Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0337/15
Data do Acordão:05/07/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
REQUISITOS
APOSENTAÇÃO COMPULSIVA
Sumário:I - Mostra-se preenchido o requisito do “fumus non malus iuris”, previsto na 2ª. parte da al. b) do nº. 1 do artº. 120º do CPTA, se a apreciação dos vícios imputados ao acto que puniu a requerente com a pena e aposentação compulsiva implicar a análise e valoração da prova coligida no procedimento disciplinar e se a qualificação jurídica da materialidade apurada revelar alguma complexidade, não se podendo desde já concluir que esses vícios são inteiramente destituídos da possibilidade de procedência.
II - A imediata execução do acto punitivo causa prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para a requerente se, sendo a pensão de aposentação a que tem direitos de montante substancialmente inferior a seu actual vencimento, resulta dos factos apurados que a não concessão da suspensão de eficácia implicará a diminuição drástica do seu nível de vida, fazendo mesmo perigar a satisfação das necessidades básicas do seu agregado familiar.
III - Este dano da requerente deve prevalecer sobre razões de prevenção geral invocadas genericamente e sobre o prejuízo para o interesse público que resultaria da sua manutenção em funções, o qual não é sequer uma consequência da concessão da suspensão de eficácia, dado aquela ter sido, entretanto, suspensa, nos termos do artº. 110º, nº. 2, do EMP.
Nº Convencional:JSTA000P18991
Nº do Documento:SA1201505070337
Data de Entrada:01/19/2015
Recorrente:A............
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. A…………, Procuradora-Adjunta, intentou, contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), processo cautelar, onde pediu que se decretasse a suspensão de eficácia do Acórdão do Plenário daquele Conselho, datado de 27/01/2015, que não atendeu a reclamação que apresentara do Acórdão da respectiva Secção Disciplinar, de 25/11/2014, que lhe aplicara a pena de aposentação compulsiva.
Para tanto alega que, no caso, se mostram preenchidos os requisitos de decretamento da requerida suspensão de eficácia, pelas razões seguintes:
- O do “fumus boni iuris”, porque o acórdão suspendendo não valorou a prova que apresentara para justificar os atrasos verificados no andamento de alguns processos nem demonstrou a sua incapacidade definitiva de adaptação às funções que era pressuposto da aplicação da pena de aposentação compulsiva e violou os princípios do “non bis in idem”, consagrado no art.29.º,nº5, da CRP – por ter sido punida por factos já sancionados ao abrigo de um anterior processo disciplinar – e da proporcionalidade – por a pena aplicada ser manifestamente excessiva e desadequada à sua culpa;
- O do “periculum in mora”, porque a não concessão da suspensão de eficácia terá como consequência que deixe de perceber a remuneração como Procuradora-Adjunta, passando a auferir uma pensão de aposentação de montante substancialmente inferior, dada a sua antiguidade na função, o que comprometerá irremediavelmente a satisfação das necessidades básicas do seu agregado familiar, além de ter como consequência “a deterioração das suas condições psicológicas” por a desligação do serviço afectar a sua imagem e prestígio pessoal e profissional, havendo até o risco de sofrer uma recidiva da depressão major que já a afectara;
- O da proporcionalidade, uma vez que a continuação do exercício de funções de magistrada não representa qualquer prejuízo para o serviço, sendo, pelo contrário, o seu afastamento que é susceptível de causar dano ao interesse público, pois tem audiências de julgamento (inícios e continuações) marcadas até Maio de 2015 e todas aquelas em que interveio foram gravadas, além de que, dado o significativo volume de trabalho no serviço onde estava colocada, é de todo o interesse a sua permanência em funções.
A entidade requerida deduziu oposição, onde concluiu que a suspensão de eficácia deveria ser indeferida, por não se mostrar preenchido nenhum dos requisitos necessários para o seu decretamento.
Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Consideramos indiciariamente provados os seguintes factos:
a) A requerente é magistrada do MP, com a categoria de Procuradora-Adjunta e encontrava-se, em Fevereiro de 2015, a exercer funções na comarca de …………, no Departamento de Acção e Investigação Penal (DIAP);
b) Contra a requerente foi instaurado um processo disciplinar por lhe serem imputadas infracções pela violação do dever geral de prossecução do interesse público na célere e boa administração da justiça e do dever geral de zelo, decorrentes do atraso na prolação de despachos processuais, enquanto estivera colocada no 1º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de ………, entre 1/09/2012 e Julho de 2013;
c) No Relatório Final desse processo disciplinar, o sr. instrutor, considerando que a requerente incorrera em violação do dever de zelo, revelando negligência pelo cumprimento dos deveres do cargo, propôs que lhe fosse aplicada a pena de 30 dias de multa;
d) A Secção Disciplinar do CSMP, por Acórdão de 22/04/2014, entendendo que da instrução do processo disciplinar resultavam provados vários outros factos, devendo, por isso, ser aplicada uma pena mais grave do que aquela que se defendia na acusação e no Relatório Final, determinou a devolução dos autos ao sr. inspector para ampliação do inquérito e eventual reformulação da acusação, seguindo-se os demais termos previstos no art.197º e seg. do EMP;
e) A requerente reclamou do Acórdão referido na alínea anterior, para o Plenário do CSMP, tendo essa reclamação sido indeferida pelo Acórdão deste Plenário de 17/06/2014;
f) Após ser reaberta a fase da instrução, ter sido deduzida nova acusação, apresentada a defesa escrita e emitido Relatório Final, onde se propunha a aplicação à requerente da pena de aposentação compulsiva, a Secção Disciplinar do CSMP, por Acórdão de 25/11/2014, aderiu a esse Relatório, deliberando aplicar-lhe a pena única de aposentação compulsiva, por violação do dever geral de prossecução do interesse público e do dever de zelo, infracções punidas em concurso, nos termos dos nºs.1 e 2 do art.188º do EMP, do nº3 do art.216º e do nº3 do art.9º do EDTFP/2008, actualmente nº3 do art.180º da LGTFP/2014;
g) A requerente reclamou, para o Plenário do CSMP, do Acórdão aludido na alínea anterior, nos termos constantes do documento de fls.39 a 51 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
h) Sobre essa reclamação, foi proferido o seguinte Acórdão do Plenário do CSMP:

1. A secção disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público deliberou, por Acórdão de 25 de Novembro de 2014, a aplicação de pena única de aposentação compulsiva, à lic. A…………, procuradora adjunta, por violação do dever geral de prossecução do interesse público e do dever de zelo, infracções punidas em concurso, nos termos dos nºs. 1 e 2 do artº 188 do EMP, do nº. 3 do art.s 216 e do nº. 3 do artº. 9º do EDTFP/2008 actualmente no nº. 3 do art.s 180 da LGTFP/2014.

2. Inconformada, a arguida reclamou do referido acórdão para o Plenário deste Conselho, ao abrigo do disposto no nº. 5 do artº 29 do EMP, nos termos constantes de fls 814 a 859, os quais se dão aqui por reproduzidos.

3. Na reclamação apresentada, a senhora magistrada veio alegar que:
a) Não nega a existência de atrasos no andamento de alguns processos, mas tais atrasos devem ser inseridos no quadro conjuntural das condições em que exerceu as suas funções, bem como no quadro de doença que a afectou. Não terá sido devidamente ponderado o seu quadro clinico, dado que padece de diabetes tipo II, existindo um evidente nexo de causalidade entre a doença e o atraso na tramitação dos processos que a reclamante tinha a seu cargo. Também não foi devidamente valorado quadro depressivo agravado que apresentava na altura e que resultou provado no processo.
b) Aquando da sua afectação ao 1º. juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal, a reclamante "herdou" um total de 833 processos pendentes, tendo dado entrada no 1º. juízo do TPIC de ………, no período compreendido entre 01.09.2012 e 01.09.2013, mais de 723 processos novos (conforme dados na acusação inicial). O que perfez entre 01.09.2012 e 01.09.2013 um total de 1556 processos de diversa índole, a cargo do MP junto daquele 1º. juízo, dos quais a reclamante findou num ano, 855 processos.
c) O juiz com quem trabalhava prolongava as audiências de julgamento, o que deixava muito pouco tempo à reclamante para acudir ao impulso dos processos da secção. O ritmo mais lento do senhor juiz, levou a que este fosse afastado do serviço do respectivo tribunal após uma avaliação menos meritória. Este facto não foi ponderado, tendo sido o relatório e a deliberação reclamada, omissos quanto a esta questão.
d) Por motivos de acompanhamento da vida dos seus filhos menores, adolescentes, não poderia, mesmo que a sua saúde o permitisse, trabalhar madrugada dentro, que seria no seu entender a única forma de dar despacho ao número de processos que lhe eram atribuídos.
e) Não agiu, por isso, «com manifesto desprezo pelas elementares e justificadas exigências do serviço que lhe estavam concretamente atribuídas» e não «nutriu absoluta indiferença» perante os atrasos.
f) Deu a conhecer ao senhor Procurador da República Coordenador, Lic. B…………, as suas dificuldades, no âmbito funcional, chegando a pedir ajuda suplementar de algum colega. Mas a resposta dada era sempre negativa, independentemente das dificuldades que pudesse experimentar. Os objectivos fixados pela hierarquia à reclamante para recuperação dos processos pendentes nunca tiveram em consideração as limitações de saúde de que sofria.
g) No período de férias, em Julho de 2013, despachou até final desse mês de Julho de 2013, cerca de metade dos processos que tinha no seu gabinete.
h) Por causa do seu esforço sofreu um esgotamento físico e entrou em baixa médica desde Setembro de 2013 até Fevereiro de 2014, momento em que regressou ao trabalho, porque o solicitou, tendo a Junta médica indicado que lhe deviam ser atribuídos "serviços moderados".
i) Em 2007 já havia sido colocada no tribunal de …….. e não teve, até 01.09.2009, qualquer reparo mantendo o seu serviço em dia.
j) Durante o período de permanência na secção de inquéritos, teve problema de índole pessoal, por ter sido vítima de violência doméstica, por parte de um ex-companheiro, que a perseguia com ameaças de morte, chegando a agredi-la física e psicologicamente, acabando este por se suicidar em Fevereiro de 2012 (matéria considerada no Relatório).
l) Não é verdade que revele «manifesta incapacidade de adaptação às exigências da função», como consta da acusação ou que tenha revelado negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres, designadamente do dever de zelo e prossecução do interesse público, quando sempre se prontificou e alertou para a superação dos atrasos verificados. Estes não podem ser da sua responsabilidade porque estão além das suas capacidades e do que lhe poderia ser exigido.
m) Não estão verificados os pressupostos de aplicação da sanção de aposentação compulsiva, nos termos da al. a) do artº. 184 do EMP, porque não revela qualquer incapacidade de adaptação às suas funções.
n) Tendo regressado da baixa médica em Fevereiro de 2014, desempenhou sem sobressaltos a sua função no 1º. Juízo de Família e Menores, como representante do MP, conforme Ordem de Serviço n.º 3/2014, de 19.2.2014, não se tendo registado qualquer anomalia, tendo até sido elogiada a sua intervenção nos processos tutelares, por parte do magistrado judicial com quem trabalha, o que foi constatado no relatório do senhor inspector.
o) Encontra-se desde Setembro de 2014 afecta à 8º. Secção do DIAP de ………, estando ainda a substituir a colega C………… na unidade de competência genérica criminal, sendo certo que as intervenções do MP em julgamento se intensificaram a partir do momento em que iniciou a substituição. Tem ainda a seu cargo a distribuição do expediente que entra para a secção central do Tribunal e que precisa de ser registado, autuado e distribuído como inquérito, assegurando a qualificação jurídica dos factos objecto dos inquéritos, para depois os registar e distribuir. Este trabalho tem sido realizado sem anomalias, apesar de lhe ter sido diagnosticada uma hérnia discal em Março de 2014, que por vezes se torna muito dolorosa, pelo que recusa as conclusões de que revelou inaptidão irreversível para o exercício das suas funções e que demonstra incapacidade de ajustamento ao desempenho funcional.
p) O seu afastamento irá provocar um grave e manifesto prejuízo para o serviço do Tribunal da Comarca de ………….
q) Não foram demonstrados os prejuízos na imagem do MP que os atrasos verificados causaram, nunca tendo sido apresentada contra si qualquer queixa por parte do público em geral, ou dos funcionários judiciais.
r) Considerando as finalidades de prevenção geral e especial das penas, com a aplicação da pena de aposentação compulsiva, não se está a permitir que a reclamante evolua ou melhore o seu desempenho. E a reclamante está neste momento a demonstrar que é plenamente capaz de o fazer.
4. Conclui a senhora magistrada reclamante que todos os factos que alegou constituem circunstâncias atenuantes que não foram tidas em conta, considerando ainda ter existido erro na escolha da pena, por violação da norma do artº. 185 do EMP, sendo no caso a pena de aposentação compulsiva inaceitável, excessiva, desadequada e desproporcional. Pugna pela revogação da Deliberação impugnada e pelo arquivamento do processo disciplinar, concedendo todavia que «em todo o caso, concluindo-se que o presente processo disciplinar deva prosseguir, não deverá ser aplicada à Reclamante pena disciplinar superior à advertência».


II - FUNDAMENTAÇÃO
5. Importa pois apreciar e decidir a reclamação apresentada pela Senhora Procuradora-Adjunta A………….
Na reclamação apresentada, a senhora magistrada invoca que o circunstancialismo relativo ao volume elevado de processos que ocorria no tribunal a que se encontrava afecta, e à diminuição temporária das suas capacidades, em função da sua condição física e psicológica, não foi devidamente valorado no plano das circunstâncias atenuantes.
Não lhe assiste porém, qualquer razão. Na realidade, os factos alegados e enunciados nas alíneas a), b), d), h), j), n), assim como o diagnóstico da hérnia discal, referido em o) foram conhecidos e devidamente valorados pela Deliberação de que reclama.
Esclareça-se, no entanto, que a indicação de serviços moderados por parte da junta médica abrangeu um período de apenas 60 dias pelo que, a partir do respectivo termo, a reclamante foi considerada apta para o serviço.
Quanto à influência do modo de trabalho do senhor juiz e da demora nos julgamentos no desempenho da arguida - facto sempre invocado na sua defesa, dir-se-á que foi tida em conta, apesar de não lhe ter sido dado o peso que a reclamante pretenderia. Não existe por isso omissão de pronúncia.
Este Conselho não desconsiderou quaisquer elementos constantes do processo, para mais se em abono da visada. Todavia, o ritmo lento do juiz com quem a magistrada trabalhava não implicou necessariamente acréscimo de serviço para esta. O volume de serviço a cargo da magistrada no período considerado no processo disciplinar não é excessivo, não se podendo extrair dos números que indica as consequências que pretende.
Refira-se, aliás, que resulta também da prova produzida que o mesmo volume de serviço foi assegurado por magistrada estagiária, que substituiu a reclamante naquela função e que cumpriu escrupulosamente as suas obrigações funcionais, sem atrasos nem dificuldades.
E o facto de a própria arguida ter dado a conhecer ao superior hierárquico a verificação de atrasos, não a desonera de responsabilidade, como parece pretender. A arguida reconheceu os atrasos nos processos que lhe estavam distribuídos e os seus alertas foram no sentido de pedir a colaboração de colegas e não de incrementar o esforço ou de acelerar o ritmo de trabalho. E a recuperação de pendências a que procedeu resultou de um controlo muito apertado exercido pelos seus superiores hierárquicos.

Contrariamente ao que pretende a reclamante, o despacho tardio de processos de inquérito, para além de criar riscos de prescrição do procedimento criminal, afecta a imagem do Ministério Público e causa prejuízos ao cidadão que não vê realizada justiça em tempo útil. A circunstância de não existirem queixas do público ou de funcionários não invalida esse juízo.
E a movimentação de processos posterior não pode ser invocada como atenuante, porque tardia e insuficiente, já que não eliminou os longos atrasos verificados, resultou de uma actividade fiscalizadora persistente da hierarquia e teve como efeito apenas o despacho de metade dos processos existentes no gabinete da arguida.

Pretende a arguida que teve sempre no Tribunal de ………, entre 2007 e 2009, um desempenho cabal.
Porém, a avaliação feita nas sucessivas inspecções a que foi submetida e cujos resultados se mostram documentalmente comprovados neste processo, não aponta nesse sentido.
Na realidade, a senhora magistrada foi classificada de suficiente, pelo serviço prestado como Procuradora-Adjunta na comarca de ……… e no DIAP de ………, por acórdão deste Conselho de 29.04.2002 (cfr. nota biográfica, fls. 20 a 22). Por acórdão de 21.01.2008, foi classificado de Medíocre o seu desempenho como Procuradora-Adjunta na comarca de ……… (ibidem).

Aliás, a avaliação que vem sendo feita do desempenho da arguida é coerente com a natureza e gravidade dos factos que são objecto deste processo que se sucedem reiteradamente ao longo da sua carreira, como se demonstrou no processo disciplinar e, oportunamente se especificará.

A arguida trouxe à reclamação novos factos, supervenientes à instauração do presente procedimento, ocorridos no decurso da sua prestação funcional, no período compreendido entre Fevereiro de 2014 e a data da reclamação. Considera que já recuperou da sua incapacidade, que qualifica como temporária para o serviço, estando a desempenhar com eficiência as suas funções no momento presente.
É, no entanto, legítimo questionar a estabilização da situação da arguida, considerando que entre os anos 2002 a 2014 esteve formalmente ausente, de baixa médica, em onze períodos distintos.
Importa, por outro lado, ponderar que foram sendo concedidas à arguida sucessivas oportunidades para inflectir um comportamento persistente, que originou várias intervenções em sede de disciplina, em que o mesmo quadro se foi repetindo sempre. A arguida, pese embora a boa qualidade técnica da sua intervenção, evidenciou persistentemente indiferença à sensibilização hierárquica e à reacção disciplinar, mantendo um registo permanente de falta de pontualidade, de intempestividade de resposta, de desinteresse pela função.
O seu registo disciplinar, documentado nos autos, é elucidativo desse percurso. Assim e atendo-nos a intervenções associadas ao seu desempenho funcional, verificamos que por acórdão da secção disciplinar deste Conselho de 17.10.2007 lhe foi aplicada a pena de 30 dias de multa por factos ocorridos na comarca de ………. Por acórdão da secção disciplinar de 6.6.2008 foi-lhe aplicada a pena de 30 dias de multa, também por factos ocorridos na comarca de ………. Por acórdão da secção disciplinar de 16.04.2009, foi-lhe aplicada a pena de 2 anos de inactividade, ainda por factos ocorridos na comarca de ……….
A arguida reiniciou funções na comarca de ……… em 01.09.2011, na sequência do cumprimento da pena de 2 anos de inactividade.
Aquando da imposição dessa pena, a arguida foi solenemente advertida de que a repetição de comportamentos análogos inviabilizava a manutenção da relação de confiança que deve existir no desempenho autónomo e responsável dos magistrados do Ministério Público.
Reproduz-se, para melhor elucidação, um excerto do acórdão condenatório: "Conclui, também, o Senhor Instrutor, que a Lic. A………… revelou inaptidão (incapacidade definitiva) para o exercício da função, impondo-se a aplicação da pena expulsiva, prevista no artigo 184º, nº. 1, a) e c) do Estatuto do Ministério Público. Porém, na sequência da ponderação efectuada, entendeu propor que não se aplicasse a pena expulsiva, dando "uma última oportunidade à magistrada visada, sancionando-a com pena disciplinar de inactividade, em lugar de lhe aplicar a pena de aposentação compulsiva, por manifesta incapacidade de adaptação às exigências da função e por manifesta inaptidão profissional".
Verifica-se, pois, que, na sequência de ponderação, em face da gravidade dos factos, entre uma pena expulsiva e uma pena não expulsiva, entendeu o senhor Instrutor que deveria ser dada uma derradeira oportunidade à visada, aplicando-se-lhe pena não expulsiva, em concreto pena de inactividade pelo período de tempo mais longo legalmente permitido (2 anos), a qual é a que melhor se adequa à sistemática e reiterada violação dos deveres próprios da função, por parte da magistrada visada, durante o longo período de tempo apreciado, com as gravíssimas consequências daí decorrentes, designadamente para os cidadãos a quem respeitavam os processos, a seu cargo, em que ocorreu a prescrição do procedimento criminal, e para o prestígio da acção do Ministério Público e o funcionamento do sistema de justiça, seriamente afectados com tal conduta:".
De facto e ao contrário do que o teor da reclamação faz pressupor, não estamos perante uma magistrada que sempre acompanhou o fluxo de trabalho a seu cargo sendo, ao contrário, poucos os períodos temporais em que tal sucedeu.

Os factos dados como provados integram, sem margem para dúvidas, grave violação dos deveres de zelo e de prossecução do interesse público.

Como refere Paulo Veiga e Moura, a pena de aposentação compulsiva implica que o dirigente do serviço público verifique uma impossibilidade de subsistência da relação funcional, pelo que a infracção terá que assumir uma gravidade tal que comprometa irremediavelmente a manutenção da relação de emprego, não podendo as exigências disciplinares do serviço, ser acauteladas com a aplicação de qualquer outra pena. É a última medida de que a administração dispõe para assegurar a disciplina no seu interior, e acautelar no exterior a eficiência, o prestígio e a confiança que terá necessariamente de possuir para prosseguir as suas atribuições. O período de tempo que passou desde a data em que a magistrada se apresentou ao serviço, no termo de um longo período de baixa médica, não é suficiente para se considerar que esta está apta para o serviço, sobretudo quando o trabalho que lhe está distribuído não tem a menor complexidade.
Como se refere no Relatório - que mereceu a adesão da Deliberação reclamada -, a decisão de afectação da magistrada a um trabalho tecnicamente menos exigente, por parte do Senhor Coordenador do então Círculo Judicial de ………, visava uma solução de menor risco para os serviços (cfr. fls. 752 do relatório).

Ao deliberar como deliberou, a Secção Disciplinar considerou o histórico do desempenho da magistrada, feito de inadaptação e de incumprimento. E extraiu as consequências adequadas à conduta da magistrada face a esse histórico e, em particular, face à advertência que ficou a constar do acórdão de 16.04.2009. A pena aplicada é, assim, proporcional e adequada aos factos e à personalidade da senhora magistrada reclamante.

A conduta da reclamante integra infracção grave aos deveres gerais de zelo e de prossecução do interesse público, previstos nas disposições dos artigos 3.º, nºs. 2 a) e e), 3 e 7 da Lei n.º 52/2008 de 9 de Setembro e actualmente no artigo 73.º, nº. 2, alíneas a) e e) Lei 35/2014 de 20 de Junho, agravadas pela produção efectiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral e pela acumulação de infracções (artigo 24.º, nº. 1º., alíneas b) e g) da Lei n.º 52/2008 e artigo 191º, nº. 1, b) e g) da Lei 35/2014 de 20 de Junho). Aquelas infracções são, atenta a gravidade dos factos, puníveis com penas de inactividade, no caso, não inferior a 2 anos (cfr., a alínea e) do nº. 1 do art.º 166º, n.º 1 e 3 do art.º 170º, 176º e 183º do Estatuto do Ministério Público) e de aposentação compulsiva (cfr., a alínea f) do n.º 1 do art.º 166º, art.° 171º, art.° 177º e al. a) do n.º 1 do art.º 184º, todos do EMP), por revelar definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função.

III- DECISÃO

6. Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se no Plenário do Conselho Superior do Ministério Público em não atender a reclamação apresentada pela Lic. A…………, aderindo-se integralmente aos fundamentos, de facto e de direito, do Acórdão reclamado, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e aplicando à magistrada a pena única de aposentação compulsiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 166º, nº. 1 al. f), artº. 171º, nº. 1, artº. 177º, artº. 184º. nº. 1 al. a), e artº. 188º todos do EMP e dos artigos 3º, nºs. 2 al. a) e e), e nºs 3 e 7 da Lei nº. 52/2008, de 9 de Setembro, actualmente artigos 73º, nº. 2, alíneas a) e e) e nºs 3 e 7 e art. 191º nº. 1 al. g) e nº. 4 da Lei 35/2014, de 20 de Junho (LGTFP), aplicáveis ex vi da norma do artigo 216º do EMP.”

i) Pela ordem de serviço nº10/2014, de 28/11/2014, do Procurador da República Coordenador da comarca de …………, foi determinado que a requerente, em acumulação de funções com as que vinha desempenando à luz do consignado na ordem de serviço nº1/2014, assumisse a incumbência de assegurar a representação do MP em todos os actos de audiências de julgamento (em processos criminais e de contra-ordenação) relacionados com o acervo de serviço adstrito à unidade de competência genérica criminal (………), devido à situação de baixa médica, desde 24/11/2014, a que se seguirá a previsível licença de parto/maternidade da srª.Procuradora-Adjunta, Drª. C…………, que exerce as funções de representação do MP naquela unidade;
j) O vencimento mensal ilíquido da requerente era, em Fevereiro de 2015,de €4.462,34, tendo nesse mês, lhe sido abonado um total líquido de €3.033,73;
k) A requerente não dispõe de outros rendimentos para custear as suas despesas e do seu agregado familiar;
l) A requerente é divorciada e tem 3 filhos, todos em idade escolar, com 15, 18 e 21 anos;
m) O ex-marido da requerente e pai dos seus filhos não contribui financeiramente para o sustento dos filhos, não pagando qualquer pensão de alimentos aos seus filhos menores;
n) A requerente tem as seguintes despesas mensais fixas:
- €229,49 mais €259,99, por dois empréstimos pessoais que contraiu junto da “………” e da “………”;
- Cerca de €300,00 em gasolina;
- Cerca de €285,98, pelo fornecimento de luz eléctrica, gás e água à sua habitação;
- €59,99, de mensalidade paga ao ginásio que frequenta;
- €109,54, a título de condomínio;
- Cerca de €1.000,00, a título da sua alimentação e do seu agregado familiar;
- €140,03, pela tv cabo e telefone;
- €27,66, pelo acesso à internet;
- Cerca de €100,00, a título de despesas de vestuário para si e para o seu agregado familiar;
- €250,00, com os almoços escolares dos seus filhos;
- €340,00 com a empregada doméstica;
- €288,00 pelas explicações de Matemática;
- Cerca de €200,00 a título de despesas medicamentosas.
o) A requerente paga a propina anual de €837,00 pela frequência de sua filha da Faculdade de ……… da Universidade de Lisboa;
p) A requerente paga trimestralmente a propina de €1762,70 pela frequência, por um dos seus filhos, da ………;
q) A requerente paga anualmente de Imposto Único de Circulação, pelo seu veículo de matrícula XJ-………, a quantia de €52,54 e a título de seguro de um ciclomotor a uso de um dos seus filhos a quantia de €147,07;
r) A requerente tem julgamentos marcados (inícios e continuação) até Maio de 2015;
s) Todas as audiências em que a requerente interveio foram gravadas;
t) A requerente esteve no exercício de funções até 17/02/2015;
u) Procedeu-se a inspecção ordinária ao serviço prestado pela requerente no período entre 1/09/2011 e 17/07/2014, tendo, por Acórdão da 2ª. Secção Para Apreciação do Mérito Profissional do CSMP, de 10/03/2015, sido deliberado atribuir-lhe a classificação de Medíocre e determinar a instauração de inquérito para avaliação de aptidão para o exercício de funções;
v) Em 1/04/2015, a Srª. Presidente do CSMP emitiu a seguinte Resolução Fundamentada:
1. O Conselho Superior do Ministério Público, Requerido na Providência Cautelar interposta pela Senhora Procuradora Adjunta Lic. A………… no Supremo Tribunal Administrativo, a correr termos pela 1.ª Secção, sob o n.° 337/15, com pedido de suspensão de eficácia da deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público de 27 janeiro de 2015, que confirmou, em sede de reclamação, a deliberação da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público de 25 de novembro de 2014, e manteve a aplicação à Requerente da pena disciplinar de aposentação compulsiva, vem apresentar resolução fundamentada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 128.º n.° 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA).
2. Independentemente das razões de ilegalidade que a Requerente aponta à deliberação punitiva, que se contestarão em sede própria, a interposição da providência cautelar de suspensão de eficácia de tal deliberação implica para o Conselho Superior do Ministério Público a proibição de prosseguir a respectiva execução, salvo se reconhecer que o diferimento da mesma é gravemente prejudicial para o interesse público.
3. A materialidade que se apurou no processo disciplinar que precedeu a deliberação punitiva, consubstanciada em atrasos no despacho e tramitação de processos de várias espécies e expedientes recebidos, revela uma conduta da Requerente gravemente lesiva dos interesses dos cidadãos a quem respeitam os processos a seu cargo, e que afeta seriamente o prestígio do Ministério Público e o funcionamento do sistema de justiça.
4. Assim sucede, por exemplo, com as condutas da Requerente consubstanciadas nos atrasos processuais continuados (contabilizados entre 2 a 5 meses) que a seguir se resumem: Foram encontrados na posse da Requerente, parados, sem despacho, para além do prazo legal, 7 processos executivos pendentes no 1.° Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de ………, em que não contestou a oposição à execução;
- Não respondeu aos recursos em duas contraordenações pendentes no 1.° Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal;
- Foram encontrados na posse da Requerente, por despachar, 12 processos de impugnação de decisão administrativa de contraordenação, em que devia ter proferido despacho a ordenar a apresentação do expediente ao Exmo. Juiz, dos quais 2 processos tinham 5 meses de atraso;
- Foram encontrados na posse da Requerente, por despachar, 47 processos para elaboração de um requerimento executivo a ser tramitado por via eletrônica, dos quais 20 com cinco meses de atraso;
- Foram encontrados na posse da Requerente, por despachar, 97 processos (comuns e especiais) da Secção do 1º. Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de ………;
- Foram encontrados na posse da Requerente, por despachar, 3 autos de inquérito-crime para prolação de despacho final e 12 autos de inquérito-crime para prolação de outros despachos;
- Foram encontrados na posse da Requerente, por despachar, 33 expedientes para julgamento na forma sumária.

5. A apreciação da conduta da Requerente operada pela decisão suspendenda permitiu ao Conselho Superior do Ministério Público concluir pela verificação, em concurso, de infração grave aos deveres gerais de zelo e de prossecução do interesse público, previstos nas disposições dos artigos 3.° n.°s 2, alínea a) e e), 3 e 7 da Lei n.° 58/2008, de 9 de setembro e atualmente no artigo 73.° n.° 2, alíneas a) e e) da Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, agravadas pela produção efetiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral e pela acumulação de infrações (artigo 24.° n.° 1, alíneas b) e g) da lei n.° 58/2008, de 9 de setembro e artigo 191º. n.° 1, alínea b) e g) da Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, que pela sua gravidade são puníveis com penas de inatividade não inferior a 2 anos (cf. artigos 166.° n.° 1, alínea e), 170.° n.°s 1 e 3, 176.° e 183.° do Estatuto do Ministério Público) e de aposentação compulsiva (cf. artigos 166.° n.° 1, alínea f), 171.°, 177.° e 184.º n.° 1. al. a) do Estatuto do Ministério Público), por revelar definitiva incapacidade de adaptação às exigências da função.
6. A punição deste tipo de comportamentos tem uma dimensão preventiva geral - que assume uma particular relevância numa Magistratura do Ministério Público, que prossegue a defesa do interesse público - que só é alcançável com a firme e pronta execução das penas.
7. A manutenção da Requerente em exercício de funções continuará a afetar de modo sério a imagem e o prestígio de uma Magistratura que não serviu, e continuará a prejudicar gravemente os interesses dos cidadãos envolvidos nos processos a seu cargo, contribuindo para o entorpecimento da justiça e assim lesando gravemente o interesse público na boa administração da justiça.
8. Essa lesão do interesse público é consequência inevitável de uma prática reiterada de atrasos de meses no despacho dos processos, sejam inquéritos ou processos da secção, de manter expediente recebido durante meses sem o despachar e lhe dar o devido seguimento, designadamente quando se trata de expedientes para julgamento na forma sumária, de não efetuar as peças processuais de resposta ao recursos, de contestação a oposições à execução ou de impulso de processos executivos, tudo em completo desinteresse pela função, que foi nisso que se consubstanciou a conduta da Requerente, sem que os seus reconhecidos problemas de saúde justifiquem ou sequer sirvam de explicação para tal conduta.

9. E não existem quaisquer razões para esperar que a Requerente alterasse a sua conduta, antes tudo indica que continuaria na mesma, como resulta claramente dos seus antecedentes disciplinares, pois já antes foi punida em 2007 com a pena de 30 dias de multa, outra vez em 2008 com a pena de 30 dias de multa e em 2009 com a pena de 2 anos de inatividade, sendo que desta vez já se entendeu existirem razões para aplicação de uma pena disciplinar expulsiva, mas, expressamente e com solene advertência, se lhe deu uma derradeira oportunidade, que não quis aproveitar para inverter a senda da violação grave dos seus deveres funcionais.

10. Em face do exposto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 128.° n.° 1 do CPTA, o Conselho Superior do Ministério Público reconhece que o diferimento da execução da pena disciplinar de aposentação compulsiva que aplicou à Requerente pela deliberação de 27 de janeiro de 2015 (cuja legalidade há de ser apreciada em sede e momento próprios) seria gravemente prejudicial para o interesse público, pelo que se mantém a execução da mesma.

Diligencie-se pela urgente notificação desta resolução à Requerente, Lic. A…………, e à sua Ilustre Mandatária.

Oportunamente apresente-se no Supremo Tribunal Administrativo cópia desta Resolução e da sua notificação ao Requerente e à sua Ilustre Mandatária, a fim de serem juntas aos autos.”

3. Para demonstração do requisito da aparência do bom direito, a requerente imputa ao acto suspendendo os seguintes vícios:

- Violação de lei e falta de fundamentação, por não resultar da prova produzida a sua incapacidade definitiva de adaptação às exigências da função e por não terem sido valorizadas as várias circunstâncias que invocou, como a de padecer de “Diabetes Mallus Tipo II” que lhe causa grande cansaço e menor energia física, a de sofrer de depressão major causada por problemas de violência doméstica de que foi vítima por parte de um ex-companheiro e de ter trabalhado, no 1º. Juízo do TPIC de ………, com um sr. juíz que prolongava demasiado as audiências de julgamento e que veio a ser afastado na sequência de processo disciplinar;

- Violação do princípio “non bis in idem”, em virtude de, para justificação da aplicação da pena de aposentação compulsiva, se terem aproveitado outros factos já sancionados em anterior processo disciplinar, tomando-os em consideração como se se tratasse de um processo disciplinar único e contínuo;

- Violação do princípio da proporcionalidade, por a pena de aposentação compulsiva ser manifestamente excessiva e desadequada à conduta e à sua culpa, não tendo sido ponderados o trabalho que tinha a seu cargo nem as circunstâncias atenuantes que alegara.

Nenhuma destas ilegalidades é manifesta, pelo que não se pode concluir pela verificação da situação de evidência exigida pela al.a) do nº1 do art.120º do CPTA.

Efectivamente, a evidência a que alude este preceito, sendo excepcional, só tem aplicação quando se configurar um caso idêntico aos que aí são exemplificados, isto é, quando ocorra uma situação em relação à qual, notoriamente, o peticionado na acção principal obterá provimento.

E, para formular esse juízo de evidência, o tribunal não tem de, pormenorizadamente, analisar se existe algum dos vícios invocados – matéria a resolver na acção administrativa especial - mas apenas discernir se algum desses vícios é de tal modo evidente que nenhuma dúvida coloque à procedência da pretensão principal (cf. Ac. do STA de 14/06/2007 – Proc.nº0362/07).

Assim, não se verificando uma situação notória ou patente de ocorrência de algum dos mencionados vícios, não pode a providência cautelar ser decretada ao abrigo da al.a) do citado art.120º,nº1.

Porém, também não se pode afirmar que é manifesta a falta de fundamento da pretensão anulatória a formular pela requerente no processo principal por nenhum dos vícios poder proceder.

Com efeito, a apreciação desses vícios implica a análise e valoração da prova coligida no procedimento disciplinar, onde não há a sujeição do julgador a regras probatórias fixas e se revela de alguma complexidade, num domínio de fronteiras tão imprecisas, a qualificação jurídica da materialidade apurada, sendo certo que dos presentes autos nada se extrai que permita concluir que aqueles são inteiramente destituídos da possibilidade de procedência.

Nestes termos, é de considerar verificado o requisito do “fumus non malus iuris”, previsto na 2ª parte da al.b) do nº1 do art.120º do CPTA.

Quanto ao requisito do “periculum in mora”, a que alude a 1ª parte do mencionado normativo, ocorre quando os factos apurados permitam concluir que se a providência cautelar for recusada se constituirá uma situação de facto consumado ou que se produzirão, ao longo do tempo, prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

Constitui jurisprudência pacífica deste STA que “a privação do vencimento de um funcionário ou agente do Estado e, designadamente, de um magistrado, em consequência da imediata execução de um acto punitivo que o afaste de funções, causa prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado com esse acto, se tal privação diminuir drasticamente o seu nível de vida ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social” (cf. Acs. de 28/01/2009- Proc. nº1030/08 e de 20/03/2014- Proc. nº0148/14).

No caso em apreço, resulta da matéria fáctica provada que a requerente tem três filhos a cargo, todos em idade escolar, sendo apenas com o que aufere do exercício de funções de Procuradora-Adjunta que tem de prover ao seu sustento e do respectivo agregado familiar. Considerando o montante das despesas que ela tem de suportar – em média, cerca de €4.200,00 mensais – e que dada a sua antiguidade – ingressou no CEJ, como auditora de justiça, em 1993 – a pensão de aposentação a que terá direito será de montante substancialmente inferior ao do seu actual vencimento, não pode deixar de se concluir que a não concessão da requerida suspensão de eficácia implicará a diminuição drástica do nível de vida da requerente e do seu agregado familiar, fazendo mesmo perigar a satisfação das suas necessidades básicas.

Mostra-se, assim, também preenchido o requisito do “periculum in mora”.

Finalmente, quanto à ponderação de interesses a que alude o nº2 do art.120º do CPTA, a entidade requerida alegou que a manutenção da requerente no exercício de funções “seria gravemente lesivo do interesse público em termos de acumulação e inércia processuais que afectam gravemente a imagem e o prestígio do MP e causam graves prejuízos aos cidadãos envolvidos nos processos pela não realização da justiça em tempo útil”, o qual deveria prevalecer sobre o interesse particular da requerente que se traduz numa mera diferença monetária entre o seu vencimento e a pensão de aposentação a que tem direito, situação que pode ser facilmente reparada, se for o caso.

Deve-se notar, porém, que o prejuízo sofrido pela requerente com a recusa da suspensão de eficácia não se traduz na mera diferença entre os montantes do vencimento e da pensão de aposentação, pois, como vimos, essa diferença é susceptível de fazer perigar a satisfação das necessidades básicas dela própria e dos seus três filhos, estando, por isso, em causa um dano especialmente relevante.

E este dano que resulta para a requerente e para o seu agregado familiar da não concessão da suspensão de eficácia deve prevalecer sobre razões de prevenção geral invocadas genericamente, ainda que se reconheça que os factos pelos quais aquela foi punida, respeitantes a atrasos na movimentação de processos, assumem alguma gravidade para o prestígio do MP e a imagem da justiça.

Acresce que a concessão da suspensão de eficácia não tem como consequência o regresso da requerente ao serviço, dado que, tendo-lhe sido atribuída a classificação de Medíocre e determinada a instauração de inquérito por inaptidão para o exercício de funções, ficou ela imediatamente suspensa desse exercício por força do artº. 110º, nº. 2, do EMP. Por isso, o alegado prejuízo para o interesse público resultante da sua manutenção no exercício de funções não é uma consequência da suspensão de eficácia do Acórdão do Plenário do CSMP de 27/01/2015.

4. Pelo exposto, acordam em deferir a requerida suspensão de eficácia.

Custas pelo requerido.

Lisboa, 7 de Maio de 2015. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.