Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0871/10
Data do Acordão:02/24/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
PRAZO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - Quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu, deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação (cfr. artºs 125º do CPPT e 668º, nº 1, al. b) do CPC).
II - Não é o que sucede, porém, quando na decisão recorrida se constata que nela se indicam as normas legais em que se baseia, sendo objectivas, claras e suficientes as razões por que se julgou intempestiva a oposição deduzida pelo contribuinte, nomeadamente face à evidência de ter sido ultrapassado o prazo legal de 30 dias, atentas as datas em que foi efectivada a citação e a apresentação daquela peça processual, bem como por que não se procedeu à convolação do processo de oposição à execução fiscal em reclamação do acto do órgão da execução fiscal, a que alude o artº 276º do CPPT.
III - Tendo o executado sido citado pessoalmente para a execução é a partir da data em que esta se efectuou que se conta o prazo de 30 dias a que alude o artº 203º, nº 1, al. a) do CPPT.
IV - A primeira penhora só pode ser consagrada como termo inicial do prazo da oposição se não tiver havido citação para a execução, tal como resulta da letra do predito artº 203º, nº 1, al. a) do CPPT, pelo que, a não ser assim, não pode ter qualquer relevo para esse efeito.
IV - A convolação na forma de processo adequada só se deve operar quando não seja manifesta a improcedência ou intempestividade desta.
V - No caso de extemporaneidade, a oposição à execução fiscal deverá ser convolada em requerimento a juntar à execução fiscal a correr seus termos no Serviço de Finanças respectivo.
Nº Convencional:JSTA00066824
Nº do Documento:SA2201102240871
Data de Entrada:11/08/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART125 ART203 ART209 ART276 ART20 ART99 N4 ART102 N1 A ART175.
CPC96 ART668 N1 B ART144 ART252-A ART145 ART666 N1.
LGT98 ART103 N1 ART97 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC24605 DE 2000/06/21.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VI PAG909.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 - A…, melhor identificado nos autos, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente, por intempestiva, a oposição que deduziu contra o processo de execução fiscal n.º 1350200101009583, por dívidas de sisa e juros compensatórios, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
AA)- A oposição em causa foi apresentada tempestivamente. A sentença recorrida padece de falta de fundamentação e de pronúncia, sendo nula, nos termos do artigo 125° do CPPT e 668° do CPC.
BB)- A sentença recorrida limita-se a rejeitar a oposição por “intempestividade”, não sendo invocada qualquer fundamentação e pronúncia que é manifestamente insuficiente, atento ao supra explanado - “é nula, por falta de fundamentação (artigos 125° 1 do CPPT e do 668° do CPC, a sentença cuja fundamentação jurídica não é suficiente para descortinar a razão pela qual foi decidido rejeitar a impugnação...”)
CC)- Porém deverá considerar-se falta absoluta de fundamentação, nos caso em que a mesma não tem uma relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação, fundamentação esta, que se destina tão somente a esclarecer as partes primacialmente a que tiver sido vencida sobre os motivos da decisão e porque o conhecimento desta é necessário, ou pelo menos conveniente para poder impugnar eficazmente a decisão de recurso ou arguir nulidades designadamente a derivada da eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
DD) - Foram violados os artigos 203°, 209° e 20º do CPPT, 103/1 da LGT e 144 e 252-A do CPC.
EE) - O prazo que inquinou a decisão é o prazo previsto no artigo 203°/1 do CPPT, alínea a), pois este a tramitar na dependência da execução, como contestatório à pretensão do exequente, dispensando-se aqui alegações relativamente ao prazo.
Em conformidade, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra dando provimento à oposição apresentada pelo oponente conforme aqui alegado, como é de DIREITO E JUSTIÇA.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Ministério Público, neste Supremo Tribunal Administrativo, não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A)- A AT instaurou contra A…, com o NIF …, residente na Travessa …, …, 2460 S. Martinho do Porto (Caldas da Rainha), o processo de execução fiscal (PEF) n.° 1350200101009583, por dívida de sisa e juros, relativamente ao prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia da Tornada, concelho de Caldas da Rainha, sob o artigo 3489.
B)- Dou por reproduzida, na parte não transcrita, a informação de 14/11/2006, a fls. 57, do PA apenso, que diz:
«1. O executado adquiriu por escritura pública de compra e venda de 21/08/1990, lavrada no Cartório Notarial de Rio Maior, o prédio inscrito sob o artigo 3489 da matriz rústica da freguesia de Tornada, Concelho e Caldas da Rainha, pelo preço de 42.500.000$, (€211.289,10).
2. Para a referida aquisição beneficiou de isenção do Imposto Municipal de Sisa ao abrigo do n.° 3 do artigo 11.° do CIMSISDS.
3. Para o efeito, no título de aquisição, fez constar que o prédio se destinava a revenda, encontrando-se à altura registado pelo exercício da actividade de compra de prédios para revenda que tivera início em 13/08/1988.
4. Junto aos autos constam o contrato de promessa referente a aquisição do prédio, e outro referente a alienação à empresa B…, tendo o segundo data anterior ao de aquisição.
