Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:06/22.9BEBRG
Data do Acordão:09/07/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
CITAÇÃO
OPOSIÇÃO
Sumário:Nem o decurso do prazo de oposição à execução fiscal nem o decurso do prazo de impugnação judicial interferem com a produção de efeitos interruptivos à prescrição de dívidas à Segurança Social derivada da citação em sede processual executiva.
Nº Convencional:JSTA000P29803
Nº do Documento:SA22022090706/22
Data de Entrada:05/23/2022
Recorrente:A……………….
Recorrido 1:INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, IP – SECÇÃO PROCESSO DE EXECUTIVO DE BRAGA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A……………., melhor identificado nos autos, vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou parcialmente procedente a reclamação por ele apresentada contra o ato de penhora de salários e vencimentos praticado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0301201100155050, instaurado por dívidas à Segurança Social.
Apresenta as suas alegações de recurso com o seguinte conteúdo a fls. 93 a 104 do SITAF:
A. Porque da lei do tempo, retira-se que o prazo de prescrição é de cinco anos.
B. Porque citação constitui evento interruptivo da prescrição, nos termos do artigo 49.º, n.º 1 da LGT.
C. Porque nos termos do artigo 49.º, n.º 3 da LGT, que a interrupção tem lugar uma única vez.
D. Relativamente à alínea b) do artigo 49.º, n.º 3 da LGT, supra citada, acontece que o reclamante nunca usufruiu de nenhuma garantia impugnatória, concretamente, impugnação, recurso, oposição ou outra qualquer.
E. Porque a único fator de suspensão foi um pedido de pagamento às prestações, conforme resulta do facto provado D.
F. A douta sentença, deu como provado, no ponto A, que no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0301201100154040, o reclamante foi citado no dia 24-03-2011.
G. Acontece que na referida data, o prazo de oposição era de 30 dias e o prazo de impugnação era de 90 dias, conforme resulta do CPPT com a versão da Lei n.º 55- A/2010, de 31-12.
H. Face à ausência de reação por parte do reclamante (como resulta do processo administrativo junto aos autos), o “trânsito em julgado” do referido processo de execução fiscal deu-se a 22-06-2011.
I. Assim, no dia 23-06-2011, iniciou nova contagem do prazo prescricional.
J. No entanto, constata-se que o referido processo de execução fiscal, no valor de 5.476,05 €, já se encontra prescrito, desde 23-06-2016, continuando o referido prazo de prescrição a contar novamente a partir de dezembro de 2020 até a presente data, perfazendo um prazo total de sete anos e cinco meses.
K. A douta sentença, deu como provado, nos pontos A, que no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0301201300171522, o reclamante foi citado no dia 21-05-2013.
L. Acontece que na referida data, o prazo de oposição era de 30 dias e o prazo de impugnação era de três meses, conforme resulta do CPPT com a versão do Decreto- Lei n.º 6/2013, de 17 de Janeiro.
M. Face à ausência de reação por parte do reclamante (como resulta do processo administrativo junto aos autos), o “trânsito em julgado” do referido processo de execução fiscal deu-se a 21-08-2013.
N. Assim, no dia 22-08-2013, iniciou nova contagem do prazo prescricional.
O. Sendo que na douta sentença, não foi dado como provado, se o referido processo de execução fiscal possuiu alguma causa suspensiva nestes últimos nove anos.
P. Deste modo, constata-se que o referido processo de execução fiscal, no valor de 2.354,65 €, já se encontra prescrito, desde 22-08-2018, continuando o referido prazo de prescrição em contagem até a presente data, perfazendo um prazo total de quase nove anos.
Q. As causas de extinção do processo de execução fiscal, encontram-se previstas no artigo 176.º do CPPT, sendo grande das mesmas estão relacionadas com meios impugnatórios judiciais, o que originará uma sentença e um termo ao processo judicial.
R. Acontece que, no caso de não existir qualquer reação por parte do executado, o trânsito em julgado do referido processo de execução fiscal dá-se no término da data de apresentação do meio judicial competente.
S. No caso de não ser apresentado qualquer tipo de meio judicial, o valor em dívida cristaliza-se e a partir dessa determinada data, o processo de execução fiscal, segue a vertente executiva, existindo um “transito julgado” quanto à exigibilidade, legalidade do tributo e do ato.
T. Assim sendo, caso se aplicasse tal vertente sufragada na sentença recorrida, e no caso dos autos (não reação à citação) a administração poderia cobrar a dívida ad eternum, até mesmo após a morte do executado.
U. Sendo que nesses casos, o instituto da prescrição deixava de existir para quem não reagisse judicialmente à citação recebida.
V. Além do mais, no âmbito dos processos de execução fiscal, tanto ao nível da segurança social como da A.T.A., não é proferida qualquer tipo de decisão, para que exista o “trânsito em julgado”
W. Sendo que desse modo, e como supra alegado, a prescrição nunca aconteceria e a dívida seria eterna, visto que a citação que ocorre, é o ato final do processo administrativo, o que em caso de não reação, pode mesmo consubstanciar-se numa decisão transitada em julgado.
X. Por fim, a posição sufragada pela sentença recorrida, mostra uma posição autoritária por parte da administração fiscal, fazendo jus à célebre frase de Benjamim Franklin, numa carta datada de 1789, que afirma “Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos.”
Y. Porque solicita uma decisão transitada em julgado, no âmbito de um procedimento em que não há decisões ou que a referida decisão se consubstancia por uma mera omissão do executado, o que é imoral.
Z. Por fim, esta sentença recorrida é uma clara cobertura à inércia da administração fiscal, visto que o executado espera pelo início da contagem da prescrição, que acontece após uma decisão que não nunca irá existir para o caso de o mesmo não reagir judicialmente.
AA. Portanto, deve o Tribunal ad quem aferir a prescrição de ambos os processos de execução fiscal, nos termos supra alegados.

