Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0897/11.9BELRS 01207/17
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL
Sumário:I - Em princípio, a contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra, pois o artigo 3.º do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 03/03 março, assenta na presunção legal de que o beneficiário do direito de construir e da referida valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respetivo alvará da licença de construção.
II - Mas essa presunção é afastada quando se demonstra que o alvará foi emitido em nome de quem efetivamente já não tinha o direito de construir.
Nº Convencional:JSTA00071306
Nº do Documento:SA2202111100897/11
Data de Entrada:11/08/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA E OUTROS
Recorrido 1:A...........
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:CONTRIBUIÇÃO ESPECIAL
Área Temática 2:LICENÇA DE CONSTRUÇÃO
Legislação Nacional:Artigo 3.º do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/98, de 03/03 março,
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. O representante da Fazenda Pública interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial interposta pela sociedade A………….., S.A., deduzida contra a liquidação de Contribuição Especial regulamentada pelo Decreto-Lei nº 43/98, de 03 de março, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
A. Na sentença produzida nos presentes foi julgada procedente a impugnação interposta pela sociedade A……………, S.A. onde foi posta em crise a liquidação de Contribuição Especial já identificada nos autos, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 43/98, de 3 de março.
B. O elemento principal onde se baseou a douta decisão foi ter-se considerado como decisivamente relevante o facto de que à data do pagamento das taxas devidas pela emissão do alvará de licenciamento de obras de edificação, em 20-10-2004 (Cfr. IV, A). De facto, C. a fls. 3 da sentença) o imóvel em causa já não era propriedade da Impugnante por ter sido alienado dois dias antes, em 18.10.2004, por escritura pública de compra e venda a outra sociedade comercial a “B……………, SA (Cfr. IV, A). De facto, D. a fls 4 da sentença).
C. Salvo o devido respeito, que é muito, a AT não se pode conformar com a decisão tomada e daí a apresentação do presente recurso porque, na nossa opinião, verificou-se um erro no julgamento da questão aqui em causa, pelas razões que seguidamente se desenvolvem.
D. A contribuição Especial, tal como resulta do seu preâmbulo e do artigo 1º, nºs 1 e 2, do Regulamento da Contribuição Especial, e seguindo a opinião de Casalta Nabais (Direito Fiscal, pág. 27), enquadra-se nas chamadas “contribuições de melhoria”, que são aquelas em que é devida uma prestação, “em virtude de uma vantagem económica particular resultante do exercício de uma atividade administrativa, por parte de todos aqueles que tal atividade indistintamente beneficia” e será devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra – cfr. artigo 3º do RCE.
E. Neste caso concreto, é dado adquirido que o alvará foi emitido em nome da Impugnante em 20-10-2004, conforme consta dos autos (cf. IV., A). De facto, D. a fls. 3 da sentença) pelo que, à partida, tudo indicaria que seria a impugnante o sujeito passivo desta relação jurídica.
F. Mas o Tribunal a quo afastou a aplicação literal da norma, entendendo prevalecer a transmissão do imóvel, apesar de ter tido lugar apenas dois dias antes da emissão do alvará de construção, porque terá considerado que o facto tributário se projeta na esfera jurídica da sociedade proprietária à data da emissão do alvará e não da sociedade vendedora, a aqui impugnante.
G. Mas, como vimos, o facto tributário gerador ou constitutivo da “contribuição de melhoria” como a presente, é o aumento de valor dos prédios ou terrenos, resultantes da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção ou reconstrução urbana, em locais que eram as suas acessibilidades substancialmente melhoradas com vultuosos investimentos em obras públicas que, de uma forma direta aumentaram a capacidade dos beneficiários.
H. E o critério legal para apurar qual foi efetivamente o aumento do valor verificado, e consequentemente o valor da Contribuição Especial a pagar, atende àquele que o imóvel teria antes do lançamento das obras públicas, em 1 de janeiro de 1994, corrigido pelo coeficiente de desvalorização da moeda e o valor atual, a data em que se iniciou o processo de licenciamento da obra, em 07.07.2000 (cfr. IV. A).De facto, A a fls. 3 da sentença.
I. Ficou estabelecido que o deferimento do pedido de construção do imóvel pela Câmara Municipal de Lisboa teve lugar em 14.05.2004 (cfr.IV.A).De facto, D. a fls 3 da sentença), abrindo-se ali o prazo de um ano para pagamento das respetivas taxas, condição para emissão do respetivo alvará, cujo documento para pagamento está datado de 14.10.2004 e que foram efetivamente pagas em 20.10.2014 (cfr. IV. A).De facto, a fls 3 da sentença), sempre em nome da Impugnante.
