Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0275/22.4BECTB
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:LILIANA CALÇADA
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
REENVIO PREJUDICIAL
OMISSÃO
ACTO
Sumário:I - Dado que o tribunal conheceu da questão que lhe competia apreciar, a não atribuição de relevância a um argumento aduzido pelas partes apenas poderia eventualmente conduzir a erro de julgamento, mas não a omissão de pronúncia.
II - O acórdão proferido considerou, implicitamente, que se encontrava dispensado de proceder ao reenvio prejudicial, mas constatou e revelou, expressamente, que a disposição do direito da União em causa já tinha sido objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça, mediante a indicação dos acórdãos pertinentes, devidamente citados - pelo que, tendo constatado a existência da referida jurisprudência, deu inteiro cumprimento à sua obrigação de revelar os motivos justificativos da dispensa do reenvio, cumprindo, pois, o disposto no artº 267º, § 3º, do TFUE.
III - Em consequência, não pode considerar-se que tenha ocorrido nos autos “a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva” , quer por inexistência de qualquer disposição aplicável de direito nacional que preveja a prolacção de um acto expresso de apreciação da necessidade de reenvio prejudicial, quer por cabal cumprimento da prescrição pertinente do direito europeu, contida no artº 267º, § 3º, do TFUE, interpretado à luz da jurisprudência atendível – o que determina a improcedência da nulidade invocada, por não se mostrar preenchida a previsão do artº 195º, nº 1, do CPC.
IV - Não se mostra prejudicado o fim processual de assegurar a justa decisão da causa através do julgamento/conhecimento de mérito da revista, dado que foram expressamente enunciados todos os fundamentos indispensáveis à dispensa da obrigação de reenvio, não ficando, por isso, de nenhum modo comprometido o conhecimento regular da causa, uma vez que esses fundamentos, bem patentes no acórdão reclamado, cumprem inteiramente o motivo de dispensa de reenvio que resulta de a disposição do direito da União em causa já ter sido objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça, em plena obediência a essa interpretação e ao entendimento constante do acórdão CILFIT e do acórdão de 6/10/2021, Proc. nº C-561/19.
V - Assim, mesmo que, por hipótese, pudesse admitir-se ter sido cometida alguma eventual irregularidade, nunca a mesma poderia constituir a nulidade prevista no artº 195º nº 1 do CPC, por não poder influir no exame e na decisão da causa.
Nº Convencional:JSTA000P31915
Nº do Documento:SA1202402080275/22
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE COIMBRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. A..., S.A., Autora e Recorrente nos presentes autos, notificada do acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo em 7/12/2023, que negou provimento à revista que havia interposto, vem arguir nulidades do referido acórdão, por aplicação conjugada do disposto nas alíneas b), c) e d) dos artigos 615º, nº 1, 685º e 666º nº 2 do CPC, ex vi do artº 1º do CPTA, com os seguintes fundamentos:

“1.O Acórdão do STA ora notificado é nulo:
1.1. porque os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros não se pronunciaram sobre duas questões que deviam apreciar: os pontos 6.3 e 6.4. das conclusões da revista (alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil (CPC));
1.2. por falta absoluta de fundamentação da decisão de não proceder ao reenvio prejudicial que era obrigatório (cf. al. b) do n.º 1 do art. 615.º, do CPC);
1.3. ou, subsidiariamente, atenta a omissão de ato ou de formalidade que a lei prescreve e que influencia, decisivamente, no exame ou na decisão da causa (cf. n.º1, do artigo 195.º, do CPC);
2. No que respeita à decisão de indeferir o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente:
2.1. O Acórdão do STA é nulo porque os fundamentos estão em oposição com a decisão, gerando ambiguidade/obscuridade que torna a decisão ininteligível (cf. artigo 615.º, n.º1, alínea c), do CPC);
2.2. A interpretação dos artigos 6.º, n.º7, do RCP, e 530.º, n.º7, do CPC, efetivamente aplicada pelos Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, é claramente inconstitucional pois:
2.2.1. atenta conta o cláusula constitucional europeia, que consagra o princípio da cooperação leal e princípio do primado do direito da UE (cf. artigos 7.º, n.º4, e 8.º, n.º 4, da CRP);
2.2.2. o montante em causa é ostensivamente desproporcional e excessivo, por violação do princípio da proporcionalidade, máxime na vertente do principio da proibição do excesso (artigo 18.º, n.º2, 2.ª parte, da CRP, e do direito fundamental de acesso à Justiça e ao Direito (artigo 20.º, n.º 1, da CRP).”

