Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:089/23.4BELSB
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EXCLUSÃO DE CONCORRENTE
INTERESSE EM AGIR
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão confirmativo da sentença que negara á autora interesse em agir para impugnar o acto de adjudicação num concurso e o próprio procedimento concursal sem simultaneamente questionar o acto que excluíra a sua proposta, já que a solução do aresto segue uma jurisprudência estabilizada e que não requer apreciação.
Nº Convencional:JSTA000P31843
Nº do Documento:SA120240125089/23
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:B... SOCIEDADE DE LIMPEZAS, LDA. E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A..., SA (doravante A...), Autora na presente acção de contencioso pré-contratual, interpõe revista, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), de 12.10.2023, que negou provimento ao recurso jurisdicional que interpôs, mantendo a sentença recorrida que julgou improcedente a acção por aquela intentada, demandando o Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE, indicando como contra-interessadas B... Facility Services Lda (doravante B...), C..., D..., SA, E..., Lda, F..., Lda e G..., SA.
Fundamentam a admissibilidade da revista na circunstância de se estar perante a necessidade de uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações a B..., Lda defende a inadmissibilidade da revista ou a improcedência do recurso.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente acção administrativa de contencioso pré-contratual a A. demanda o Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE, indicando as contra-interessadas supra indicadas, formulando os seguintes pedidos:
- A anulação da deliberação do Conselho de Administração do réu – proferida no âmbito do concurso público com publicitação internacional nº ...40/23, visando a aquisição de serviços de limpeza hospitalar – que determinou a adjudicação do objecto do procedimento à contra-interessada B..., e bem assim os seus efeitos;
- anulação do procedimento concursal.

O TAC de Lisboa por sentença de 07.09.2021 julgou verificada a excepção dilatória de falta de interesse em agir da Autora e, em consequência absolveu o réu e a contra-interessada da instância.

O acórdão recorrido manteve o decidido pelo TAC, tendo entendido, em síntese, que, “Retomando o caso vertente verifica-se que na presente acção a autora não impugnou a decisão que excluiu a sua proposta, mas apenas o acto de adjudicação [diferente é a situação apreciada no Ac. do TCA Sul de 24.1.2013, proc. n.º 09446/12 – ao qual se alude na conclusão 10ª, da alegação de recurso -, pois aí a autora também impugnou em Tribunal o acto de exclusão da sua proposta], pelo que, estando a mesma definitivamente excluída do concurso público ora em causa, não tem a mesma interesse em agir para impugnar o acto de adjudicação, atento o estatuído no art.55º nº 1, al. a) do CPTA.
Cumpre, aliás, salientar que a idêntica conclusão se chegaria mesmo que se considerasse que in casu é aplicável o art. 103º nºs 2 e 3 (conclusão que se mostra incorrecta, pois, como acima referido, nesta acção não é deduzido a título principal qualquer pedido de declaração de ilegalidade do artigo 14º nº 4, do programa do concurso, e do artigo 14º nºs 1 e 3, das cláusulas técnicas do caderno de encargos, mas antes um pedido de anulação do acto de adjudicação com fundamento na ilegalidade desses documentos conformados do procedimento) – e não o art. 55º n.º 1, al. a) -, do CPTA, como defende a autora. (…)
No caso em apreciação a autora foi excluída (acto de exclusão que não impugnou) na medida em que o preço que apresentou é superior ao preço base, ou seja, a sua exclusão nada teve que ver com a pretensa ilegalidade do artigo 14º nº 4, do programa do concurso, e do artigo 14º nºs 1 e 3, das cláusulas técnicas do caderno de encargos (ao exigirem a apresentação de documento comprovativo de que o concorrente se encontra certificado pelas normas ISSO 9001, EN ISO 14001 ou OHRAS 18001), razão pela qual nunca se poderia atender ao conceito de interesse em agir previsto no art. 103º (nºs 2 e 3, do CPTA), pois a autora não foi prejudicada pelas referidas normas contidas em documentos conformadores do procedimento.
Finalmente, cabe sublinhar que o acto de adjudicação impugnado nestes autos não corresponde a um acto de aplicação concreta das disposições pretensamente ilegais (artigo 14º nº 4, do programa do concurso e artigo 14º nºs 1 e 3, das cláusulas técnicas do caderno de encargos), pois tal acto limita-se a escolher uma de entre as propostas apresentadas, de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, pelo que nunca seria aplicável o critério previsto no art. 103º (nºs 2 e 3, do CPTA), para aferir do interesse em agir da autora – neste sentido, Ac. do STA de 23.6.2022, proc. n.º 0193/21.3BELRA.
Concluiu, assim ser de negar provimento ao recurso interposto e manter a sentença recorrida.

Na presente revista a Recorrentes alega que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação dos arts. 55º, nº 1, al. a) e 103º, nºs 2 e 3 do CPTA, no que se refere à alegada necessidade do interessado ser especificamente prejudicado pelas normas ilegais para poder ter interesse em agir.

Ora, a questão versada nos autos, da aplicação do previsto nos arts. 55º, nº 1, alínea a) e 103º, nºs 2 e 3, ambos do CPTA aparenta ter sido bem decidida pelo TCA, através de uma fundamentação consistente, coerente e plausível, ao entender que a Recorrente não detinha interesse em agir para impugnar o acto de adjudicação num concurso sem simultaneamente questionar o acto que excluíra a sua proposta.
Aliás, o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência deste STA que cita [v.g., os recentes acs. de 23.06.2022, Proc. nº 0648/20.7BELRA e de 30.06.2022, Proc. nº 0927/20.3BELRA e o ac. de 13.03.2019, Proc. nº 0859/17.2BELSB], bem como com a melhor doutrina, pelo que não se justifica a reapreciação por este Supremo Tribunal (cfr. sobre questão semelhante os acs. desta Formação de 11.01.2019, Proc. nº 0860/18.9BELSB, que não admitiu a revista, por ser essa a jurisprudência estabilizada deste STA e de 29.10.2020, Proc. nº 01641/18.5BELSB).
Com efeito, as instâncias decidiram as questões em discussão de forma consonante, quanto à interpretação dos pertinentes normativos do CPTA e das normas do concurso (programa do procedimento e caderno de encargos) e, tudo indicando que o acórdão recorrido decidiu com acerto, o que exclui a necessidade da revista para uma melhor aplicação do direito.
Ao que acresce que as questões não se afiguram com particular relevância jurídica e social ou especial complexidade que justifique postergar a regra da excepcionalidade da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2024. - Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.