J. Diz-nos a doutrina (Direito do Urbanismo, do Planeamento à Gestão, Fernanda Paula Oliveira, 2010, CEJUR, Centro de Estudos do Minho, pág., 178) o seguinte: “A deliberação que consubstancia o deferimento do pedido de licenciamento corresponde ao momento constitutivo do procedimento administrativo em causa, embora a lei entenda que este acto apenas poderá produzir os respetivos efeitos jurídicos após a emissão do documento que serve de título à licença: o alvará, que assume, assim, a natureza jurídica de acto integrativo da eficácia do acto de licenciamento por nada acrescentar à definição da situação jurídica do particular pente a possibilidade de realizar a operação urbanística, apenas permitindo desencadear a sua operatividade. De facto, o alvará apenas permite que ao acto de licenciamento produza os seus efeitos, não relevando para a definição de momentos intrínsecos do mesmo, aliados estes à noção de validade e não ao conceito de eficácia.
A licença corresponde a um verdadeiro acto administrativo que “remove o limite legal ao exercício do “direito” de concretizar a operação urbanística” e que define as condições de exercício do mesmo ou, se preferirmos, é o acto que confere ao promotor o direito a realizar a operação urbanística pretendida. Trata-se de um acto que desencadeia benefícios para terceiros, na medida em que se assume como de cariz favorável aos seus destinatários, podendo ainda ser considerada como uma autorização constitutiva de direitos, pela qual a Administração constitui direitos em favor dos particulares, em áreas que, salvo a prática deste acto Adminstrativo, se lhes encontram vedadas, por se considerar, em abstrato, que a sua atribuição aos mesmos lesaria o interesse público.” (itálicos no original).
K. Neste caso concreto, verifica-se que todo o procedimento administrativo, desde o seu início, até à emissão do alvará foi tramitado tendo a aqui Impugnante como o particular interessado, nunca aparecendo, em absolutamente nenhuma qualidade, a sociedade que adquiriu o imóvel, tendo até culminado com a emissão do dito título no seu próprio seu nome.
L. E se o alvará não passa de uma condição de eficácia do acto administrativo anterior, onde já ficou efetivamente definida a situação jurídica desde o deferimento do pedido de construção do imóvel pela Câmara Municipal de Lisboa teve lugar a 14.05.2004 através do licenciamento, um acto administrativo de natureza constitutiva, a situação jurídica que está na origem da presente liquidação está perfeitamente definida e conhecida pela Impugnante pelo que, quando o negócio da venda do imóvel é celebrado, em 18.10.2004, quase cinco meses depois, capacidade de construir no prédio em causa está definitivamente adquirida e a favor da impugnante.
M. Ou seja, para o que aqui nos interessa, parece-nos claro que o aumento da capacidade contributiva verificada em consequência das várias obras públicas se reflectiu na esfera jurídica da impugnante, não havendo qualquer razão para outro qualquer entendimento, porque mesmo que o alvará não tivesse sido emitido em seu nome, o que, repetimos, efetivamente aconteceu, como já se verificou, seria, na nossa opinião, a impugnante, o sujeito passivo da Contribuição Especial aqui em causa.
N. E a experiência comum diz-nos que o preço de um terreno para construção depende daquilo que lá se pode construir.
O. Pelo que, salvo melhor opinião, o preço pago pela sociedade adquirente à impugnante teve como elemento decisivo a capacidade construtiva do imóvel já anteriormente estabelecida na licença de construção.
P. Diz-nos igualmente o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo nº 05876/12 de 07/10/2014 que “A mesma Contribuição Especial é devida por aqueles em nome de quem seja emitido o respetivo alvará de licença de construção ou de obra, pois foram estes que viram reconhecido na sua esfera jurídica o direito de construção e, por consequência, aquele benefício.”
Q. Resumindo, manda o artigo 3º do Regulamento da Contribuição Especial que o sujeito passivo deste imposto seja a entidade que consta do Alvará de Construção que, como se demonstrou, é a sociedade aqui impugnante. E mesmo que desconsidere este facto como foi feito pelo Tribunal a quo parece-nos perfeitamente adquirido que foi a impugnante quem viu reconhecido na sua esfera jurídica o direito de construção e, por consequência, o benefício que está na base da liquidação de Contribuição Especial aqui em causa pelo que deverá ser também ser esta a entidade que deverá suportar respetivo encargo e não a adquirente do imóvel.
R. Pelo exposto, vem a Fazenda Pública requerer a este Venerando Tribunal que revogue a douta Sentença recorrida, por erro dos pressupostos de facto e de direito em que assenta, devendo manter-se na ordem jurídica a decisão impugnada, com as respetivas consequências legais.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, com o que se fará, serena, sã e objetiva, JUSTIÇA.”

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. Por decisão sumária do excelentíssimo desembargador relator, o Tribunal Central Administrativo Sul declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e o processo foi remetido a este Tribunal, julgado o competente para o efeito.