2. Devidamente notificados os recorridos, Município de Coimbra e a contra-interessada C..., Lda., apenas esta se pronunciou, requerendo a final que “sejam julgadas improcedentes as nulidades processuais suscitadas, e consequentemente seja mantido o Douto Acórdão reclamado”.

3. Sem vistos, cumpre apreciar e decidir em conferência.

Defende a reclamante que o acórdão proferido incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artº 615º, nº 1, al. d) do CPC, quanto à matéria constante dos pontos 6.3 e 6.4 das conclusões da revista, os quais entende não terem sido apreciados e que apresentam o seguinte conteúdo:

“6.3. A Proposta da Recorrente, Representante de uma marca de autocarros, cumpre o standard de autonomia e independência decisória relativamente à B..., representante de outra marca de autocarros: Ambas as sociedades concorrem uma contra a outra e contra todos.
6.4. As decisões prolatadas no âmbito do presente processo jurisdicional reconhecem uma discricionariedade ao Júri e às entidades adjudicantes quanto à decisão de exclusão e quanto à densificação normativa do conceito de indício plausível inconstitucional e claramente desconforme com o Direito da União Europeia; É a própria Comissão Europeia que adverte que uma tal liberdade de decisão administrativa não é possível quando a legislação nacional exigir que as autoridades adjudicantes excluam o proponente. É o caso da lei portuguesa.”

4. Vejamos se lhe assiste razão.
Nos termos do disposto no artº 608º nº 2 do CPC “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Em consonância com tal norma, as nulidades da sentença previstas no artº. 615º CPC dizem respeito unicamente a vícios estruturais ou intrínsecos da mesma, qualificados na doutrina como erros de atividade ou de construção da própria sentença, os quais se não confundem com eventuais erros de julgamento de facto e/ou de direito.
Dispõe-se no artº 615º nº 1, al. d), do CPC que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Como constitui jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo “a omissão de pronúncia só existe “quando o tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas pelas partes, isto é, os problemas concretos que haja sido chamado a resolver, e não quando deixe de apreciar razões, argumentos, raciocínios, considerações, teses ou doutrinas invocadas pelas partes em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão das questões colocadas.
O que significa que, como a doutrina e a jurisprudência têm repetidamente explicado, “questões” não se confundem com argumentos ou razões. Por isso, quando as partes colocam ao tribunal determinada questão, socorrendo-se a cada passo de várias razões ou fundamentos para fazer valor valer o seu ponto de vista, o que importa é que o tribunal decida a questão colocada, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos, argumentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” - acórdão de 2/10/ 2013, na revista nº 0971/13.
Assim, a referência a “questões” a que alude o artº 615º, nº 1, al. d), do CPC, diz respeito às pretensões submetidas à apreciação judicial, ao thema decidendum, e não a cada uma das teses esgrimidas pelas partes no âmbito da controvérsia.

5. No caso dos autos, a questão efetivamente colocada ao tribunal para decisão encontra-se perfeitamente delimitada e foi desde logo formulada pela própria reclamante no artº 47º da sua petição inicial, onde se refere que “A Decisão de Adjudicação e de homologação do Relatório Final, relativa ao LOTE ..., proposta pelo Júri do presente procedimento concursal é ilegal e inválida porquanto, nos termos seguintes:

1.A decisão de adjudicação e de homologação do Relatório Final, atinente ao LOTE ..., é ilegal, por violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito do normativo ínsito na alínea g), do n.º 2, do art.º 70, do CCP, considerando a inexistência de “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência” invocados pelo Júri”.
Foi esta igualmente a questão decidenda identificada no acórdão que admitiu a revista, onde se referiu que “a questão que está em causa nos autos é sobretudo a de saber se a proposta da A. foi bem excluída por os factos provados permitirem concluir pela aplicação da al. g) do nº 2 do artº 70.° do CCP em virtude de existirem “fortes indícios “de falseamento da concorrência” – questão que igualmente se identificou no acórdão de 7/12/2023, no seu ponto 11., por meio de transcrição do ponto 6. das conclusões da alegação da recorrente: “6. 0 Acordão recorrido confirma a sentença da 1ª Instância, a qual padece de ostensivos erros de julgamento, baseados numa incorreta apreciação dos factos dados como provados, bem como numa interpretação errónea e ilegal dos pressupostos jurídicos da cláusula de exclusão contida na alínea g), do nº 2, do artigo 70º do CCP”
Ora, face ao teor do acórdão de 7/12/2023, é manifesto que o mesmo apreciou cabalmente a questão decidenda, com base na matéria de facto provada e no direito nacional e europeu aplicáveis, tendo concluído que “No caso dos autos, os múltiplos indícios recolhidos através da análise das propostas são claramente objectivos e concordantes, não respeitando apenas a aspectos meramente formais, mas igualmente a aspectos substanciais , decorrentes do conteúdo escrito do texto das propostas, indubitavelmente revelador da falta de autonomia e independência das mesmas – pelo que constituem os fortes indícios a que se reporta o fundamento de exclusão constante do artº 70º nº 2 al. g) do CCP.” Acresce igualmente que, em momento anterior à decisão final de exclusão, é conferida aos proponentes a oportunidade de se pronunciarem sobre esses indícios e de apresentarem prova em sentido contrário, através do exercício do seu direito de audiência prévia, como sucedeu efectivamente com a recorrente no caso dos autos – pelo que tal exclusão não pode considerar-se automática, nem viola o principio da proporcionalidade, sendo certo que a recorrente não conseguiu demonstrar o cumprimento do “standard de autonomia e independência decisória relativamente à B...”, ao contrário do que invoca ponto 6.3 das suas conclusões.”
Defende a reclamante que o acórdão não se pronunciou sobre o enunciado no ponto 6.3 das conclusões pelo facto de não ter abordado “a questão de a Recorrente ser um Concessionário ou Representante de uma Marca”.
Porém, trata-se claramente não de uma questão, mas de um mero argumento, uma vez que o tribunal se pronunciou efectivamente, conforme supra enunciado, quanto à autonomia e independência das propostas da A... e da B..., invocadas na conclusão 6.3, concluindo pela falta das mesmas.
Falta de autonomia e de independência de que a recorrente discorda, mas que se traduz, assim, numa mera discordância em relação ao decidido e não em qualquer omissão. A não atribuição de relevância ao aduzido argumento poderia conduzir eventualmente a erro de julgamento, mas não a omissão de pronúncia, dado que o tribunal apreciou a questão que lhe competia apreciar. Se o fez bem ou mal, constituirá matéria de erro de julgamento, mas não integra qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
6. O mesmo se verifica relativamente à alegada omissão de pronúncia sobre o ponto 6.4 das conclusões da revista.
Com efeito, este ponto das conclusões integra dois segmentos, referindo um deles ser inconstitucional reconhecer “discricionariedade ao Júri e às entidades adjudicantes quanto à decisão de exclusão e quanto à densificação normativa do conceito de indício plausível” – inconstitucionalidade que parece corresponder à que foi indicada no ponto 7.2 das conclusões e sobre a qual a recorrente não suscita qualquer omissão de pronúncia – tanto mais que o acórdão de 7/12/2023, no seu ponto 24., a incluiu nas inconstitucionalidades aí referidas.
No outro segmento, refere-se que essa discricionariedade “é desconforme com o Direito da União Europeia; É a própria Comissão Europeia que adverte que uma tal liberdade de decisão administrativa não é possível quando a legislação nacional exigir que as autoridades adjudicantes excluam o proponente. É o caso da lei portuguesa”.
Ora, quanto a este segundo segmento a reclamante defende que “ao contrário do que é sugerido no Acórdão sub juditio, tais opiniões – a de que existe livre margem de decisão administrativa na decisão de exclusão e, indiretamente, na definição do conceito de indício suficientemente plausível das autoridades adjudicantes – não se aplicam in casu” – entendimento que afirma dever extrair-se do documento da Comissão Europeia “Comunicação sobre ferramentas para lutar contra a colusão na contratação pública e sobre orientações relativas à forma de aplicar o respetivo motivo de exclusão (2021/C 91/01)” que foi citado e parcialmente transcrito no acórdão de 7/12/2023.
Assim, o que se verifica é que a reclamante defende ser errada a interpretação efectuada no acórdão, a qual teve por base o conteúdo daquela Comunicação, nos termos que resultam dos excertos no mesmo transcritos – o que constitui claramente uma manifestação de discordância relativamente à decisão, mas não integra obviamente omissão de pronúncia quanto à questão decidenda.
Trata-se, pois, de situação idêntica à supra analisada quanto ao ponto 6.3 das conclusões, ambas sem cabimento na hipótese prevista no artº 615º, nº1, al. d), do CPC, dado que o acórdão conheceu de todas as questões que lhe competia resolver - sendo de inteira aplicação nos presentes autos o entendimento sufragado pelo Pleno deste STA no acórdão proferido em 5/7/2012, na revista nº 832/07, em cujo sumário se consignou que “I – Questões a ser resolvidas e argumentos em discussão são coisas diferentes; II – Só existe omissão de pronúncia se não forem resolvidas as questões que devam ser resolvidas”.
Improcede, assim, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

7. Por outro lado, alega a reclamante que “o Acórdão do STA sub juditio é nulo por falta absoluta de fundamentação da decisão de não proceder ao reenvio prejudicial que era obrigatório; ou, subsidiariamente, atenta a omissão de ato ou de formalidade que a lei prescreve e que influencia, decisivamente, no exame ou na decisão da causa”.
Defende, em síntese, que “o STA tinha o dever de fundamentar a sua decisão de não proceder ao reenvio prejudicial, perante os requisitos do artigo 267.º, do TFUE, porquanto da presente decisão não cabe recurso judiciale que “(…) mesmo que os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros tenham concluído no sentido de que não era necessário o reenvio, a desconsideração dessa via não foi objeto de qualquer fundamentação. O Acórdão sub juditio é, com efeito, totalmente silente no que respeita aos fundamentos de facto e de direito da decisão de não proceder ao reenvio prejudicial, in casu. Essa falta absoluta de fundamentação de uma decisão assim impactante na decisão de mérito gera, inexpugnavelmente, a respetiva nulidade, em conformidade com o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC” (pontos 131 a 133).
Assim, a reclamante entende que a nulidade do acórdão resulta da falta de fundamentação da decisão implícita de não proceder ao reenvio prejudicial – pois, como refere no ponto 94, “há nulidade porque falta em absoluto a indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão de não proceder ao reenvio prejudicial.”
Porém, a causa de nulidade prevista no artº 615º, nº 1, al. b), do CPC diz respeito unicamente à falta de fundamentação da decisão de mérito, como resulta claramente de tal norma - “É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”
Conforme a reclamante bem sublinha nos pontos 90 a 95 do seu requerimento, citando abundante doutrina e jurisprudência, que aqui nos dispensamos de repetir, só a ausência total de qualquer fundamentação conduz à nulidade da sentença ou do acórdão, nos termos previstos no artº 615º, nº 1, al. b), do CPC.
Ora, o acórdão de 7/12/2023 mostra-se devidamente fundamentado, especificando com clareza os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nele contida.
A discordância da reclamante quanto aos fundamentos do acórdão, bem visível no seu requerimento, demonstra claramente a existência dos mesmos e não a sua ausência.
Assim, a falta de fundamentação que a reclamante invoca – “falta absoluta de fundamentação da decisão de não proceder ao reenvio prejudicial” – não constitui falta de fundamentação do acórdão proferido nos autos, e, em consequência, não integra, manifestamente, a nulidade invocada, que, por isso, se mostra improcedente.

8. Subsidiariamente, vem a reclamante invocar que “cabe arguir que face ao disposto no artigo 195.º, do CPC, a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva e que possa influir no exame ou na decisão da causa gera, igualmente, a nulidade”, o que fundamenta nos seguintes termos:
“137. estando em causa, nos termos do artigo 267.º, n.º 3, do TFUE, uma questão de interpretação do direito da UE, suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno;
138. sendo a interpretação dessa questão prejudicial necessária e pertinente para o julgamento do litígio;
139. não tendo o TJUE se tenha pronunciado de forma firme sobre a questão ou inexistindo jurisprudência sua consolidada sobre ela;
140. e tendo o STA dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa não ser claro e evidente; o reenvio prejudicial, in casu, era obrigatório. Porém,
141. mesmo que o STA tenha concluído em sentido contrário, ou seja, caso este órgão jurisdicional nacional, perante o qual tenha sido suscitada uma questão de interpretação do direito da União, decida não apresentar um pedido prejudicial nos termos da referida disposição, está obrigado a fundamentar adequadamente qual das três condições não se encontra preenchida e porquê. (Conclusões Advogado Geral - Processo C - 561/19 Consorzio Italian Management, Catania Multiservizi SpA contra Rete Ferroviaria Italiana SpA)
(…) 143. sendo o reenvio prejudicial, in casu, obrigatório, atenta a omissão de ato ou de formalidade que a lei prescreve e que influencia, decisivamente, no exame ou na decisão da causa, o presente Acórdão padece de nulidade, nos termos do n.º 1, do artigo 195.º, do CPC.”

Porém, não assiste razão à reclamante, dado que não se mostra preenchida a previsão do artº 195º, nº 1, do CPC.
Dispõe esta norma que “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
São, assim, nulidades processuais, na definição de Manuel de Andrade, [Noções Elementares de Processo Civil, 1976, fls. 175], quaisquer desvios ao formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais.
Ora, no caso dos autos, inexiste qualquer desvio ao formalismo processual aplicável ao recurso de revista, quer em termos de legislação nacional, quer em termos de regulamentação prevista no direito europeu, nomeadamente no TFUE.
Com efeito, o artº 267º, § 3º, do TFUE, prevê que “Sempre que uma questão desta natureza – [nomeadamente de interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União] - seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.”
Contudo, o direito europeu regula os termos em que se processa o reenvio prejudicial perante o TJUE, mas não prevê qualquer regulamentação dos termos em que no direito interno se deve processar a decisão de apreciação do reenvio, deixando tal matéria para os regimes de direito nacionais.
Por outro lado, quer no CPTA, quer no CPC, não se encontram normas processuais definidoras do regime do reenvio prejudicial, nomeadamente quanto ao tempo e modo de exercício pelo juiz nacional da decisão de proceder ou não ao reenvio prejudicial.
Há que atender, assim, à jurisprudência do TJUE, há muito firmada, quanto à interpretação do disposto no artº 267º § 3º do TFUE, nomeadamente ao conhecido acórdão CILFIT, proferido em 6/10/82, no Proc. nº C-283/81, e mais recentemente, em termos idênticos, ao acórdão de 6/10/2021, Consorzio Italian Management, Proc. nº C-561/19, do qual se salientam o seu considerando 51 e o respectivo segmento decisório:

51 A este respeito, decorre do sistema instituído pelo artigo 267.º TFUE, lido à luz do artigo 47.º, segundo parágrafo, da Carta, que, quando um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno considere, pelo facto de estar na presença de uma das três situações mencionadas no n.º 33 do presente acórdão, que está dispensado da obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial, prevista no artigo 267.º, terceiro parágrafo, TFUE, os motivos da sua decisão devem revelar, ou que a questão de direito da União suscitada não é pertinente para a solução do litígio, ou que a interpretação da disposição em causa do direito da União se baseia na jurisprudência do Tribunal de Justiça ou, na falta dessa jurisprudência, que a interpretação do direito da União impõe-se ao órgão jurisdicional nacional que decide em ultima instância com tal evidência que não dá lugar a nenhuma dúvida razoável.”
O artigo 267º TFUE deve ser interpretado no sentido de que um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno deve cumprir a sua obrigação de submeter ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à interpretação do direito da União perante si suscitada, a menos que constate que essa questão não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa já foi objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a interpretação correta do direito da União se impõe com tal evidência que não dá lugar a nenhuma dúvida razoável.” (sublinhado e destaque aditados)
Desta jurisprudência do TJUE, nomeadamente das expressões destacadas – “considere que está dispensado”, “os motivos da sua decisão devem revelar”, “a menos que constate” – não decorre que a decisão do juiz nacional de proceder ou não ao reenvio tenha de constar de algum acto processual específico ou com formalismo processual fixado.
Basta que o mesmo constate e revele que o motivo por que considera estar dispensado do reenvio prejudicial é, nomeadamente, o facto de a disposição do direito da União em causa já ter sido objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça.
A jurisprudência do TJUE não exige que tenha de ser proferido um acto distinto e separado do acórdão de apreciação do mérito.
Ora, no caso dos autos, o acórdão proferido revela inequivocamente que as disposições do direito da União que no mesmo são invocadas já foram objecto de interpretação em diversos acórdãos do Tribunal de Justiça, que aí são referidos e citados – Assitur, de 19/5/2009, Proc. C-538/07; Lloyd´s of London, de 8/2/2018, Proc. C-144/17; Specializuotas transportas, de 17/5/2018, Proc. C-531/16, e Landkreis Aichach-Friedberg, de 15/9/2022, Proc. C-416/21.
Salientou-se ainda, quanto a este último acórdão, o mais recente, C-416/21, de que é feita extensa transcrição, que estava em causa uma situação com contornos semelhantes à dos presentes autos” e conclui-se no ponto 23, a final, (fls.19) que “É, assim, patente, a inteira consonância, quer do acórdão recorrido, quer do acto impugnado, com o direito e a jurisprudência comunitários aplicáveis.”
Assim, é manifesto que o acórdão proferido considerou, implicitamente, que se encontrava dispensado de proceder ao reenvio prejudicial, mas constatou e revelou, expressamente, que a disposição do direito da União em causa já tinha sido objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça, mediante a indicação dos acórdãos pertinentes, devidamente citados - pelo que, tendo constatado a existência da referida jurisprudência, deu inteiro cumprimento à sua obrigação de revelar os motivos justificativos da dispensa do reenvio, cumprindo, pois, o disposto no artº 267º, § 3º, do TFUE.
Em consequência, não pode considerar-se que tenha ocorrido nos autos “a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva” , quer por inexistência de qualquer disposição aplicável de direito nacional que preveja a prolacção de um acto de apreciação da necessidade de reenvio prejudicial, quer por cabal cumprimento da prescrição pertinente do direito europeu, contida no artº 267º, § 3º, do TFUE, interpretado à luz da jurisprudência atendível – o que determina a improcedência da nulidade invocada, por não se mostrar preenchida a previsão do artº 195º, nº 1, do CPC.