5. Todavia, a venda ao B…, S.A., nem sequer se concretizou, tendo o Sr. A…, enquanto réu, sido condenado a restituir os valores recebidos tudo nos termos da sentença de que anexo fotocopia.
6. Alias, o prédio em questão, por escritura de dação em cumprimento de 12/02/1998, foi transferido para a titularidade do C…, S.A., para pagamento de dívidas do Sr. A…, agora já com a classificação de terreno para construção urbana.
7. Contra a respectiva liquidação do Imposto de Sisa, foi deduzida reclamação graciosa e desta Recurso Hierárquico alegando para o efeito que a revenda ocorrera no prazo de três anos e invocou ainda a prescrição.
8. A Reclamação Graciosa e o Recurso Hierárquico, instaurados 26/09/2001 e 02/05/2002 respectivamente, foram indeferidos nos termos dos despachos (...), sendo o respeitante ao Recurso Hierárquico datado de 29/09/2003, cfr. fls. 20/ss do PA, apenso, que dou por reproduzidas;
C)-- Pela petição inicial de 23/10/2006, a fls. 50/ss do PA junto, que dou por reproduzida, o oponente suscitou a este TAF a prescrição da dívida exequenda relativa ao mesmo prédio com o artigo 3489, sobre o que recaiu a decisão judicial de rejeição liminar da petição, cfr. fls. 59/ss do citado PA junto, por intempestividade, ali se tendo considerado o seguinte (fls. 59):
«Compulsados os autos verifica-se que oponente foi citado para a execução fiscal em 08/10/2001 (fls. 31 v°) e que a presente oposição foi apresentada no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha em 23/10/2006.».
D)-- Dou por reproduzido despacho de remessa a juízo, de fls. 15 dos presentes autos;
E)-- Dou por reproduzido o auto de penhora de 14/05/2009, a fls. 63 do PA junto,
F)-- O oponente foi notificado desta penhora, referida em “E”, pelo oficio de 14/05/2009, a fls. 64, do PA junto, cujo A/R dos CTT foi assinado em 20/05/2009, cfr. fls. 65 do cit. PA;
G)-- Dou por reproduzida a certidão de dívida, datada de 27/09/2001, a fls. 8 do PA junto;
H)-- O oponente foi notificado pelo oficio n° 05944 de 17/06/2001, a fls. 4, com A/R dos CTT assinado, a fls. 5 e registo de 18/06/2001, do citado PA, para pagamento da dívida e ainda cfr. artigo 23 da p.i.;
I)-- A presente oposição foi proposta em 15/06/2009, cfr. carimbo aposto a fls., 4;
J)-- O ora oponente foi citado para a execução em questão nestes autos no dia 08/10/2001, cfr. mandado de citação a fls. 9 e data do A/R dos CTT, a fls. 10, do PA junto e decisão judicial supra referida.
3 - Começa o recorrente por arguir a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, já que, em suma, se limita a rejeitar a oposição à execução fiscal por “intempestividade”, pronúncia essa que é manifestamente insuficiente, violando, assim, os artºs 125º do CPPT e 668º do CPC.
Vejamos se lhe assiste razão.
Como é sabido, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (artºs 125º do CPPT e 668º, nº 1, al. b) do CPC).
No sentido de que só a sua omissão total constitui nulidade tem vindo a ser uniforme a jurisprudência deste Tribunal.
Porém, como refere Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, “deverão considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Com efeito, a fundamentação destina-se a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão.
Por isso, quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação”.
Ora, no caso em apreço, não é o que sucede.
Com efeito, se atentarmos na decisão recorrida, constata-se que nela se indicam as normas legais em que se baseia, sendo objectivas, claras e suficientes as razões por que se julgou intempestiva a oposição deduzida pelos ora recorrentes, nomeadamente face à evidência de ter sido ultrapassado o prazo legal de 30 dias, atentas as datas em que foi efectivada a citação e a apresentação daquela peça processual, bem como por que não se procedeu à convolação da presente oposição à execução fiscal em reclamação do acto do órgão de execução fiscal a que alude o artº 276º do CPPT.
Improcede, desta forma, a invocada nulidade.
4 - Quanto ao alegado erro de julgamento em matéria de direito, também invocado, por violação dos artºs 203º, 209º e 20º do CPPT, 103º, nº 1 da LGT e 144º e 252º-A do CPC, é patente a falta de razão do recorrente.
Não há dúvida que o prazo para deduzir oposição é um prazo judicial, para efeitos do preceituado no artº 20º, nº 3 do CPPT, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal (artº 103º, nº 1 da LGT).
E, tratando-se de prazo de natureza judicial, aplica-se o regime do CPC (artº 20º, nº 2 do CPPT), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (artº 144º do CPC).
Também por ter essa natureza de prazo judicial, lhe é aplicável o disposto nos artºs 145º e 252º-A do CPC, se for caso disso.
Sucede, porém, que no caso em apreço, tendo o recorrente sido citado para a execução, por carta registada com aviso de recepção, em 8/10/01, como, aliás, consta dos documentos juntos a fls. 9 e 10 do PA junto e da al. J) do probatório e tendo em conta a possibilidade de aplicação do disposto no artº 145º do CPC e a dilação prevista no artº 252º-A do CPC, ainda assim a oposição sempre seria intempestiva ao ser apresentada em 15/6/09 (vide al. I) do probatório), uma vez que nesta data ia já decorrido o prazo de 30 dias previsto no predito artº 203º, nº 1, al. a) do CPPT.
É certo que, no caso em apreço, no dia 14/5/09, se procedeu à penhora de um bem imóvel e que dessa penhora foi o recorrente notificado, por carta registada com aviso de recepção, em 20/5/09 (vide fls. 63 a 65 do PA apenso e als. E) e F) do probatório).
Contudo, estes factos não assumem a relevância que o recorrente lhe pretende atribuir, quando conexionados com o prazo da oposição.
Com efeito e como bem se anota na sentença recorrida, a primeira penhora só pode ser consagrada como termo inicial do prazo da oposição se não tiver havido citação para a execução - o que não foi o caso -, tal como resulta da letra do predito artº 203º, nº 1, al. a) do CPPT (“ou, não a tendo havido,...”) e, por isso, não pode ter qualquer relevo para esse efeito.
Razão por que a decisão recorrida, também neste aspecto, não merece censura.
5 - Nem se diga que este entendimento resulta em prejuízo do recorrente, posto que a prescrição, podendo ser conhecida oficiosamente pelo órgão de execução fiscal (artº 175º do CPPT), sempre se encontra aberta a possibilidade de ser requerida a extinção da execução com o fundamento da prescrição das dívidas exequendas, daí abrindo a possibilidade de reclamação para o tribunal no caso de indeferimento do pedido, nos termos do artº 276º do CPPT.
Por outro lado, a recorrente também não pode valer-se da previsão normativa constante da al. b) do nº 1 do artº 203º do CPPT, que determina o início da contagem do prazo de 30 dias a partir da ocorrência de facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado, desde logo por que a esse propósito nada vem alegado na petição de oposição que permita comprovar a observância desse prazo.
6 - Não obstante, o certo é que dispõe o artº 97º, nº 3 da LGT que deverá ordenar-se “a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”, da mesma forma estatuindo o nº 4 do artº 99º do CPPT que “em caso de erro na forma de processo, será este convolado na forma de processo adequada, nos termos da lei”.
Por outra parte, sempre este STA tem vindo a entender que a convolação deverá ser admitida sempre que não seja manifesta a improcedência ou intempestividade do meio processual para que se convola, para além da idoneidade da petição para o efeito (vide, entre outros, o acórdão de 21/06/00, no recurso n.º 24.605).
Ou seja, a convolação é legalmente admissível se o pedido se adequar à forma legal correcta e desde que não esteja ultrapassado o prazo legal permitido para essa forma de processo.
No caso em apreço, na sentença recorrida e pelas razões ali referidas, foi já decidido que não era possível convolar a presente oposição à execução fiscal em reclamação do acto do órgão de execução fiscal.
Decisão esta que, não tendo sido posta em causa pelo recorrente na sua motivação, se consolidou na ordem jurídica, constituindo, assim, caso julgado material, esgotando-se o poder jurisdicional do juiz (artº 666º, nº 1 do CPC).
Todavia, na referida motivação do recurso, o recorrente suscita a questão da convolação da presente oposição em impugnação judicial, sendo certo que nas conclusões dessa motivação, que definem o objecto do recurso, tal questão não vem colocada, o que poderia levar, desde logo, à rejeição do seu conhecimento.
Não obstante e por que se trata de questão de conhecimento oficioso, passamos a apreciar o seu mérito.
Voltando ao caso dos autos, resulta do probatório que o prazo para pagamento da quantia exequenda terminava em 21/9/01 (vide al. H) do probatório), pelo que, tendo a presente petição inicial sido apresentada em 15/6/09 (vide al. I) do probatório), há muito que o prazo de 90 dias a que alude o artº 102º, nº 1, al. a) do CPPT ia já decorrido.
Pelo que a mesma é, assim, intempestiva.
Aliás, independentemente de não estar em prazo, pelos fundamentos nela invocados (prescrição e anulação da penhora) é manifesto que estes não constituem fundamento de impugnação judicial, pois que nela não são invocados vícios que afectem a validade do acto de liquidação, mas sim a exigibilidade da dívida e a legalidade do acto do órgão de execução fiscal, respectivamente e, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal e de reclamação nos termos do artº 276º do CPPT.
7 - De qualquer forma e como resulta do que acima fica dito em 5), inexistindo para o efeito qualquer obstáculo na situação em apreço nos autos, a presente oposição à execução fiscal deverá ser convolada em requerimento de invocação da prescrição a juntar na execução fiscal a correr seus termos no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha.
8 - Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a convolação da oposição à execução fiscal em requerimento a juntar na execução fiscal a correr seus termos no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, para apreciação da invocada prescrição, aliás, de conhecimento oficioso.
Sem custas.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011. – Pimenta do Vale (relator) – António CalhauCasimiro Gonçalves.