Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0261/12 |
Data do Acordão: | 03/28/2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | VERIFICAÇÃO GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS PRAZO RECLAMAÇÃO PRAZO JUDICIAL CITAÇÃO DILAÇÃO |
Sumário: | I - O prazo para reclamação de créditos previsto no n.º 1 do art. 240.º do CPPT é um prazo para a prática de um acto no processo de execução fiscal, que tem natureza judicial (art. 103.º da LGT), motivo por que se lhe aplicam as regras previstas nos arts. 144.º e 145.º do CPC, como determina o art. 20.º, n.º 2, do CPPT. II - Atenta a natureza desse prazo, de 15 dias a contar da citação a que alude o n.º 1 do art. 239.º do CPPT, caso esta tenha sido efectuada fora da área da comarca em que se situa o serviço de finanças onde corre o processo executivo, há, designadamente, que lhe acrescer a dilação de 5 dias prevista no art. 252.º-A, n.º 1, alínea b), do CPC. |
Nº Convencional: | JSTA000P13939 |
Nº do Documento: | SA2201203280261 |
Data de Entrada: | 03/08/2012 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | 1. RELATÓRIO
1.1 Numa execução fiscal instaurada contra A…… (adiante Executada), a B…… (adiante Credora reclamante ou Recorrida) veio pedir a verificação de um crédito sobre a Executada e graduação do mesmo com o exequendo para ser pago pelo produto da venda a efectuar. 1.2 O Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1, por onde pende a execução fiscal, indeferiu a petição inicial por intempestividade. 1.3 Inconformada com essa decisão, a Credora dela reclamou judicialmente, ao abrigo do disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu nos seguintes termos: «julga-se procedente a reclamação, revogando-se o acto reclamado, o qual deve ser substituído por outro que admita a reclamação de créditos apresentada procedendo à sua apreciação» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.). 1.4 A Fazenda Pública interpôs recurso dessa sentença para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que sintetizou em conclusões que ora reproduzimos ipsis verbis: B- Para assim decidir considerou que “tendo o processo de execução fiscal natureza judicial, os incidentes desse processo como sejam a verificação e graduação de créditos não podem deixar de ter também a mesma natureza. Por isso, o prazo de 15 dias previsto no art. 240º, n.º 1, do CPPT, para apresentar a reclamação de créditos tem também natureza judicial e conta-se de acordo com o disposto no art. 20º, n.º 2 do CPPT e 144º e 145º do CPC.” C- Ressalvado o devido respeito, com o que desta forma foi decidido não se conforma a Fazenda Pública, pelas razões que passa a expender. D- Para uma correta contextualização dos factos cumpre assinalar que nesta sede se litiga o Despacho que indeferiu a reclamação de créditos, por a considerar extemporânea, de acordo com o disposto no art. 240º, n. º 1 do CPPT. E- No âmbito do processo de execução fiscal n.º 0450200701046349 e apensos, a reclamante foi citada, através do ofício n.º 356, de 10.01.2011, registado com A/R, recebido a 13.01.2011. F- O referido ofício foi endereçado e remetido para a sede da reclamante, sita na Rua ……, n.º ……/……, Lisboa. G- No dia 31.01.2011, através de correio registado, a reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-1 a sua reclamação de créditos, a qual foi recebida a 01.02.2011. H- Por despacho de 28 de Setembro de 2011, o Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-1 indeferiu a reclamação de créditos, por a considerar extemporânea, de acordo com o disposto no art. 240º, n.º 1 do CPPT. I- Assim, a questão essencial a decidir nos presentes autos resume-se a saber se o prazo de 15 dias a que se refere o art. 240º, n.º 1 do CPPT tem natureza substantiva ou antes processual. J- Ora, a lei que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010 de 31-12), introduziu várias alterações ao Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), entre as quais se encontram alterações na regulamentação do incidente de verificação e graduação de créditos no processo de execução fiscal. K- Assim, por força da entrada em vigor da referida Lei, foi retirada do âmbito da competência dos Tribunais Tributários a matéria relativa à verificação e graduação de créditos no processo de execução (cfr. nova redação do art. 151º, n.º 1 do CPPT). L- Na sequência destas alterações foi ainda alterada a redação dos nºs 2 a 4 do artigo 245º, do n.º 1 do art. 247º, do artigo 248º, foi aditada a alínea e) ao artigo 278º e foi revogado o artigo 243º, todos do CPPT. M- Tendo a alínea o) do artigo 97º do CPPT, passado a incluir a reclamação da decisão de verificação e graduação de créditos entre as formas processuais do processo tributário. N- Ou seja, com as alterações introduzidas pela Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2011 de 31/12), a verificação e graduação de créditos foi excluída das competências dos tribunais tributários. O- Sendo agora a referida verificação e graduação de créditos da competência do órgão da execução fiscal, nos termos do artigo 245º, n.