I.2 – Contra-alegações
Não foram proferidas contra alegações no âmbito da instância.

I.3 - Por decisão sumária proferida pelo TCA Norte a fls. 119 a 122 do SITAF, veio ao abrigo o do disposto artigo 26º, alínea b) e do artigo 38º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e do artigo 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), declarar-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e consequentemente declarou competente, para esse efeito, o Supremo Tribunal Administrativo.

I.4 – Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer a fls. 130 a 137 do SITAF com o seguinte conteúdo:
“A…………… veio interpor recurso para o TCA Norte da sentença proferida pelo TAF de Braga que julgou parcialmente procedente a Reclamação nos termos do artigo 276.º do CPPT que apresentou do acto de penhora de salários e vencimentos praticado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0301201100155050 e aps. Instaurado para cobrança de contribuições ao Instituto de Segurança Social, IP., com fundamento na prescrição das dívidas.
Por decisão proferida em 26 de Abril de 2022 o TCA Norte declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso e competente, para esse efeito, o Supremo Tribunal Administrativo.
Os fundamentos do Recurso constam das Alegações apresentadas pelos Recorrentes, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Invoca, em síntese, o recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por não ter julgado verificada a prescrição das dividas uma vez que não considerou que não tendo sido instaurada Oposição nem deduzida Impugnação Judicial, após o decurso dos respectivos prazos legais, ocorreu o “trânsito em julgado do referido processo de execução fiscal”, reiniciando-se a contagem do prazo de prescrição cujo término já se verificou.
De acordo com o teor das conclusões do recurso, a questão a apreciar consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, na parte em que julgou não ter ocorrido o prazo de prescrição das dívidas provenientes de contribuições ao CRSS respeitantes ao período de 2008/07 a 20011/10 - melhor identificadas em A. e B. do probatório -, objecto de cobrança nos processos de execução fiscal nº 0301201100154040, no valor de 5.476,05 € e n.º 0301201300171522, no valor de 2.354,65 €, respectivamente.
Afigura-se-nos, não padecer a douta sentença recorrida do erro de julgamento que lhe é imputado porquanto fez uma correcta interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis à matéria fáctica dada como provada e não provada.
Com efeito, no caso em apreço, de acordo com o disposto nºs nºs 3 4 do art. 60.º da Lei n.º 4/2007 de 16 de Janeiro (que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja 17 de Janeiro de 2007- cfr. art. 110.º/1 da referida lei) o prazo de prescrição é de 5 anos, contado a partir do 15.º dia do mês seguinte a que dizem respeito as contribuições anteriores a 2010 e contado a partir do dia 20 do mês seguinte, relativamente às contribuições posteriores a 1 de Janeiro de 2010 (cfr. artigo 10º do Decreto-Lei n.º 199/99 e art. 43.º do Código dos Regimes Contributivos da Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009 de 16-09 que entrou em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2010 – cfr. art. 6.º/1).
Como se consignou, designadamente, no douto Acórdão do STA proferido em 09-06-2021, no processo 0953716.7BEBRG:
“À prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artº.3, al. a), do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social…”.
De acordo com a matéria fáctica dada como provada verifica-se que o único facto interruptivo previsto no nº1 do artº 49º da LGT que se verificou foi a citação:
- no processo de execução fiscal n.º 0301201100154040 (instaurado para cobrança de dividas de contribuições referentes ao período de 2008/07 a 2010/11, conforme A. do probatório) a citação do ora recorrente ocorreu em 24-03-2011;
