Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0737/11
Data do Acordão:08/31/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:PETIÇÃO INICIAL
LOCAL DE APRESENTAÇÃO
Sumário:I - O recurso judicial previsto no artigo 89.º-A, nºs 7 e 8 da Lei Geral Tributária constitui um meio processual sujeito à tramitação prevista no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, devendo, por isso, o respectivo requerimento inicial ser apresentado no tribunal tributário de 1.ª instância da área do domicílio fiscal dos recorrentes e não no serviço de finanças.
II - É extemporânea a petição de recurso que, entregue nos serviços de finanças, foi por estes remetida a tribunal onde deu entrada já depois de esgotado o prazo legal de 10 de dias previsto para a sua interposição.
Nº Convencional:JSTA000P13175
Nº do Documento:SA2201108310737
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A... e esposa B..., com os demais sinais dos autos, recorrem para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 3 de Junho de 2011, de rejeição, por extemporaneidade, do recurso judicial que interpuseram, ao abrigo do disposto nos artigos 89.º-A, nºs 7 e 8 da Lei Geral Tributária e 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário, da decisão do Exm.º Senhor Director de Finanças do Porto que fixou o seu rendimento colectável, por métodos indirectos, para efeitos de IRS do ano de 2008, no montante de 53.177,87.
1.1. Terminaram a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:
1. Os Recorrentes entregaram a petição inicial de recurso no Serviço de Finanças de Santo Tirso em 26/05/2011, dentro do prazo de 10 dias previsto no artigo 146°-B, n° 2, do CPPT.
2. Tal recurso foi dirigido ao órgão competente, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
3. O Serviço de Finanças de Santo Tirso recebeu sem reparo tal recurso e remeteu-o ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
4. No processo de impugnação judicial, que é a matriz de todos os processos tributários, a petição inicial pode ser apresentada quer no serviço de finanças quer no tribunal tributário competente.
5. De acordo com a alínea e) do n° 1 do artigo 10.° do CPPT, cabe aos serviços da administração tributária receber e enviar ao tribunal tributário competente as petições iniciais que neles sejam entregues.
6. Atendendo a que nem todas as comarcas apresentam tribunais tributários, por razões de comodidade e proximidade, é permitido ao contribuinte a entrega das petições nos serviços de finanças.
7. Nos termos do disposto no artigo 77.° do C.P.A, aplicável, no caso, por força da alínea d) do n° 2 do artigo 2° do CPPT, sempre deveria julgar-se válida a entrega pelos Recorrentes da petição de recurso no Serviço de Finanças de Santo Tirso.
8. Ainda que assim não se entenda, ocorreu erro na interpretação do disposto no n° 1 do artigo 146.°-B do CPTT.
9. Os Recorrentes pensaram poder entregar a petição inicial de recurso no referido serviço local, como sucede com a generalidade dos processos relacionados com matéria fiscal.
10. Ocorrendo erro desculpável dos Recorrentes na interpretação da referida norma, há lugar à aplicação analógica do disposto no artigo 34.°do CPA.
11. Na interpretação das normas processuais deve-se privilegiar aquela que melhor garanta a tutela efectiva do direito e concretização da justiça material.
12. Devem, pois, afastar-se as interpretações meramente formalistas que dificultam o exercício do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva.
13. Dado que o disposto no artigo 34.° do CPA contribui para a consagração do princípio antiformalista e pro actione e, apesar de inserido num código que regulamenta a actividade administrativa, nada na lei impede que o mesmo possa ao caso ser aplicado.
14. Considerando-se, por isso, atempada a apresentação do recurso pelos Recorrentes.
15. O despacho recorrido viola, pois, o disposto nos artigos 77.° e 34.° do CPA e 146.°-B do CPPT.
Termos em que, revogando a decisão recorrida e considerando-se que o recurso foi atempadamente apresentado, se fará JUSTIÇA.
1.2. A Fazenda Pública (Recorrida) não apresentou contra-alegações.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por considerar, em síntese, que a decisão recorrida não merece censura.
1.4. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir em conferência.
