Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01164/14
Data do Acordão:12/02/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
CONHECIMENTO DE MÉRITO
ACÇÃO PRINCIPAL
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
REQUISITOS
Sumário:I - Nos termos do que prevê o art. 121º do CPTA no seu nº 1, a convolação do processo cautelar em processo principal depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: i) deve haver “manifesta urgência na resolução definitiva do caso”, face à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, com o que “não se compadece” a simples adopção de uma providência cautelar, e; ii) tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para permitir a antecipação.
II - Se o acto impugnado não implicou nenhuma alteração relevante na situação funcional do requerente, sendo certo que nem a diferença de remuneração se coloca, uma vez que, mesmo colocado em ………….., está a receber pelo índice 175, pelas funções que exerce, que seria o que pretende, não se verifica um dos requisitos cumulativos de que o art. 121º, nº 1 do CPTA faz depender a possibilidade de antecipação da decisão, a manifesta urgência na resolução definitiva do caso.
III - A simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunam com a ideia de que uma miríade de vícios devam ser apreciados exaustivamente, um por um, quando se mostra possível inclui-los num juízo global que dê resposta ao que aqui cabe apreciar. Ou seja, que não é evidente a procedência (como a improcedência) da pretensão a formular no processo principal, para os efeitos da alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA.
IV - Se o requerente está a auferir pelo índice 175, sendo meramente hipotético o receio de que essa situação se venha a alterar, já que o requerente não concretiza minimamente os fundamentos pelos quais receia que o CSMP depois de lhe ter atribuído o vencimento pelo índice referido lho retiraria, estamos, pois, perante um prejuízo sem qualquer sustentação fáctica, futuro e incerto.
V - Os eventuais prejuízos morais não assumem em sede de providência cautelar uma relevância tal que justifique que se considere verificado o periculum in mora, na vertente de prejuízos de difícil reparação, se podem ser ressarcidos com a reintegração da legalidade, pelo que não se tem por preenchido o pressuposto do periculum in mora da alínea b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, o que não permite a adopção da providência peticionada, uma vez que os requisitos daquele preceito são cumulativos.
Nº Convencional:JSTA000P18316
Nº do Documento:SA12014120201164
Data de Entrada:10/24/2014
Recorrente:A......................
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A………….., Procurador-Adjunto, melhor identificado nos autos, vem requerer providência cautelar de suspensão de eficácia cumulada com pedido cautelar comum, com pedido de antecipação, nos termos do art. 121º, e 112º e 128º do CPTA, da deliberação datada de 21 de Agosto de 2014 do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), publicada no DR 2ª série, nº 167, de 1 de Setembro de 2014, a qual na conclusão do Movimento Extraordinário de Magistrados do Ministério Público de 2014, colocou o requerente na Instância Local de ………….., pertencente ao Tribunal de Comarca de …………..
A final formula os seguintes pedidos:
1 ser a título principal antecipado nesta providência cautelar o mérito da acção principal proposta e consequentemente (1º - ser anulada, a deliberação requerida de 21 de agosto [por lapso escreveu-se 25 de agosto] e publicada a 1 de setembro de 2014 que o colocou em………….., derivada da em ilegalidade da anulada a deliberação de 6 de maio de 2014 e o aviso de abertura do concurso, nos termos supra fundamentados;
2º- ser condenada a requerida a praticar o acto administrativo legalmente devido que é o de o colocar nos locais por si preferidos pela ordem indicada no seu requerimento de concurso, mais precisamente em………….., onde atenta a sua antiguidade entende dever ter sido colocado pela requerida.