- no processo de execução fiscal n.º 0301201300171522 ( instaurado para cobrança de dividas de contribuições referentes ao período de 2010/12 a 2011/10, conforme B. do probatório), a citação ocorreu em 21-05-2013.
Verifica-se, assim, que as citações efectuadas ao ora recorrente em 24-03-2011 e em 21-05-2013, ocorreram antes de ter decorrido o prazo de 5 anos sobre o momento da exigibilidade da mais antiga das dívidas, pelo que não ocorreu a prescrição das dívidas em causa.
Como considerou a douta sentença recorrida, observando a jurisprudência do STA (cfr., designadamente, doutos Acórdãos do Pleno do STA de 3/04/2019, rec.2369/15.3BEPNF, de 20/01/2021, rec. 103/20.5BALSB e também doutos Acórdãos proferidos em 27/01/2016, rec.1698/15; 16/05/2018, rec. 419/18; 13/03/2019, rec.1437/18.4BELRS; 16/09/2020, rec.71/20.3BESNT e 09-06-2021, proc. 0953/16.7BEBRG), o ato de citação constitui um facto interruptivo de efeito duradouro, que inutiliza o prazo já decorrido anteriormente (cfr. artigo 326°, n.º 1 do Código Civil) e leva a que o prazo de prescrição só possa correr ab initio após o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo (cfr. artigo 327.°, n°1 do Código Civil).
A eficácia interruptiva associada aos actos de citação prolonga-se no tempo e cessa, apenas, no caso em análise, na data em que ocorrer a decisão que ponha termo aos processos de execução fiscal n.º 0301201100154040 e n.º 0301201300171522, “ sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo” como se escreveu, nomeadamente, no douto Acórdão do STA proferido em 09-06-2021, no proc. 0953716.7BEBRG, cujo teor do respectivo sumário se passa a transcrever na íntegra:
“I - No que diz respeito às dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações), e respectivos juros de mora, o prazo de prescrição era de dez anos (cfr.artº.14, do dec.lei 103/80, de 9/3; artº.53, nº.2, da Lei 28/84, de 14/8), sendo actualmente de cinco anos e computando-se o decurso do prazo prescricional a partir da data em que a mesma obrigação deveria ser cumprida, sendo que a prescrição se interrompe com a prática de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou cobrança da dívida, nomeadamente, a instauração de processo de execução fiscal (cfr.artº.63, nºs.2 e 3, da Lei 17/2000, de 8/8; artº.49, nºs.1 e 2, da Lei 32/2002, de 20/12; artº.60, da Lei 4/2007, de 16/1; artº.187, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).
II - À prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artº.3, al.a), do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
III - Nas leis tributárias prevêem-se factos a que é atribuído efeito interruptivo da obrigação tributária, pelo que não há que fazer apelo às normas do C.Civil, no que concerne a determinar os factos interruptivos. Porém, os efeitos da interrupção da prescrição não estão completamente regulados, assim devendo aplicar-se, quanto a estes, subsidiariamente o regime do Código Civil.
IV - Com estes pressupostos, é legal a aplicação do regime consagrado no artº.327, nº.1, do C.Civil (normativo aplicável "ex vi" do artº.2, al. d), da L.G.T.), face ao acto interruptivo que se consubstancia na citação em processo de execução fiscal, o qual ostenta um efeito duradouro derivado do novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo, sendo que no processo de execução fiscal também a declaração em falhas, prevista no artº.272, do C.P.P.T., se deve equiparar à dita decisão que põe termo ao processo.
V - A jurisprudência deste Tribunal igualmente vai no sentido de que o regime constante do artº.49, da L.G.T., tal como a aplicação subsidiária do regime consagrado no citado artº.327, nº.1, do C.Civil, se apõem ao exame da prescrição das dívidas à Segurança Social.”
Acresce ser de salientar não ser sustentável juridicamente a tese defendida pelo recorrente no sentido de ocorrer o trânsito em julgado de decisões em acções que não foram instauradas.
Pelo exposto, emito parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.”

I.5 - Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
II.2 – De Direito
A. Em 24-03-2011, alguém que se encontrava no domicílio do Reclamante recebeu a citação emitida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0301201100154040, no valor de 5.476,05 €, a qual visava a cobrança coerciva das seguintes quantias (p. 4-7 do processo de execução fiscal):

[IMAGEM]

B. Em 21-05-2013, alguém que se encontrava no domicílio do Reclamante recebeu a citação emitida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0301201300171522, no valor de 2.354,65 €, a qual visava a cobrança das seguintes quantias exequendas (p. 15-16 do processo de execução fiscal):

[IMAGEM]

C. Em 09-07-2013, o IGFSS, IP emitiu citação no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0301201300267503, no valor de 685,33 €, dirigido ao Reclamante e no qual se visava a cobrança das seguintes quantias (p. 18-19 do processo de execução fiscal):

[IMAGEM]

D. O processo de execução fiscal n.º 0301201100154040 e aps. esteve suspenso por pendência de plano de pagamento em prestações da dívida exequenda entre Setembro de 2017 e Novembro de 2020 (confissão no ponto 17 da reclamação e doc. 2 junto a 10-02- 2022);

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto por A…………. da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 15 de Fevereiro de 2022, que julgou parcialmente procedente a reclamação interposta pelo reclamante, ora Recorrente contra o ato de penhora de salários e vencimentos em que é Exequente o Instituto de Segurança Social, IP..
Para se decidir pela procedência apenas parcial da reclamação então deduzida, entendeu a douta sentença que existiam dois blocos de dívidas exequendas e que apenas quanto a um deles não se demonstrava a cabal citação do ora Recorrente, o que implicava a prescrição das respectivas dívidas exequendas.
Fê-lo nos seguintes termos: “Quanto às dívidas do primeiro bloco, claro é que, tendo o Reclamante sido citado em 24-03-2011 e em 21-05-2013, antes de decorridos cinco anos sobre o momento da exigibilidade da mais antiga das dívidas, não chegou a decorrer o prazo de prescrição. Como o Reclamante foi citado tempestivamente e a citação tem um efeito interruptivo duradouro da prescrição, o prazo reiniciou-se e não começou ainda a contar de novo. O mesmo não se pode dizer para as demais dívidas. Quanto a essas não ficou estabelecido factualmente o envio de qualquer citação e os documentos em que se fundamenta a suspensão a que o IGFSS, IP aludiu no seu requerimento de 10-02-2022 foram também insuficientes para prova de qualquer suspensão com relevo.” E, em conformidade, conclui a sentença recorrida que: “Assim, estas dívidas devem ter-se por prescritas, uma vez que o prazo de prescrição decorreu claramente entre a presente data e a data das dívidas em causa.