1.3. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:
“(….)
Está em causa decidir se ocorre erro dos pressupostos de facto e de direito na sentença recorrida, de acordo com outro entendimento a dar ao artigo 3º do Regulamento da Contribuição Especial (CE) republicado pelo Decreto-lei nº 43/98, de 3/3.
Na sentença recorrida entendeu-se ser de afastar a aplicação dessa contribuição, com fundamento em à data da emissão do alvará de construção o imóvel ter já sido transmitido para terceiro e em a impugnante não ser já titular do direito de construir, ou, pelo menos, não ter sido quem realizou o acréscimo de valor patrimonial. Mais se fundou tal em não lhe ser imputável o dever previsto no artigo 77º nº 7º do R.J.E.U.
Assim, julgou procedente a impugnação, invocando em abono do decidido o acórdão do S.T.A. de 30-01-2013, proc. nº 0804/2012.
A recorrente defende ser de considerar como sujeito passivo da desta contribuição a entidade que consta do alvará de construção, conforme previsto no art. 3º do RCE, ou, a entender-se de outro modo, aquela em cuja esfera jurídica foi reconhecido o benefício que está na base da liquidação da dita contribuição.
Invoca em abono da posição que defende o acórdão do TCA Sul de 7-10-2014, proferido no processo 05876/12.
Vai acrescentar-se o seguinte:
O alvará de obras de edificação foi emitido em nome, conforme resulta dos pontos A a D da meteria de facto.
A data de emissão desse alvará – 20-10-2004, conforme consta da sentença recorrida, de acordo com o facto G) do probatório – a propriedade do dito lote tinha sido transmitida para terceiro dois dias antes – assim, a al. E) do probatório.
Aliás, quanto aos termos em que expresso a propriedade do dito lote foi transmitida com a referência apenas de ter sido obtida licença de loteamento.
A previsão do art.º. 3º do R.C.E. assenta na presunção do beneficiário do direito de construir ser daquele em cujo nome seja emitido o alvará de construção ou obra conforme consta do dito acórdão do S.T.A.
Neste se considerou, e bem haver, haver dois momentos diferentes a observar nos artigos 2º e 3º do dito R.C.E.
E o mesmo apenas admitiu a elisão de presunção constante deste art. 3º no caso de ter sido transmitido direito de superfície, o que resulta estar de acordo com o expressamente previsto no artigo 1524º do Código Civil.
Contudo, afigura-se discutível que tal seja também de afastar pela transmissão de propriedade tal como a mesma foi efetuada.
Com efeito, a reclamante veio ainda a ter emitido dois dias depois do alvará da obra.
E, conforme se pode ler no dito acórdão, o “titular do direito” a construir não tem que ser necessariamente o proprietário do prédio ou terreno.
Do ponto de vista jus-civilista, o poder ou faculdade de construir faz parte do conteúdo do direito de propriedade, enquadrado nos direitos de uso e transformação (cfr. arts. 1305, 1344º do CCV). Mas também o arrendatário ou o terceiro a favor de quem o proprietário constituir o direito de superfície tem a faculdade de construir Cfr. arts. 1036º, 1524º, 1525º e 1534º do CCv).
Já na perspetiva jus-publicista, o direito de construir só existe se um plano urbanístico possibilitar a construção, ficando o seu exercício dependente de uma autorização constitutiva da Administração Pública que verifica a conformidade com esse plano.
Nesta perspetiva “o jus aedificandi” não é uma faculdade que faz parte do conteúdo natural do direito de propriedade, mas sim uma faculdade atribuída ou conferida pelo ordenamento jurídico urbanístico, de modo particular pelos planos” (Cfr. Fernando Alves Correia, Manual de Direito de Urbanismo “, 2ª ed. pág. 645).
No sentido de o direito de construir em que a mesma assenta não se encontra necessariamente ligado ao direito de propriedade, se pronuncia ainda a 1ª secção do STA -cfr. nomeadamente, acórdão de 8-01-09, no processo nº 0633/08.
Concluindo:
A contribuição especial prevista no Decreto-lei nº 43/98, de 3/3, assenta numa presunção de ser titular do direito de construir a entidade em cujo nome é emitida alvará de construção ou obra.
A dita presunção existe ainda relativamente à entidade a favor de quem tinha sido pedido alvará de obra e que, sendo titular de propriedade do imóvel, veio a obter o mesmo, ainda que dois dias de ter transmitido a dita propriedade para terceiro.
Assim se entendendo, a sentença recorrida incorreu nos imputados sobre os pressupostos de facto e de direito.”

2. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto:
«A. Por requerimento datado de 07/07/2000, a sociedade comercial “C…………, S.A.”, intitulando-se proprietária do imóvel correspondente ao Lote 3, sito na Rua ……………, freguesia do Lumiar, dirigiu à Câmara Municipal de Lisboa, o requerimento de fls. 48 do PA, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
“… vem requerer a V. Ex.ª (…) a aprovação do pedido de licenciamento de obra nova, cujo processo se junta. (…).
Mais declara que as notificações a fazer pelos Serviços da Câmara Municipal de Lisboa referentes ao processo a que este requerimento deu origem, podem ser dirigidos a A……………, Lda. (…).” – cfr. fls. 48 do PA;
B. O pedido de licenciamento a que se alude em A) deu origem ao processo camarário n.º 1800/OB/2000 e foi objeto de despacho de deferimento proferido em 14/05/2004 – cfr. documento a fls. 35 dos autos;
C. Em 14/10/2004, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu o documento de fls. 46 do PA, em nome da Impugnante, para pagamento das taxas devidas pela emissão do alvará de licenciamento de obras de edificação referente ao processo n.º 1800/OB/2000, as quais foram pagas em 20/10/2004 – cfr. fls. 29 do PA;
D. O alvará de licenciamento de obras de edificação referente ao processo n.º 1800/OB/2000 foi emitido em nome da Impugnante com o n.º 378/C/2004 – cfr. fls. 29 do PA e facto admitido por acordo;
E. Em 18/10/2004, entre a Impugnante e a sociedade comercial “B……………., S.A.” foi outorgado o instrumento de fls. 21 a 27 do PA apenso, denominado “Compra e Venda, e hipoteca”, do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
Que, livre de ónus e encargos e pelo preço global de CINCO MILHÕES NOVECENTOS E TRINTA E TRÊS MIL SETECENTOS E SESSENTA E UM EUROS E QUARENTA E SEIS CÊNTIMOS, que já recebeu da sociedade que os segundos representam, a ela vendem os seguintes imóveis:
Prédio urbano, lote de terreno para construção, designado por lote 3, situado em Telheiras Norte, Urbanização do Sporting, Rua ……………., freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, descrito na Sétima Conservatória do Registo Predial sob o número dois mil duzentos e vinte e dois, da dita freguesia, nela registada a aquisição a favor da sociedade vendedora pela inscrição G. apresentação trinta e um de vinte de Setembro de dois mil e um, com a autorização de loteamento alvará número seis, barra, zero zero de dezoito de Outubro, conforme inscrição F, apresentação cinco de vinte e seis de Abril de dois mil e um, sobre o qual incide uma hipoteca registada a favor de terceiros, cujo cancelamento se encontra assegurado, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ………., com o valor patrimonial de 1.505.973,24€, pelo preço de três milhões cinquenta e dois mil oitocentos e nove euros e setenta e três cêntimos; (…).”- cfr. fls. 20 a 28 do PA;
F. Em 05/09/2006, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu, em nome da sociedade comercial “B……………, S.A.” o alvará de obras de alteração durante a execução da obra n.º 559/EO/2006, a que se refere o processo municipal n.º 1987/EDI/2005, que titula a execução de obras no prédio sito na Rua …………., lote 3, Rua ……………, lote 3, freguesia do Lumiar – cfr. documento a fls. 52 a 54 dos autos;
G. Do alvará a que se alude em F) consta, nomeadamente, o seguinte: “O presente processo surge na sequência do emparcelamento dos lotes 3 e 4, que foram licenciados separadamente através dos processos 1800/OB/2000 (LOTE 3) e 1798/OB/2000 (LOTE4); licenças de construção n.º 378/C/2004 (LOTE 3) e n.º 376/C/2004, emitidas em 20-10-2004, pelo prazo de 36 meses, pelo que se encontram válidas até 20-10-2007.