3º- subsidiariamente, ser julgada inconstitucional o nº 3 do art. 176º da LOSJ, quando interpretado no sentido de admitir os procuradores auxiliares das comarcas, círculos e departamentos extintos, a exercer a preferência legal antes da consideração da movimentação dos procuradores efetivos com antiguidade superior que que não exerceram na movimentação de 2014 a preferência legal prevista no nº 1 do artigo 176º, então, imputa-se, desde já, à mesma norma, a violação dos EMMP, nos seus artigos 136.º n.º 2 a 4 e 138.º n. 2 a 4, ainda, do princípio da proteção da confiança dos procuradores efetivos a serem movimentados e colocados segundo a formação, a antiguidade ou a classificação, considerando-se que a lei não pode atribuir a situações marcadamente diversas (posição dos procuradores efetivos e auxiliares em comarcas extintas) benefícios idênticos; e se o fizer violará o princípio constitucional da igualdade, violação, essa, que in concreto, não afecta os “igualados” ou seja, procuradores efetivos que decidem exercer a preferência legal, mas, antes, os que decidem não exercer aquela preferência, coartando, assim, de modo inadmissível e sem qualquer justificação material que seja, a sua liberdade de movimentação e o direito a serem colocados segundo a especialização da formação, a classificação e a antiguidade, sendo, assim, a norma se interpretado desta forma, materialmente inconstitucional, também pela violação do artigo 12º da crp, e em consequência, por via disso, ser declarado nulo ou anulável o ato que em virtude de tal interpretação colocou o requerente em………….., condenando, consequentemente, a requerida nos termos do segundo pedido aqui formulado.
2 subsidiariamente, caso não se julgue procedente tal antecipação dever ser decretada a suspensão de eficácia da deliberação que colocou o aqui requerente no tribunal …………. e em sua substituição ser provisoriamente década a colocação do mesmo no tribunal …………..”.

Foram citados a Entidade Requerida e os Contra-Interessados, não tendo estes deduzido oposição.
Na sua oposição o Conselho Superior do Ministério Público defende que não se verificam todos os pressupostos de que depende o conhecimento antecipado do mérito da acção principal. Quanto os requisitos da providência cautelar o requerido sustenta que não se verifica o periculum in mora, não existindo, nem uma situação de facto consumado que não possa vir a ser reparada, nem se pode configurar a existência de perigo concreto de prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para o requerente.
Igualmente se considerando que não se verifica o fumus boni iuris, quer da alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA, quer da alínea b) do mesmo preceito.

Cumpre decidir.

2. Os Factos
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão:
1 - Por deliberação de 30 de Abril de 2014, publicada no DR, de 27.05.2014, o Conselho Superior do Ministério Público definiu “os critérios de preferência no provimento dos lugares dos magistrados do Ministério Público, a vigorar no movimento que resultar da implementação do novo modelo de organização judiciária - cfr. fls. 2 e 3 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2 - Por deliberação de 6 de Maio de 2014, o CSMP aprovou o regulamento da movimentação de 2014, nos termos constantes de fls. 5 a 55 do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3 - Pelo aviso do movimento nº 6950/2014, publicado no DR 110, 2ª série, de 09.06.2014, foi publicitado que no dia 15.07.2014 se procederia “a movimento extraordinário de magistrados do Ministério Público, abrangendo transferências e eventuais promoções a procurador-geral-adjunto, transferências, colocações e eventuais promoções a procurador da República e, ainda, colocações de procuradores-adjuntos, (…)”, de acordo com as regras nele constantes.
4 - O aqui Requerente pertencia, à data do concurso, à categoria de procurador-adjunto, pertencendo ao quadro do extinto Tribunal da Comarca de…………..
5 - Na movimentação de 2014, a que corresponde o aviso indicado em 3 supra, o requerente, tendo já concluído dois anos de efectivação na agora, e desde 1 de Setembro, extinta comarca de …………., concorreu, indicando por ordem decrescente de preferência os locais onde pretendia ser colocado por transferência, do seguinte modo:
Vila Nova de Gaia – cível
Porto – cível
Maia – cível
Vila Nova de Gaia – criminal
Santa Maria da Feira – cível e criminal
………….
