Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0261/12
Data do Acordão:03/28/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:VERIFICAÇÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
PRAZO
RECLAMAÇÃO
PRAZO JUDICIAL
CITAÇÃO
DILAÇÃO
Sumário:I - O prazo para reclamação de créditos previsto no n.º 1 do art. 240.º do CPPT é um prazo para a prática de um acto no processo de execução fiscal, que tem natureza judicial (art. 103.º da LGT), motivo por que se lhe aplicam as regras previstas nos arts. 144.º e 145.º do CPC, como determina o art. 20.º, n.º 2, do CPPT.
II - Atenta a natureza desse prazo, de 15 dias a contar da citação a que alude o n.º 1 do art. 239.º do CPPT, caso esta tenha sido efectuada fora da área da comarca em que se situa o serviço de finanças onde corre o processo executivo, há, designadamente, que lhe acrescer a dilação de 5 dias prevista no art. 252.º-A, n.º 1, alínea b), do CPC.
Nº Convencional:JSTA000P13939
Nº do Documento:SA2201203280261
Data de Entrada:03/08/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 Numa execução fiscal instaurada contra A…… (adiante Executada), a B…… (adiante Credora reclamante ou Recorrida) veio pedir a verificação de um crédito sobre a Executada e graduação do mesmo com o exequendo para ser pago pelo produto da venda a efectuar.

1.2 O Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1, por onde pende a execução fiscal, indeferiu a petição inicial por intempestividade.

1.3 Inconformada com essa decisão, a Credora dela reclamou judicialmente, ao abrigo do disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu nos seguintes termos: «julga-se procedente a reclamação, revogando-se o acto reclamado, o qual deve ser substituído por outro que admita a reclamação de créditos apresentada procedendo à sua apreciação» (As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente são transcrições, aqui como adiante.).

1.4 A Fazenda Pública interpôs recurso dessa sentença para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que sintetizou em conclusões que ora reproduzimos ipsis verbis:
«
A- Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de atos do órgão da execução fiscal e em consequência decide revogar o despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-1 – Órgão da execução Fiscal, proferido no Processo de Execução Fiscal (PEF) n.º 0450200701046349 e apensos, que indeferiu a reclamação de créditos, por a considerar extemporânea.

B- Para assim decidir considerou que “tendo o processo de execução fiscal natureza judicial, os incidentes desse processo como sejam a verificação e graduação de créditos não podem deixar de ter também a mesma natureza. Por isso, o prazo de 15 dias previsto no art. 240º, n.º 1, do CPPT, para apresentar a reclamação de créditos tem também natureza judicial e conta-se de acordo com o disposto no art. 20º, n.º 2 do CPPT e 144º e 145º do CPC.

C- Ressalvado o devido respeito, com o que desta forma foi decidido não se conforma a Fazenda Pública, pelas razões que passa a expender.

D- Para uma correta contextualização dos factos cumpre assinalar que nesta sede se litiga o Despacho que indeferiu a reclamação de créditos, por a considerar extemporânea, de acordo com o disposto no art. 240º, n. º 1 do CPPT.

E- No âmbito do processo de execução fiscal n.º 0450200701046349 e apensos, a reclamante foi citada, através do ofício n.º 356, de 10.01.2011, registado com A/R, recebido a 13.01.2011.

F- O referido ofício foi endereçado e remetido para a sede da reclamante, sita na Rua ……, n.º ……/……, Lisboa.

G- No dia 31.01.2011, através de correio registado, a reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-1 a sua reclamação de créditos, a qual foi recebida a 01.02.2011.

H- Por despacho de 28 de Setembro de 2011, o Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão-1 indeferiu a reclamação de créditos, por a considerar extemporânea, de acordo com o disposto no art. 240º, n.º 1 do CPPT.

I- Assim, a questão essencial a decidir nos presentes autos resume-se a saber se o prazo de 15 dias a que se refere o art. 240º, n.º 1 do CPPT tem natureza substantiva ou antes processual.

