação do artigo 1.º, n.º 3, alíneas a) e b) do DL 151-B/2013 de 31.10, mas a violação de uma qualquer tutela ambiental, sendo que nunca foi essa a causa de pedir dos AA.

57. Culminando a deficiência do sucessivamente alegado pelos AA., estes claudicaram igualmente ao pretender a suspensão de acto de licenciamento de construção e não de autorização de actividade/exploração, como resulta do douto Parecer junto aos autos pela ora recorrente.

58. Dest’arte, por um lado, o presente recurso mostra-se adequado a uma melhor interpretação do direito dado que, e salvo o respeito devido, o TCA Norte demitiu-se do dever de fundamentação ao aderir acriticamente à versão de uma das partes, sem justificar a não aplicação de norma expressamente invocada pela recorrente e consubstancia o efectivo objecto do processo, decidindo ao arrepio de qualquer sustentação legal, e olvidando elementares regras de metodologia na subsunção de factos ao regime jurídico vigente e contrariando todos os elementos essenciais à interpretação e aplicação do Direito, conforme jurisprudência corrente e uniforme deste Venerando Supremo Tribunal.

59. Por outro lado, o presente recurso mostra-se igualmente adequado a uma melhor interpretação do direito dado que o TCA Norte decidiu ao arrepio da jurisprudência corrente e uniforme deste Venerando Supremo Tribunal e, acrescidamente, para conformar a sua decisão, sedimenta o seu raciocínio numa alteração da causa de pedir, causa de pedir esta que não foi aceite pela ora recorrente e, tanto quanto se apercebeu, também não foi aceite pelo R. Município.

60. Sob pena de violação do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do CPTA e artigo 94.º, n.º 3 do CPTA por manifesta e ostensiva falta de fundamentação, bem como do artigo 1.º, n.º 3, alíneas a) e b) do DL 151-B/2013 de 31.10, deve o presente proceder e, em consequência, revogar-se o Acórdão do TCA Norte em recurso decidindo de acordo com o já propugnado em primeira instância pelo TAF Coimbra, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA!”

As requerentes apresentaram contra-alegações, onde enunciaram as conclusões seguintes:

A. Vem o presente recurso de revista interposto do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que decidiu revogar a sentença proferida em 17/09/2020 pelo TAF e Coimbra e ordenar a baixa dos autos aquele TAF de Coimbra; “a fim de serem aí realizadas diligências de prova pertinentes, em particular a produção de prova testemunhal (tendo em atenção as regras vertidas no artigo 118.º, n.ºs 4, 6 e 7 do CPTA, em especial a que respeita ao limite de testemunhas, que é de 5) e proferir nova decisão que aprecie, em função da prova produzida, os demais requisitos vertidos no artigo 120.º do CPTA”, conforme se lê no aresto agora posto em crise.

B. A providência cautelar a que os presentes autos se reportam tem por objeto o ato proferido pela Câmara Municipal de Montemor-o-Velho licenciou, em 14/11/2019, a construção de um conjunto de edifícios destinados a uma instalação pecuária da classe 1 para a criação de 2.916 suínos em sistema intensivo, pertencente à Contrainteressada “ A…………. , Ld,ª”.

C. Os Recorridos requereram a suspensão de eficácia daquele ato de licenciamento ao abrigo do disposto no artigo 52.º, n.º 3, alínea a) da Constituição, nos artigos 1.º e 12.º da Lei 83/95, de 31 de Agosto (Lei da Ação Popular) e no artigo 7.º da Lei n.º 19/2014, de 14 de Abril (Lei de Bases do Ambiente), recorrendo, por isso, ao meio processual regulado nos artigos 112.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) (cfr. parte inicial do requerimento/petição inicial e artigo 36.º do mesmo articulado).

D. A instalação pecuária licenciada pela referida decisão municipal constitui um empreendimento com efeitos muito significativos e muito negativos, para a qualidade de vida das populações e para os componentes ambientais naturais e humanos, previstos e protegidos pela Constituição (artigo 66.º) e pela Lei de Bases do Ambiente (artigos 10.º e 11.º da Lei n.º 19/2014, de 14 de Abril, doravante “Lei de Bases do Ambiente”).

E. Tal instalação pecuária não foi sujeita ao procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), previsto no Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro, que estabelece o Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (doravante “RJAIA”), e, consequentemente, não foi objeto de qualquer Estudo de Impacte Ambiental (EIA), nem obteve qualquer Declaração de Impacte Ambiental (DIA), factos estes, aliás, reconhecidos pela Entidade Requerida e pela Contrainteressada (doravante designadas conjuntamente por “Requeridas” nas respetivas oposições.

F. Existindo, por esse conjunto de factos, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os valores ambientais e da qualidade de vida protegidos pela Constituição (artigo 66.º) e pela Lei de Bases do Ambiente.

G. Em processos cautelares, no âmbito da proteção de interesses difusos e da defesa do ambiente e da qualidade de vida (como é o caso sub judice) o conceito de “fumus bonni jurisdeverá ser interpretado à luz das especificidades próprias da garantia de tutela jurisdicional de que gozam os valores ambientais, já que, nestes casos, a tutela cautelar visa impedir que, durante a pendência da ação impugnatória do ato suspendendo (processo principal) se constitua uma situação irreversível de dano ou ameaça de dano ambiental que torne inútil a decisão a proferir naquele processo.

H. Consequentemente, o “bom direito”, cuja “aparência” se exige, não se reconduz a qualquer direito subjetivo, mas ao “direito ao ambiente e à qualidade de vida” consagrado no artigo 66.º da Constituição.

Inadmissibilidade do presente recurso de revista.

I. Nos termos do disposto no artigo 150.º do CPTA, haverá lugar a recurso excepcional de revista das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo (i) quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou (ii) quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, tendo por fundamento único e exclusivo a violação de lei substantiva ou processual.

J. Os Recorrentes, não obstante fazerem referência, nas suas alegações, aos requisitos da revista excecional, não logram demonstrar que os mesmos se verificam in casu.

K. Os Recorrentes confundem o segmento decisório do Acórdão recorrido, com a fundamentação que o suporta, pelo que os argumentos que utilizam, em abono da admissão do Recurso, reportam-se aos fundamentos da decisão e não à decisão propriamente dita.

L. O segmento decisório do Acórdão sindicado limita-se a “revogar a sentença recorrida e a determinar a baixa dos autos ao TAF de Coimbra para os efeitos supra referidos”, ou seja a realização das “diligências de prova pertinentes, em particular a produção de prova testemunhal”, bem como (logicamente) a prolação de “nova decisão”.

M. Tudo o mais que consta do Acórdão recorrido não consubstancia qualquer decisão / “sentença” jurisdicional, mas apenas os fundamentos que motivam a mesma.