2. Na sentença recorrida constam como provados os seguintes factos:
a). Os recorrentes foram notificados em 16/5/2011 de que foi apurado por métodos indirectos o conjunto de rendimentos líquidos relativamente ao IRS do ano de 2008, no montante de 53.177,87 € (fls. 44 e 55);
b). Os recorrentes remeteram a petição inicial do recurso ao Serviço de Finanças de Santo Tirso, por carta registada em 26/5/2011 (fls. 44 e 85);
c). Em 26/5/20011 os recorrentes remeteram ainda a petição inicial do recurso ao Serviço de Finanças de Santo Tirso, por fax (fls. 3 a 43);
d). A petição inicial do recurso deu entrada neste tribunal no dia 1/6/2011, remetida pelo Serviço de Finanças de Santo Tirso por ofício de 31/5/2011 (fls. 2).
3. A única questão em apreciação no presente recurso é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de direito, por desacertada interpretação das normas contidas no artigo 146.°-B do CPPT e nos artigos 77.° e 34.° do CPA, ao julgar que o requerimento de interposição de recurso judicial apresentado no Serviço de Finanças dentro do prazo de 10 dias previsto no artigo 146.º-B do CPPT, e remetido por esse serviço ao Tribunal Tributário de 1ª Instância já depois de esgotado esse prazo legal, deve ser considerado como intempestivamente apresentado.
Na decisão recorrida, depois de se ter constatado que na data da entrada do requerimento de interposição do recurso no Tribunal (1/06/2011) se encontrava já excedido o prazo de 10 dias previsto no artigo 146.º-B do CPPT – que terminara em 26/05/2011 face à data da notificação aos recorrentes da decisão que lhes fixou por métodos indirectos o rendimento colectável (16/05/2011) – julgou-se que esse requerimento foram intempestivamente apresentado e que a tal não obstava o facto de ter sido apresentado no serviço de finanças dentro do citado prazo legal, pois que a «apresentação da petição inicial a uma entidade administrativa incompetente não vale como data da apresentação da petição inicial».
Os Recorrentes insistem, porém, na tese da faculdade legal de apresentação deste meio processual no serviço de finanças, já que endereçado ao TAF de Penafiel e recebido no serviço de finanças sem qualquer reparo, invocando que no processo de impugnação judicial, que é a matriz de todos os processos tributários, a petição inicial pode ser apresentada quer no serviço de finanças quer no tribunal tributário competente, cabendo a esses serviços receber e enviar ao tribunal competente as petições que neles sejam entregues, em conformidade com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 10.° do CPPT. Por outro lado, sustentam que é válida a entrega da petição no serviço de finanças à luz do disposto no artigo 77.° do CPA, e, para o caso de assim não se entender, invocam a ocorrência de erro desculpável na interpretação do artigo 146.º-B do CPPT, na medida em que pensaram poder entregar essa petição no serviço local, como sucede com a generalidade dos processos tributários, solicitando, assim, a aplicação analógica do disposto no artigo 34.°do CPA, por se tratar de norma que garante a tutela efectiva do direito e a concretização da justiça material, contribuindo para a consagração do princípio antiformalista e pro actione.
Vejamos, então.
Não é objecto de controvérsia que o recurso em questão constitui um meio processual com expressa previsão no artigo 89.º-A, nºs 7 e 8 da LGT, sujeito à tramitação prevista no artigo 146.º-B do CPPT por expressa remissão do n.º 8 daquele artigo 89.º-A. E é inquestionável que o requerimento inicial desse recurso, ainda que dirigido ao «Exm.º Senhor Juiz de Direito no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel», foi remetido, por fax expedido em 26/05/2011 e carta registada nesse mesmo dia, ao serviço de finanças da área do domicilio fiscal dos recorrentes, serviço que procedeu ao reenvio desse requerimento para o TAF de Penafiel em 31/05/2011, onde deu entrada no dia 1/06/2011, isto é, para além do prazo de 10 dias contado da data da notificação da decisão recorrida.
O artigo 146.º-B do CPPT dispõe do seguinte modo:
Artigo 146.º-B
Tramitação do recurso interposto pelo contribuinte
1 - O contribuinte que pretenda recorrer da decisão da administração tributária que determina o acesso directo à informação bancária que lhe diga respeito deve justificar sumariamente as razões da sua discordância em requerimento apresentado no tribunal tributário de 1.ª instância da área do seu domicílio fiscal.
2 - A petição referida no número anterior deve ser apresentada no prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificado da decisão, independentemente da lei atribuir à mesma efeito suspensivo ou devolutivo.
3 - A petição referida no número anterior não obedece a formalidade especial, não tem de ser subscrita por advogado e deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova (...)
4 - O director-geral dos Impostos ou o director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo são notificados para, querendo, deduzirem oposição (...)
5 - As regras dos números precedentes aplicam-se, com as necessárias adaptações, ao recurso previsto no artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária.
Donde resulta, claramente, que se trata de um processo com uma tramitação específica, diferente da tramitação do processo de impugnação judicial, cuja petição inicial reveste a forma de simples requerimento onde se devem justificar sumariamente as razões da discordância com o acto recorrido, que não tem que ser subscrito por advogado mas que está sujeito a algumas regras sob pena de rejeição. E uma dessas regras é a de que a petição inicial seja apresentada no Tribunal Tributário de 1ª Instância da área do domicílio fiscal dos recorrentes, como decorre à evidência do disposto no n.º 1 do citado preceito legal. O que se compreende, dada a natureza urgente do processo (n.º 7 do artigo 89.º-A da LGT), assim se visando impedir a demora na remessa da petição de recurso ao tribunal caso ela pudesse ser apresentada nos serviços periféricos locais.
Sendo assim, por se tratar de um processo especial e urgente, que tem regras próprias de tramitação, não se podem aplicar as disposições do processo de impugnação judicial, previstas nos artigos 102.º e seguintes do CPPT, nomeadamente as regras constantes do artigo 103º, segundo as quais «a petição é apresentada no tribunal tributário competente ou no serviço periférico local onde haja sido ou deva legalmente considerar-se praticado o acto» (n.º 1), «no caso de a petição ser apresentada em serviço periférico local, este procederá ao seu envio ao tribunal tributário competente no prazo de cinco dias após o pagamento da taxa de justiça inicial» (n.º 3) e «a petição inicial pode ser remetida a qualquer das entidades referidas no n.º 1 pelo correio, sob registo, valendo, nesse caso, como data do acto processual a da efectivação do respectivo registo postal» (n.º 6).
Esta é, aliás, a posição firmada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, como se pode ver pela leitura dos acórdãos proferidos em 25/05/2005, em 20/12/2006, em 12/07/2007 e em 16/01/2008, nos processos nºs 0310/05, 0473/06, 0525/07 e 01/08, respectivamente, e que ora se reitera.
Por outro lado, não assiste razão aos Recorrentes quando defendem a aplicabilidade da norma constante do artigo 77.º do CPA, pois que se trata de norma de aplicação supletiva, que só pode ser chamada perante casos omissos (artigo 2.º do CPPT), e que, por isso, não é aplicável a este processo judicial tributário com tramitação própria e específica sobre o local de apresentação da respectiva petição inicial.
Como se deixou explicado nos acórdãos acima citados, designadamente naquele que foi proferido no recurso n.º 01/08, o artigo 146.º-B do CPPT «patenteia que não estamos perante caso omisso, ao impor que a petição de recurso “da decisão da administração tributária que determina o acesso directo à informação bancária que lhe diga respeito” seja formalizada “em requerimento apresentado no tribunal tributário de 1ª instância da área do seu domicílio fiscal”. Ao assim estabelecer o legislador afastou-se do regime que consagrou para o processo de impugnação judicial, cuja petição tanto pode ser apresentada «no tribunal tributário competente» como «no serviço periférico local onde haja sido ou deva legalmente considerar-se praticado o acto» (cfr. o artigo 103º nº 2 do CPPT).
Entre as razões para esta diferenciação avulta a natureza de urgente que o mesmo legislador atribui a estes recursos -vd. o artigo 146º-D do mesmo diploma. A urgência implica, naturalmente, a aceleração dos trâmites do processo, com redução dos prazos para os actos a praticar pelas partes, pela secretaria, pelo Ministério Público e pelo juiz, e a tramitação em férias. Mas também aconselha que se adoptem todas as práticas que possam contribuir para apressar, não só a marcha do processo, como a própria introdução em juízo.
Daí que o artigo 146º-B do CPPT determine várias medidas tendentes a evitar delongas: a petição é, logo, apresentada no tribunal, em dez dias a partir da notificação da decisão recorrida, sem exigência de formalidade especial, sem necessidade de ser subscrita por advogado, devendo a prova, que só pode ser documental, acompanhá-la, e a oposição é oferecida em dez dias com os elementos de prova.
Ao que se sucede a tramitação em férias, e com prazos reduzidos. (…)
De resto, o regime a que o recorrente apela e está consagrado no artigo 77º do CPA integra-se no capítulo respeitante à «marcha do procedimento» (administrativo), não tratando do lugar de apresentação de petições dirigidas aos tribunais, mas daquele em que devem entregar-se os requerimentos dirigidos aos órgãos da Administração.
Acresce que a regra geral contida no seu nº 1 não deixa de ser a da apresentação «nos serviços dos órgãos aos quais são dirigidos», regulando os nºs 2 e 3 as situações em que se trate de órgãos centrais com (nº 2) ou sem «serviços locais desconcentrados» na área de residência do requerente (nº 3). Conceitos estes – os de “órgãos centrais” e de “serviços locais desconcentrados” – que não têm aplicação aos órgãos jurisdicionais.».
Por outro lado, atenta a natureza do meio processual em causa, que deve ser considerado uma acção administrativa especial (cfr. Jorge de Sousa, CPPT anotado e comentado, a fls. 1071), ainda que estivéssemos perante um caso omisso, sempre se imporia a aplicação subsidiária do CPTA e não do CPA, sendo que, nos termos do artigo 78.º CPTA, a instância se constitui com a propositura da acção e esta só se considera proposta com a recepção da petição inicial na secretaria do tribunal ao qual é dirigida ou com a remessa da mesma, nos termos em que esta é admitida na lei processual civil.»
Por último, sustentam os Recorrentes que se tratou de um erro desculpável e que, por isso, se deve aplicar o disposto no artigo 34.º do CPA e, consequentemente, considerar que o recurso deu entrada na data da sua apresentação no serviço de finanças; o que significaria considerar que o recurso foi atempadamente interposto.
Também aqui carecem de razão.
A clareza do preceito que impõe a apresentação do requerimento no tribunal competente, e não em qualquer serviço da administração, afasta, desde logo, a desculpabilidade do erro. Por outro lado, como se deixou dito no acórdão proferido no processo n.º 0473/06, o Código do Procedimento Administrativo «aplica-se ao processamento dos processos ou petições que corram nos serviços da Administração e, consequentemente, o disposto no citado normativo - que se destina a regulamentar as situações em que a petição é, por erro, apresentada num órgão administrativo incompetente para a sua apreciação – não tem aplicação in casu, pois que o que ora ocorreu foi que a petição foi apresentada num serviço administrativo quando devia ter sido apresentada no Tribunal. Sendo assim, e sendo diferentes e incomparáveis a situação retratada nos autos e aquela que se encontra regulamentada no art.º 34.º do CPA não é possível a aplicação subsidiária deste ao processamento do presente processo».
O que se acaba de dizer não contraria os princípios pro actione e do acesso ao direito, com consagração no artigo 20.º n. 1 da Constituição, pois que o facto de a lei processual dever ser interpretada no sentido de promover a emissão de pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas não implica a dispensa de os interessados as dirigirem, em tempo, a quem a lei designa como competente para a sua apreciação.
Nesta conformidade, não merece reparo a decisão recorrida, improcedendo todas as conclusões da alegação do recurso.
4. Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelos Recorrentes.
Lisboa, 31 de Agosto de 2011. – Dulce Neto (relatora) – Pais BorgesJorge de Sousa.