º 2 do CPPT o qual determina que: “Havendo reclamações ou juntas as certidões referidas no artigo 241º, o órgão da execução fiscal procede à verificação e graduação de créditos, notificando dela todos os credores que reclamaram créditos.” P- Não é demais lembrar o disposto no nº 1 do art. 103º da LGT, “O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional” Acrescentando o nº 2 que “É garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior” Q- O art. 10º, alínea f), do CPPT, estabelece ainda que compete aos serviços da administração tributária instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes, promovendo administrativamente a sua tramitação, salvo os especialmente previstos no nº 1 do art. 151º do CPPT, de decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária e a reclamação dos atos praticados pelos órgãos de execução fiscal. R- Não há dúvida que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, podendo a AT nele praticar atos desde que não tenham natureza jurisdicional, já que os atos de natureza jurisdicional suscetíveis de ser praticados no processo de execução estão fora dessa previsão por não serem da competência da Administração (artigo 103º, n.º 1 da LGT). S- Assim, apesar de o processo de execução fiscal ter natureza judicial, nos termos do n.º 1 do art. 103º da Lei Geral Tributária (LGT) é entendimento desta Fazenda Pública (FP) que a verificação e graduação de créditos passou a ser um ato sem natureza materialmente jurisdicional, ou seja, estamos perante a participação dos órgãos da Administração Tributária na prática dos chamados atos materialmente atos administrativos da execução fiscal, (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, 2001, Editora Reis dos Livros, pág. 421). T- Significa que, não obstante a sua natureza de processo judicial, existem atos administrativos na execução que podem ser praticados pela Administração Tributária, sendo um desses atos a verificação e graduação de créditos. U- E, como atrás se deixou expresso, devendo o processo de execução fiscal ser considerado um processo de natureza judicial, tem de entender-se que já está na dependência do tribunal tributário, mesmo na fase em que corre termos perante as autoridades administrativas, pelo que deverão considerar-se suscetíveis de reclamação todos os atos que seriam suscetíveis de recurso jurisdicional se a decisão fosse proferida por um juiz. V- Assim, o incidente de verificação e graduação de créditos é um ato administrativo sobre matéria tributária, sendo que a decisão de verificação e graduação de créditos é um ato sujeito a controlo jurisdicional, mas não perde a sua qualidade de ato administrativo. W- Aliás, a Administração Tributária, no seguimento do disposto no art. 103º da LGT, só pode praticar atos materialmente administrativos, como o ato reclamado. Neste sentido o Acórdão do TC nº 80/2003. X- Ora, não tendo o ato administrativo praticado pela Administração Tributária natureza jurisdicional, não pode também o prazo de 15 dias previsto no art. 240º, n.º 1, do CPPT, para apresentar a reclamação de créditos ter natureza processual. Y- Ao não se decidir assim, a douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do Direito. Z- Razão pela qual deverá ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo a natureza substantiva do prazo de 15 dias a que se refere o art. 240º, n.º 1 do CPPT, determine a improcedência da reclamação. Assim, revogando a douta sentença recorrida, Vossa Excelências farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA». 1.4 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo. 1.5 A Credora reclamante não contra alegou. 1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso com os seguintes fundamentos: «1. A presente reclamação segue as regras dos processos urgentes na medida em que, no caso de recusa da reclamação de créditos, por extemporaneidade, procedem as razões justificativas da tramitação urgente aplicada ao caso de reclamação por erro na verificação ou graduação de créditos, determinantes da aplicação analógica da regulamentação do caso previsto na lei (art. 10º nºs 1/2 C. Civil; arts. 245º nº 2 e 278º nº 3 al. e) CPPT redacção da Lei nº 55-A/2010, 31 Dezembro) 1.7 Foram dispensados os vistos dos Juízes adjuntos. 1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga fez correcto julgamento quando anulou (Embora na sentença recorrida se tenha usado a expressa revogando-se, afigura-se-nos que seria mais curial ter dito anulando-se, uma vez que a revogação do acto reclamado está reservada ao órgão de execução fiscal, quando foi este que praticou o acto reclamado, ou ao órgão da AT que o tenha praticado (cfr. art. 277.º, n.ºs 2 e 3, do CPPT), e dá origem à extinção da reclamação por impossibilidade superveniente da lide (cfr. art. 287.º, alínea e), do CPC). O tribunal, na procedência da reclamação, deverá anular o acto impugnado.) o acto reclamado, o que passa por indagar da natureza do prazo – processual ou substantiva – fixado pelo art. 240.º, n.º 1, do CPPT, para a reclamação de créditos e da consequente aplicabilidade ou não ao mesmo prazo do disposto no art. 252.º-A do CPC. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos: «Factos assentes com interesse para a decisão e apoio nos documentos existentes nos autos. 1- No âmbito do processo de execução fiscal n.º 0450200701046349 e apensos, a reclamante foi citada, nomeadamente, nos termos do art.º 239 e 240 do CPPT, para reclamar créditos, no prazo de 15 dias, através do ofício n.º 356, de 10/1/2011, registado com AR e recepcionado a 13/1/2011 – cf. 68, 69 e 70 dos autos. 2- O ofício 356, referido em 1, foi endereçado e remetido para a sede da reclamante, sita à Rua ……, nº ……/……, Lisboa – cf. fls 69 e 70. 2- [ (É manifesto o lapso na numeração: repetiu-se o n.º 2, o que se repercutiu para a frente.)] No dia 31/1/2011, através de correio registado, a reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de V N Famalicão 1 a sua reclamação de créditos, a qual foi recebida a 01/2/2011 – cf. fls 68 e 81. 3- Por despacho de 28 de Setembro de 2011, o Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de V N Famalicão 1, indeferiu a reclamação de créditos, por considerar que o prazo para a sua apresentação terminou em 28.01.2011 e, assim, extemporânea a reclamação – cf. fls 71. Os factos assentes resultam dos autos, não existindo divergência no que a estes respeita entre a reclamante, o Serviços de Finanças e a Fazenda Pública». * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR Citada no âmbito de uma execução fiscal, na qualidade de credora com garantia real sobre o bem penhorado e ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 239.º do CPPT, veio a B…… apresentar petição endereçada ao Chefe do Serviço de Finanças de Famalicão 1, pedindo a verificação e graduação de um crédito sobre a Executada. 2.2.2 DA NATUREZA E FORMA DE CONTAGEM DO PRAZO PARA RECLAMAR CRÉDITO 2.2.2.1 O prazo para reclamar créditos está fixado no n.º 1 do art. 240.º do CPPT em 15 dias a contar da citação a que se refere o art. 239.º do mesmo Código. «O processo de execução fiscal tem natureza judicial na sua totalidade, apesar da possibilidade de nele participarem órgãos da administração tributária (art. 103.º, n.º 1, da LGT). Por isso, todos os prazos para prática de actos inseridos no processo de execução fiscal são prazos para prática de actos num processo judicial, a que se aplicam as regras previstas no art. 144.º do CPC, por força do disposto no n.º 2 deste art. 20.º. Por se tratar de prazos de natureza judicial, é-lhes também aplicável o regime do pagamento nos dias úteis subsequentes ao termo do prazo, com multa, nos termos do art. 145.º do CPC» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 13 ao art. 20.º, pág. 283.). O mesmo Autor reafirma esse entendimento em anotação ao art. 240.º, onde, sob a epígrafe «Prazo de reclamação de créditos a) - Contagem do prazo», deixou escrito: «O prazo de reclamação de créditos, de 15 dias, é acrescido da dilação que for aplicável, prevista no art. 252.º-A do CPC (se a citação tiver sido realizada em pessoa diversa do citando, ou fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a acção ou no estrangeiro) ou no n.º 2 do art. 239.º do CPPT (se se tratar de citação edital de credores desconhecidos ou sucessores de credores preferentes). Ou seja, o prazo para reclamação de créditos previsto no n.º 1 do art. 240.º do CPPT, de 15 dias a contar da citação a que alude o n.º 1 do art. 239.º do mesmo Código, é um prazo para a prática de um acto no processo de execução fiscal, que tem natureza judicial (art. 103.º da LGT), motivo por que se lhe aplicam as regras previstas nos arts. 144.º e 145.º do CPC, como determina o art. 20.º, n.º 2, do CPPT. O que significa, por um lado, que o prazo corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr. art. 144.º, n.ºs 1 a 3, do CPC) e, por outro lado, que sempre poderá ser praticado em qualquer um dos três dias seguintes (cfr. art. 145.º, n.º 5, do CPC). Mais significa que a esse prazo há que aplicar uma dilação de 5 dias, quer quando a citação for efectuada em pessoa diversa do réu, nos termos do n.º 2 do artigo 236.º e dos n.ºs 2 e 4 do artigo 240.º do CPC (Tenha-se presente que a citação dos credores com garantia real se faz por carta registada com aviso de recepção, em conformidade com o disposto no art. 192.º, n.º 1, do CPPT, e no art. 236.º do CPC, e só se a mesma se frustrar se tentará a citação através de funcionário, nos termos do art. 239.º, n.ºs 1 a 8, do CPC.), quer quando for efectuada fora da área da comarca sede do serviço de finanças onde pende a acção (No sentido de que a dilação prevista na alínea b) do art. 252.º-A, n.º 1, do CPC, é aplicável sempre que a citação ocorra fora da área da comarca sede do tribunal, mesmo que tal área se inclua na área de jurisdição do tribunal tributário, vide o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Fevereiro de 2012 proferido no processo com o n.º 1016/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em 2.2.2.2 A Recorrente contesta a natureza judicial do prazo para a reclamação de créditos com o argumento de que a reclamação de créditos, após a alteração do respectivo regime introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, passou a ser da competência do órgão de execução fiscal, e, por isso, não se pode reconhecer-lhe natureza jurisdicional, com a consequência de que o prazo para reclamar deixará de poder considerar-se como prazo judicial, para ser havido como prazo substantivo. Como deixou resumido na conclusão X) da motivação do recurso, «não tendo o ato administrativo praticado pela Administração Tributária [a verificação e graduação dos créditos reclamados] natureza jurisdicional, não pode também o prazo de 15 dias previsto no art. 240º, n.º 1, do CPPT, para apresentar a reclamação de créditos ter natureza processual». 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: * * * 3. DECISÃO Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. * Lisboa, 28 de Março de 2012. – Francisco Rothes(relator) – Fernanda Maçãs – Casimiro Gonçalves. |