N. Para que fosse admissível o presente recurso, deveriam os Recorrentes ter demonstrado que o segmento decisório do Acórdão sindicado corresponde àapreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental”, ou que, perante o conteúdo e alcance de tal segmento decisório, seria claramente necessária a pronúncia do STA “para uma melhor aplicação do direito”.

O. Nem tais circunstâncias se verificam, nem os Recorrentes o alegam.

P. Os Recorrentes limitam-se a tentar demonstrar - aliás sem sucesso, como veremos – que deve ser admitida a Revista em razão dos fundamentos que conduziram à decisão proferida, e não em razão da própria decisão enquanto tal, pelo que não estão verificados os requisitos previstos no artigo 150.º do CPTA, quer porque estes se devem reportar ao segmento decisório do Acórdão do TCA Norte, e não à motivação do mesmo, quer porque não cumpre ao STA, em sede de recurso de revista, pronunciar-se sobre os argumentos utlizados pelo Tribunal a quo, mas apenas sobre decisões por este proferidas.

Q. As questões que os recorrentes identificam como matérias enquadráveis na previsão do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA, não são passiveis de preencher os requisitos fixados nessa norma.

R. Nenhuma das questões referidas nas alíneas a), c) e d) do n.º 3 das Conclusões das Alegações do Recorrente Município foi objecto de apreciação por parte do Acórdão sindicado, já que consta de tal aresto o seguinte: “Assim, as questões que agora cumpre apreciar e decidir são as que acima identificados em (ii) e (iii) do ponto 3(cfr. pag 32, último parágrafo do ponto 4).

S. Contrariamente ao que alega o Recorrente Município, o Acórdão sindicado não decidiu que a instalação pecuária em causa estava sujeita a AIA, nos termos do RJAIA, já que apenas entendeu que se verificava o “fumus boni iuris”, isto é a aparência do bom direito, o que, obviamente, tem conteúdo e alcance bem diferente de reconhecer a aplicação do RJAIA à dita suinicultura.

T. Dito de outra forma, o Acórdão em crise apenas decidiu, de acordo com o conceito de “fumus boni iuris” que, face ao disposto no RJAIA, seria provável a procedência da pretensão a formular pelos Requerentes na ação principal quanto à invalidade do ato suspendendo, ou seja do ato de licenciamento da instalação pecuária em causa.

U. Tendo o Acórdão sindicado concluído que o TAF de Coimbra não apreciou o “fumus boni iuris”, nem procedeu à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, forçoso seria determinar a produção de prova sobre os factos alegados pelos Requerentes e Requeridos, para apuramento da matéria relevante para que o Tribunal possa suprir aquela lacuna, pelo que a questão enunciada na alínea b) do n.º 3 das Conclusões das Alegações do Município não configura qualquer questão de grande relevância jurídica ou social, nem que seja necessário o julgamento da mesma, por parte do STA, para uma melhor aplicação do direito.

V. Em abono da admissibilidade do presente Recurso de Revista a Recorrente Contrainteressada limita-se a afirmar o seguinte:18. A decisão tirada nos presentes autos pelo TCA Norte afronta, de modo inequívoco, a jurisprudência uniforme deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo, o que motiva a necessidade de intervenção deste para uma melhor aplicação do direito, com o sentido e alcance que lhe é conferida pelo artigo 150.º, n.º 1, do CPTA”.

W. A suposta “afronta (…) a jurisprudência uniforme” do STA não constitui fundamento para admissão da presente Revista, pela simples razão que tal facto não se encontra previsto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

X. As Conclusões das Alegações da Contrainteressada circunscrevem-se à imputação de supostos vícios ou erros de julgamento do Acórdão recorrido, sem qualquer menção ou tentativa de demonstração que no caso dos autos está em causa uma questão de grande relevância jurídica ou social ou que admissão do recurso é necessária aplicação do direito para a boa aplicação do direito.

Y. Não há manifestamente necessidade de admissão deste Recurso de Revista para uma melhor aplicação do direito pois estamos apenas perante uma mera discordância dos Recorrentes com a posição assumida pelo Tribunal a quo.

Z. A matéria a apreciar no presente recurso não apresenta especial complexidade nem particular relevância jurídica ou social e o Acórdão recorrido trata de matéria simples, específica no caso dos autos, de modo particularmente claro e não enferma de erros ostensivos de julgamento.

Improcedência do recurso

AA. A produção de prova testemunhal constitui, hoje, um meio de prova plenamente admitido (cfr. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa – Lições, 5.ª edição, Almedina, pág. 431), de acordo com o princípio da universalidade e liberdade dos meios de prova (art. 607.º do CPC), conforme expressamente plasmado no artigo 118.º do CPTA, sendo que tal princípio, apenas sofre derrogação quando o Tribunal considere assentes, irrelevantes ou dilatórios os factos sobre os quais incidiria a prova testemunhal (cfr. n.º 5 do artigo 118.º do CPTA).

BB. O Tribunal de 1.ª instância não proferiu despacho fundamentado no qual demonstrasse que os factos alegados pelas Requerentes na petição inicial, nomeadamente nos artigos 25.º, 26.º, 49.º 56.º a 59.º, 70.º a 135.º daquele articulado, eram irrelevantes ou dilatórios.

CC. O Tribunal de 1.ª instância tão pouco deu por assente os factos articulados pelas Requerentes na petição inicial, mesmo quando estes foram aceites pela Entidade Demandada (cfr. artigos 14.º, 29.º a 32.º, 50.º, 70.º, 75.º, 76.º, 107.º, 108, 119.º, 136.º, da p.i,) e/ou pela Contrainteressada (cfr. artigo 56.º da p.i., aceite pelo artigo 55.º da Oposição).

DD. O TAF de Coimbra limitou-se a consignar, os factos resultantes do PA ou de documentos juntos aos autos, como se nenhuma outra matéria de facto tivesse sido articulada pelas Requerentes da providência cautelar, não obstante a manifesta relevância da mesma para o julgamento do litígio, nomeadamente, e em especial, naquilo que respeita às incidências ambientais negativas provenientes da suinicultura em causa.

EE. A sentença do TAF, na parte em que recusava a produção de prova testemunhal violava o n.º 5 do artigo 118.º do CPTA, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º e 268.º da Constituição e 2.º, n.º 1 do CPTA, e o princípio da vinculação do juiz pelo pedido e da apreciação de todos os factos que interessam para a decisão da causa, constante do artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, bem como o princípio da universalidade e liberdade dos meios de prova.

FF. Assim, bem andou o Tribunal a quo ao decidir revogar aquela sentença e ao entender que tinham sido alegados factos cuja prova era necessária para aferirão preenchimento dos pressupostos de decretamento da providência e que, como tal, essa prova não poderia ser dispensada.

GG. O fumus boni iuris, ou a aparência do bom direito, carece de uma base factual para ser apreciado, e, consequentemente, os Requerentes alegaram, na petição inicial, um conjunto de factos da maior relevância para esse efeito.

Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista, com a seguinte fundamentação

“(…).

A discordância do município ora recorrente centra-se essencialmente em dois pontos: - defende que o acórdão recorrido é «nulo» por falta de devida fundamentação, porque, alega, transcreve ipsis verbis – no que respeita à apreciação do erro de julgamento de direito sobre o «fumus boni iuris» - o conteúdo das alegações dos apelantes; - e defende que nele se faz um julgamento errado sobre a ocorrência do requisito do «fumus boni iuris».

Esta formação tem vindo a ser particularmente exigente na admissão de revistas que sejam referentes a processos cautelares uma vez que nesta sede, presente a natureza instrumental deste meio processual, o STA «não emite uma pronúncia com vocação de constituir a última palavra sobre a questão jurídica quando esta se coloque ou possa, também, ser colocada na acção principal […]», sendo «mais fortes as razões para que a discussão se quede pelos dois graus de jurisdição em que se desenrola normalmente o contencioso administrativo».

No caso, porém, está em causa, relativamente à invocada «nulidade do acórdão», uma questão de relevância genérica, e não específica deste caso concreto, tal a de saber se a fundamentação jurídica do acórdão, que se traduza na transcrição do conteúdo das alegações dos apelantes, corresponde ou não à hipótese normativa do artigo 615º, nº1 alínea b), do CPC. Questão, aliás, já abordada em aresto deste STA [AC STA de 22.04.2021, in Rº0690/19.0BEALM]. E relativamente ao «erro de julgamento de direito», afigura-se que a abordagem do requisito do «fumus boni juris» feita na sentença, do TAF de Coimbra, comparativamente com o arrazoado do acórdão recorrido - que, no fundo, é o dos apelantes -, surge - na abordagem preliminar e sumária que é pedida a esta Formação - como uma apreciação perfunctória - da questão jurídica subjacente à pretensão cautelar e ao processo principal - mais aureolada de «bom direito». Daí que se mostre carente – até pelas consequências adjectivas que a sua decisão no TCAN provoca – de ser revista pelo STA.

Ademais, trata-se de litígio jurídico que, embora ainda em sede cautelar, envolve uma comunidade relativamente grande - como decorre da consideração dos requerentes e da entidade requerida -, e ao qual, por via disso, não pode ser recusada a relevância social, dado que tem particular repercussão na respectiva comunidade.”.

A Exmª. Srª. Procuradora-Geral Adjunto junto deste STA, emitiu parecer onde concluiu pela procedência das revistas, considerando que o acórdão padecia da nulidade que lhe era imputada, mas, a entender-se que este, “apesar de muito sucintamente”, se encontrava fundamentado, enfermava de erro de julgamento por não estar demonstrada a verificação do requisito do “fumus boni iuris”.

Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

“A) Em 15/11/2017, a A…………. , Lda., ora contrainteressada, apresentou junto da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, o pedido para a aprovação do licenciamento de uma Instalação de Atividade Pecuária, sita na Rua …………., ……………, Freguesia de Tentúgal, Concelho de Montemor-o-Velho (Cfr. fls. 1 do PA);

B) O terreno no qual a exploração em causa foi instalada, no que concerne à qualificação do solo, encontra-se inserido em espaço de uso múltiplo agrícola e florestal, Espaço Agrícola de Produção tipo II, com Estrutura Ecológica Municipal, Zona de Prevenção de Potencial Arqueológico e Área de Recursos Geológicos potenciais, do PDM de Montemor, encontrando-se uma parte do prédio inserido em Reserva Agrícola Nacional e em Reserva Ecológica Nacional (Cfr. fls. 23 e 92 do PA);

C) Com o pedido identificado na alínea anterior, foi junta pela contrainteressada a memória descritiva junta a fls. 2 a 74 do PA, cujo teor se tem por inteiramente reproduzido, e de onde se extrai o seguinte excerto:

(…)

[IMAGEM]

[IMAGEM]

(…)

D) Em 13/10/2017, no âmbito do processo administrativo apresentado pela contrainteressada, e que correu termos sob o n.º 13037/2017, foi proferida a informação técnica a fls. 91 e ss. do PA, cujo teor se tem por reproduzido, e na qual se propôs a aprovação do projeto de arquitetura, sujeito às condicionantes ali fixadas;

E) Em 18/10/2017, pela Sra. Vereadora com competências delegadas, foi aprovado, nos termos propostos na informação identificada na alínea anterior, o projeto de arquitetura apresentado pela contrainteressada (Cfr. fls. 91 do PA);

F) Em 30/09/2019, a contrainteressada veio apresentar alterações interiores de que o projeto em causa havia sido alvo, “no seguimento e de acordo com o solicitado pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, dando cumprimento ao DL 81/2013, de 14.06 permitindo a emissão de parecer favorável por parte desta entidade”, conforme requerimento a fls. 115 a 139 do PA que se tem por reproduzido, e de onde se extrai o seguinte segmento:

(…)

De seguida são descritas as alterações interiores propostas:

A instalação é constituída por 2 pavilhões, designados por:

● Pavilhão A na planta de arquitetura e n.º 2 no plano de produção e

● Pavilhão B na planta de arquitetura e n.º 1 no plano de produção

Inicialmente o interior de cada pavilhão era constituído por 9 salas e engorda. Atualmente prevê-se que estes sejam constituídos por 6 salas. O pavilhão A (n.º 2) alberga 12 parques e o pavilhão B (n.º 1) alberga 10 parques, cada parque ou currais com dimensões de 5,00x3,00m².

O Pavilhão A albergará um número total de 1.512 porcos e o Pavilhão B albergará um número total de 1.404 porcos (…)”;

G) Em 16/07/2019, a contrainteressada requereu junto da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC) o pedido de autorização de instalação de atividade pecuária de que era titular, ali se prevendo 142 parques nos pavilhões de acabamento, nos termos da memória descritiva junta de fls. 140 a 141 do PA;

H) No dia seguinte a contrainteressada enviou à DRAPC o Plano de produção, planta da instalação e formulário NREAP juntos de fls. 142 a 143 do PA, cujo teor se tem por integralmente reproduzido;

I) Em 25/09/2019, pela DRAPC, foi deferido o pedido de autorização de instalação da exploração identificada na al. A), para a espécie animal de suínos, com sistema de exploração intensivo, Classe 1, para produção de recria/acabamento, com capacidade para 437,4 “CN” (Cfr. fls. 154 do PA);

J) No âmbito do processo referente ao pedido de autorização de instalação de atividade pecuária, foram consultadas as seguintes entidades:

Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC); Agência Portuguesa do Ambiente, I. P. / Administração da Região Hidrográfica do Centro (APA/ARHC); Administração Regional de Saúde do Centro, I.P. {ARS}; Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT); Direção-Geral de Alimentação e Veterinária - Direção de Serviços e Alimentação Veterinária da Região Centro (DGAV)”, constando ainda da informação a fls. 154v do PA que “O procedimento de emissão da licença ambiental está a decorrer junto da APA”, e que “Tratando-se o titular da atividade pecuária, em apreço, de um gestor de efluentes pecuários, nos termos da alínea m) do artigo 2.º da Portaria n.º 631 /2009, de 9 de junho, foi o processo instruído com Plano de Gestão de Efluentes Pecuários (PGEP), sujeito a aprovação pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAP Centro);

K) A decisão favorável identificada na al. I) mostrou-se condicionada ao cumprimento das condições impostas nos pareceres anteditos (Cfr. fls. 155 do PA);

L) Do parecer emitido pela APA, com data de 27/02/2018, junto de fls. 158v a 159, cujo teor se tem por inteiramente reproduzido, de novembro de 2016, a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), retira-se, nomeadamente, que:

1. A água consumida na exploração pecuária provém de captação de água subterrânea (furo), titulado para pesquisa pela Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos n.º A001169.2017.RH4A e para captação de água subterrânea através da Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos n.º A007361.2018.RH4A (em anexo), para as finalidades de atividade pecuária e consumo humano, face à inexistência de rede pública no local, atestada pela Autarquia de Montemor-o-Velho, prevendo um consumo de aproximadamente 22 484 m³/ano.

2. Os efluentes pecuários produzidos previstos no processo NREAP e formulário PGEP são apenas chorumes (10 498 m³/ano), sendo proposto um sistema de tratamento constituído por um tanque de receção e uma lagoa anaeróbia de 3314 m³ de volume útil, e posteriormente aplicação desses efluentes pecuários na valorização agrícola.

Analisado o sistema de tratamento proposto verifica-se que o mesmo deverá incluir um sistema de separação de sólidos evitando que os estrumes afluam à lagoa, o que a acontecer, naturalmente provocará uma diminuição da capacidade da lagoa, necessária para que o tratamento anaeróbio se dê nas melhores condições, bem como deverá ter-se em conta as normas da gestão dos efluentes pecuários, conforme dispõem o capítulo II, artigo 3.º e o anexo I da Portaria n.º 631/2009, de 9 de junho, nomeadamente:

Deverá ser previsto no cálculo da capacidade de armazenamento mínima da lagoa, para além de toda a água residual produzida na unidade, que inclui a água captada, também o volume de águas pluviais e uma capacidade de reserva de segurança.

A lagoa não poderá ser implantada a menos de 10 m contados da margem da linha de água existente no local, nem a menos de 25 m da captação de água.

A lagoa deverá ser vedada e totalmente estanque, sem existência de qualquer tubo de descarga para o exterior (contrariamente ao proposto na peça desenhada da lagoa) e impermeabilizada na base e nas paredes laterias, evitando contaminações das massas de águas superficiais e subterrâneas.

Para o armazenamento em sistema lagunar é preciso que sejam garantidas as condições previstas no ponto 13 do anexo I, nomeadamente as da alínea b) da Portaria n.º 631/2009, de 9 de junho.

Neste sentido será necessário proceder à retificação do sistema de tratamento e reformular o PGEP apresentado.

Não se encontra autorizada qualquer rejeição na água dos efluentes suinícolas, sendo que a proposta de valorização agrícola dos efluentes pecuários não carece de título de utilização dos recursos hídricos tendo em atenção o disposto no ponto 2, do artigo 57º do Decreto-lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio. Contudo deverão ser adotadas as medidas aplicáveis ao cumprimento das normas técnicas ao nível do armazenamento, transporte e destino final do efluente definidas na Portaria n.° 631/2009, de 9 de Junho, bem como ter em atenção que a aplicação de efluentes pecuários em solos agrícolas ainda está condicionada ao estipulado nos respetivos programas de ação em, áreas protegidas, zonas sensíveis, zonas de proteção a captações públicas, perímetros de proteção de captações de água e zonas vulneráveis.

(…)

4. A instalação pecuária encontra-se abrangida por licença ambiental. (…)

M) A CCDRC emitiu parecer nos termos constantes a fls. 161v, os quais se têm por inteiramente reproduzidos, e de onde se extrai o seguinte excerto:

Relativamente ao assunto mencionado em epígrafe, na sequência do solicitado por V. Ex.a a coberto da comunicação acima referenciada, e analisada a documentação agora apresentada em atualização do projeto inicialmente apresentado, nomeadamente a atualização da planta referente aos pavilhões onde será desenvolvida a atividade de exploração de recria ou acabamento:

Verifica-se que a planta atualizada reflete a manutenção da área de implantação dos pavilhões (4731,2m²) e a redução da área útil de produção, por subtração de 72 dos 214 parques inicialmente previstos, perfazendo agora um total de 142 parques com 14m² área útil/parque, sem prejuízo do efetivo animal inicialmente previsto, de 2916 porcos de produção; 437,4 CN.

Atendendo ao disposto no arts 1.2 do DL n.s 135/2003, de 28 de junho e n.º de parques agora projetado (142 parques) verifica-se haver espaço para 2982 porcos, valor inferior ao limiar de “espaço para mais de 3000 porcos de produção (+30KG)” constante da alínea c) do ponto 2.2 do Anexo I do RJAIA, concluindo-se pela não abrangência do projeto atual por aquele regime ambiental.

Face ao exposto, o projeto mereceu o meu parecer favorável 02/09/2019, devendo o requerente observar o seguinte:

a) O cumprimento das condições constantes no TUA (PCIP) a emitir pela APA, (regime PCIP) na sequência do procedimento que se encontra a decorrer na plataforma síliamb; módulo LUA PL20170601001577

b) A área agora excluída do projeto não poderá ser utilizada para albergar animais. (…)”;

N) A Direção de Serviços de Desenvolvimento Agroalimentar, Rural e Licenciamento emitiu o parecer a fls. 162 do PA, que se dá por inteiramente reproduzido, e de onde se extrai o seguinte segmento:

A exploração deve adotar e manter atualizado um sistema de registos de produção e movimentos de efluentes pecuários através de Caderno de Campo.

A Capacidade de armazenamento de efluente pecuário da exploração, na sua globalidade, é compatível com o destino proposto, devendo assegurar o cumprimento das normas relativas a localização, estabilidade e estanquicidade.

O Plano prevê o envio da totalidade dos efluentes pecuários, 10498 M3 na forma de chorume, para valorização agrícola na exploração sendo condicionada às parcelas inscritas no formulário REAP, estando interdita a aplicação em áreas que não constem do sistema de identificação parcelar, iSlP, devendo as quantidades a valorizar nas parcelas respeitar as normas de fertilização estabelecidas pelo Manual de fertilização das Culturas.”;

O) Em 6/11/2019, a contrainteressada deu entrada junto dos serviços do requerido dos projetos de especialidades juntos de fls. 166 a 268 do PA, que se têm por reproduzidos, nomeadamente: i) estabilidade e termo de responsabilidade, ii) abastecimento de água e termo de responsabilidade, iii) infraestruturas de telecomunicações e termo de responsabilidade, iv) parecer da EDP, v) águas pluviais e termo de responsabilidade, vi) fixa de segurança contra incêndios, vii) estudo geotécnico e declaração para a dispensa dos projetos térmico e acústico;

P) Em 12/11/2019, foi elaborada a informação interna n.º 14392/2019, junta de fls. 241 a 247, cujo teor se tem por reproduzido, e pela qual foi proposto o deferimento do pedido, com as condicionantes ali constantes, das quais se transcrevem as seguintes:

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(…)

● “O que consta dos pareceres obtidos pela entidade coordenadora/DRAPC” (…)

Q) Em 14/11/2019, pela Vereadora ………….., foi proferido despacho pelo qual foi deferido o licenciamento requerido pela contrainteressada, nos termos e condições indicadas pelos serviços (Cfr. fls. 280 do PA);

R) Em 18/11/2019, pela identificada vereadora, foi emitido despacho que deferiu a emissão de alvará de construção (Cfr. fls. 311 do PA);

S) Na mesma data foi emitido o alvará de licenciamento de obras de construção n.º 57/2019, junto a fls. 313 do PA, cujo teor se tem por inteiramente reproduzido, e pelo qual se estabeleceu como prazo para a conclusão das obras o dia 19/11/2020;

T) Encontram-se já executadas as desmatações e terraplanagens dos terrenos, bem como as fundações e as paredes exteriores e telhados dos pavilhões e as vidas de circulação internas e externas referentes à instalação da exploração de suinicultura em causa (Provado por acordo);

U) O lugar de ……………, com cerca de 119 habitantes, situa-se a cerca de 800 metros da exploração da contrainteressada (Provado por acordo);

V) Na proximidade da instalação pecuária em causa existe uma linha de água (Provado por acordo);

W) A zona em causa não é servida por qualquer sistema público/municipal de abastecimento de água potável, pelo que as indústrias têm de recorrer a captação de águas subterrâneas em ordem a assegurar a sua normal laboração (Provado por acordo);

X) Na proximidade da identificada exploração de suinicultura, a cerca de 900 metros, encontra-se a fábrica de produtos alimentares “ G…………, S.A.”, a qual se dedica, essencialmente à produção de batata frita, destinada ao mercado interno e à exportação (Provado por acordo);

Y) Esta instalação fabril dispõe de dois furos artesianos para captação de águas, os quais asseguram os volumes de água, com a quantidade e qualidade necessárias (e indispensáveis) ao fabrico das batatas fritas e demais bens alimentares produzidos por esta unidade industrial (Provado por acordo);

Z) Na instalação pecuária da contrainteressada, quer a água consumida pelos animais, quer a água utilizada para lavagem dos dejetos nos pavilhões de engorda, quer a utilizada nas instalações sanitárias serão unicamente provenientes de um furo artesiano para captação de águas subterrâneas (Provado por acordo);

AA) A Quinta do ……….. e a Quinta do ………. estão afetas a atividades turísticas e de lazer, nomeadamente a organização de eventos, como sejam casamentos, batizados e encontros empresariais (Provado por acordo);

BB) Na freguesia de Tentúgal e na de Meãs do Campo, existem diversos restaurantes, pastelarias, e fábricas de bolos, como seja o “……….” e a “…………” (Provado por acordo).”

3. No processo cautelar que, ao abrigo da Lei de Acção Popular (Lei n.º 83/95, de 31/8) intentaram no TAF, os ora recorridos pediram a suspensão de eficácia do despacho, de 14/11/2019, da Vereadora da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, que licenciara as obras de construção de um conjunto de edifícios, com a área de 4.967,75 m², destinados à criação de 2.916 suínos, em sistema intensivo.

Por sentença do TAF foi indeferida a requerida providência cautelar, com o fundamento que não se mostrava verificado o requisito de procedência do “fumus boni iuris”.

Os requerentes interpuseram recurso dessa decisão para o TCA Norte que, por acórdão de 18/12/2020, lhe concedeu provimento, por considerar haver factos relevantes controvertidos para aferir do preenchimento do requisito do “periculum in mora” sobre que haveria que incidir a produção de prova testemunhal que havia sido requerida, determinando, assim, a baixa dos autos ao TAF.

Deste acórdão foram interpostos recursos de revista pela entidade requerida e pela contra-interessada, tendo este STA, por acórdão de 29/4/2021, considerado que “o juízo formulado pelo acórdão recorrido quanto à necessidade de produção de prova testemunhal deveria ter como pressuposto que, ao contrário do que sustentara a sentença do TAF, se encontrava preenchido o requisito do “fumus boni iuris”, por essa diligência não ter qualquer relevância para a decisão final “se tiver por objecto factos pertinentes para a decisão a tomar sobre o “periculum in mora” quando seja de manter aquela sentença”. Concedeu, assim, provimento a ambos os recursos, revogando o acórdão recorrido e determinando a baixa dos autos ao TCA-Norte.

Foi então proferido o acórdão objecto das presentes revistas, onde, após se julgar improcedente a nulidade de omissão de pronúncia imputada à sentença, se referiu o seguinte:

“(…)

Prescreve o artigo 120º, n.º 1 do CPTA que “(…) as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.

Como resulta deste preceito, a adopção de uma providência cautelar exige, antes de mais, o preenchimento cumulativo de dois requisitos, o periculum in mora e o fumus boni iuris.

No que a este último concerne, necessário é que o requerente demonstre a aparência do bom direito em termos tais que permitam concluir ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente.

Posto que nos situamos em sede cautelar, provisória por natureza, o juízo que ao tribunal cumpre fazer sobre a probabilidade de êxito da acção principal é sumário e assente numa apreciação perfunctória, dado estar reservada para o processo principal uma análise exaustiva e definitiva sobre os vícios invocados, aí se exigindo, pois, um juízo de certeza sobre a existência do direito.

Assim sendo, para que se mostre verificado o fumus boni iuris necessário é que o Tribunal conclua pela probabilidade ou verosimilhança de procedência da pretensão formulada na acção principal, tendo presentes os factos provados e o direito aplicável.

Como se refere no acórdão do STA de 15/09/2016, proc. n.º 0979/16, “o enunciado actual do art. 120º, n.º 1, do CPTA reconduziu o assunto às soluções processuais comuns, enquadrando o requisito no plano da probabilidade de existir o direito exercitado. Assim, a pretensão cautelar da requerente só vingará se for «provável» que a acção principal «venha a ser julgada procedente». «Provável» é o que tem uma possibilidade forte de acontecer, sendo surpreendente ou inesperado que não aconteça. E, no domínio jurídico em que ora nos situamos, isso exige que algum dos vícios atribuídos pela requerente ao acto suspendendo se apresente já – na análise perfunctória típica deste género de processos – com a solidez bastante para que conjecturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do acto”.

Isto posto, vejamos então se o julgamento feito pelo TAF de Coimbra a respeito do fumus boni iuris se mostra correcto.

O Decreto-lei n.º 151-B/2013, de 31/0 “estabelece o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental (AIA) dos projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente” (cfr. artigo 1º, n.º 1) – RJAIA.

Estipula o artigo 1º, n.º 3, al. b), subalínea i) do RJAIA que estão sujeitos a AIA os projectos tipificados no anexo II desse diploma que estejam abrangidos pelos limiares fixados.

A al. e) do Anexo II desse diploma reporta-se aos projectos relativos a instalações de pecuária intensiva não incluídas no Anexo I. O TAF considerou, como vimos, que o projecto em causa nos autos tem enquadramento no Anexo I, concretamente no seu ponto 23., na medida em que se destina à criação intensiva de suínos e, por isso, entendeu que não se aplicava o disposto no Anexo II..

Não cremos, porém, que assim seja. É que o ponto 23. do Anexo I reporta-se a “Instalações para criação intensiva de aves de capoeira ou de suínos, com espaço para mais de: (…) c) 3 000 porcos de produção (+30 kg); (…)” e o projecto aqui em causa tem uma capacidade para 2916 suínos.

Entendemos, assim, que o projecto da contra-interessada tem enquadramento não no Anexo I do RJAIA, mas antes no seu Anexo II.

Nos termos da al. e) desse Anexo II, é obrigatória a AIA nos projectos relativos a instalações de pecuária intensiva para mais de 600 bovinos ou outras tipologias mediante ponderação de cabeças equivalentes.

Importa então fazer apelo ao Decreto-lei n.º 81/2013, de 14/06 – que aprovou aprova o novo regime do exercício da actividade pecuária (NREAP) – a fim de determinar qual o número de animais que deve considerar-se equivalente a 600 bovinos para efeitos de obrigatoriedade de AIA.

Nos termos do artigo 2º, al. e) desse diploma, entende-se por “e) «Cabeça normal (CN)» a unidade padrão de equivalência usada para comparar e agregar números de animais de diferentes espécies ou categorias, tendo em consideração a espécie animal, a idade, o peso vivo e a vocação produtiva, relativamente às necessidades alimentares e à produção de efluentes pecuários”.

Por seu lado, estipula o n.º 1 do artigo 4º do NREAP que “A capacidade de cada núcleo de produção, exploração pecuária, bem como do entreposto ou centro de agrupamento, será expressa em cabeças normais (CN), cujo valor é determinado com base no critério de equivalência constante no anexo II”.

De acordo com o Anexo II desse diploma, cada “bovino de 6 a 24 meses” é equivalente a 0,60 CN, ou 0,40 CB, caso a sua idade seja inferior a 6 meses; e cada “porco em acabamento (de 20Kg a 110Kg pv)” é equivalente a 0,15 CN.

Deste modo, os 600 bovinos referidos na al. e) do Anexo II do RJAIA equivalem a 360 CN ou a 240 CN, consoante estejam em causa animais com idade superior ou inferior a 6 meses.

Assim, e dado que a instalação em causa nos autos tem capacidade para 437,4 CN, a mesma excede o limiar fixado na al. e) do Anexo II do dito diploma, pelo que está sujeita a AIA.

Isto posto e considerando que (como bem se diz na sentença recorrida), estando o acto consubstanciado na licença de construção dependente da prévia emissão de autorização de instalação da exploração pecuária (cfr. artigo 55º, n.º 2 do NREAP), no caso de este ser emitido sem a prévia sujeição a AIA, quando esta for devida, o mesmo será nulo, nos termos do artigo 22º, n.º 3 do RJAIA, essa nulidade repercute-se no acto suspendendo, não podemos deixar de concluir, numa análise perfunctória própria da tutela cautelar, que o vício imputado pelos ora recorrentes àquele acto apresenta-se “com a solidez bastante para que conjecturemos a existência de uma ilegalidade” (citando o acórdão do STA supra referido).

E porque assim é, entendemos que se verifica o fumus boni iuris, procedendo, por isso, o erro de julgamento de direito imputado à sentença recorrida.

7. Como referimos supra, tendo concluído pelo não preenchimento deste requisito e considerando que os requisitos vertidos no artigo 120º do CPTA são de verificação cumulativa, o TAF não apreciou o periculum in mora, nem procedeu à ponderação dos interesses públicos e privados em presença.

Deste modo, cumpriria a este Tribunal conhecer dos demais requisitos com vista ao decretamento da presente providência cautelar (cfr. artigo 149º, n.º 2 do CPTA). E dissemos “cumpriria” porque para tal necessário seria que os autos dispusessem de todos os elementos para o efeito, o que não sucede.

É que, para fundamentar a verificação de tais requisitos, máxime do periculum in mora, os requerentes cautelares alegaram diversos factos que se mostram relevantes e que foram impugnados pelos requeridos, concretamente os vertidos nos artigos 73º, 74º, 81º, 84º, 93º, 94º, 95º, 96º, 97º, 98º, 102º, 104º, 105º, 106º, 109º, 110º, 111º, 113º, 114º, 115º, 116º, 117º, 120º, 121º, 122º, 123º, 124º, 125º, 126º, 127º, 128º, 129º, 130º, 131º, 132º, 133º, 134º e 135º.

Com vista à sua demonstração, os requerentes apresentaram prova documental (juntaram 12 documentos) e indicaram prova testemunhal (7 testemunhas).

Acontece que, nenhum desses factos foi objecto do julgamento da matéria de facto, sendo dado como provado ou não provado, e as testemunhas não foram inquiridas, sendo certo que aqueles são susceptíveis de prova testemunhal.

Significa isto que não constam do processo todos os elementos que permitem a este Tribunal conhecer dos requisitos que o TAF, por entender prejudicado, não apreciou, mormente o periculum in mora.

Assim sendo, devem os autos regressar ao TAF de Coimbra a fim de serem aí realizadas as diligências de prova pertinentes, em particular a produção de prova testemunhal (tendo em atenção as regras vertidas no artigo 118º, n.ºs 4, 6 e 7 do CPTA, em especial a que respeita ao limite de testemunhas, que é de 5) e proferir nova decisão que aprecie, em função da prova produzida, os demais requisitos vertidos no artigo 120º do CPTA.

Os recorrentes imputam a este acórdão a nulidade de falta de fundamentação, vertida na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC – em virtude de, quanto à questão essencial da obrigatoriedade de no caso se proceder a AIA, se ter limitado a aderir à tese dos ora recorridos, transcrevendo, “ipsis verbis” e sem aspas, o que estes haviam alegado no recurso interposto da sentença, ignorando completamente as razões que tinham invocado – e um erro de julgamento quanto à análise do requisito do “fumus boni iuris”, por a instalação em causa não estar sujeita a AIA, visto não atingir os limites normativos estabelecidos pelo anexo I ao RJAIA e não lhe ser aplicável o anexo II ao mesmo diploma.