Deverão ser cumpridas as condições mencionadas nos alvarás de obra n.º 378/C/2004 e n.º 376/C/2004, emitidos pelos processos iniciais 1800/OB/2000 e 1798/OB/2000, respectivamente.(…).” – cfr. documento a fls. 52 a 54 dos autos;
H. Pelo ofício n.º 3053, datado de 14/05/2008, o Serviço de Finanças de Lisboa 11 comunicou à Impugnante, o seguinte:
Fica V.ª Ex.ª notificado, para no prazo máximo de 15 (quinze) dias, a contar da assinatura do aviso de recepção, apresentar neste Serviço de Finanças Lisboa 11, a declaração Mod. 1, Modelo 1350 INCM, para efeitos de liquidação da Contribuição Especial, em triplicado, já com sujeição a coima, porquanto tendo sido emitida licença de construção em 2004-10-14 com o n.º 378/C/2004, deveria ter sido apresentada até ao final do mês seguinte ao da emissão da licença de construção, como prevê o art.º 7.º do Regulamento Especial, anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, a referida declaração, relativamente ao Lote de terreno n.º 3, sito em R. ………….. da freguesia do Lumiar. (…).” – cfr. fls. 49 do PA apenso;
I. Em resposta ao ofício referido na alínea antecedente, a Impugnante apresentou comunicação escrita dirigida ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 11, datada de 21/05/2008, da qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
“(…), vem, em resposta ao mesmo, informar V. Ex.ª que a licença de construção a que o ofício sob resposta alude, não foi emitida em 14-10-2004, mas sim em 20-10-2004, sendo que nessa data, já a sociedade ora requerente não era proprietária do lote de terreno identificado em epígrafe (…)” – cfr. fls. 50 do PA apenso;
J. Pelo ofício n.º 4671, datado de 29/08/2008, o Serviço de Finanças de Lisboa 11 comunicou à sociedade comercial “B………….., S.A.”, o seguinte: “Fica V.ª Ex.ª notificado, para no prazo máximo de 15 (quinze) dias, a contar da assinatura do aviso de recepção, apresentar neste Serviço de Finanças Lisboa 11, a declaração Mod. 1, Modelo 1350 INCM, para efeitos de liquidação da Contribuição Especial, em triplicado, já com sujeição a coima, porquanto tendo sido emitida licença de construção em 2004-10-14 com o n.º 378/C/2004, deveria ter sido apresentada até ao final do mês seguinte ao da emissão da licença de construção, como prevê o art.º 7.º do Regulamento Especial, anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98, de 3 de Março, a referida declaração, relativamente ao Lote de terreno n.º 3, sito em R. ………. da freguesia do Lumiar. (…).” – cfr. fls. 54 do PA apenso;
K. Em resposta ao ofício referido na alínea antecedente, a “B…………, S.A.”, em 15/09/2008, dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 11, comunicação escrita, da qual se extrai, nomeadamente, o seguinte: “(…), estamos convictos que de acordo com o regulamento anexo ao decreto-lei n.º 43/98, art.º 3, a contribuição é devida pela entidade em cujo nome foi emitido o alvará de licença de construção, o que não é o caso.” – cfr. fls. 55 do PA;
L. Pelo ofício n.º 5121, datado de 01/10/2009, o Serviço de Finanças de Lisboa 11 comunicou à Impugnante, nomeadamente, o seguinte: “Em resposta à vossa carta de 2008-06-03, temos a informar não existir neste Serviço elementos que alterem o titular do alvará n.º 378/C/2004 de 2004-10-14.
Assim, e nos termos do art.º 3.º do Regulamento da Contribuição Especial, a Contribuição Especial é devida pelo titular do alvará de construção.
Fica, deste modo notificado para comparecer neste Serviço de Finanças pelas 13 h do próximo dia 7 de Outubro, ou nomear representante, para conjuntamente com os restantes membros, a seguir indicados, constituir a Comissão que irá proceder, nos termos do art.º 2.º do supra indicado Decreto-Lei, à avaliação do lote de terreno para construção (…).” – cfr. fls. 57 do PA;
M. Em 07/10/2008, foi efetuada a avaliação do lote de terreno sito na Rua ……………, Lote ……, freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, nos termos do documento junto a fls. 62 a 64 do PA, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
N. Em 09/10/2008, a Impugnante rececionou o documento de fls. 65 do PA, denominado “Notificação”, através do qual lhe foi comunicada a liquidação da Contribuição Especial e respetivos juros compensatórios, no valor de € 332.826,20, respeitante ao prédio sito na Rua ……………., Lote 3, freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o art.º ………. – cfr. fls. 65 a 66 do PA;
O. Em 09/03/2009, a Impugnante apresentou reclamação graciosa na qual requereu a anulação da liquidação a que se alude em N), com os fundamentos do instrumento a fls. 2 a 6 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
P. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de 21/08/2009, comunicado à Impugnante por ofício por esta recebido em 01/09/2009 – cfr. fls. 81 a 89 do PA;
Q. Em 29/09/2009, a Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, com os fundamentos do instrumento a fls. 93 a 100 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
R. O recurso hierárquico foi indeferido por despacho proferido pela Subdiretora Geral para a Área do Património de 03/01/2011 e comunicado à Impugnante por ofício por esta recebido em finais do mês de janeiro de 2011 – cfr. fls. 108 a 130 do PA.»

3. Fundamentação de direito
A Administração Tributária liquidou à Recorrida a contribuição especial prevista no Decreto-Lei n.º 43/98, de 03 de março, pelo facto de o alvará de licença de construção ter sido emitido no seu nome.
O Tribunal recorrido julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra aquela liquidação, apoiando-se no acórdão deste Tribunal de 30/01/2013, proferido no processo 0804/12, por o Impugnante, ora Recorrido, não ser à data da emissão do alvará de construção o proprietário do imóvel, e por isso, já não ser o titular do direito de construir para os efeitos do artigo 3.º do RCE anexo ao Decreto-Lei n.º 43/98.
