Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0250/18
Data do Acordão:03/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
EMBARGO DE OBRA
FORNECIMENTO DE ÁGUA
Sumário:Se o município réu cortou o fornecimento de água a uma habitação na sequência do embargo de uma obra aí executada, justifica-se admitir a revista do acórdão que, apesar do embargo já ter sido declarado nulo, julgou improcedente o pedido de condenação do réu a restabelecer tal fornecimento.
Nº Convencional:JSTA000P23115
Nº do Documento:SA1201803220250
Data de Entrada:03/07/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE ALMEIDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A…………., identificada nos autos, interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Sul confirmativo do segmento da sentença do TAF de Castelo Branco que – após julgar procedente a acção por ela intentada contra o Município de Almeida, mas só na parte em que a autora pedia que se declarasse nulo o embargo camarário de uma obra que promovera numa sua casa – absolveu o réu dos pedidos condenatórios, consistentes em reatar o fornecimento de água a essa casa e em pagar à autora uma indemnização.

A recorrente pugna pelo recebimento da revista porque a matéria dos autos – ligada ao corte do fornecimento de água a uma casa de habitação – liga-se a direitos fundamentais e terá sido erradamente resolvida pelo tribunal «a quo».

O recorrido, por sua vez, considera a revista inadmissível.

Cumpre decidir.

Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).

«In casu», e por falta de licenciamento, o município ora recorrido procedeu ao embargo de uma obra efectuada pela autora e aqui recorrente numa casa de habitação. E, na sequência desse embargo, o município cortou o fornecimento de água à sobredita casa – fazendo-o nos termos do art. 103º, n.º 3, do RJUE (DL n.º 555/99, de 16/12).

A acção dos autos atacou esse embargo e, cumulativamente, pediu a condenação do município a restabelecer o fornecimento de água e a pagar uma indemnização.

O TAF declarou nulo o embargo, por impossibilidade do seu objecto – visto que ele recaíra sobre uma obra já concluída. Mas julgou improcedente o pedido de que se repusesse o fornecimento de água, por isso supor uma licença de utilização de que a autora carece (cfr. o art. 82º do RJUE); e negou ainda procedência ao pedido indemnizatório.

A autora apelou na parte em que decaíra; porém, o TCA confirmou esse segmento decisório da 1.ª instância.

Na presente revista, a recorrente continua a questionar o acerto dessas pronúncias absolutórias.

Ora, e quanto à questão do fornecimento de água, parece – numa «summaria cognitio» – que as instâncias não foram persuasivas. Na verdade, a referida casa dispunha, antes da obra, de fornecimento público de água; o corte desse fornecimento deu-se nos termos do art. 103º, n.º 3, do RJUE, isto é, por causa do embargo; e, estando judicialmente assente que o embargo é nulo, tudo sugere que o município devia ser condenado a restabelecer tal fornecimento – pois, «cessante causa, cessat effectus».

Por outro lado, a argumentação das instâncias em torno do art. 82º do RJUE afigura-se, «primo conspectu», construída à margem dos acontecimentos.

Justifica-se, assim, submeter o aresto recorrido a reapreciação. Até porque a conduta pública que prive de água uma habitação – mesmo que secundária – constitui um assunto melindroso e sério, credor de um particular cuidado por parte dos tribunais.

Nestes termos, acordam em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 22 de Março de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.