Porto – criminal
Vila Nova de Gaia – DIAP
Porto – DIAP
Gondomar – DIAP
Santa Maria da Feira – DIAP
Valongo
…………
6 - No dia 1 e Setembro de 2014 foi publicada no DR, 2ª série, nº 167, a deliberação do Plenário do CSMP, de 21.08.2014, que aprovou o movimento extraordinário, com efeitos a partir da data da publicação, nela constando que
A aceitação da nomeação deverá ocorrer de 1 a 4 de setembro para o Continente (…).”
7 - Por esta deliberação o CSMP colocou o requerente na instância Local de---…………, pertencente ao Tribunal da Comarca de …………- cfr. fls 179 dos autos (fls. 22644 do citado DR).
8 - O vencimento mensal correspondente à colocação no Tribunal de ……….. é pelo índice 155 e no Tribunal de …………. corresponde ao índice 175.
9 - Actualmente, apesar da sua não colocação no Tribunal pretendido [………….] o aqui requerente recebe pelo índice 175 porque lhe foi distribuída a realização de julgamentos.
10 - Com a amortização de empréstimo habitação o aqui requerente gasta 1.775,00 euros mensais.
11 - E de valor mensal de seguro de vida do empréstimo à habitação e de valor anual de seguro multiriscos da sua habitação, respectivamente 319,96 € e 818,51 €.
12 - Gasta em média, de electricidade, gás, telefone, televisão e internet o valor de 442,27€.
13 - Na sua alimentação em casa despende mensalmente cerca de 300,00€ e em almoços diários e jantares, o valor médio de 413,00€.
14 - O requerente gasta em combustível e em portagens, mensalmente o valor de 561,31€,
15 - E com a empregada doméstica o valor mensal de 180,00 a 200,00 euros.
16 - Gastando, ainda, com o seguro automóvel cerca de 35€.
17 - A presente providência cautelar foi interposta em 24.10.2014, na pendência da acção principal com o nº 1104/14.


3. O Direito
3.1 - Dos Fundamentos para a Antecipação da Decisão

O Requerente formula como pedido principal o da antecipação do conhecimento do mérito da acção principal proposta com a consequente anulação da requerida deliberação do CSMP de 21.08.2014, publicada em 01.09.2014 que o colocou em …………., especificando nos artigos 123º a 145º as razões justificativas deste pedido, formulado ao abrigo do que dispõe o art. 121º do CPTA.
Nos termos do que prevê este preceito no seu nº 1 a convolação do processo cautelar em processo principal depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: i) deve haver “manifesta urgência na resolução definitiva do caso”, face à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, com o que “não se compadece” a simples adopção de uma providência cautelar, e; ii) tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para permitir a antecipação - cfr. sobre esta matéria Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed. revista - 2007, págs. 717 a 719.
Ora, desde logo, o primeiro dos requisitos - a manifesta urgência na resolução definitiva do caso – não se mostra preenchido.
É que esta manifesta urgência tem que ser aferida em função da natureza das questões e da gravidade dos interesses envolvidos.
Ora, o que o requerente invoca é que se não vier, entretanto, a existir uma decisão definitiva na acção principal, pode vir a pretender ser movimentado para outro tribunal e (conseguindo-o) a sua pretensão impugnatória tornar-se supervenientemente inútil. Podendo, quanto muito, almejar à condenação numa indemnização pelos danos sofridos com a nomeação aqui em causa (cfr. nomeadamente arts. 124º a 126º do r.i.).
Não se nos afigura que o assim alegado seja justificativo do requisito acima indicado.
Efectivamente, se o requerente vier num próximo movimento dos Magistrados do Ministério Público, a conseguir ser colocado num dos lugares de preferência que indicou neste movimento extraordinário (ou noutro que lhe possa interessar) conseguirá o que pretendia com a acção principal de que esta providência depende. E, se ainda assim, se considerar prejudicado poderá pedir uma indemnização por eventuais danos que tenha sofrido e que estejam numa relação de causalidade adequada com a actual colocação que reputa de ilegal.