II. Discordando do assim decidido, recorre para esta instância superior o Executado, alegando que, também quanto às dívidas à Segurança Social constantes dos Processos Executivos n.ºs 0301201100154040 e 0301201300171522 se devia ter por verificada idêntica conclusão, i.e., também quanto a tais dívidas exequendas se deveria considerar ter ocorrido a respectiva prescrição.
Para o efeito, vem o Executado, ora Recorrente, sustentar que:
- o efeito interruptivo da citação em processo de execução fiscal cessa com o decurso do prazo de oposição à mesma e impugnação da liquidação (sic), formando-se “caso julgado”;
e que,
- em qualquer caso, o efeito interruptivo da citação no processo de execução fiscal não é duradouro.

III. Comecemos pelo primeiro fundamento.
Cessarão os efeitos interruptivos da prescrição provocados pela citação em processo executivo fiscal com o decurso do prazo para oposição à mesma e/ou o decurso do prazo de impugnação, em resultado da formação de “caso julgado” ?
Já adiantamos que é negativa a resposta a esta questão.
Com efeito, e como bem se sublinha no Parecer do MP junto aos presentes autos, o decurso de tais prazos não conduz à formação de qualquer “caso julgado” do processo executivo, que apenas se extingue nos casos previstos no artigo 176.º do CPPT, com os termos previstos nos artigos 259.º e ss. do mesmo diploma – o que, em qualquer dos casos, não equivale à formação de qualquer “caso julgado”.
O que sucede com o não exercício do direito de oposição à execução é, tão somente, a preclusão do direito a contestar os termos em que a mesma tem lugar. É este direito a contestar que fica precludido; mas tal não interfere com o evento interruptivo da prescrição, que está exclusivamente associado à citação em sede processual executiva e à respectiva pendência deste processo (como veremos infra, a respeito dos respectivos efeitos duradouros). Tratam-se, com efeito, de eventos distintos e não confundíveis.
Assim, a citação em processo executivo é um evento interruptivo da prescrição distinto e autónomo do eventual exercício do direito à oposição (ou não) à mesma. Não se forma qualquer “caso julgado” e, logo, tal evento interruptivo não cessa, evidentemente, de produzir os seus efeitos.
E o mesmo se diga, mutatis mutandis, a respeito do decurso do prazo de impugnação das liquidações das dívidas à Segurança Social coercivamente cobradas neste processo executivo; neste caso, mais incompreensível se torna o raciocínio, uma vez que o processo impugnatório e o processo executivo correm em paralelo, sem qualquer interferência um no outro (exceto nas situações de suspensão da execução, o que é aqui irrelevante), muito menos ao nível da formação dos prazos de prescrição.
Não há, assim, lugar à formação de qualquer suposto “caso julgado”, muito menos susceptível de fazer cessar os efeitos interruptivos da prescrição provocados pela citação num processo de execução fiscal.
Pelo exposto, não assiste, com este fundamento, razão à Recorrente.