9. Importa sublinhar, quanto à jurisprudência supra referida, a afirmação constante do ponto 96 da reclamação, onde se refere que o STA defende que o Acórdão TJUE de 8/2/2018, P. C-144/17, Lloyd’s of London c/ Arcapal, cuja aplicabilidade ao caso sub juditio foi sustentado pelo MP e pela Recorrente, não é claramente aplicável”.
Ora, o acórdão proferido não refere essa alegada inaplicabilidade, referindo sim que se trata nos autos “de uma situação de facto distinta da que foi analisada no Acórdão TJUE de 8/2/2018, P. C-144/17, Lloyd’s of London” (fls. 12), explicitando-se esses aspectos distintos e citando-se o segmento decisório deste referido acórdão.
Por outro lado, quanto à jurisprudência que foi citada no acórdão proferido, a reclamante refere-se aos acórdãos Assitur (C-538/07) e Specializuotas transportas (C-531/16), concluindo que:
“97. Sucede que os restantes Acórdãos do TJUE elencados no presente Acórdão não sustentam as decisões adotadas pelo STA quanto às questões em discussão no caso sub juditio. Antes pelo contrário. ( … )
101. E, portanto, impõe-se reconhecer que o único Acórdão que poderia ser aplicado ao caso era, precisamente, o que o STA considerou que não era aplicável. Sucede que
102. a obrigatoriedade do reenvio ocorre, precisamente, quando o TJUE ainda não se tenha pronunciado sobre a questão (ou não se tenha pronunciado de forma firme) e da, consequente, inexistência de jurisprudência (ou de jurisprudência consolidada) sobre a mesma questão.
103. Tornando compreensíveis quaisquer dúvidas razoáveis que os juízes nacionais mais ou menos assumidas, quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa não ser, minimamente, claro e evidente.
104. Dúvidas essas (compreensíveis, insista-se) que, a existirem, devem ser esclarecidas.
105. Um tal esclarecimento seria necessário, pertinente e indispensável ao julgamento do presente litígio.” (sublinhado aditado)
Desde logo é de realçar que a reclamante nunca suscitou nos autos qualquer questão relativa ao esclarecimento das invocadas dúvidas quanto ao direito da União, sendo certo que, nem nas alegações da revista, nem da apelação, requereu que se procedesse ao reenvio prejudicial que agora considera necessário.
Acresce que a reclamante, nos pontos 97 a 105 acima referidos, omitiu totalmente qualquer referência ao acórdão do TJUE proferido em 15/9/2022, no Proc. nº C-416/21, no qual estava em causa uma situação com contornos semelhantes à dos presentes autos, como expressamente se referiu no acórdão reclamado.
Assim, tem de concluir-se que a reclamante não contesta a consonância do acórdão proferido com a jurisprudência da UE evidenciada naquele acórdão de 15/9/2022, onde se declarou que “o referido artigo 57º, nº 4, não impede que o princípio da igualdade de tratamento, prevista no artigo 36º nº 1, da Diretiva 2014/25, possa obstar à adjudicação do contrato em causa a operadores económicos que constituem uma unidade económica e cujas propostas, embora apresentadas separadamente, não são autónomas nem independentes.”
É precisamente tal acórdão do TJUE, a que a reclamante omite qualquer referência, que vem consolidar a jurisprudência da UE constante dos seus anteriores acórdãos Assitur, Lloyd´s e Specializuotas, como bem se demonstra no artigo publicado na Revista de Direito Administrativo, Ano VII, nº 19, Janeiro-Abril de 2024, a fls. 131 e segs, da autoria de Adolfo Mesquita Nunes, intitulado “O Acórdão Landkreis Aichach-Friedberg e o fim do ângulo morto no combate às práticas anticoncorrenciais de empresas em relação de grupo ou de domínio na contratação pública”:

“Na resposta à segunda e terceira questões, o Acórdão LandkreisAichach-Friedberg vem robustecer a plena legitimidade de recorrer ao quadro de princípios da contratação pública para excluir essas propostas.
O TJUE é claro ao afirmar que o artigo 57.°, n.° 4, da Directiva 2014/24/UE enumera exaustivamente os motivos facultativos de exclusão, mas que tal circunstância não impede que o princípio da igualdade de tratamento possa obstar à adjudicação do contrato a operadores económicos que constituem uma unidade económica e cujas propostas, embora apresentadas separadamente, não são autónomas nem independentes (§57).
Em particular, o TJUE considera que, no caso de concorrentes interligados, o princípio da igualdade de tratamento será violado se se admitir que estes possam apresentar propostas coordenadas ou concertadas, isto é, não autónomas nem independentes, suscetíveis de lhes conferir vantagens injustificadas relativamente aos outros proponentes (§59).
Neste contexto, nenhum obstáculo existe a que as entidades adjudicantes recorram ao quadro de princípios da contratação pública para excluir propostas nestas circunstâncias. Mais do que isso, o TJUE diz que o respeito do princípio da proporcionalidade exige que a entidade adjudicante seja obrigada a examinar e a apreciar os factos, a fim de determinar se a relação existente entre duas entidades exerceu uma influência concreta no conteúdo das respectivas propostas e que a constatação de que as ligações entre os proponentes tiveram uma influência sobre o conteúdo das propostas basta para que essas propostas não possam ser tidas em conta pela entidade adjudicante, uma vez que tais propostas devem ser apresentadas com total autonomia e independência quando provenham de proponentes interligados (§60 e 61).
4. Conclusão - O recente Acórdão Landkreis Aichach-Friedberg do TJUE veio colocar um ponto final no ângulo morto que permitia que práticas anticoncorrenciais de empresas em relação de grupo ou domínio escapassem da causa de exclusão que literalmente as procura evitar: artigo 57º, nº 4, alínea d) da Directiva 2014/24/UE e a alínea g) do nº 2 do artigo 70º do CCP.
As empresas em relação de domínio ou de grupo deixam assim de beneficiar da “imunidade de grupo”, podendo estas, sempre que se verifique a existência de fortes indícios de actos, acordos, práticas ou informações susceptíveis de falsear as regras de concorrência, ver as suas propostas excluídas ao abrigo de tais causas de exclusão.” (sublinhado aditado)

10. Por fim, cumpre salientar que, se por hipótese pudesse entender-se existir nos autos a omissão de um acto ou de uma formalidade prescritas na lei, ainda assim não ocorreria a invocada nulidade, uma vez que não se verifica a condição estabelecida na 2ª parte do nº 1 do artº 195º do CPC – só se produz a nulidade “quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
Comentando norma idêntica constante do artº 201º do antigo CPC pronunciava-se o Prof. Alberto dos Reis nos seguintes termos:
«O que há de característico e frisante no artigo 201.º é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos: a) Quando a lei expressamente a decreta; b) Quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. (…) O 2.º caso em que a infracção formal tem relevância deixa ao juiz um largo poder de apreciação. É ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entenda que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa.
(…) Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.”(Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. II, págs. 484 a 487) ( sublinhado aditado).
Ora, no caso dos autos, o fim de assegurar a justa decisão da causa através do julgamento/conhecimento de mérito da revista, não se mostra prejudicado, dado que foram expressamente enunciados todos os fundamentos indispensáveis à dispensa da obrigação de reenvio - e, não ficou, por isso, de nenhum modo comprometido o conhecimento regular da causa, uma vez que esses fundamentos, bem patentes no acórdão reclamado, cumprem inteiramente o motivo de dispensa de reenvio que resulta de a disposição do direito da União em causa já ter sido objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça, em plena obediência a essa interpretação e ao entendimento constante do acórdão CILFIT e do acórdão de 6/10/2021, Proc. nº C-561/19.
Assim, mesmo que, por hipótese, pudesse admitir-se ter sido cometida alguma eventual irregularidade, nunca a mesma poderia constituir causa da nulidade prevista no artº 195º nº 1 do CPC, por não poder influir no exame e na decisão da causa.