A Administração Tributária não se conforma com o decidido defendendo que a contribuição é devida pela pessoa em nome da qual for emitido o alvará de construção, sendo irrelevante a venda que ocorreu apenas dois dias antes da emissão daquele alvará, que o deferimento do pedido de licenciamento corresponde ao momento constitutivo do procedimento administrativo e que a emissão do alvará assume a natureza de ato integrativo da eficácia do ato de licenciamento, apenas permitindo que o ato de licenciamento produza os seus efeitos, que todo o procedimento administrativo, desde o seu início até à emissão do alvará foi tramitado tendo a Impugnante como o particular interessado, nunca aparecendo em nenhuma qualidade a sociedade que adquiriu o imóvel, que definida a situação jurídica desde o licenciamento, a capacidade de construir no prédio está definitivamente adquirida a favor da impugnante. E que assim, mesmo que o alvará não tivesse sido emitido em seu nome, seria o Impugnante o sujeito passivo da contribuição especial em causa. E que a experiência diz que o preço pago pela sociedade adquirente à impugnante teve como elemento decisivo a capacidade construtiva do imóvel já anteriormente estabelecida na licença de construção.
A questão que importa, assim, dirimir, é saber quem é o sujeito passivo da contribuição especial prevista no Decreto-Lei n.º 43/98, de 03 de março, nos casos em que a pessoa em nome da qual o alvará é emitido, já não é, aquando da sua emissão, a proprietária do imóvel, por o ter alienado por contrato de compra e venda, se a pessoa em nome da qual o alvará foi emitido, se a pessoa que adquiriu o bem.

A questão já foi tratada por este Tribunal no acórdão de 30/01/2013, proferido no processo 0804/12, consultável em www.dgsi.pt, no qual, aliás, a sentença recorrida se apoiou para decidir, sendo que não foram aventadas razões que nos levem a formular juízo diferente daquele que então foi sufragado. Assim, e acompanhando de perto a fundamentação nele consignada (apenas o adaptando à particularidade de no presente recurso ser a Administração Tributária a Recorrente, enquanto que naquele era recorrente o contribuinte, e de nele a transmissão se reportar ao direito de superfície, enquanto que nos presente autos a transmissão foi do direito de propriedade), há que ter em conta, para responder à questão acima enunciada as regras de incidência objetiva e subjetiva e o momento relevante para a consumação do facto tributário.

Estabelece o artigo 1.º do Regulamento da Contribuição Especial (RCE), anexo ao Decreto-lei n.º 43/98, de 3 de Março:
«1 – A contribuição especial incide sobre o aumento de valor dos prédios rústicos, resultante da possibilidade da sua utilização como terrenos para construção urbana, situados nas áreas das seguintes freguesias: (...)
Por sua vez, o artigo 2.º do mesmo RCE preceitua o seguinte:
«1 – Constitui valor sujeito a contribuição a diferença entre o valor do prédio à data em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra e o seu valor à data de 1 de Janeiro de 1994, corrigido por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda constantes da portaria a que refere o artigo 43.° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, correspondendo, para o efeito, à data de aquisição a data de 1 de Janeiro de 1994 e à de realização a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra.»
E quanto à incidência subjetiva estabelece o artigo 3.º:
«A contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra».

Este imposto visa tributar a valorização de prédios situados em áreas excecional e substancialmente beneficiadas pela realização de relevantes obras públicas, facilitadoras das comunicações estradais e ferroviárias – substituindo a que decorreria, quer do regime geral de tributação dos acréscimos patrimoniais ligados às mais-valias, quer os respeitantes a outras contribuições especiais, porventura existentes (artigo 5.º do RCE).

O objetivo do diploma foi tributar a valorização de que beneficiaram os prédios rústicos e terrenos para construção situados nas zonas envolventes à CRIL, CREL, CRIP, CREP e respetivos acessos, bem como à travessia ferroviária do Tejo e outros investimentos.
Conforme decorre dos artigos 1º e 2º acima transcritos, a chamada “contribuição de melhoria” incide sobre o “aumento de valor” dos prédios ou terrenos, situados nas áreas territoriais definidas na lei, substancial e “anormalmente” valorizados como direta decorrência de importantes investimentos públicos.

Em termos parecidos aos que estão previstos em sede do regime geral das mais-valias, a matéria coletável é integrada pela diferença entre um valor “de aquisição” e um valor atual de tais bens imóveis, precipitado em determinado ato jurídico, estabelecendo o artigo 2.º, n.º 2 do dito Regulamento que os valores que servem para determinar a “diferença” tributável são calculados por avaliação, que deverá basear-se no diferencial entre o valor hipotético dos imóveis à data de 01 de janeiro de 1994, corrigido pelos coeficientes de desvalorização, e o valor atual dos prédios à data “em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra” – valendo, todavia como momento “de realização” do acréscimo de valor patrimonial “a data da emissão do alvará de licença de construção ou de obra”.
