Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:038/20.1BALSB
Data do Acordão:05/26/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
IVA
LEASING
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações (inputs promíscuos) através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Nº Convencional:JSTA000P27761
Nº do Documento:SAP20210526038/20
Data de Entrada:04/15/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO A ............, S.A
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do n.º 2 artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 3 de Março de 2020 no processo n.º 505/2019-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O presente recurso confina-se ao segmento decisório em que discute e decide da legalidade da aferição da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas, isto no que respeita aos contratos de locação financeira e à correspectiva exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas se considerando para efeitos de dedução o montante de juros e outros e outros encargos facturados.

B. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

C. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

D. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão Recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

E. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

F. Em ambos ao Acórdãos, Autora e Requerente têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

G. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

H. No acórdão recorrido, nas declarações periódicas de IVA nos anos de 2005 e 2006, a Recorrida incluiu no numerador e no denominador da fracção representiva do cálculo pro rata os valores respeitantes à globalidade das amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira, aplicando por essa via uma percentagem de pro rata de 58% (2005) e de 55% (2006), o que se traduziu na dedução em sede de IVA dos gastos de natureza mista no montante, respectivamente, de €363.403,90 em 2005 e €511.215,51 em 2006.

I. No acórdão fundamento, a Autora apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base no entendimento da AT mencionado na instrução administrativa 30.018.

J. No acórdão recorrido, por força de uma acção inspectiva, levada a cabo pela Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições de Crédito, com incidência nos anos de 2005 e 2006, foi proposta a correcção à percentagem de dedução de IVA de 58% (2005) para 32% (2006) e de 55% para 34%, apurando imposto em falta de €162.905,19 para 2005, e de €195.191,38, para 2006.

K. No acórdão fundamento, a Autora imputa aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

L. No acórdão recorrido, a ora Recorrida imputa vícios de violação de lei aos actos de liquidação adicional de IVA para os anos de 2005 e 2006 contestados (e respectivos juros compensatórios), por entender, em contradição com o que foi decidido no Acórdão fundamento, que o artigo 23.º do Código do IVA não contém qualquer menção que permita à Autoridade Tributária impor condições à percentagem de dedução relativamente a um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, para além das instruções objectivas que são fornecidas por aquele artigo, recusando dessa forma a aplicação do Ofício-circulado n.º 30108/2009.

M. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

N. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

O. Tanto no acórdão Recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, sendo irrelevante a alegação genérica, ínsita na maioria dos Acórdãos que vêm sendo lavrados no Centro de Arbitragem Administrativa, de que ao TJUE somente cabe a interpretação dos Tratados, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

P. Enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados-Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral concluído que se deve concluir, face à prova produzida, que «A imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Com efeito, não é um Ofício Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, ou uma informação (como a informação n.º 1763, da DSIVA, de 09.08.2008), que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê. Donde se conclui que o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, in casu, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo e mais nenhum. Pelo que, não tendo essa possibilidade sido acolhida por via legislativa, não a pode aplicar a AT, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT). Decorre do que foi exposto que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade – procedendo, pelo exposto, o presente pedido de pronúncia arbitral.»

Q. Ou seja, enquanto que no âmbito do Acórdão Fundamento foi, em síntese, decidido que a norma do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c), da Sexta Directiva, quando ali se estabelece que «todavia, os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços», já no acórdão recorrido se decidiu que «[…] não é um Ofício Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, ou uma informação (como a informação n.º 1763, da DSIVA, de 09.08.2008), que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.»

R. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

S. O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

T. Salvo o devido respeito, cabia ao tribunal arbitral aferir – o que não fez -, por recurso à prova carreada para os autos, e tal como prescreve o Acórdão Fundamento, se a utilização dos bens e serviços de natureza mista era (ou não) sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos, o que, salvo o devido respeito, não ficou provado.

U. A tese defendida pela AT entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: «O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade»– v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111.

V. Atendendo ao disposto no artigo 19.° da Sexta Directiva e ao art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o objectivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a atividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA.

W. A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de actividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui actividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução.

X. No caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a percepção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução.

Y. Seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será totalmente dedutível.

Z. Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.

AA. No cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afetação real aqueles custos são diretamente imputados e o respetivo IVA é integralmente dedutível.

BB. A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

CC. Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13– TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento, «há que responder à questão submetida que o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um EstadoMembro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»

DD. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

EE. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

FF. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o Acórdão Fundamento.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:

- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E

- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça.

2 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

A. A Recorrida considera que não se verificam os pressupostos para a admissão do presente recurso jurisdicional de uniformização de jurisprudência nos termos do artigo 152.º do CPTA (ex vi artigo 25.º, n.º 3 do RJAT) porquanto, e em primeiro lugar, a regulamentação jurídica em que assenta o acórdão fundamento é distinta substancialmente daquela em que assenta o acórdão recorrido: no acórdão recorrido, os actos tributários respeitam ao IVA dos anos de 2005 e 2006, data essa em que o Ofício-Circulado n.º 30108, de 30.01.2009 ainda não havia sido emitido; no acórdão fundamento, os actos tributários respeitam ao ano de 2010.

B. Como em 2005 e 2006 ainda não havia sido emitido o dito Ofício-Circulado, a situação jurídica analisada no acórdão fundamento diverge substancialmente da analisada no acórdão recorrido, motivo pelo qual o recurso interposto pela AT não deve ser admitido.

C. O recurso interposto pela AT não deve ser admitido, em segundo lugar, porque não existe a exigida oposição entre julgados (o acórdão recorrido e o acórdão fundamento), uma vez que a situação fáctica de cada um desses julgados é diametralmente distinta.