Vejamos se lhe assiste razão, começando por apreciar a invocada nulidade.

Só a falta absoluta de motivação constitui a nulidade da referida al. b) do n.º 1 do art.º 615.º, pois uma exposição medíocre, insuficiente ou incompleta dos fundamentos permite descortinar as razões que ditaram a decisão, sujeitando-a à possibilidade de ser revogada ou alterada em recurso (cf., entre muitos, o Ac. do STA de 27/5/98 – Proc. n.º 37068).

Uma das situações em que tem de se entender que há omissão total de motivação é quando a justificação consista na simples adesão aos fundamentos alegados por uma das partes, proibida pelo art.º 154.º, n.º 2, do CPC.

Porém, como resulta claramente do trecho do acórdão que ficou transcrito, embora nele se tenha adoptado a posição que nos autos era defendida pelos requerentes, não se pode afirmar, ao contrário do que alegam os recorrentes, que tenha existido uma reprodução textual “ipsis verbis” destes fundamentos, sendo certo que nada obsta que o juiz considere essas razões convincentes e as adopte, repetindo-as por palavras suas.

Assim, porque não ocorre uma fundamentação por adesão proibida pelo n.º 2 do citado art.º 154.º e porque o acórdão recorrido – que não tinha de apreciar todas as razões invocadas pelas partes – não incorre numa absoluta falta de motivação, improcede a arguida nulidade.

Quanto à questão de mérito, importa considerar o que dispõe o Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), aprovado pelo DL n.º 151-B/2013, de 31/10, alterado e republicado pelo DL n.º 152-B/2017, de 11/12 (doravante RJAIA) que estabelece o seguinte, no seu art.º 1.º, n.º 3:

“3 – Estão sujeitos a AIA, nos termos do presente decreto-lei:

a)Os projetos tipificados no anexo I ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante, sem prejuízo do disposto no n.º 5;

b) Os projetos tipificados no anexo II ao presente decreto-lei do qual faz parte integrante que:

i) Estejam abrangidos pelos limites fixados;

ou

ii) Se localizem, parcial ou totalmente em área sensível e sejam considerados, por decisão da autoridade da AIA nos termos do número 6 do artigo 3.º, como suscetíveis de provocar impacte significativo no ambiente em função da sua localização, dimensão ou natureza, de acordo com os critérios estabelecidos no anexo III ao presente decreto lei, do qual faz parte integrante;

ou

iii) Não estando abrangidos pelos limites fixados, nem se localizando em área sensível, sejam considerados, por decisão da entidade licenciadora ou competente para a autorização do projeto nos termos do artigo 3.º, como suscetíveis de provocar impacte significativo no ambiente em função da sua localização, dimensão ou natureza, de acordo com os critérios estabelecidos no anexo III”.

No aludido anexo I, estão incluídos, nos termos do seu n.º 23, as “instalações para criação intensiva de aves de capoeira ou de suínos, com espaço para mais de:

a)85000 frangos;

b) 60000 galinhas;

c) 3000 porcos de produção (+ 30 Kg.);

d) 900 porcas reprodutoras”.

Por sua vez, do anexo II a que se refere o citado art.º 1.º, n.º 3, al. b), consta o seguinte:

TIPO DE PROJETOS
CASO GERAL
ÁREAS SENSÍVEIS
AIA obrigatóriaAIA obrigatória
> 600 bovinos>30000 frangos ou galinhas
Outras tipologias:>1000 porcos produção (+30Kg)
mediante ponderação>300 porcas reprodutoras
de cabeças equivalentes> 250 bovinos
Outras tipologias: mediante
ponderação de cabeças equivalente
e) Instalacões de pecuária intensiva (não incluídas no anexo I).
Resulta do que ficou exposto que estão abrangidos pela AIA obrigatória os projectos tipificados no anexo I e os do anexo II que estejam incluídos nos limiares fixados para o “caso geral”.

Conforme resulta da matéria de facto provada, o projecto que está em causa nos autos é de instalação para criação intensiva de suínos com capacidade para 2916 porcos de engorda que corresponde a 437,40 “cabeças normais (CN)” que, de acordo com o disposto no art.º 2.º, al. e), do Regime Jurídico da Actividade Pecuária (RJAP) aprovado pelo DL n.º 81/2013, de 14/6, é “a unidade padrão de equivalência usada para comparar e agregar números de animais de diferentes espécies ou categorias, tendo em consideração a espécie animal, a idade, o peso vivo, a vocação produtiva relativamente às necessidades alimentares e à produção”.

Não havendo dúvidas que a tipologia desse projecto não cabe no anexo I, por ficar abaixo do limiar estabelecido pelo seu n.º 23, al. c), coloca-se a questão de saber se ele se deve considerar previsto pelo “caso geral” da al. e) do anexo II, em virtude de, efectuada a devida correspondência entre bovinos e porcos de produção nos termos do RJAP, a capacidade da exploração da contra-interessada se encontrar abrangida pelo limiar aqui fixado.

Tendo presente que, no processo cautelar, o juiz não procede a juízos definitivos, mas a uma apreciação meramente sumária e perfunctória e que está em causa apenas a análise do requisito do “fumus boni iuris”, previsto na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, o que há que averiguar é se ocorre a probabilidade de a acção de impugnação do despacho, de 14/11/2019, da Vereadora da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, que licenciou a construção dos edifícios para instalação da suinicultura, vir a proceder com o fundamento que o projecto estava sujeito a AIA por força do preceituado no art.º 1.º, al. b), subal. i), do RJAIA, conjugado com a al. e) do ponto I do anexo II a esse diploma.

A questão a resolver consiste, assim, em averiguar o significado da expressão “instalações de pecuária intensiva (não incluídas no anexo I)”, constante do ponto I, al. e), do aludido anexo II, sustentando os requerentes da providência cautelar e o acórdão recorrido que por ela ficavam abrangidas não só as instalações destinadas a espécies diferentes das que eram indicadas no n.º 23 do anexo I mas também as das espécies que aqui eram referidas quando se tratasse de um projecto que ficasse abaixo do limiar aí fixado, e defendendo os ora recorrentes, com o apoio da Srª. Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA, que nela só era de incluir as instalações dedicadas a espécies diferentes das elencadas naquele n.º 23.

Se é verdade que a expressão em causa suscita dúvidas interpretativas, cremos ser de reconhecer que é a referida posição dos ora recorrentes, acolhida pela sentença do TAF, que está mais de acordo com o seu sentido literal e que, na ausência de outros elementos que o contradigam, deve prevalecer, por a letra da lei constituir o ponto de partida e o limite de toda a interpretação, não se podendo considerar uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso (cf. art.º 9.º, n.º 2, do C. Civil). Efectivamente, se o legislador quisesse abranger no “caso geral” do anexo II as instalações de pecuária intensiva dedicadas a porcos de produção que ficassem abaixo do limiar fixado no n.º 23 do anexo I teria utilizado a expressão “excluídas pela aplicação do anexo I” em vez de “não incluídas no anexo I”.

Também indiciador que foi esta a interpretação pretendida pelo legislador é o facto de, no “caso geral” do anexo II, se terem estabelecido expressamente critérios para os bovinos (que não estão incluídos no anexo I) e não para os suínos, enquanto para as “áreas sensíveis” já se especificam ambas as espécies sem recurso à ponderação de cabeças equivalentes, o que encontrará justificação na circunstância de, quanto aos suínos, os critérios já constarem do anexo I.

Acresce que não se encontra justificação para o estabelecimento de um limiar no anexo I (mais de 3000 porcos) que viria a ser “derrogado” no anexo II (2400 porcos que corresponde à ponderação de cabeças equivalentes a 600 bovinos) quando não se vê utilidade em distinguir ambas as situações e bastaria ao legislador dizer, se fosse essa a sua intenção, que a AIA era obrigatória para as instalações para criação intensiva de mais de 2400 porcos de produção.

E não põe em causa o entendimento que se perfilha a circunstância de ele corresponder ao que resultava do regime anterior estabelecido pelo DL n.º 69/2000, de 3/5 – onde os projectos de instalações para criação intensiva de porcos estava apenas prevista no “caso geral” do anexo II, com o limiar de mais de 3000 porcos (+ 40 Kg.) – apesar da intenção legislativa do novo regime ser a de reforçar a “eficácia, robustez e coerência deste instrumento fundamental de defesa preventiva do ambiente e da política de desenvolvimento sustentável” (parágrafo 6.º do preâmbulo do DL n.º 151-B/2013), pois esse objectivo, afirmado genericamente, não deixou de ser prosseguido noutros domínios regulados pelo diploma e sempre se poderá contrapor que se a intenção do legislador fosse a de baixar significativamente o limiar quanto aos porcos não deixaria de a assinalar no referido preâmbulo.

Assim, num juízo sumário e perfunctório – como é próprio da tutela cautelar –, entendemos que a tipologia do projecto em causa nos autos (instalações para a criação intensiva com espaço para 2916 porcos) não cabe no anexo I ao RJAIA, por ficar abaixo do limiar aí fixado, nem está previsto no “caso geral” do anexo II que apenas abrange as instalações dedicadas a espécies não incluídas no anexo I, como sejam, por exemplo, os bovinos, equídeos, ou ovinos e caprinos.

Nestes termos e porque, por falta de previsão legal, não se pode afirmar que o requisito do “fumus boni iuris” no âmbito do direito do ambiente assume qualquer tipo de especificidade, merecem provimento as revistas.

4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento aos recursos, revogando o acórdão recorrido e mantendo a sentença do TAF.

Sem custas, por isenção [art.º 4.º, n.º 1, al. b), do RCP], sem prejuízo, porém, da aplicação do disposto nos nºs. 6 e 7 do mesmo art.º 4.º.

Lisboa, 16 de dezembro de 2021. - José Francisco Fonseca da Paz (relator) - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (vencido, conforme voto que segue).



Voto vencido, não acompanhando o juízo que obteve vencimento quanto à apreciação do mérito da providência cautelar sub specie, porquanto consideraria verificado o requisito do fumus boni iuris, mantendo nesse segmento o julgado pelo TCA Norte [TCA/N].

Com efeito, sumariamente considero que, atento o disposto conjugada e nomeadamente nos arts. 01.º, n.º 3, al. b), subal. i) [conjugado com o Anexo II - ponto 1.e) para o «Caso Geral»/«Outras tipologias …»], 02.º e 22.º do DL n.º 151-B/2013, de 31.10 [diploma que estabelece o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental (AIA) dos projetos públicos e privados suscetíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, transpondo a Diretiva n.º 2011/92/UE] [RAIA], 02.º, 03.º, 04.º, 23.º, 24.º, e 55.º e anexos I e II do DL n.º 81/2013, de 14.06 [diploma que veio disciplinar o regime de exercício da atividade pecuária] [NREAP] e, ainda, o art. 04.º e anexos I e II da Diretiva 2011/92/UE, e presente a jurisprudência do TJUE [vide, mormente, Acs. de 02.05.1996 (C-133/94), de 13.06.2002 (C-474/99), 08.09.2005 (C‑121/03), de 20.11.2008 (C-66/06)], ressalta ou se extrai a sujeição a avaliação de impacto ambiental [AIA] da instalação de pecuária intensiva da aqui contrainteressada [para criação de 2916 suínos], já que supera o limiar dos 2400 suínos que decorreriam da aplicação articulada do referido quadro normativo para as «Outras tipologias …» em função ou mediante a ponderação aos 600 bovinos do número equivalente de cabeças normais [CN] aludido na al. e) do anexo II do DL n.º 151-B/2013 por referência ao referido anexo II do DL n.º 81/2013 [«bovino de 6 a 24 meses» 0,6 (CN) e «porco em acabamento …» 0,15 (CN) o que dá uma proporção de 1 para 4 (600 x 4 = 2.400)].

É que não só do anexo II da referida Diretiva consta a inclusão das «Instalações de pecuária intensiva (projetos não incluídos no anexo I)» sem especificação ou qualquer ressalva ou distinção quanto ao concreto tipo/espécie animal ali objeto de «criação»/«produção», como não fará sentido dispensar a AIA quanto a toda e qualquer instalação e exploração da atividade pecuária relativa à espécie suína abaixo do número de «3000 porcos de produção» fora do âmbito das «Áreas sensíveis», como decorre do entendimento firmado, pois isso implica ficar desprovida de sentido a menção «Outras tipologias…» constante de tal alínea e) do anexo II do DL n.º 151-B/2013 quando na mesma o legislador não terá ali querido definir um diverso número de efetivo/cabeças de animal, na terminologia legal de «cabeça normal» [CN], por exploração daquele que derivaria da operação resultante da opção conjugada e articulada com o anexo II do NREAP, nem muito menos terá pretendido restringir ou distinguir na menção «Outras tipologias…» qualquer tipo/espécie animal alvo da atividade de exploração pecuária, mormente dela excluir a espécie suína, ciente de que não se vislumbra que haja um menor impacto ambiental comparativo entre uma exploração de suínos face a uma exploração de aves, ou de ovinos/caprinos ou mesmo de equídeos, que justifique uma tal exclusão/isenção da necessidade/obrigação de realização de uma AIA.
Daí que na ausência da realização de uma AIA no procedimento autorizativo deduzido no quadro do NREAP junto da DGADR ocorre ilegalidade produtora de invalidade [nulidade] que inquina consequentemente [cfr. arts. 22.º, n.º 3, do DL n.º 151-B/2013, 172.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA/2015) e 173.º do CPTA] o ato autorizativo/licenciador produzido pelo ente demandado e aqui objeto de impugnação cautelar.
Carlos Luís Medeiros de Carvalho