Verifica-se, porém, que o aumento de valor não é resultado do normal decurso do tempo ocorrido entre 1994 e a data em que se formula o pedido de licenciamento, mas, como se escreve no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 579/2011, de 29/11, «de um outro facto, extraordinário e anormal, relacionado com investimentos públicos avultados em acessibilidades de diversa índole, as quais comportam benefícios consideráveis para os terrenos circundantes. A realização desses benefícios, resultantes não do normal decurso do tempo mas das acessibilidades entretanto executadas, que é consumada no requerimento da licença de construção, é que surge como o facto tributário o qual não é, portanto […] um facto complexo. Não se visa tributar uma valorização gradual dos imóveis, mas sim a valorização que ocorre no momento em que se efectiva a possibilidade de utilização dos terrenos para o fim de construção urbana, com um valor substancialmente acrescido por via das obras públicas previstas no Decreto-Lei n.º 43/98, as quais tornaram viável tal utilização para a construção ou reconstrução, daí resultando, para o beneficiário da licença, benefícios patrimoniais acrescidos».
O RCE considera que este valor – ou melhor, a sua realização tributariamente relevante – se consome uma vez verificadas determinadas condições específicas: utilização de prédios rústicos ou terrenos para construção urbana ou demolição de prédios urbanos já existentes para neles edificar novas construções, as quais saem valorizadas pelas acessibilidades resultantes das obras públicas identificadas pelo diploma.
Na confrontação do artigo 2.º com o 3.º parece haver dois momentos relevantes para a determinação do tributo: o do requerimento da licença de construção e o da emissão do respetivo alvará. O primeiro serve de ponto de referência para o cálculo do valor do prédio e o segundo constitui o momento em que se considera “realizado” o acréscimo desse valor. Como a incidência objetiva do imposto recai sobre o aumento de valor do prédio, o que revela como data da sua realização é a data em que o direito de construir se torna efetivo, o que só acontece com a emissão do alvará.
No procedimento de licenciamento, o ato de licenciamento corresponde ao momento constitutivo de licenciamento (cfr. artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 555/99 de 16/12, na redação dada pela Lei n.º 60/2007, de 4/9). É esse o ato administrativo principal do procedimento, aquele que define a situação jurídica do particular, removendo o limite imposto por lei ao ius aedificandi. Mas, apesar disso, a lei entende que esse ato só pode produzir efeitos jurídicos após a emissão de um documento que servirá de título de licença: o alvará (cfr. artigo 74.º do RJUE). Este assume, assim, a natureza jurídica de ato integrativo da eficácia do ato de licenciamento que, embora nada acrescente à definição da situação jurídica do particular, torna possível a execução da operação urbanística licenciada.
Ora, para efeitos de determinar o momento da “realização” do acréscimo do valor do prédio ou terreno que foi valorizado pelos investimentos públicos, a lei atende à data da emissão do alvará, por ser esse o momento em que o titular do direito de construir o pode tornar efetivo. Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 604/2005, de 2/11 «o facto gerador do tributo é o acto jurídico de licenciamento da edificação – rectius no momento em que é emitido o título correspondente – que é aquele em que o acréscimo de valor do prédio ou terreno passa de potencial a actual, e não o requerimento da licença de construção, bastando ponderar que, se o licenciamento for requerido mas vier a ser indeferido, ninguém sustentará que o tributo seja devido».
O facto de na determinação da matéria coletável o artigo 2.º do diploma atender ao valor atual dos prédios à data "em que for requerido o licenciamento de construção ou de obra", não significa que esse seja o momento da realização do acréscimo tributável. Como também se refere no referido acórdão, «não é a apresentação do requerimento de licenciamento da operação urbanística que constitui o facto gerador da obrigação de imposto. Estamos aí perante uma norma que opera em benefício do sujeito passivo, congelando esse aumento de valor em momento anterior ao da ocorrência do facto essencial, com que a mais valia eclode (a emissão do alvará), assim neutralizando os efeitos da maior ou menor duração do procedimento de licenciamento que, em princípio, é imputável à Administração ou decorre de circunstâncias aleatórias que o sujeito passivo não domina».

A determinação do momento em que se gera o facto tributário tem grande interesse no caso dos autos, pois quando o alvará foi emitido em nome da Recorrida, ela já não era titular do direito de construir a obra licenciada.
Competia ao adquirente, após a emissão do alvará, a substituição do respetivo titular (cfr. n.º 9 do artigo 9.º e n.º 7 do artigo 77.º do RJEU).