D. No acórdão fundamento, foi dado como não provado que “A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”. E, por ter sido dado como não provado este facto, o STA convoca a jurisprudência do TJUE (Caso Banco-Mais processo C-183/13), nos seguintes termos: “Além de que foi também em obediência a essa decisão de ampliação da matéria de facto, (com vista à aplicação da doutrina do acórdão do TJUE) que o tribunal a quo julgou não ter ficado provado que os custos (suportados em 2010) relativamente aos quais não se conseguira apurar, especificamente, a que tipo de operações estavam associados (se a operações financeiras isentas de IVA ou a operações tributadas de locação mobiliária, tendo por objecto veículos automóveis, traduzidas na celebração de contratos de leasing e ALD) respeitassem à disponibilização dos veículos objecto dos contratos”.

E. No acórdão arbitral recorrido não foi dado como não provado semelhante facto, o que pode constatar da leitura da matéria de facto dada como provada e não provada no mesmo, constatação essa que é, por conseguinte, suficiente para se julgar inadmissível o recurso interposto pela AT por não existir identidade quanto à situação fáctica e jurídica.

F. Por outro lado, no acórdão recorrido, decidiu-se pela procedência do pedido arbitral com fundamentos jurídicos distintos daqueles que constam do acórdão fundamento e que neste último não foram apreciados. Referimo-nos, pois, à ilegalidade dos actos tributários por força da incompatibilidade com determinados princípios constitucionais, como o da legalidade e reserva de lei, afirmada no acórdão recorrido (o que conduziu à procedência o pedido arbitral submetido pela aqui Recorrida), questões essas não analisadas no acórdão fundamento.

G. À luz do Acórdão do STA, de 11/04/2020, proferido no 90/19.2BALSB, deve também nestes autos ser decidida pela rejeição do recurso interposto pela AT:

Ora, na decisão arbitral não consta, na sua base factual, qualquer menção àquele facto considerado essencial no Acórdão Fundamento, nem como provado nem como não provado, respeitante aos inputs mistos e à sua relação com os financiamento e gestão de contratos de locação financeira. (…) O que só por si leva a concluir, não se ter apreciado em ambos os acórdãos a mesma questão fundamental de direito, inexistindo, assim, oposição de soluções jurídicas.

Acresce que a esta diferença de factualidade considerada por cada um dos arestos não é estranho o diferente enquadramento jurídico dado ao litígio, acabando por cada um interpretar e aplicar normas jurídicas diferentes. O Acórdão Fundamento centrou a solução na questão da prova do facto considerado essencial, se os inputs mistos foram sobretudo ditados pelo financiamento gestão de contratos de locação financeira, enquadrando-a juridicamente nos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º do Código do CIVA, e da sua concordância com a interpretação do artigo 17.°, n.° 5, 3.º parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE, do Conselho, de 7/5/1977, efetuada no apontado acórdão do TJUE, e nas regras sobre a repartição do ónus da prova, os artigos 342.º, n.º 1 do Código Civil e n.º 1 do artigo 74.º da LGT.Ora a prova daquele facto não foi sequer abordada pelo acórdão arbitral recorrido, que entendeu que o litígio passava antes por responder a uma outra questão, distinta da apreciada no Acórdão Fundamento, a da falta de conformidade do artigo 23.º, n.ºs 2, 3 e 4 do Código do IVA com o princípio constitucional de reserva de lei formal, previsto nos artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, 165.º, n.º 1, alínea i), 203.º e 266.º, n.º 2 da Constituição da República Português. Matéria que, por sua vez, não foi tratada no Acórdão Fundamento.

H. Também foi recentemente decidido pelo STA, no processo n.º 01/20.2BALSB, de 30.09.2020, em que o acórdão fundamento é precisamente o mesmo que subjaz a este recurso (ie., o proferido processo n.º 0485/17): Cumpre ainda ter presente que enquanto na situação do acórdão fundamento a AT demonstrou que a aplicação do pro rata na situação concreta conduziria a distorções significativas na tributação, na situação da decisão arbitral recorrida não fez essa demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA.

I. Ora, também neste acórdão recorrido a AT não fez prova de que a aplicação do pro rata conduzia a distorções significativas de tributação. E no acórdão fundamento tê-lo-á feito.

J. Repise-se, pois, que no acórdão arbitral recorrido a AT não fez aquela demonstração, que constitui condição necessária para a aplicação do coeficiente de imputação directa – cf. alínea b) do n.º 3 do art. 23.º do CIVA, como decidiu este STA no processo n.º 01/20.2BALSB. Assim, face ao disposto no Acórdão n.º 01/20.2BALSB,

K. Pelo que considera a Recorrida que também não existe identidade fáctica e jurídica das questões suscitadas entre os dois julgados, DEVENDO, consequentemente, NÃO SER ADMITIDO O PRESENTE RECURSO.

L. A Recorrida considera desde sempre que, à luz do direito constituído, a AT não pode mitigar o seu pro rata (através da substração das rendas, das alienações e indemnizações) nos moldes ditados pelo Ofício-Circulado n.º 30108 (que não é lei como é sabido), uma vez que NADA na letra da lei o permite. Com efeito, analisando o artigo 23.º do Código do IVA (ou qualquer outra disposição deste Código), não se concede outra opinião, tendo sido detalhadamente explicado na petição arbitral (que se reproduz para todos os efeitos legais) os motivos da discordância com a posição da AT. Foi precisamente esse o entendimento do tribunal arbitral no acórdão recorrido.

M. Assim, embora sabendo da tarefa herculeana que lhe assiste, a Recorrida não se conforma com a jurisprudência do STA que sobre esta matéria tem sido sancionada, e, quanto mais não seja por mero dever de ofício, vem novamente suscitar nestas contra-alegações essas mesmas questões que espera serem elucidadas pelo julgador, sob pena de a função jurisdicional não contribuir para, em definitivo, resolver este litígio.

N. Quanto à interpretação do Caso “Banco-Mais”, conclui-se que o TJUE tão só consentiu no afastamento do método do pro rata quando aferido em função do volume de negócios, mas cometeu ao tribunal nacional avaliar a função económica dos contratos de locação, na actividade do locatário, a fim de averiguar se os clientes dos sujeitos passivos que recorrem a tais contratos o fazem sobretudo determinados pela função de financiamento e gestão dos contratos.

O. Nada mais se retira do Caso “Banco-Mais”, muito menos que a AT possa, por Ofício, legislar, com carácter geral, abstracto e eficácia externa, pois, quanto às concretas disposições do direito nacional caberá sempre a pronúncia pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

P. Apelando à conclusão contida no parágrafo 35 do Acórdão do TJUE no Caso “Banco-Mais”, refere-se que «o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar». Nesta última parte, o TJUE cometeu, pois, a função ao órgão jurisdicional de avaliar então a função económica da locação financeira.

Q. Importa, a este propósito, chamar à colação o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, segundo o qual: «2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável é: h) Para as operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário».

R. Como é sabido, as operações financeiras (vulgo concessão de crédito e outras formas de financiamento) são operações isentas de IVA nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA. No entanto, as operações de locação financeira não estão abrangidas por esta última isenção destinada às operações de financiamento, nem por qualquer outra isenção, sendo, pois, sujeitas e não isentas de IVA.

S. Face ao exposto, conclui-se que se o legislador quisesse ter qualificado as operações de locação financeira como correspondendo a uma actividade de financiamento/concessão de crédito, tê-las-ia isentado de IVA (artigo 9.º, n.º 27 do Código do IVA). MAS o que sucedeu foi precisamente o contrário.

T. E ao ter especificamente previsto a sua tributação em IVA, para que dúvidas não surgissem quanto à sua não subsunção à isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA, veio expressamente afirmar que é pela concessão do gozo do veículo, e não pela concessão de financiamento, que é motivada a actividade de locação financeira/ALD e que, por conseguinte, se justifica a tributação (e não isenção) em IVA das rendas daqueles contratos.

U. Deve, pois, ser analisado o fundamento da não inclusão destas operações pela isenção que incide sobre as operações financeiras (concessão de crédito), através do qual se conclui que a própria sujeição a IVA comprova que para o legislador nacional o que releva é a disponibilização da viatura e não a de financiamento:

a) O legislador nacional optou por tratar estas operações como sujeitas e não isentas de IVA na totalidade (alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA);

b) A Directiva do IVA não obriga a que estas operações sejam sujeitas e não isentas de imposto;

c) Existem, além do mais, ordenamentos jurídicos em que o legislador não optou pela tributação integral em IVA da locação financeira, como se explicou (Caso Volkswagen);

d) Se o legislador tivesse entendido que esta actividade se reconduz apenas ao financiamento, não teria previsto o que previu na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, e bastar-se-ia pela inclusão destas operações na isenção que impende sobre as operações de crédito (n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA);

e) Como não o fez, foi o próprio legislador que estabeleceu que a locação financeira é sujeita a IVA porque traduz uma actividade de disponibilização de uma viatura.

V. Motivo pelo qual, além de o acórdão recorrido ter feito uma correcta interpretação do Direito, acrescerá que então, ao ter sido previsto no direito interno a tributação em IVA das rendas do leasing, foi porque o próprio legislador nacional deu prevalência à função de disponibilização da viatura (e não do financiamento) assim se interpretado correctamente a jurisprudência do TJUE (Caso Banco-Mais) que cometeu essa avaliação para ao órgão nacional.

W. O que vem dito ganha ainda mais força quando se analisa Acórdão do TJUE proferido em 18.10.2018, no processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd, doravante «Caso Volkswagen», o qual veio repensar expressamente a jurisprudência proferida no Caso Banco-Mais. De acordo com a jurisprudência mais recente do TJUE, repensando explicitamente a jurisprudência do Caso Banco-Mais, foi esclarecido que «os Estados-Membros não podem aplicar um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios» (acórdão de 18-10-2018, processo C-153/17, Volkswagen Financial Services (UK) Ltd).

X. Na verdade, volvidos vários anos sobre o Caso “Banco-Mais”, mostrou-se o TJUE no Caso “Volkswagen” preocupado em mitigar (para não referir mesmo, corrigir) os efeitos da interpretação daquele primeiro aresto. E afirma que “importa garantir o direito à dedução do IVA, sem o subordinar a um critério relativo, designadamente, ao resultado da atividade económica do sujeito passivo”.

Y. Diga-se que a situação escrutinada naquele aresto não diverge da situação da Recorrida. No Caso Volkswagen, o contribuinte era uma instituição financeira que se dedica a adquirir os veículos da marca VWFS para, sob a forma de vários produtos financeiros, entre os quais, a locação financeira, os disponibilizar aos clientes, sendo um sujeito passivo misto. Para efeitos de dedução do IVA dos custos gerais, pretendia a VWFS estipular um critério pro rata junto da administração fiscal, apurando-se o volume de negócios de cada um dos sectores, entre os quais, o da locação financeira que terá de ter em conta o volume desta actividade (incluindo a aquisição dos veículos).

Z. Neste contexto, o TJUE decidiu não ser de afastar o valor dos veículos em locação financeira (o que, vertendo para a situação sub judice, se reconduz à amortização financeira), para calcular o IVA dedutível dos custos comuns, e concluiu que o seu afastamento não permitiria apurar, de forma mais precisa, sob pena de ofensa do princípio da neutralidade do IVA, o imposto dedutível.