Por outro lado, também não se vê que exista a gravidade dos interesses envolvidos, até por o requerente continuar a exercer funções no Tribunal de …………., onde já anteriormente estava colocado e ter indicado esse Tribunal como uma das suas preferências (a última).
Assim, o acto impugnado não implicou nenhuma alteração relevante na situação funcional do requerente, sendo certo que nem a diferença de remuneração se coloca, uma vez que, mesmo colocado em …………., está a receber pelo índice 175, pelas funções que exerce, que seria o que pretende.
Aliás, em pedido cautelar o requerente pede que seja decretada, como providência, a sua colocação provisória na Instância Local de ………… (onde pretende ser colocado na acção principal), pelo que se a providência for deferida verá acautelados os seus interesses nos termos pretendidos.
Pelo exposto, não se verificando um dos requisitos cumulativos de que o art. 121º, nº 1 do CPTA faz depender a possibilidade de antecipação da decisão, indefere-se tal pedido de antecipação.

3.2 Requisitos da providência
Subsidiariamente pede o requerente o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação que o colocou no Tribunal de …………. e, em sua substituição, ser provisoriamente determinada a sua colocação no Tribunal…………..
Refira-se, desde já, que estamos perante um pedido de suspensão de um acto já executado, permitida pelo disposto no art. 129º do CPTA, quando de tal suspensão de eficácia “possa advir, para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender, no processo principal, utilidade relevante no que toca aos efeitos que o acto ainda produza ou venha a produzir”.
Afigura-se-nos que tal como o requerente configura a presente providência cautelar é, em abstracto, admissível que o acto possa continuar a produzir efeitos nefastos para o requerente, já que não conseguiu a sua nomeação para um lugar que na lista de preferências que indicou no seu requerimento constituia a sua 6ª preferência, tendo sido colocado em lugar que indicou em último lugar, pelo que a providência pode ainda revestir utilidade.

Conforme decorre do art. 120º do CPTA, são requisitos do procedimento cautelar administrativo:
- O periculum in mora, traduzido no fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (als. b) e c) do nº 1 do art. 120º (nos casos da al. a), o tribunal está dispensado do «juízo de perigosidade», que apenas vai relevar para averiguação do interesse em agir).
Na verdade, para o decretamento da tutela cautelar, tem o Tribunal de descortinar indícios de que essa intervenção preventiva é necessária para impedir a consumação de situações lesivas, que, de outro modo, resultariam com a demora do processo principal. Esse juízo judicial terá que ser baseado na análise de factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efectiva, e não uma mera conjectura;
- O fumus boni iuris, que se traduz num dever de o juiz avaliar, em termos sumários, a probabilidade da procedência da acção principal. No caso da al. a) é o fundamento determinante da concessão da providência e, nos casos das als. b) e c) do nº 1, apresenta-se, respectivamente, como um juízo negativo de não-improbabilidade e como um juízo positivo de probabilidade;
-Por último, e caso se verifiquem aqueles dois requisitos cumulativos, o critério de proporcionalidade estabelecido no nº 2 do art. 120º, que funciona como limite no caso das citadas als. b) e c), obrigando a uma «ponderação dos danos e prejuízos que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar». (v. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Lições, 9a ed., Almedina, pág. 347 e seg.).
No caso presente no requerimento inicial vêm invocadas diversas ilegalidades da deliberação suspendenda, a saber, a violação dos nºs 1 e 3 do art. 176º da Lei 62/2013, de 26/8 - Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) -, dos arts. 136º, nº 4 e 138º, nºs 1 e 3 do Estatuto do Ministério Público, designação dada pela Lei nº 60/98, de 27/8, que alterou e republicou a Lei nº 47/86, de 15/10 (Lei Orgânica do Ministério Público) e do art. 3º, nº 7 do regulamento de Movimento.
E, subsidiariamente, a inconstitucionalidade do nº 3 do art. 176º da LOSJ, quando interpretado no sentido de admitir os procuradores auxiliares das comarcas, círculos e departamentos extintos, a exercer a preferência legal antes da consideração da movimentação dos procuradores efetivos com antiguidade superior que não exerceram na movimentação de 2014 a preferência legal prevista no nº 1 do artigo 176º. Imputando-se, à mesma norma, a violação dos EMP, nos seus artigos 136.º n.º 2 a 4 e 138.º n. 2 a 4. Ainda, do princípio da proteção da confiança dos procuradores efetivos a serem movimentados e colocados segundo a formação, a antiguidade ou a classificação, considerando-se que a lei não pode atribuir a situações marcadamente diversas (posição dos procuradores efetivos e auxiliares em comarcas extintas) benefícios idênticos; e se o fizer violará o princípio constitucional da igualdade. E, ainda violação do artigo 12º da CRP, e em consequência, por via disso, ser declarado nulo ou anulável o ato que em virtude de tal interpretação colocou o requerente em………….
O art. 120º, nº 1, alínea a) do CPTA, impõe que a providência cautelar seja logo deferida se for “evidente” a ilegalidade do acto.
Significa isto que no regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador comece por constatar se já é evidente que a acção principal será procedente, o que implica sempre a evidência da ilegalidade do acto ou da norma.
«Contudo, só muito raramente estes meios cautelares mostram de imediato o destino das acções principais. As hipóteses extremas de, logo no processo de suspensão de eficácia, se ver que o acto é ilegal ou legal são invulgares, sendo os casos resolvidos, na sua maioria, pela análise dos interesses em presença e pela sua recíproca ponderação. Com efeito a ilegalidade do acto só é «evidente» se algum dos vícios arguidos contra o acto for manifesto, indubitável, claro num primeiro olhar. «Evidente» é o que se capta e constata «de visu», sem a mediação necessária de um discurso argumentativo cuja disposição metódica permitirá o conhecimento, «in fine», do que se desconhecia «in initio». Porque as evidências não se demonstram, nunca é evidente a ilegalidade do acto fundada em vícios cuja apreciação implique demonstrações, ou seja, raciocínios complexos através dos quais se transite de um inicial estado de dúvida para a certeza de que o vício afinal existe» – cfr. Acórdão deste STA de 24.09.2009, proc. 0821/09.
No presente caso, face aos múltiplos vícios apontados e tratados no requerimento inicial, fácil é concluir que nenhum deles reúne as características de evidência referidas.
E, não cabe neste meio processual proceder à análise, ainda que perfunctória, desses diversos vícios, salvo na circunstância excepcional em que eles claramente existam ou não existam, por isso constituir o objecto da acção principal. É que esmiuçar agora cada um dos vícios invocados, ainda que apenas com vista a avaliar da sua evidência, constituiria uma antecipação de juízos sobre os mesmos, levando-nos a invadir uma área que há-de ser tratada no processo principal.
Até porque, a simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunam com a ideia de que uma miriade de vícios devam ser apreciados exaustivamente, um por um, quando se mostra possível inclui-los num juízo global que dê resposta ao que aqui cabe apreciar. Ou seja, que não é evidente a procedência (como a improcedência) da pretensão a formular no processo principal.
Cabe, assim, analisar os requisitos constantes do art. 120º, nº 1, alínea b) do CPTA:
No entanto, face à formulação que este assume nesta alínea b), que se basta com um juízo de não-improbabilidade, ou seja, bastando que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento dos pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa, e à sumaridade da cognição que aqui é exigida, afigura-se-nos que é suficiente o juízo de não-improbabilidade da pretensão formulada pelo aqui Requerente.
De facto, não se vislumbram quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito, nem a pretensão a formular no processo principal se mostra destituída de fundamento, pelas mesmas razões já aduzidas a propósito da aferição da “manifesta ilegalidade” para efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 120º do CPTA.