J- Ora, a lei que aprovou o Orçamento Geral do Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010 de 31-12), introduziu várias alterações ao Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), entre as quais se encontram alterações na regulamentação do incidente de verificação e graduação de créditos no processo de execução fiscal.

K- Assim, por força da entrada em vigor da referida Lei, foi retirada do âmbito da competência dos Tribunais Tributários a matéria relativa à verificação e graduação de créditos no processo de execução (cfr. nova redação do art. 151º, n.º 1 do CPPT).

L- Na sequência destas alterações foi ainda alterada a redação dos nºs 2 a 4 do artigo 245º, do n.º 1 do art. 247º, do artigo 248º, foi aditada a alínea e) ao artigo 278º e foi revogado o artigo 243º, todos do CPPT.

M- Tendo a alínea o) do artigo 97º do CPPT, passado a incluir a reclamação da decisão de verificação e graduação de créditos entre as formas processuais do processo tributário.

N- Ou seja, com as alterações introduzidas pela Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2011 de 31/12), a verificação e graduação de créditos foi excluída das competências dos tribunais tributários.

O- Sendo agora a referida verificação e graduação de créditos da competência do órgão da execução fiscal, nos termos do artigo 245º, n.º 2 do CPPT o qual determina que: “Havendo reclamações ou juntas as certidões referidas no artigo 241º, o órgão da execução fiscal procede à verificação e graduação de créditos, notificando dela todos os credores que reclamaram créditos.

P- Não é demais lembrar o disposto no nº 1 do art. 103º da LGT, “O processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional” Acrescentando o nº 2 que “É garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior

Q- O art. 10º, alínea f), do CPPT, estabelece ainda que compete aos serviços da administração tributária instaurar os processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes, promovendo administrativamente a sua tramitação, salvo os especialmente previstos no nº 1 do art. 151º do CPPT, de decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da responsabilidade subsidiária e a reclamação dos atos praticados pelos órgãos de execução fiscal.

R- Não há dúvida que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, podendo a AT nele praticar atos desde que não tenham natureza jurisdicional, já que os atos de natureza jurisdicional suscetíveis de ser praticados no processo de execução estão fora dessa previsão por não serem da competência da Administração (artigo 103º, n.º 1 da LGT).

S- Assim, apesar de o processo de execução fiscal ter natureza judicial, nos termos do n.º 1 do art. 103º da Lei Geral Tributária (LGT) é entendimento desta Fazenda Pública (FP) que a verificação e graduação de créditos passou a ser um ato sem natureza materialmente jurisdicional, ou seja, estamos perante a participação dos órgãos da Administração Tributária na prática dos chamados atos materialmente atos administrativos da execução fiscal, (cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, 2001, Editora Reis dos Livros, pág. 421).

T- Significa que, não obstante a sua natureza de processo judicial, existem atos administrativos na execução que podem ser praticados pela Administração Tributária, sendo um desses atos a verificação e graduação de créditos.

U- E, como atrás se deixou expresso, devendo o processo de execução fiscal ser considerado um processo de natureza judicial, tem de entender-se que já está na dependência do tribunal tributário, mesmo na fase em que corre termos perante as autoridades administrativas, pelo que deverão considerar-se suscetíveis de reclamação todos os atos que seriam suscetíveis de recurso jurisdicional se a decisão fosse proferida por um juiz.

V- Assim, o incidente de verificação e graduação de créditos é um ato administrativo sobre matéria tributária, sendo que a decisão de verificação e graduação de créditos é um ato sujeito a controlo jurisdicional, mas não perde a sua qualidade de ato administrativo.

W- Aliás, a Administração Tributária, no seguimento do disposto no art. 103º da LGT, só pode praticar atos materialmente administrativos, como o ato reclamado. Neste sentido o Acórdão do TC nº 80/2003.

X- Ora, não tendo o ato administrativo praticado pela Administração Tributária natureza jurisdicional, não pode também o prazo de 15 dias previsto no art. 240º, n.º 1, do CPPT, para apresentar a reclamação de créditos ter natureza processual.

Y- Ao não se decidir assim, a douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do Direito.

Z- Razão pela qual deverá ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo a natureza substantiva do prazo de 15 dias a que se refere o art. 240º, n.º 1 do CPPT, determine a improcedência da reclamação.

Assim, revogando a douta sentença recorrida, Vossa Excelências farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA».

1.4 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo.

1.5 A Credora reclamante não contra alegou.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso com os seguintes fundamentos:

«1. A presente reclamação segue as regras dos processos urgentes na medida em que, no caso de recusa da reclamação de créditos, por extemporaneidade, procedem as razões justificativas da tramitação urgente aplicada ao caso de reclamação por erro na verificação ou graduação de créditos, determinantes da aplicação analógica da regulamentação do caso previsto na lei (art. 10º nºs 1/2 C. Civil; arts. 245º nº 2 e 278º nº 3 al. e) CPPT redacção da Lei nº 55-A/2010, 31 Dezembro)
Os credores que gozem de garantia real sobre os bens penhorados podem reclamar dos seus créditos no prazo de 15 dias após a citação (art. 240º nº 1 CPPT)
O processo de execução fiscal natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional (art. 103º nº 1 LGT); em consequência, os prazos para a prática de actos são regulados pelas normas do Código de Processo Civil (art. 20º nº 2 CPPT)
2. No caso concreto a reclamação de créditos enviada ao órgão da execução fiscal por correio registado em 31.01.2011 é tempestiva, como conclusão das seguintes premissas:
- citação da reclamante em 13.01.2011
- contagem contínua do prazo de 15 dias, ao qual acresce um dilação de 5 dias, porque o credor reclamante foi citado em Lisboa, fora da área da comarca onde está sedeado o órgão da execução fiscal que procedeu à citação (arts. 144º nº 1 e 252º-A nº 1 al. b) CPC)- termo final do prazo em 2.02.2011, contado segundo as regras enunciadas
- relevância como data da prática do acto da data do registo postal (art. 150º nº 2 al. b) CPC)».

1.7 Foram dispensados os vistos dos Juízes adjuntos.

1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga fez correcto julgamento quando anulou (Embora na sentença recorrida se tenha usado a expressa revogando-se, afigura-se-nos que seria mais curial ter dito anulando-se, uma vez que a revogação do acto reclamado está reservada ao órgão de execução fiscal, quando foi este que praticou o acto reclamado, ou ao órgão da AT que o tenha praticado (cfr. art. 277.º, n.ºs 2 e 3, do CPPT), e dá origem à extinção da reclamação por impossibilidade superveniente da lide (cfr. art. 287.º, alínea e), do CPC). O tribunal, na procedência da reclamação, deverá anular o acto impugnado.) o acto reclamado, o que passa por indagar da natureza do prazo – processual ou substantiva – fixado pelo art. 240.º, n.º 1, do CPPT, para a reclamação de créditos e da consequente aplicabilidade ou não ao mesmo prazo do disposto no art. 252.º-A do CPC.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos:

«Factos assentes com interesse para a decisão e apoio nos documentos existentes nos autos.

1- No âmbito do processo de execução fiscal n.º 0450200701046349 e apensos, a reclamante foi citada, nomeadamente, nos termos do art.º 239 e 240 do CPPT, para reclamar créditos, no prazo de 15 dias, através do ofício n.º 356, de 10/1/2011, registado com AR e recepcionado a 13/1/2011 – cf. 68, 69 e 70 dos autos.

2- O ofício 356, referido em 1, foi endereçado e remetido para a sede da reclamante, sita à Rua ……, nº ……/……, Lisboa – cf. fls 69 e 70.

2- [ (É manifesto o lapso na numeração: repetiu-se o n.º 2, o que se repercutiu para a frente.)] No dia 31/1/2011, através de correio registado, a reclamante remeteu ao Serviço de Finanças de V N Famalicão 1 a sua reclamação de créditos, a qual foi recebida a 01/2/2011 – cf. fls 68 e 81.

3- Por despacho de 28 de Setembro de 2011, o Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de V N Famalicão 1, indeferiu a reclamação de créditos, por considerar que o prazo para a sua apresentação terminou em 28.01.2011 e, assim, extemporânea a reclamação – cf. fls 71.

Os factos assentes resultam dos autos, não existindo divergência no que a estes respeita entre a reclamante, o Serviços de Finanças e a Fazenda Pública».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Citada no âmbito de uma execução fiscal, na qualidade de credora com garantia real sobre o bem penhorado e ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 239.º do CPPT, veio a B…… apresentar petição endereçada ao Chefe do Serviço de Finanças de Famalicão 1, pedindo a verificação e graduação de um crédito sobre a Executada.
Essa petição foi indeferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Famalicão 1 com o fundamento de que, contando-se o prazo de 15 dias para reclamar créditos a partir de 13 de Janeiro de 2011, data em que a Credora assinou o aviso de recepção respeitante à correspondência que lhe foi remetida para citação, deve considerar-se que estava já esgotado aquele prazo quando, em 31 de Janeiro de 2011, foi registada a correspondência por que a petição inicial foi remetida ao serviço de finanças, uma vez que o prazo terminou do dia 28 de Janeiro de 2011.
A Credora reclamante discordou do indeferimento e reclamou judicialmente, ao abrigo do disposto nos art. 276.º e 278.º, n.º 1, alínea e), do CPPT, pedindo à Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a revogação (Veja-se o que ficou dito na nota 2.) da decisão reclamada. Sustentou, em síntese, que, atenta a natureza judicial do prazo para a reclamação de créditos, lhe é aplicável, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, quer a dilação prevista na alínea b) do art. 252.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) – uma vez que a citação foi efectuada fora da área da comarca em que se situa o serviço de finanças onde corre a execução fiscal –, quer a possibilidade de prática do prazo num dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, nos termos do disposto do art. 145.º do mesmo Código.
A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga atendeu a argumentação do Reclamante. Considerando, em síntese, que o prazo para reclamação de créditos é um prazo de natureza judicial e que, porque a citação foi efectuada em Lisboa, há que aplicar a dilação de 5 dias prevista no art. 252.º-A, n.º 1, alínea b), do CPC, concluiu que a petição inicial foi apresentada dentro do prazo que a lei fixa para o efeito, pois há que considerar que a Reclamante dispunha de 20 dias após a citação para apresentar a petição inicial e que a data de registo postal da correspondência remetida ao Serviço de Finanças de Famalicão 1 com a petição inicial é anterior ao termo desse prazo.
A Fazenda Pública discorda da sentença e, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, com um único fundamento, qual seja o de que o prazo para reclamar créditos na execução fiscal não é um prazo adjectivo ou processual, mas antes um prazo substantivo. Isto, em síntese, porque considera que, na sequência das alterações introduzidas no CPPT pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011) relativamente à matéria de verificação e graduação de créditos, a competência para apreciar a reclamação de créditos deixou de pertencer aos tribunais tributários e passou para o órgão de execução fiscal; assim, e porque a este não pode estar confiada a prática de actos jurisdicionais, como decorre do disposto no art. 103.º da LGT e dos arts. 10.º, alínea f) e 151.º, n.º 1, ambos do CPPT, deve concluir-se que, tendo o art. 245.º, n.º 2, do mesmo Código conferido a competência para a verificação e graduação de créditos ao órgão de execução fiscal, é porque esta não constitui acto jurisdicional, mas antes um acto administrativo e, sendo assim, não pode considerar-se que o prazo para a reclamação de créditos tenha natureza judicial («não tendo o ato administrativo praticado pela Administração Tributária natureza jurisdicional, não pode também o prazo de 15 dias previsto no art. 240º, n.º 1, do CPPT, para apresentar a reclamação de créditos ter natureza processual» - conclusão X)).
Daí que tenhamos enunciado como questão a apreciar e decidir a de saber se a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decidiu correctamente quando considerou que o prazo de 15 dias fixado no art. 240.º, n.º 1, do CPPT, para reclamar créditos na execução fiscal tem natureza judicial e, consequentemente, que lhe é aplicável o disposto no art. 252.º-A do CPC. Só se a resposta for afirmativa se poderá concluir, com a sentença recorrida, pela tempestividade da reclamação apresentada pelo ora Recorrido.