AA. Face ao exposto, e tendo em conta esta decisão mais recente do TJUE, permite-nos concluir que «o método preconizado pela Administração Tributária, que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, também sob esta perspectiva é incompatível com a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006 [a que corresponde que alínea c) do n.º 5 do artigo 17.º da 6.ª Diretiva]» (cfr. acórdão arbitral proferido no processo 854/2019-T), o que se invoca para todos os efeitos legais.

BB. Assim, a jurisprudência do Caso Volkswagen permite, afastar, precisamente a jurisprudência do Caso “Banco-Mais”, e estando os tribunais nacionais vinculados à mesma, deverá ser, na aplicação do direito, tida em consideração, sendo que, caso se suscitem dúvidas na aplicação do direito comunitário, dever-se-á então submeter novo reenvio prejudicial da questão para o TJUE

CC. Como é decidido no acórdão recorrido:

“Dúvidas não há, pois, de que um Estado-Membro pode obrigar um sujeito passivo misto, do tipo de um Banco ou instituição financeira, a proceder como o acima afirmado pelo TJUE, mas um Estado-Membro (in casu o Português) só o pode fazer por via legislativa, porquanto a isso obriga o primado do Estado de Direito, e não por via de um entendimento administrativo unilateralmente imposto pela Administração Tributária (como o Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009), e essa análise o supra referido aresto do STA não cuidou, pelo que não se pode sequer equacionar a existência de qualquer contradição entre este douto aresto e a presente decisão arbitral sobre a mesma questão fundamental de direito em apreciação nos presentes autos arbitrais”.

Ora, sendo tal opção dirigida ao legislador, em homenagem aos princípios da legalidade e da reserva de lei a concretização daquela norma facultativa da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006, só pode ser legitimamente efectivada por via legislativa”.

Não se desconhece a possibilidade, conferida pelo artigo 173.º, n.º 2, c) da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006, aos seus Estados Membros, de «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», mas tal possibilidade não foi transposta para o Código do IVA nacional, i.e., a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do mesmo código.

Pelo que, não tendo essa possibilidade sido acolhida por via legislativa, não a pode aplicar a AT, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT)”.

DD. No mesmo sentido foi o decidido no acórdão arbitral 811/2019-T: “A quarta questão era a de a de saber se a forma como foi usada em Portugal a prerrogativa conferida pelo Direito da União é compatível com o Direito interno de nível superior (o problema da adequação da fonte), tendo-se concluído que não: só por via legislativa se poderia alterar o que por via legislativa foi fixado”.

EE. Ora, entendendo o acórdão fundamento que a lei conferiu a possibilidade à AT (ie., que transpôs devidamente a Directiva IVA e que a AT pode sem mais, em sede inspectiva, ou por entendimento administrativo ou pelo Ofício-Circulado 30108, ao abrigo da possibilidade que legislativamente lhe foi conferida, regular/definir/modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA), então:

FF. Invoca-se, por conseguinte, expressamente e para todos os efeitos legais, que o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao permitir à AT (à margem do processo legislativo estabelecido na CRP) sem mais em sede inspectiva ou através de instruções administrativas (tal como é o Ofício-Circulado 30108 ou informações da AT anteriores a este) definir e restringir o direito à dedução do IVA dos contribuintes, com carácter geral e abstracto, e eficácia externa, através de uma diferente modelação do método pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (excluindo, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização) é MATERIAL e FORMALMENTE INCONSTITUCIONAL por violação dos princípios da separação dos poderes (artigos 2.º e 111.º da CRP), do artigo 112.º, n.º 5, da CRP, do princípio da legalidade tributária (103.º, n.º 2 da CRP) e da reserva de lei da Assembleia da República [165.º, n.º 1, alínea i) da CRP].

GG. Acresce que, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, a AT não a pode aplicar, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n. 1, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que uma interpretação segundo a qual o n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA lhe confere, à AT, tal possibilidade, também é violadora do princípio da legalidade da actuação da AT (artigos 266.º, n.º 2, da CRP).

HH. Ou seja: SÓ POR VIA LEGISLATIVA SE PODERÁ ALTERAR O QUE POR VIA LEGISLATIVA FOI FIXADO, o que não foi o caso, de todo.

II. Ou seja, estipulando o legislador neste último preceito legal, na redacção à data dos factos tributários, que “A percentagem de dedução referida no nº 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do artigo 19º e do nº 1 do artigo 20º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento”, e não estando previsto em qualquer LEI o método de imputação específico que entende a AT ser aplicável na situação vertente (excluir do numerador e do denominador as rendas dos contratos de locação financeira e ALD), não pode o mesmo ser imposto ao contribuinte, neste caso, à Recorrida.

JJ. Não pode a Recorrida deixar de realçar o entendimento administrativo em sede inspectiva, em informações vinculativas ou um Ofício-Circulado, ie., o Ofício-Circulado n.º 30108, não é lei, e é através do entendimento administrativo e circular administrativa que está a ser regulado o direito à dedução em IVA.

KK. Com efeito, em nenhuma LEI foi estabelecido que os sujeitos passivos mistos, como a Requerente, que pratiquem operações tributadas (leasing e ALD) e isentas (crédito propriamente dito), apenas podem deduzir o IVA dos custos comuns mediante o pro rata que considera apenas, no numerador e no denominador, os juros (e que devem, portanto, desconsiderar as rendas).