Quanto ao periculum in mora, pode assumir ou a vertente de fundado receio de constituição de facto consumado, ou a da produção de prejuízos de difícil reparação.
Quanto ao fundado receio de facto consumado, manifestamente não se verifica, já que caso a acção principal venha a proceder o requerente terá direito à colocação no lugar por si pretendido, sendo, como tal, perfeitamente reversíveis os efeitos da situação, procedendo-se à restauração, no plano factual, da situação conforme a legalidade.
Quanto aos prejuízos invocados pelo requerente têm sobretudo a ver com o receio de que estando embora a auferir vencimento pelo índice 175, por lhe ter sido distribuída a realização de julgamentos, essa situação possa ser alterada, passando a auferir o vencimento correspondente ao índice 150 (o correspondente às funções exercidas no Tribunal de ………… sem a realização de julgamentos), o que determinaria uma perda de cerca de 500 euros no vencimento mensal.
Se o requerente auferisse o vencimento pelo índice 150, quando em ………… venceria pelo índice 175, face às despesas mensais que tem de suportar e acima indiciariamente provadas, estariamos, efectivamente, perante uma situação produção de prejuízos de difícil reparação, pois não conseguiria provavelmente suportá-las.
No entanto, o certo é que o requerente está a auferir pelo índice 175, sendo meramente hipotético o receio de que essa situação se venha a alterar, já que o requerente não concretiza minimamente os fundamentos pelos quais receia que o CSMP depois de lhe ter atribuído o vencimento pelo índice referido lho retiraria.
Estamos, pois, perante um prejuízo sem qualquer sustentação fáctica, futuro e incerto.
Aliás, no que se refere à requerida providência cautelar conservatória de suspensão de eficácia, o efeito seria o regresso à situação anterior. Ou seja, o requerente permaneceria colocado em …………, mas perderia o direito a auferir pelo índice 175, que conseguiu com a sua colocação na nova Instância Local de ………….. (integrada no comarca de………….), com a distribuição de realização de julgamentos.
Mas, o requerente alega ainda que mais grave do que a discrepância de nível salarial (que não existe como se viu), “cada dia que passa sem que esta situação seja corrigida é um dia que o aqui requerente sente a sua preterição num concurso e numa movimentação de lugares sem que tal movimentação corresponda aos critérios estatutariamente fixados para este acto.
O que o afeta no amago dos seus direitos legais a movimentação e a confiança que já havia depositado no respeito pelos critérios fixados, uma vez que com o entendimento da entidade demandada ou com a interpretação do artigo 176º da LOSJ este acaba por sofrer uma restrição desproporcional porque injustificada e, portanto, desnecessária no seu direito a movimentação em função dos critérios estatutariamente fixados.
E este desvalor dada a sua importância e relevância não é susceptível de ser reintegrado completamente” (cfr. arts. 162º a 164º do r.i.).
Ora, estes eventuais prejuízos morais não assumem em sede de providência cautelar uma relevância tal que justifique que se considere verificado o periculum in mora, na vertente de prejuízos de difícil reparação, sendo certo que poderão ser ressarcidos com a reintegração da legalidade.
Pelo que não se tem por preenchido o pressuposto do periculum in mora da referida alínea b) o que não permite a adopção da providência peticionada, uma vez que os requisitos daquele preceito são cumulativos.

Pelo exposto, acordam em:
a) - indeferir o pedido de antecipação do juízo sobre a causa principal;
b) - indeferir a providência cautelar requerida;
c) - condenar o requerente nas custas.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2014. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) - José Francisco Fonseca da Paz (voto a decisão, embora considere que a providência cautelar peticionada é antecipatória e não conservatória, uma vez que o que o requerente pretende é a colocação provisória no tribunal do ……………) - Alberto Acácio de Sá Costa Reis.