11. Invoca ainda a reclamante que “No que respeita à decisão de indeferir o pedido de dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente:
2.1. O Acórdão do STA é nulo porque os fundamentos estão em oposição com a decisão, gerando ambiguidade/obscuridade que torna a decisão ininteligível (cf. artigo 615.º, n. º1, alínea c), do CPC)”
Como fundamento das referidas oposição e ambiguidade/obscuridade alega a reclamante o seguinte:
“172. o presente Acórdão assume, implicitamente, nos termos arguidos supra, que não obstante estarem reunidos os respetivos pressupostos, estavam reunidas as condições para o STA dispensar o reenvio prejudicial obrigatório.
173. Contraditória e incongruentemente, vem, depois, invocar a alegada complexidade na “análise de direito e jurisprudência comunitárias em área de especificidade técnica como é o contencioso pré-contratual” para não dispensar a Recorrente de pagar o remanescente da taxa de justiça, não obstante a respetiva conduta processual exemplar. (…)
178. se a questão é clara ao ponto de justificar a dispensa do reenvio prejudicial obrigatório, então não pode ser complexa; e sobretudo não é legítimo que a alegação dessa complexidade se funde na necessidade de “análise de direita e jurisprudência comunitárias em área de especificidade técnica como é o contencioso pré-contratual”, pelas razões expostas.(…)
182. Ou seja, impõe-se notar mais um vício lógico que afeta a presente decisão: se o que é prolixo se mede em função da complexidade, logo se é complexo, tem de ser prolixo. É, no mínimo, profundamente contraditório invocar a complexidade para, logo a seguir, sancionar a alegada prolixidade….”
Contudo, salvo o devido respeito, não se verifica a nulidade invocada.
O acórdão salientou a prolixidade das peças processuais da recorrente, face à exagerada extensão das mesmas, sendo certo que tal prolixidade constitui factor legal da especial complexidade prevista no artº 530º nº 7 do CPC.
Ora, segundo o dicionário de português online, disponível em https://www.lexico.pt/prolixo/, “diz-se de quem utiliza palavras em demasia” que é prolixo, pelo que, tendo em atenção a previsão legal, não se vislumbra qualquer oposição entre esse fundamento e a decisão.
Por outro lado, não decorre do facto de dever dispensar-se o reenvio prejudicial que deva considerar-se o recurso como não complexo ou de complexidade inferior ao normal, para efeitos de poder ser dispensado ou reduzido o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Assim, os fundamentos invocados no acórdão proferido constituem razões lógicas e coerentes da decisão a que conduziram, apresentando-se o entendimento da reclamante como uma discordância quanto aos mesmos, a qual, porém, não é susceptível de integrar a causa de nulidade prevista no artº 615º nº 1 al. c) do CPC.
Como refere Lebre de Freitas, “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica: se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” – Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, vol. 2º, pág. 704.
No caso dos autos, a linha de raciocínio seguida não se mostra contraditória com a decisão alcançada, uma vez que se afirmou a existência de complexidade superior ao normal, de especificidade técnica da matéria e de prolixidade das peças processuais da recorrente – do que resultou, sem qualquer contradição ou ininteligibilidade, a decisão de não concessão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, em inteira obediência ao disposto no artº 530º, nº 7, do CPC e artº 6º nº 7 do RCP.
Por outro lado, mostrando-se invocada a inconstitucionalidade do disposto no artº 6º, nº 7, do RCP e no artº 530º, nº 7, do CPC, a mesma encontra-se apenas meramente enunciada, por referência aos artºs 7º, nº 4, 8º, nº 4, 18º nº 2, 2ª parte e 20º nº 1 da CRP, sem que tenha, contudo, sido efectuada a devida densificação do alegado - o que afasta qualquer possibilidade de apreciação da referida inconstitucionalidade.
Em consequência, não se mostra procedente a arguição de nulidade constante do artº 615º, nº 1, al. c) do CPC.

DECISÃO:

Nos termos expostos, acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, em:

- Indeferir a presente reclamação de arguição de nulidades apresentada pela Autora A..., S.A..

Custas do incidente a cargo da requerente, pelo mínimo legal.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024 – Liliana Maria do Estanque Viegas Calçada (relatora) – Cláudio Ramos Monteiro – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.