2.2.2 DA NATUREZA E FORMA DE CONTAGEM DO PRAZO PARA RECLAMAR CRÉDITO

2.2.2.1 O prazo para reclamar créditos está fixado no n.º 1 do art. 240.º do CPPT em 15 dias a contar da citação a que se refere o art. 239.º do mesmo Código.
Como se conta esse prazo? Nos termos do disposto no art. 20.º, n.º 2, do CPPT, que dispõe: «Os prazos para a prática dos actos no processo judicial contam-se nos termos do Código de Processo Civil». O que significa que lhe são aplicáveis os arts. 144.º e 145.º do CPC. Diz JORGE LOPES DE SOUSA, sob a epígrafe «Contagem de prazos no processo de execução fiscal»:

«O processo de execução fiscal tem natureza judicial na sua totalidade, apesar da possibilidade de nele participarem órgãos da administração tributária (art. 103.º, n.º 1, da LGT). Por isso, todos os prazos para prática de actos inseridos no processo de execução fiscal são prazos para prática de actos num processo judicial, a que se aplicam as regras previstas no art. 144.º do CPC, por força do disposto no n.º 2 deste art. 20.º. Por se tratar de prazos de natureza judicial, é-lhes também aplicável o regime do pagamento nos dias úteis subsequentes ao termo do prazo, com multa, nos termos do art. 145.º do CPC» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 13 ao art. 20.º, pág. 283.).

O mesmo Autor reafirma esse entendimento em anotação ao art. 240.º, onde, sob a epígrafe «Prazo de reclamação de créditos a) - Contagem do prazo», deixou escrito:

«O prazo de reclamação de créditos, de 15 dias, é acrescido da dilação que for aplicável, prevista no art. 252.º-A do CPC (se a citação tiver sido realizada em pessoa diversa do citando, ou fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a acção ou no estrangeiro) ou no n.º 2 do art. 239.º do CPPT (se se tratar de citação edital de credores desconhecidos ou sucessores de credores preferentes).
O processo de execução fiscal tem natureza judicial na sua totalidade, apesar da possibilidade de nele participarem órgãos da administração tributária (art. 103.º, n.º 1, da LGT). Por isso, o prazo para reclamação de créditos é um prazo para a prática de um acto num processo judicial, a que aplicam as regras previstas no art. 144.º do CPC (art. 20.º, n.º 2, do CPPT) e é-lhe também aplicável o regime do pagamento nos dias úteis subsequentes ao termo do prazo, com multa, nos termos do art. 145.º do CPC.
A dilação é de cinco dias quando a citação tenha sido efectuada em pessoa diversa do executado, nos termos dos arts. 236.º e 240.º do CPC ou quando a citação tenha tido lugar fora da área da comarca em que se situa o serviço da administração tributária onde corre o processo [art. 252.º-A alínea b), do CPC, com a necessária adaptação]» (Ob. cit., volume IV, 3 a) ao art. 240.º, págs. 40/41.).

Ou seja, o prazo para reclamação de créditos previsto no n.º 1 do art. 240.º do CPPT, de 15 dias a contar da citação a que alude o n.º 1 do art. 239.º do mesmo Código, é um prazo para a prática de um acto no processo de execução fiscal, que tem natureza judicial (art. 103.º da LGT), motivo por que se lhe aplicam as regras previstas nos arts. 144.º e 145.º do CPC, como determina o art. 20.º, n.º 2, do CPPT. O que significa, por um lado, que o prazo corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr. art. 144.º, n.ºs 1 a 3, do CPC) e, por outro lado, que sempre poderá ser praticado em qualquer um dos três dias seguintes (cfr. art. 145.º, n.º 5, do CPC). Mais significa que a esse prazo há que aplicar uma dilação de 5 dias, quer quando a citação for efectuada em pessoa diversa do réu, nos termos do n.º 2 do artigo 236.º e dos n.ºs 2 e 4 do artigo 240.º do CPC (Tenha-se presente que a citação dos credores com garantia real se faz por carta registada com aviso de recepção, em conformidade com o disposto no art. 192.º, n.º 1, do CPPT, e no art. 236.º do CPC, e só se a mesma se frustrar se tentará a citação através de funcionário, nos termos do art. 239.º, n.ºs 1 a 8, do CPC.), quer quando for efectuada fora da área da comarca sede do serviço de finanças onde pende a acção (No sentido de que a dilação prevista na alínea b) do art. 252.º-A, n.º 1, do CPC, é aplicável sempre que a citação ocorra fora da área da comarca sede do tribunal, mesmo que tal área se inclua na área de jurisdição do tribunal tributário, vide o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Fevereiro de 2012 proferido no processo com o n.º 1016/11, ainda não publicado no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ec1c619dae613591802579a700541249?OpenDocument.),sendo que, se verificadas ambas as circunstâncias, as dilações se cumulam, tudo como resulta, respectivamente, dos n.ºs 1, alíneas a) e b), e 4 do referido art. 252.º-A.
Daí que no caso sub judice, em que a Credora, com garantia real sobre o bem penhorado devidamente registada, foi citada pelo Serviço de Finanças de Famalicão 1 – por onde pende a execução fiscal – nos termos do n.º 1 do art. 239.º do CPPT, por carta registada remetida para a sua sede em Lisboa e com aviso de recepção, que foi devolvido assinado com data de 13 de Janeiro de 2011, deve considerar-se tempestiva a reclamação de créditos que foi remetida ao Serviço de Finanças de Famalicão por correio registado em 1 de Fevereiro de 2011, data que a lei faz equivaler à da apresentação em juízo, nos termos do art. 150.º, n.º 2, alínea b), do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT.
Isto porque, como bem decidiu a sentença recorrida, há que aplicar ao prazo de 15 dias, a contar desde a citação, a dilação de cinco dias a que se refere a alínea b) do art. 252.º-A, n.º 1, do CPC, em virtude da citação ter ocorrido fora da área da comarca sede do serviço de finanças onde pende a execução fiscal.
O que significa que o prazo se há-de contar como se fosse de 20 dias. Na verdade, a dilação traduz-se num alargamento do prazo, como decorre do disposto no art. 250.º, n.º 2, do CPC, que diz: «A partir da data da citação conta-se o prazo da dilação; finda esta, começa a correr o prazo para o oferecimento da defesa»; por outro lado, «[q]uando um prazo peremptório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só» (cfr. art. 148.º do CPC), isto é, o prazo dilatório integra-se no prazo peremptório e os dois prazos somam-se e a contagem faz-se como se o prazo peremptório, em vez de ter a duração inicialmente fixada, tivesse essa duração acrescida do prazo de dilação (Sobre a distinção entre prazo peremptório e prazo dilatório, vide ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, pág. 63.).
Pelo que vimos de dizer, consideramos que a sentença, que decidiu tendo em conta tudo o que deixámos exposto, fez a melhor interpretação da lei e não merece reparo.

2.2.2.2 A Recorrente contesta a natureza judicial do prazo para a reclamação de créditos com o argumento de que a reclamação de créditos, após a alteração do respectivo regime introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, passou a ser da competência do órgão de execução fiscal, e, por isso, não se pode reconhecer-lhe natureza jurisdicional, com a consequência de que o prazo para reclamar deixará de poder considerar-se como prazo judicial, para ser havido como prazo substantivo. Como deixou resumido na conclusão X) da motivação do recurso, «não tendo o ato administrativo praticado pela Administração Tributária [a verificação e graduação dos créditos reclamados] natureza jurisdicional, não pode também o prazo de 15 dias previsto no art. 240º, n.º 1, do CPPT, para apresentar a reclamação de créditos ter natureza processual».
Salvo o devido respeito, não tem razão.
Desde logo, porque a natureza do prazo para reclamar créditos não tem a ver com a competência para apreciar e decidir a reclamação de créditos: um prazo diz-se judicial quando respeita à prática de actos no processo judicial, quando marca o período, estabelecido pela lei ou fixado para o juiz, para a prática de um acto num processo judicial. Ora, não há dúvida quanto à natureza judicial do processo de execução fiscal, que a Recorrente não contesta e que, aliás, está expressamente consagrada no art. 103.º, n.º 1, da LGT (Como ficou dito no acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 59/12, a aguardar publicação no jornal oficial, mas disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/be23336db28e007f802579bc003e8347?OpenDocument, o legislador, entre os dois sistemas possíveis para cobrança coerciva de dívidas tributárias – o sistema judicial e o sistema administrativo – optou claramente pelo sistema judicial, atribuindo expressamente essa natureza ao processo de execução fiscal, o qual vai, assim, decorrer sob o controlo de um juiz tributário, a quem compete, ainda que através da via de reclamação no próprio processo pelos interessados, ao abrigo do art. 276.º do CPPT, através da via do incidente inominado (incidentes cuja apreciação cabe ao juiz no âmbito da competência para decidir “incidentes” atribuída pelo art. 151.º do CPPT e arts. 49.º, n.º 1, alínea d), e 49.º-A, n.ºs 1, alínea c), 2, alínea c), e 3, alínea c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), da oposição, dos embargos ou do pedido de anulação da venda, controlar a legalidade dos actos nele praticados, pertencendo-lhe, por essa via, a competência última do processo.).
Assim, porque o art. 240.º, n.º 1, do CPPT fixa o prazo para a prática de um acto – a reclamação de créditos – num processo judicial, é de concluir pela natureza judicial do prazo.
Salvo o devido respeito, para determinar se o prazo peremptório tem natureza judicial ou substantiva o que releva é se ele se refere ao período dentro qual há-de ser praticado um acto no processo judicial ou se ele se refere ao período para a prática de um acto fora do processo (designadamente, por não existir, ou não existir ainda, qualquer processo judicial). Para esse efeito, não assume relevância alguma saber a quem pertence a competência para decidir a reclamação de créditos (Sem prejuízo do que ficou dito, permitimo-nos recordar que esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar una voce, na sequência do acórdão de 6 de Julho 2011, proferido no processo com o n.º 362/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 22 de Março de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32230.pdf), págs. 1190 a 1195, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ed2b6db93f9c3701802578c700527379?OpenDocument, e a que muitos outros se seguiram, que, após a alteração ao regime da reclamação de créditos introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, «os Tribunais Tributários continuam a ter competência para conhecer da matéria relativa à verificação e graduação de créditos, tendo ocorrido apenas uma alteração da via ou forma processual adequada ao seu conhecimento, que deixou de ser o processo judicial de verificação e graduação de créditos, para ser o processo judicial de reclamação da decisão proferida pelo órgão da execução sobre a matéria, passando, assim, esta reclamação a constituir a forma processual de exercer a tutela jurisdicional no que toca à verificação e graduação de créditos»).
Não pode, pois, prover-se o recurso, que tem como fundamento exclusivo o de que o prazo previsto no n.º 1 do art. 240.º do CPPT para a reclamação de créditos tem natureza substantiva.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O prazo para reclamação de créditos previsto no n.º 1 do art. 240.º do CPPT é um prazo para a prática de um acto no processo de execução fiscal, que tem natureza judicial (art. 103.º da LGT), motivo por que se lhe aplicam as regras previstas nos arts. 144.º e 145.º do CPC, como determina o art. 20.º, n.º 2, do CPPT.
II - Atenta a natureza desse prazo, de 15 dias a contar da citação a que alude o n.º 1 do art. 239.º do CPPT, caso esta tenha sido efectuada fora da área da comarca em que se situa o serviço de finanças onde corre o processo executivo, há, designadamente, que lhe acrescer a dilação de 5 dias prevista no art. 252.º-A, n.º 1, alínea b), do CPC.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 28 de Março de 2012. – Francisco Rothes(relator) – Fernanda MaçãsCasimiro Gonçalves.