Sendo a contribuição devida pelos “titulares do direito de construir”, o facto revelador da capacidade contributiva que constitui o pressuposto e causa da contribuição especial, naturalmente que só quem pode exercer esse direito vê repercutir na sua esfera jurídica o aumento de valor do prédio. A incidência objetiva, consubstanciada no aumento do valor do prédio, resulta da possibilidade do mesmo ser utilizado para construção urbana. Mas, só quem tem o direito de construir pode ser sujeito passivo da contribuição especial. Isto significa que o facto tributário considerado não é a titularidade do direito ao aproveitamento urbanístico do solo, resultante de um plano urbanístico que o classifica como solo urbano e define o seu regime de uso, mas a titularidade do direito de construir, em sentido estrito, que consiste na faculdade de se materializar o aproveitamento urbanístico correspondente e que é consolidado ou adquirido com a emissão da licença titulada por alvará.
O titular do direito de construir não tem que ser necessariamente o proprietário do prédio ou terreno.
Do ponto de vista jus-civilista, o poder ou faculdade de construir faz parte do conteúdo do direito de propriedade, enquadrado nos direitos de uso e transformação (cfr. artigos 1305.º, 1344.º do Código Civil). Mas também o arrendatário ou o terceiro a favor de quem o proprietário constituir o direito de superfície têm a faculdade de construir (cfr. artigos 1036.º, 1524.º, 1525.º e 1534.º do Código Civil).
Já na perspetiva jus-publicista, o direito de construir só existe se um plano urbanístico possibilitar a construção, ficando o seu exercício dependente de uma autorização constitutiva da Administração pública que verifica a conformidade com esse plano. Nesta perspetiva «o “jus aedificandi” não é uma faculdade que faz parte do conteúdo natural do direito de propriedade, mas sim uma faculdade atribuída ou conferida pelo ordenamento jurídico urbanístico, de modo particular pelos planos» (cfr. Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, 2.ª edição página 645).
Como o proprietário do terreno não é o único legitimado a ser titular do “jus aedificandi”, o n.º 1 do artigo 9.º do RJEU limita-se a exigir que o requerente do licenciamento seja acompanhado, entre outros elementos, da «indicação da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística». E assistindo ao titular do direito de construir a possibilidade de o transmitir, por ato inter vivos ou mortis causa, o adquirente deve provar a sua posição jurídica junto da Câmara Municipal, requerendo o averbamento de substituição do requerente do licenciamento ou do titular do alvará já emitido, no prazo de 15 dias a contar da data da substituição (cfr. n.º 9 do artigo 9º e n.º 7 do artigo 77.º do RJEU).
Ora, no caso dos autos, quando o acréscimo de valor se “realizou”, consumado com a emissão do alvará de licença de construção, tal como se dita no artigo 3.º do RCE, já o requerente do licenciamento não era titular do direito de construir: o alvará foi emitido em 20/10/2004 e em 18/10/2004 o direito de construir tinha sido transmitido para terceiro, como é expressamente admitido pela Recorrente.
Mesmo que, em face ao direito público, se considere que o direito de construir não é inerente ao direito de propriedade, ainda assim, através daquele contrato, o direito de construir deixou de fazer parte do património privado da Recorrida.
O facto de o alvará ter sido emitido em nome da Recorrida, não a torna responsável pela contribuição especial, pois no momento da emissão do alvará já não era titular do direito de construir.
O artigo 3.º do RCE assenta na presunção legal de que o beneficiário do direito de construir e da dita valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respetivo alvará da licença de construção. Mas essa presunção é afastada quando se demonstra que o alvará foi emitido em nome de quem efetivamente já não tinha o direito de construir. Nesta situação, a valorização do terreno que a contribuição especial visou tributar não se repercute na esfera jurídica em nome de quem foi emitido o alvará, mas sim em nome do proprietário ao tempo da emissão, titular do direito de construção.

Em suma:
I - A contribuição especial prevista no Decreto-Lei n.º 43/98, de 03 de março, incide sobre o “aumento de valor” dos prédios ou terrenos, situados nas áreas territoriais definidas na lei, substancial e “anormalmente” valorizados como direta decorrência de importantes investimentos públicos.
II - Em princípio, a contribuição é devida pelos titulares do direito de construir em cujo nome seja emitido o alvará de licença de construção ou de obra, pois o artigo 3.º do Regulamento da Contribuição Especial, aprovado por aquele diploma, assenta na presunção legal de que o beneficiário do direito de construir e da referida valorização do terreno é aquele em nome de quem foi emitido o respetivo alvará da licença de construção.
III - Mas essa presunção é afastada quando se demonstra que o alvará foi emitido em nome de quem efetivamente já não tinha o direito de construir.

E, assim, o recurso terá de improceder.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 10 de novembro de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso.