Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0765/13
Data do Acordão:07/03/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
ISENÇÃO
PATRIMÓNIO DA EMPRESA
INSOLVÊNCIA
Sumário:I - O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada, poderá, quando muito, interpretar-se como abrangendo não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
II - Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial).
Nº Convencional:JSTA00068329
Nº do Documento:SA2201307030765
Data de Entrada:05/02/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...., LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIRE04 ART270 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0949/11 DE 2012/05/30.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A……., LDA., identificada nos autos, impugnou a liquidação de IMT no valor de 5.136,88 €, respeitante à transmissão do prédio urbano, composto de casa de habitação, anexo e quintal, sito na Rua ……., freguesia de …… (………), inscrito na matriz sob o artigo 510, daquela freguesia, V. N. de Famalicão, no TAF de Braga, que decidiu julgar procedente a impugnação.

2. Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso para este STA, formulando as seguintes conclusões das suas alegações:
“A - A douta sentença ora recorrida entendeu por um lado que o artigo 270º, n.º2 do CIRE prevê diversas hipóteses, sendo que a última delas respeita a «actos de venda ...praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente», sem qualquer distinção relativa ao facto de a massa insolvente ser de uma pessoa coletiva ou de uma pessoa singular;
B - Entendeu ainda que a referida norma não faz qualquer referência à existência de uma «empresa», como defende a administração fiscal, pelo que também esta aquisição beneficia da isenção de IMT.
C - Ora, os pressupostos para o preenchimento dos requisitos que determinam a obtenção do benefício de isenção, não foram preenchidos pela adquirente, uma vez que não adquiriu a empresa ou estabelecimento.
D – No caso sub judice, o que se verificou foi a venda de um prédio urbano destinado a habitação que não pertence ao ativo de uma “empresa”, sendo que por “empresa”, para efeitos exclusivos do GIRE, deve entender-se qualquer organização de capital e trabalho destinada ao exercício de uma atividade económica, o que não se verifica.
E - Assim, a venda do imóvel em apreço não está isenta de IMT conforme estipula o artigo 270.°, n.º2 do CIRE, visto que não se trata de uma transmissão onerosa de bens que integram a universalidade de empresa ou estabelecimento vendido, permutados ou cedidos no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente, mas sim de uma transmissão onerosa de um bem imóvel, sem qualquer relação com uma empresa ou estabelecimento.
F - Pelo que a douta sentença proferida pelo MmºJuiz a quo fez, a nosso ver, uma incorreta interpretação das normas legais e do ratio legis que a fundamentam, mormente o artigo 270.º n.º2 do CIRE, incorrendo assim em erro de julgamento, devendo, por esse motivo, ser revogado, com as legais consequências.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Exas., deverá ser concedido provimento ao presente, com o que se fará como sempre, a costumada JUSTIÇA”.

3. Não houve contra-alegações.

4. O Magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, emitiu douto Parecer, onde conclui:
“(…) 1. A conclusão D- enuncia facto não contemplado no probatório da sentença, do qual a recorrente pretende extrair consequência jurídica relevante no sentido da inverificação dos pressupostos da isenção de IMT:
- o prédio urbano adquirido não integra o activo de eventual empresa pertencente à insolvente B……..
É indiferente para apreciação da questão da competência a efectiva relevância dos factos alegados pela recorrente para o julgamento do objecto do recurso.
A decisão da questão da competência do tribunal não pode fundamentar-se em argumentos jurídicos que denunciem a sua proposta de solução para a decisão da causa, a qual incumbe exclusivamente ao tribunal que vier a ser declarado competente, segundo as normas aplicáveis.
Neste contexto o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito sendo o STA-SCT incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento e competente o TCA Norte - SCT (arts. 26ºal. b) e 38ºal. a) ETAF 2002; art. 280ºn°1 CPPT).
2. O interessado poderá requerer, oportunamente, o envio do processo para o tribunal declarado competente (art. 18º nº2 CPPT).
O Ministério Público tem legitimidade para a suscitação da incompetência absoluta do tribunal em processo judicial tributário (art.16ºn°2 CPPT)
A competência dos tribunais da jurisdição fiscal é de ordem pública; o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art. 13ºCPTA/ art. 2ºal. c) CPPT)
CONCLUSÃO
O STA-secção de Contencioso Tributário é incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, sendo competente o TCA Norte –SCT”.

5. Notificadas as partes do douto parecer do Ministério Público, a Fazenda Pública veio responder, nos termos que se seguem:
“(…)
1 — Segundo o parecer do Ministério Público do qual fomos agora notificados, o Supremo Tribunal Administrativo é incompetente para o conhecimento do presente recurso jurisdicional, porquanto, o mesmo não se funda, exclusivamente, em matéria de direito.
2 — Ora, compulsadas as alegações de recurso, constata-se que a Fazenda Pública nas suas alegações de recurso, a fls. 97º e segs., conclusão D), invoca de facto, que o que se verificou foi a venda de um prédio urbano destinado a habitação que não pertence ao activo de uma empresa No entanto, parece-nos que essa invocação é conclusiva, que não vai para além da matéria de facto dada como provada em 1ª instância, e que o que se pretende é apenas extrair uma conclusão de direito diversa da que foi extraída pela sentença recorrida que considerou, a pág. 76 que: os actos a que se refere o nº2 do art.º270.ºdo CIRE abrangem, não apenas as transmissões de bens imóveis integrados numa universalidade da empresa ou estabelecimento da massa insolvente, mas também as transmissões isoladas de elementos do seu activo, desde que integradas no plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.”
3 — Donde, parece-nos que o recurso se encontra bem dirigido ao STA. (…)”.

6. Com dispensa de vistos, dada a simplicidade da questão, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença recorrida deu como fixada a seguinte matéria de facto:
“1. A impugnante adquiriu o prédio urbano, composto de casa de habitação, anexo e quintal, sito na Rua ……., freguesia de ……. (………), inscrito na matriz sob o artigo 510, daquela freguesia, concelho de V N Famalicão no dia 20/10/2011, no âmbito do processo de insolvência de B……., a correr termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, com o n.º237/10ATJVNF-A.
2. O prédio em questão fora arrolado e apreendido para a massa insolvente e a impugnante comprou-o pelo preço de 190.000,00€;
3. A impugnante requereu verbalmente a isenção de IMT no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão, ou seja, que lhe fosse reconhecido o direito ao beneficio fiscal previsto no artigo 270.°, n.º2 do CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18/3.
4. Tal beneficio não foi reconhecido por aquele serviço por se tratar de uma aquisição a uma pessoa singular, tendo procedido à liquidação ora em crise, que a impugnante pagou previamente à realização da escritura de compra e venda - cfr. fls. 10/13 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
5. Não se conformando com essa liquidação, a impugnante apresentou reclamação graciosa para obter a anulação da referida liquidação, reclamação que foi indeferida por despacho do Ex.mo Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1, datado de 7/12/2011.
6. A administração tributária considerou que a transmissão onerosa do prédio em causa nos autos não se encontrava isenta de IMT, de acordo com o parecer elaborado pela Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, que se encontra junto a fls. 34/51, no qual se concluiu, em síntese, o seguinte:
“A aplicação dos benefícios fiscais do artigo 270.º n.º2, do C.I.R.E. depende de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendidos, permutados ou cedidos no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente.”
7. Inconformada com essa decisão, a impugnante apresentou a 3/1/2012 a presente impugnação judicial.”


2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

Como resulta do probatório, a impugnante requereu verbalmente a isenção de IMT no Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão, ou seja, que lhe fosse reconhecido o direito ao beneficio fiscal previsto no artigo 270º, nº 2, do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/3, em relação ao prédio urbano, composto de casa de habitação, anexo e quintal, sito na Rua ………, freguesia de ……. (……..), inscrito na matriz sob o artigo 510, daquela freguesia, concelho de Vila Nova de Famalicão, no dia 20/10/2011, que adquiriu no âmbito do processo de insolvência de B……., a correr termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, com o n.º237/10ATJVNF-A.
Notificada da liquidação, uma vez que o pedido não foi aceite, a recorrente deduziu impugnação judicial, alegando, em síntese, que a liquidação em IMT violaria o disposto nos artigos 8º do EBF, 9º do Código Civil, e 270º do CIRE, uma vez que adquiriu o prédio no âmbito de um processo de insolvência.
Por sentença proferida, no TAF de Braga, em 10 de Janeiro de 2013, foi julgada procedente a impugnação, ponderando-se, em síntese, o seguinte:
· “(…)” Nos termos do n.º2 do art. 270º do C.I.R.E “(…), estão isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
· “A administração tributária, no entanto, considerou que a transmissão onerosa do prédio em causa nos autos não se encontrava isenta de IMT, de acordo com o parecer elaborado pela Direcção de Serviços Jurídicos e do Contencioso, no qual se concluiu que a aplicação dos benefícios fiscais do artigo 270º n.º 2, do C.I.R.E. depende de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendidos, permutados ou cedidos no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente.
· “No entanto, tal interpretação restritiva não se mostra respaldada pela disposição legal acima transcrita, pois que nela se prevêem diversas hipóteses, sendo que a última delas respeita a «actos de venda ... praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente», sem qualquer distinção relativa ao facto de a massa insolvente ser de uma pessoa colectiva ou de uma pessoa singular, bem como sem qualquer referência à existência de uma «empresa», como defende a administração fiscal.
· “Foi justamente neste sentido que se pronunciou o Acórdão do STA 0949/11, de 30-05-2012, 2.ª Secção, publicado em www.dgsi.pt e onde se entendeu que os actos a que se refere o n.º2 do art.º270.ºdo CIRE abrangem, não apenas as transmissões de bens imóveis integrados numa universalidade da empresa ou estabelecimento da massa insolvente, mas também as transmissões isoladas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
· “No caso dos autos, a impugnante adquiriu o prédio atrás identificado no âmbito da liquidação da massa insolvente de B…….., beneficiando, por isso, da isenção de IMT contemplada no art.º270.°, n.º 2 do CIRE, cumprindo, assim, declarar procedente a presente impugnação em conformidade”.
Contra este entendimento vem o presente recurso argumentando a recorrente, em síntese, que
· “(…) D – No caso sub judice, o que se verificou foi a venda de um prédio urbano destinado a habitação que não pertence ao ativo de uma “empresa”, sendo que por “empresa”, para efeitos exclusivos do GIRE, deve entender-se qualquer organização de capital e trabalho destinada ao exercício de uma atividade económica, o que não se verifica.
· “E - Assim, a venda do imóvel em apreço não está isenta de IMT conforme estipula o artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, visto que não se trata de uma transmissão onerosa de bens que integram a universalidade de empresa ou estabelecimento vendido, permutados ou cedidos no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente, mas sim de uma transmissão onerosa de um bem imóvel, sem qualquer relação com uma empresa ou estabelecimento”.
Em face das conclusões, que são as relevantes em termos da delimitação do âmbito e objecto do recurso, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, a questão a decidir reconduz-se ao problema de saber se a sentença “a quo”, ao considerar que a recorrida beneficia da isenção de IMT, contemplada no art. 270º, nº 2, do CIRE, julgando procedente a impugnação, incorreu em erro de julgamento.
Por seu turno, o Ministério Público, junto deste Tribunal, veio suscitar a questão da incompetência do STA em razão da hierarquia para apreciar este recurso jurisdicional, tendo em conta o alegado pela recorrente, no ponto D das Conclusões.
Assim sendo, estas são as questões a apreciar e decidir.

3. A questão prévia da incompetência em razão da hierarquia do STA

Impõe-se, a título prévio, conhecer da questão da incompetência do STA, em razão da hierarquia, suscitada pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, cujo conhecimento, nos termos do art. 13º do CPTA, deve preceder o de qualquer outra, uma vez que a sua eventual procedência prejudicará, precisamente, a apreciação e o julgamento das demais questões suscitadas no recurso, face ao disposto no nº 2 do art. 16º do CPPT e nos arts. 101º e ss. do CPC.
A competência do STA para apreciação dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários restringe-se, tal como resulta da alínea b) do art. 26º do ETAF, exclusivamente, a matéria de direito, constituindo, assim, uma excepção à competência generalizada do Tribunal Central Administrativo, ao qual compete, nos termos da alínea a) do art. 38º do ETAF, conhecer “dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26º”.
Nesta consonância, prescreve o nº 1 do art. 280º do CPPT que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
“Reserva-se, portanto, ao Supremo Tribunal Administrativo”, tal como ficou consignado no Acórdão deste Tribunal de 29/09/2010, proc nº 266/10, “o papel de tribunal de revista, com intervenção reservada para os casos em que a matéria de facto controvertida no processo esteja estabilizada e apenas o direito se mantenha em discussão”.
Considera-se que as conclusões versam matéria exclusivamente de direito se “resumirem a sua divergência com o decido à interpretação ou aplicação da lei ou à solução dada a qualquer questão jurídica” e versam matéria de facto se “manifestarem divergência com a questão factual” (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, p. 425). No mesmo sentido (cfr., entre outros, os Acórdão do STA de 29/9/2010, procs. nº 266 e 446/2010).) .
Mais propriamente para aferir da competência, em razão da hierarquia, do STA, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso (sabido que elas definem e delimitam o objecto e âmbito do mesmo (cfr. os arts. 684.º, n.º 3, e 685º-A/1, do CPC) e verificar se, perante elas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto (seja porque o recorrente defende que os factos levados ao probatório não estão provados, seja porque diverge das ilações de facto que deles se devam retirar, seja porque invoca factos que não vêm dados como provados e que não são, em abstracto, indiferentes para o julgamento da causa).
Deste modo, se o recorrente colocar qualquer questão de facto, o recurso já não terá por fundamento exclusivamente matéria de direito, ficando, assim, definida a competência do Tribunal Central Administrativo.
Aplicando a jurisprudência referenciada ao caso em apreço, afigura-se que assiste razão à recorrente quanto argumenta, reportando-se à referida conclusão D, que “a invocação é conclusiva, que não vai para além da matéria de facto dada como provada em 1ª instância.”
Na verdade, a recorrente ao alegar, na referida conclusão, que está em causa a venda de “um prédio urbano destinado a habitação que não pertence ao activo de uma empresa, não invoca factualidade que não esteja dada como assente nem diverge das ilações de facto referenciadas na sentença recorrida. Trata-se apenas de extrair conclusão de direito diferente da que se chegou na sentença recorrida.
A sentença recorrida, não obstante dar como assente tratar-se de um prédio urbano adquirido no âmbito da massa insolvente referente a pessoa singular, concluiu que o mesmo é abrangido pela isenção a que se refere o nº 2 do artº 270º do CIRE, podendo ler-se a este propósito, que, nos termos do nº 2 do art. 270º do CIRE, “estão isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, os actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”, independentemente da mesma pertencer a uma pessoa colectiva (entidade empresarial) ou singular. Isto apesar de se basear num acórdão deste Supremo Tribunal que, como melhor será analisado mais adiante, apenas admite estender aquela isenção às transmissões isoladas de bens imóveis integrados numa universalidade da empresa ou estabelecimento da massa insolvente. E é precisamente neste sentido que se compreende o invocado pela Fazenda Pública na Conclusão D.
Assim sendo, a questão sub judice restringe-se à determinação do sentido e alcance do nº 2 do art. 270º do CIRE.
Improcede, desta forma, a questão prévia suscitada, impondo-se passar à análise da questão de fundo.

4. O art.º270º do CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/3, dispõe como se segue:
1 - Estão isentas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos:
a) As que se destinem à constituição de nova sociedade ou sociedades e à realização do seu capital;
b) As que se destinem à realização do aumento do capital da sociedade devedora;
c) As que decorram da dação em cumprimento de bens da empresa e da cessão de bens aos credores.
2 - Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Tendo presente o conteúdo deste preceito, a Administração Tributária considerou, nos autos, que a aplicação dos benefícios fiscais do artigo 270º, n.º 2, do CIRE depende de os bens imóveis transmitidos se integrarem na universalidade da empresa ou estabelecimento vendidos, permutados ou cedidos no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da empresa insolvente.
Contra esta interpretação, lê-se a dado passo, na sentença recorrida, que tal “interpretação restritiva não se mostra respaldada pela disposição legal acima transcrita, pois que nela se prevêem diversas hipóteses, sendo que a última delas respeita a «actos de venda ... praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente», sem qualquer distinção relativa ao facto de a massa insolvente ser de uma pessoa colectiva ou de uma pessoa singular, bem como sem qualquer referência à existência de uma «empresa», como defende a administração fiscal.
Foi justamente neste sentido que se pronunciou o Acórdão do STA 0949/11, de 30-05-2012, 2.ª Secção, publicado em www.dgsi.pt e onde se entendeu que os actos a que se refere o n.º 2 do art.º 270.ºdo CIRE abrangem, não apenas as transmissões de bens imóveis integrados numa universalidade da empresa ou estabelecimento da massa insolvente, mas também as transmissões isoladas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.
E, tendo presente o acabado de expor, conclui-se, na sentença recorrida que:
“No caso dos autos, a impugnante adquiriu o prédio atrás identificado no âmbito da liquidação da massa insolvente de B…….., beneficiando, por isso, da isenção de IMT contemplada no art.º 270.º, n.º 2 do CIRE, cumprindo, assim, declarar procedente a presente impugnação em conformidade”.
Por conseguinte, para o Mmº Juiz “a quo”, para beneficiar da isenção contemplada no nº 2 do art. 270º do CIRE basta que se trate de actos de venda de imóveis integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou para praticados no âmbito de um processo de insolvência.
Acontece que, não obstante o Mmº Juiz “a quo” invocar a fundamentar a sua decisão a jurisprudência vertida no Acórdão do STA, de 30/05/2012, proc nº 0949/11, a verdade é que esta não tem o alcance que lhe foi dado nos autos.
Senão vejamos.
No caso sobre que se pronunciou o referido acórdão estava em causa averiguar se “(…) beneficia da isenção de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Bens Imóveis (IMT) prevista no artigo 270º nº 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) a aquisição, em fase de liquidação de activos em processo de insolvência, de um bem imóvel que integra o património da empresa insolvente”.
E para responder à questão ponderou-se:
“Em causa nos presentes autos está a interpretação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, havendo que decidir se a norma deve ser interpretada no sentido em que quer a venda, quer a permuta, quer a cessão, ainda que integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, para que isentas de IMT terão de ter por objecto necessário a empresa ou estabelecimento desta, ou se, como decidido, a referência à empresa ou estabelecimentos desta se refere apenas à cessão, estando compreendidos no âmbito da isenção de IMT também as vendas e permutas de imóveis integrados no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
“Em face da letra da lei, quer uma, quer outra das interpretações são defensáveis, afigurando-se, contudo, gramaticalmente mais correcta a sustentada pela Administração Tributária, pois que os verbos “vender”, “permutar” e “ceder” são todos eles verbos transitivos, daí que na frase a referência à “empresa ou estabelecimentos desta” surgisse como complemento directo de todos três.
“Esta interpretação, choca, contudo - como bem observado na sentença recorrida –, com aquilo que o legislador consignou no n.º 49 do preâmbulo do CIRE no que respeita aos benefícios fiscais, onde se afirma que: «mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais», sendo certo que a alínea c) do n.º 2 do artigo 121.º do CPEREF isentava de imposto municipal de sisa as transmissões de bens imóveis integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa que decorram, designadamente, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa. E choca, também – como bem observado pelo Ministério Público em 1.ª instância (cfr. o parecer de fls. 66 a 68 dos autos) - , com o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao Governo ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, fixado nos artigos 2.º e seguintes da Lei n.º39/2003, de 22 de Agosto, pois que, no que se refere às isenções de imposto municipal de sisa (hoje IMT), dispunha o n.º 3 do artigo 9.º daquela lei de autorização legislativa que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)».
“Pode, é certo, defender-se que, na perspectiva do legislador do CIRE, as diferenças quanto ao âmbito da isenção de IMT relativamente à que existia no CPEREF para a SISA não se afiguraram como essenciais, daí que não lhes haja feito qualquer referência particular. É que, designadamente em matéria fiscal, nem sempre o preâmbulo dos diplomas espelha com rigor o respectivo conteúdo, não sendo sequer inédito que incluam menções que o articulado da lei infirma (cfr. no que respeita à SISA/IMT o Acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Novembro de 2010, rec. n.º 499/10).
“E pode, também, defender-se que na concretização da autorização legislativa para aprovação do CIRE, na matéria que nos ocupa, o Executivo decidiu ser mais parcimonioso que a Assembleia da República quanto à concessão de isenção de IMT, decidindo excluir essa isenção nos casos de venda, permuta ou cessão de elementos dos seus activos, concedendo-a apenas nos casos de venda, permuta ou cessão da empresa ou seu estabelecimento. Se assim foi, contudo, não teria respeitado o sentido e extensão da autorização legislativa que lhe foi concedida, tendo legislado em matéria reservada à Assembleia da República (cfr. o n.º 2 do artigo 103.º e a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição) em desrespeito da credencial parlamentar que lhe foi conferida.
“Como é sabido, entre dois sentidos da lei, ambos com apoio - pelo menos mínimo - na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicio de inconstitucionalidade.(…)”.
Em suma, enquanto que a Fazenda Pública defende uma interpretação restritiva no sentido de o nº 2 do art. 270º do CIRE apenas abranger as transmissões onerosas de bens que integram a universalidade de empresa ou estabelecimento vendido, permutado ou cedido no âmbito do plano de insolvência, o acórdão atrás transcrito concluiu que o mais adequado ao sentido e alcance da lei de autorização legislativa para aprovação do CIRE será admitir uma interpretação mais ampla de modo a incluir também os bens imóveis que integram o património da empresa insolvente. De qualquer modo, para o que nos interessa no caso dos autos, o ponto é que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência, como se defende na sentença recorrida.
Independentemente do juízo que se faça da jurisprudência acolhida no Acórdão deste STA, de 30/05/2012, a verdade é que a interpretação sufragada na sentença recorrida não tem o mínimo arrimo no teor literal do preceito nem tão pouco no acórdão que lhe serve de fundamento.
Em face do exposto, afigura-se patente que a sentença recorrida incorre em erro de interpretação do art. 270º, nº 2, do CIRE, não podendo merecer a nossa adesão.
Deve pois, dar-se provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida.

III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, dar provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e, nesta sequência, julgar improcedente a impugnação, mantendo a liquidação.

Sem custas.
Lisboa, 3 de Julho de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.