LL. Esse critério consta, tão-só, do entendimento administrativo e do Ofício-Circulado n.º 30108… que é -REPITA-SE – posterior aos factos tributários aqui em apreço (2005-2006), pelo que também jamais se poderia a AT considerar habilitada à luz de um Ofício posterior aos factos tributários e assim impor um coeficiente específico de cálculo do pro rata, por traduzir uma irretroactividade fiscal não consentida pelo artigo 103.º, n.º 3 da CRP, segundo o qual “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”, o que também se invoca para todos os efeitos legais.

MM. Como não se desconhece, o princípio da legalidade tributária, previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), impõe que “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

NN. A definição (através de restrição in casu) do âmbito do direito à dedução do IVA carece de aprovação através de Lei da Assembleia da República ou por Decreto-Lei Autorizado do Governo (artigo 165.º, n.º 1, i) da CRP), não podendo ser delimitado por mero entendimento administrativo em sede inspectiva, ou em informações da AT ou num Ofício-Circulado (que não é lei e nem sequer emana de um órgão de soberania com poderes legislativos e que, in casu, é posterior aos factos tributários como já se explicou).

OO. Além do mais, a CRP não consente que a lei possa conferir essa possibilidade à AT, para “legislar”, como não consente que se atribua a um acto (que não é lei nem decreto-lei autorizado) o poder de, com eficácia externa, regular uma determinada matéria, estando pois violando o n.º 5 do artigo 112.º da CRP.

PP. Os n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, ao permitirem à AT, sem mais, por mero entendimento administrativo ou por Ofício-Circulado (in casu posterior aos factos tributários!), modelar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA (modificando ou revogando este preceito), com carácter geral, abstracto, e eficácia externa, violam frontalmente o n.º 5 do artigo 112.º da CRP e o princípio da tipicidade da lei.

QQ. Também os princípios da separação dos ponderes (artigos 2.º e 111.º da CRP) não se compatibilizam com a permissão conferida pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA à AT para legislar ou modificar, por mero entendimento administrativo ou Ofício-Circulado, em matéria de dedução do IVA, mitigando o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, uma vez que tal poder apenas é conferido ao poder legislativo (Assembleia da República do Governo devidamente autorizado nos termos do artigo165.º, n.º 1, alínea i) da CRP).

RR. Por último, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”, preceito este igualmente violado pelos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA ao conferirem à AT a possibilidade de mitigar o pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, porquanto, como se viu, por mero entendimento ou instrução administrativa pode ser regulado com carácter geral, abstracto e eficácia externa o direito à dedução do IVA.

SS. Face ao exposto, por inconstitucionalidade formal e material dos n.º 2 e 3 do artigo 23.º do Código do IVA, nos termos acabados de explicar, foi bem decidido pelo tribunal arbitral julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, como o foi na situação em apreço, devendo ser mantido o acórdão recorrido.

SUBSIDIARIAMENTE:

TT. Subsidiariamente se requer que, em caso de improcedência dos argumentos expostos anteriormente, seja ordenada a ampliação da matéria de facto junto do tribunal a quo para se apurar se a “utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos”, tal como foi decidido no processo 07/19.4BALSB ou no processo 52/19.0BALSB por este STA.

AINDA SUBSIDIARIAMENTE:

UU. Caso assim não se entenda, e também subsidiariamente, deverá, pelo menos, serem anuladas as liquidações adicionais relativas aos juros compensatórios no valor de € 45.677,64 tal como foi decidido pelo STA no Acórdão de 6 de Maio de 2020, processo n.º 1745/10.2BELRS.

VV. À data dos factos tributários, não existia critério na lei (ainda hoje não existe ademais…), ou entendimento jurisprudencial que denotasse minimamente que a conduta do sujeito passivo devia ser outra.

WW. Assim, porque não existe, como é evidente neste caso, qualquer comportamento doloso ou negligente da Recorrida, que tão só adoptou o critério previsto na lei, as liquidações adicionais de juros devem ser, pelo menos essas, anuladas – o que aliás foi o entendimento deste Venerando Tribunal no aludido processo n.º 1745/10.2BELRS –, o que expressamente se requer.

XX. Por fim, ponderando a matéria em causa e a conduta exemplar das partes, e o facto de os articulados sempre se terem centrado no essencial, é forçoso concluir que se verificam todos os pressupostos para o Tribunal decidir no sentido da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, o que aqui também se requer.

NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE O RECURSO INTERPOSTO PELA AT SER REJEITADO POR FALTA DE VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EM APREÇO.

NO ENTANTO, SE ADMITIDO, DEVE O RECURSO INTERPOSTO PELA AT SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA O ACÓRDÃO ARBITRAL RECORRIDO.

DEVE AINDA SER APRECIADA E RECONHECIDA A INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DOS ARTIGOS 23.º, N.º 2 E 3 DO CÓDIGO DO IVA, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES (ARTIGOS 2.º E 111.º DA CRP), DO ARTIGO 112.º, N.º 5, DA CRP, DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA (103.º, N.º 2 DA CRP). DA RESERVA DE LEI DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA [165.º, N.º 1, ALÍNEA I) DA CRP], E DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DA ACTUAÇÃO DA AT (ARTIGOS 266.º, N.º 2, DA CRP.

TAMBÉM SUBSIDIARIAMENTE, CASO OS PEDIDOS ANTERIORES IMPROCEDAM, DEVERÁ SER ORDENADA A AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JUNTO DO TRIBUNAL A QUO PARA SE APURAR SE A “UTILIZAÇÃO DE BENS OU SERVIÇOS DE UTILIZAÇÃO MISTA POR PARTE DA RECORRIDA FOI SOBRETUDO DETERMINADA PELO FINANCIAMENTO E PELA GESTÃO DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO FINANCEIRA CELEBRADOS COM OS SEUS CLIENTES OU, AO INVÉS, PELA DISPONIBILIZAÇÃO DOS VEÍCULOS”.