IV. Importa, em seguida, indagar acerca da natureza duradoura do evento interruptivo da prescrição que é a citação em sede de processo executivo fiscal.
Ora, a este respeito, encontra-se firmemente consolidada jurisprudência superior – desde logo, emanada deste Supremo Tribunal – no sentido da produção de efeitos duradouros ao evento interruptivo “citação em processo de execução fiscal”.
É que - em termos que reputamos de completamente esclarecedores e que aqui secundamos integralmente - este Supremo Tribunal já teve oportunidade de deixar assente, entre outros no Acórdão lavrado no Processo n.º 639/17, de 21 de Junho de 2017, em que se pode ler, precisamente num caso envolvendo dívidas à Segurança Social, que: “I - Pese embora não seja possível, no domínio das obrigações tributárias, chamar à colação as normas do direito civil que regem o prazo de prescrição, a determinação do seu dies a quo, e a definição dos atos interruptivos e suspensivos – por se tratar de matéria taxativamente fixada na LGT e rigorosamente sujeita ao princípio da legalidade tributária de reserva da lei formal, integrando-se nas “garantias dos contribuintes” – deve, contudo, ir aí buscar-se tanto o significado como o alcance e efeitos do conceito jurídico de “prescrição”, de “interrupção” e de “suspensão” da prescrição, pois quando nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos de direito devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei (art. º 11º da LGT). II - Deste modo, e apesar de em relação às dívidas fiscais e parafiscais (como as resultante de contribuições e cotizações para a Segurança Social) a prescrição só possa ser aceite enquanto prevista nas normas de direito tributário que admitam a sua existência, definam o seu prazo e tipifiquem os seus atos interruptivos, tal não significa que o efeito dos actos interruptivos (instantâneo ou duradouro) não possam ser colhidos no Código Civil, atenta a circunstância de, actualmente, inexistir nessa legislação e na LGT qualquer previsão ou regulamentação da matéria. Com efeito, embora a Lei de BASES da Segurança Social fixe, de forma taxativa, os actos interruptivos da prescrição, ela não define nem esclarece se eles têm efeito instantâneo ou duradouro; e, por outro lado, a LGT também não contém, actualmente, essa definição. III - É certo que durante muitos anos a legislação tributária continha essa definição – cfr. o art.º 27º do CPCI, o art.º 34º do CPT e o art.º 48º da LGT até à alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 – sempre no sentido de conferir efeito duradouro a todos os atos interruptivos, já que a prescrição não corria após esses atos e só voltava a correr caso cessasse esse efeito duradouro por mor da paragem do processo por facto não imputável ao contribuinte (acrescentando-se, então, ao prazo que a partir daí se iniciava, todo o prazo que decorrera até à instauração do processo, o que, na prática, equivalia a converter ou “desgraduar”, nesse específico caso, a interrupção em suspensão da prescrição). IV - Contudo, após a alteração introduzida no art.º 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, esse regime desapareceu e deixou de haver norma a definir os efeitos dos atos interruptivos da prescrição relativamente a obrigações tributárias. Razão por que não há como deixar de aplicar as normas contidas no Código Civil, onde o artigo 326º estabelece que «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o TEMPO decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte» e o artigo seguinte dispõe que «1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo». V - Razão por que, actualmente, o acto interruptivo da citação tem efeito duradouro.”; e uma tal leitura foi, entretanto, reiterada em termos quase integralmente idênticos, no Acórdão do Processo n.º 1437/18, de 13 de Março de 2019 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Sucede, por fim, que tal jurisprudência tem sido, sucessivamente, confirmada por arestos ulteriores, como se pode comprovar pelo teor conclusivo dos Acórdãos lavrados, entre muitos outros, nos Processos com o n.º 705/19, de 2 de Setembro de 2020, com o n.º 71/20, de 16 de Setembro de 2020, ou, ainda mais recentemente, com o n.º 2496/19, de 13 de Janeiro de 2021 – todos disponíveis em www.dgsi.pt.
É, por conseguinte, indiscutível na jurisprudência deste Supremo Tribunal a aceitação da produção do efeito duradouro do evento interruptivo da prescrição traduzido na citação em sede de processo de execução de dívidas tributárias enquanto tal processo não se extinguir.


III. CONCLUSÕES
Nem o decurso do prazo de oposição à execução fiscal nem o decurso do prazo de impugnação judicial interferem com a produção de efeitos interruptivos à prescrição de dívidas à Segurança Social derivada da citação em sede processual executiva.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 7 de Setembro de 2022. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Anabela Ferreira Alves e Russo - José Gomes Correia.