AINDA SUBSIDIARIAMENTE, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVERÃO, PELO MENOS, SER ANULADAS AS LIQUIDAÇÕES ADICIONAIS DE JUROS COMPENSATÓRIOS.

MAIS SE REQUER A DISPENSA DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA NOS TERMOS DO N.º 7 DO ARTIGO 6.º DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

3 - A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA pronunciou-se, a fls. 227 e 228 dos autos, no sentido de manter a posição já assumida pelo Ministério Público em parecer proferido a fls. 43 a 45 dos autos, posição essa que, sendo dada “por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos”, apresenta o seguinte teor:

1. OBJETO.

Pronúncia do Tribunal Arbitral proferida no processo n.º 505//2019-T CAAD, em 03/03/2020, que julgou procedente pedido de anulação dos atos de liquidação adicional de IVA dos exercícios de 2005 e 2006, por alegada oposição com o acórdão do STA, de 15/11/2017, proferido no processo n.º 0485/17, disponível em www.dgsi.pt.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

2.1. DA ADMISSIBILIDADE/PROSSSEGUIMENTO DO RECURSO.

São requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência:

- Contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral ou entre duas decisões arbitrais;

- Trânsito em julgado do acórdão (decisão) fundamento;

- Existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;

- Ser a orientação perfilhada no acórdão (decisão) impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha// Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/11, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.).

Por sua vez quanto à caracterização da questão fundamental de direito:

- Deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão (decisão) em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto;

- A oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;

- Não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos (decisões) sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;

- As normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;

- Em oposição ao acórdão (decisão) recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (Obra citada, páginas 884/885. // Acórdão do STA, de 2012.06.06-P. 01103/09, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)

A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade de factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (Obra citada, página 809 e acórdão do STJ de 1995.04.26 proferido no recurso n.º 87156).

Em concordância com a entidade recorrente entendemos que se verificam os pressupostos legais para a admissão/prosseguimento do presente recurso.

Na verdade, em ambas a situações impugnante e requerente têm a natureza de sujeito passivo misto em sede IVA, exercendo atividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas.

Ambas as entidades são instituições de crédito abrangidas pelo RGICSF e exercem, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD.

Em ambos os casos foram corrigidos, no acórdão recorrido pela AT, na sequência de ação inspectiva e no acórdão fundamento pelo sujeito passivo, valores deduzidos ao longo do período fiscal, por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano, uma vez que foram seguidas as instruções veiculadas pelo Ofício- Circulado n.º 30108, de 30/01/2009.

No acórdão recorrido, por força da ação inspectiva, foi proposta correcção à percentagem de dedução de IVA de 58% (2005) para 32% e de 55% (2006) para 34%.

No acórdão fundamento, o sujeito passivo apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24% com base no entendimento da AT exarado na instrução administrativa 30.018.

Ambos os sujeitos passivos imputam aos atos de liquidação e autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, uma vez que, em seu entendimento, nos termos do estatuído no artigo 23.º/4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD.

Todavia, perante factualidade, substancialmente, idêntica as decisões são, manifestamente, opostas.

Com efeito, enquanto no acórdão fundamento se entendeu que o decidido pelo TJUE no processo C-183/13, o artigo 23.º/2/3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º/5/§ 3.º,c) da Sexta Diretiva (atual artigo 173.º/2/c) da Diretiva IVA), e que, assim sendo, os Estados Membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce atividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros, a decisão arbitral entendeu que o referida norma da Sexta Diretiva não foi transposta para o direito interno e, como tal, deve constar do denominador da fração a totalidade da renda (juros e capital).

Existe, pois, salvo melhor juízo, oposição entre o acórdão fundamento e a decisão arbitral recorrida.

2.2. DO MÉRITO DO RECURSO.

A questão controvertida traduz-se em saber se a AT pode corrigir o pro rata, desconsiderando o montante relativo à amortização financeira contido nas rendas.

Ressalvado o, sempre, devido respeito por opinião contrária, afigura-se ser de seguir a posição do acórdão fundamento.

Efetivamente, no âmbito do recurso n.º 01017/12, que correu termos no STA, e em que estava em causa uma situação similar à, ora, em apreciação, foi colocada a seguinte questão prejudicial ao TJUE.

- Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem, ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação?

A esta questão prejudicial respondeu o TJUE (Processo C-183/13, de 10 de Julho de 2014) nos seguintes termos:

- O artigo 17, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1077, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de envio verificar.

O STA tem vindo a entender de forma reiterada e uniforme, que o TJUE, no acórdão referido sustenta a posição de que a norma do artigo 23.º/2/3 do CIVA reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo17.º/5/3.º parágrafo/ c) da Sexta Diretiva -atual artigo 173.º/2/ c) da DIVA- (acórdãos de 17/06/2015-P. 01874/13, 27/01/2016-P.0331/14, de 15/11/2017-P. 0485/17 e de 09/10/2019-P. 0401/14.7BEPRT; de 27/11/2019-P. 0977/07.5BELRS 0466/15; de 04/03/2020-.07/19.4BALSBPLENO; de 06/05/2020-P.01745/10.2BELRS, disponíveis em www.dgsi.pt).

De facto, no dia seguinte à prolação do acórdão arbitral recorrido, o PLENO da SCT do STA, por acórdão de 04/03/2002 (já atrás referido) veio sufragar posição contrária à sustentada pelo tribunal arbitral.

Adere-se, pois, à jurisprudência consolidada do STA, cujo discurso fundamentador aqui se dá por reproduzido.

Não resulta do probatório e dos autos se a utilização dos bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira.

Ora, a aquisição dessa matéria de facto para os autos e para a qual o STA é incompetente é essencial para, em função da jurisprudência do TJUE, aferir se a parcela das rendas dos contratos relativa à amortização do capital deve ou não constar do numerador e do denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução (Neste sentido citado acórdão do PLENO da SCT).

Termos em que se impõe anular, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, a decisão arbitral impugnada, para ser substituída por outra que decida após a ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que o regime jurídico, ora, sustentado.

3.CONCLUSÃO.

Deve dar-se provimento ao recurso e anular-se a decisão arbitral recorrida, a qual deve ser substituída por outra que, após ampliação da matéria de facto, aplique o regime jurídico atrás sustentado.

4 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.

- Fundamentação -

5 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso, que consiste a) em saber se a decisão arbitral recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma Instituição de Crédito que seja Sujeito Passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados e b) em apreciar a legalidade da liquidação dos juros compensatórios.

6 – Matéria de facto

6.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

Tendo em consideração, nomeadamente, as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida por ambas as partes e a cópia do processo administrativo junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

A. Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações).

B. Para efeitos de IVA, a Requerente esteve, até dia 2007.01.04, enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas à Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro (doravante ALD Financeiro)] – e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito automóvel e ao consumo (vulgos contratos de crédito ao consumo), pelo que é um sujeito MISTO para efeitos de IVA.

C. O pedido de pronúncia arbitral incide sobre as liquidações de IVA, relativas aos anos de 2005 e 2006, no montante total de € 358.096,57 e respectivos juros compensatórios no valor de € 45.677,64.

D. As mencionadas liquidações tiveram origem nas correcções meramente aritméticas efectivadas pela Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições de Crédito (doravante Divisão de Inspecção), na sequência de uma acção inspectiva – iniciada a 2009.05.25 e concluída a 2009.10.07 – a qual teve como âmbito os exercícios de 2005 e 2006.

E. Os fundamentos dessas correcções encontram-se desenvolvidos no respectivo Relatório de Inspecção Tributária (ora em diante, Relatório), como prescreve o artigo 77.º da Lei Geral Tributária junto aos Autos, o qual foi notificado à Requerente através do ofício n.º..., datado de 2009.11.10.

F. A posição da Requerida e que está na base dos actos tributários impugnados encontra- se alicerçada no argumento de que a componente financeira correspondente à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado, não sendo uma contrapartida de uma transmissão de bem ou prestação de serviços, não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios para efeitos de determinação da percentagem de dedução (i.e. para apuramento do pro rata).

G. Pelo que as liquidações adicionais objecto do litígio têm por base a consideração da Requerida de que se deverá retirar das componentes da fracção (numerador e denominador) o montante correspondente ao capital das rendas dos contratos de locação financeira (no montante de € 18.890.097,30 e de € 18.905.866,15, relativos aos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente),

H. corrigindo a percentagem de dedução do IVA que incidiu sobre os custos comuns de 58% para 32%, no exercício de 2005, e de 55% para 34%, no exercício de 2006,

I. apurando imposto em falta no montante de € 162.905,19, para 2005, e de € 195.191,38, para 2006.

J.Por não se conformar com as correcções e, consequentemente, com as liquidações efectuadas, a Requerente impugnou as liquidações em causa, tendo deduzido o presente pedido de pronúncia arbitral.

K. A natureza das actividades desenvolvidas pela Requerente permite cindir, de forma perfeita e autónoma e com a excepção dos custos comuns, os custos e proveitos associados à actividade sujeita e à actividade isenta, pelo que a Requerente aplica o método da afectação real.

L. No que concerne aos custos suportados na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com ou sem direito a dedução, os designados custos comuns, a Requerente deduziu, em virtude das operações sujeitas, com base no método do pro rata.

M. Na fórmula do cálculo do pro rata, a Requerente considerou no numerador da fracção (operações com direito à dedução), o montante correspondente à base tributável constante das declarações periódicas de IVA, incluindo, designadamente, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, e no denominador (operações com direito à dedução e operações isentas) adicionou ao montante determinado para o numerador o valor correspondente às operações isentas sem direito à dedução.

N. Nos exercícios em causa, o IVA suportado nos gastos comuns foi de € 626.558,44, para o exercício de 2005, e de € 929.482,75, para o exercício de 2006, tendo a Requerente deduzido nas declarações periódicas referentes a cada um dos anos em causa o imposto correspondente à aplicação de um pro rata definitivo de 58% e 55%, respectivamente, o que corresponde a € 363.403,90 em 2005 e € 511.215,51 em 2006.

6.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão fundamento:

Na sentença recorrida [referenciando-se o «interesse para a decisão» e o «cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.° 970/13-30)»] julgou-se provada e não provada a factualidade seguinte:

2.1. Factos provados

1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA — gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:

“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.

No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).

2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação B……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).

3) A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).

4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).

5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).

6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.

7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:

a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).


2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:

A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).

Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.».


7 – Decidindo

7.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Alega a recorrente que “entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto”, posição secundada pelo Ministério Público junto deste STA no seu parecer supra transcrito e com a qual inteiramente concordamos pois que, compulsado o probatório fixado nos presentes autos e o probatório fixado no Acórdão Fundamento, verificamos que as situações de facto subjacentes aos dois arestos são substancialmente idênticas.

Com efeito, tanto no caso subjacente à decisão arbitral recorrida como no caso subjacente ao Acórdão Fundamento estamos perante sujeitos passivos que são instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - in casu, Bancos - que exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e de aluguer de longa duração (ALD).

Em ambos os casos estamos perante sujeitos passivos mistos, que exercem actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas.

Em ambos os casos foram corrigidos - no acórdão recorrido pela AT na sequência de ação inspectiva; no acórdão fundamento pelo sujeito passivo, mas sem que daí advenha qualquer consequência ou condicionante para a decisão da questão -, valores deduzidos ao longo do período fiscal, por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano, uma vez que foi seguido o entendimento que acabou por ser veiculado pelo Ofício-Circulado n.º 30108, de 30/01/2009. Com efeito, apesar de os factos em análise serem referentes aos exercícios fiscais de 2005 e 2006 (tal como a Recorrente alega nas conclusões A) e B) das suas contra-alegações), a correcção feita pela AT aplicou precisamente o entendimento vertido naquele Ofício Circulado, tanto mais que nos presentes autos se discute os resultados de uma correcção de imposto efectuada pela AT na sequência de uma inspecção que decorreu entre 25 de Maio e 7 de Outubro de 2009, isto é, já depois da emissão daquele Ofício.

Ambos os sujeitos passivos imputam aos atos de liquidação e autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, uma vez que, em seu entendimento, nos termos do estatuído no artigo 23.º/4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD.

Sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas. A questão fundamental de direito num e noutro aresto era a mesma – a de saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira pode impor a uma Instituição de Crédito que seja Sujeito Passivo misto em sede de IVA que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados –, tendo sido objecto de decisões expressas opostas num e noutro caso.

No Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 “não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito dedução dos bens e serviços de utilização mista” apenas “a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos” (incumbindo “ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso”).

Já na decisão arbitral recorrida se entendeu, em conformidade com outras decisões arbitrais, que apesar de se poder admitir, à luz da Jurisprudência europeia que a Directiva IVA permitia ao legislador nacional “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que o legislador interno não transpôs para o direito nacional essa prerrogativa, “pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”. Como tal, “a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo”.

Ora, nas conclusões F) e G) das suas contra-alegações, vem a Recorrida invocar que no acórdão recorrido se decidiu “pela procedência do pedido arbitral com fundamentos jurídicos distintos daqueles que constam do acórdão fundamento e que neste último não foram apreciados”, ao que não é alheia a circunstância de a base factual ser distinta nos dois arestos quanto “aos inputs mistos e à sua relação com os financiamento e gestão de contratos de locação financeira” o que, no seu entendimento, deve determinar a rejeição do recurso “à luz do Acórdão do STA, de 11/04/2020, proferido no 90/19.2BALSB”.

Mas sem razão que lhe assista.

Cumpre ter presente que a Autoridade Tributária e Aduaneira tem recorrido de idênticas decisões do CAAD com fundamento em oposição de acórdãos e invocando como fundamento o mesmo acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (o Acórdão proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17).

Ainda que no passado tenha sido pontualmente negado o conhecimento do mérito do recurso da Autoridade Tributária e Aduaneira por ausência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito (vide, nesse sentido, o Acórdão referido pela Recorrida, o qual foi proferido por este Supremo Tribunal Administrativo a 4 de Novembro de 2020 no Processo n.º 090/19.2BALSB), mais recentemente o Pleno uniformizou jurisprudência quanto à questão controvertida: neste sentido vejam-se os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo proferidos a 20 de Janeiro de 2021 no processo n.º 101/19.1BALSB, a 24 de Fevereiro de 2021 no processo n.º 84/19.8BALSB, a 24 de Março de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB e a 21 de Abril de 2021 nos processos n.ºs 32/20.2BALSB, 63/20.2BALSB e 113/20.2BALSB).

Assim, tomando em consideração o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil e a finalidade dos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência – que visam garantir a certeza do direito e o princípio da igualdade, evitando que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a mesma questão de direito obtenham dos tribunais respostas diferentes –, limitamo-nos a remeter, com as necessárias adaptações e nos termos dos artigos 663.º, n.º 5 e 679.º do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT, para a fundamentação do supra referido Acórdão proferido a 24 de Março de 2021 no processo n.º 87/20.0BALSB (disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/c4ba25ab6080f680802586a4005e821f, que uniformizou jurisprudência no sentido de que nos “termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação” –, para concluirmos, como aí, pela procedência do recurso e pela anulação da decisão arbitral recorrida na parte em que decidiu pela anulação das liquidações adicionais de IVA no montante de € 358.096,57.

Mantém-se, contudo, a decisão arbitral recorrida na parte que decidiu pela anulação dos juros compensatórios no montante de € 45.677,64. Tal como decidido no Acórdão proferido por esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo a 6 de Maio de 2020 no Processo n.º 01745/10.2BELRS, “tendo em conta o carácter não pacífico da questão, consideramos que assiste razão à Recorrente quanto à recondução da factualidade a um caso de negligência desculpável (erro desculpável), que afasta o pressuposto legal da liquidação de juros compensatórios. Com efeito, como se deixou expresso no acórdão do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário em 22 de Janeiro de 2014 (proc. 1490/13): “Nos termos do disposto no art. 35° da LGT e no actual art. 96º (correspondente ao anterior art. 89º) do CIVA, são requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte. A responsabilidade por juros compensatórios depende, portanto, de nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência)””.

- Decisão -

8 - Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento parcial, anular a decisão arbitral recorrida na parte em que decidiu pela anulação das liquidações de IVA.

Custas pela Recorrida em 89% e pela Fazenda Pública em 11% [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário], com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em virtude de o presente Acórdão ser meramente remissivo, o que configura a menor complexidade da causa para este efeito [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, e art. 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais].

Comunique-se ao CAAD.


Assinado digitalmente pela Relatora, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Lisboa, 26 de maio de 2021. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (Relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo