Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0229/17.2BELSB 0649/18
Data do Acordão:11/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
PROCESSO DISCIPLINAR
PENA DE DESPEDIMENTO
FUMUS BONI JURIS
PERICULUM IN MORA
PONDERAÇÃO DE INTERESSES
Sumário:I - Resulta dos n.ºs 1 e 2 do art. 120.º do CPTA/2015 a previsão dum distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir:
i) a duas condições positivas de decretamento, o periculum in mora (receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente) e o fumus boni iuris (“aparência do bom direito” - reportado ao ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente]; e,
ii) a um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
II - O fumus boni iuris, apreciado num juízo esquemático e provisório inerente à índole dos autos cautelares, exige para o seu preenchimento a existência, in casu, de probabilidade de sucesso da ação administrativa principal.
III - Tal juízo na apreciação do requisito do fumus boni iuris não é sinónimo da evidência da concreta ilegalidade e consequente muito provável e evidente procedência da pretensão a deduzir a título principal, nem significa que apenas ocorra ou se mostre preenchido quando as ilegalidades ou questões que as mesmas envolvem se apresentem como simples, ou incontroversas.
IV - Tem-se como preenchido, no caso, o requisito do periculum in mora, na vertente dos prejuízos de difícil reparação, quando o Requerente, não dispondo de outros rendimentos para além do seu vencimento, deste se vê privado em decorrência da execução imediata da pena disciplinar suspendenda, pondo, assim, em risco, ou fazendo perigar, a satisfação de necessidades pessoais elementares, bem como a possibilidade do mesmo honrar compromissos assumidos.
V - Não se verificando, em concreto, exigências de prevenção geral e do assegurar do prestígio, credibilidade e boa imagem pública dos serviços, que imponham a execução imediata da decisão disciplinar expulsiva é de concluir, nos termos do disposto no art. 120.º, n.º 2, do CPTA, que a adoção da providência não tem potencialidade para provocar danos que, ponderados, imponham decidir no sentido da sua recusa.
Nº Convencional:JSTA000P23856
Nº do Documento:SA1201811150229/17
Data de Entrada:08/23/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:MNE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A………….., devidamente identificado nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [doravante «TAC/L»] providência cautelar contra o “MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS” [abreviada e doravante «MNE»], peticionando a suspensão de eficácia do despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros, datado de 06.01.2017, que lhe aplicou a sanção disciplinar de despedimento.

2. O «TAC/L», por decisão de 31.01.2017 [inserta a fls. 34 a 36 dos autos - paginação «SITAF» tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgou-se incompetente em razão do território e remetido os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [doravante «TAF/S»] este, por decisão datada de 20.10.2017 [cfr. fls. 525 a 560], veio a julgar totalmente procedente a pretensão cautelar, mercê da verificação dos requisitos previsto no art. 120.º do CPTA [na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02.10 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário], e suspendeu a eficácia do referido despacho conforme peticionado.

3. Inconformado, o Requerido cautelar interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul [«TCA/S»], o qual, por acórdão de 19.04.2018 [cfr. fls. 613 a 644], concedeu provimento ao recurso por entender não verificado o requisito do fumus boni iuris previsto no n.º 1 do art. 120.º do CPTA, e, revogando a decisão recorrida, julgou improcedente a pretensão cautelar.

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA o Requerente cautelar, agora inconformado com o acórdão proferido pelo «TCA/S» veio interpor o presente recurso jurisdicional de revista apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz [cfr. fls. 663 e segs. e fls. 730 e segs.]:
«
A) Ambas as Instâncias, Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e Tribunal Central Administrativo do Sul, decidiram divergentemente no que se refere à consideração de o despacho sancionatório proferido pelo MNE se mostrar inquinado de vício de lei por erro sobre os pressupostos de facto na parte em que considerou que o aqui Recorrente prestou falsas declarações e, por violação do direito de defesa em sede disciplinar.
B) O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra decidiu no sentido de dar-se por verificado o requisito do “fumus boni juris”, o que fez com uma fundamentação juridicamente convincente, e o Tribunal Central Administrativo do Sul decidiu que não se dá por verificado esse mesmo requisito.
C) Conclui-se que a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo do Sul incorre em erro de julgamento, ao considerar válido e eficaz o despacho sancionatório, pela incorreta apreciação da matéria de facto provada e aplicação do art. 202.º, n.º 1 da LTPF.
D) Razão pela qual se justifica a admissão do presente recurso de revista para uma melhor aplicação do direito.
E) No que concerne à questão da prestação de falsas declarações aquando dos requerimentos de atestados de residência solicitados em 27.12.2011, 25.02.2014 e 03.02.2015 emitidos respetivamente pelas Juntas de Freguesia ………, ………. e ………., conclui o Acórdão recorrido:
“à data em que foram emitidos os atestados de residência o Recorrido A………….. prestou falsas declarações para instruir o requerimento de inscrição de B…………. na ADSE, assumindo para ambos uma situação jurídica de união de facto, que não tinham por falta de preenchimento das condições legais”.
F) Sucede que esta conclusão expressa no Acórdão recorrido, não valorou a alínea t) da matéria dada como provada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que se passa a citar:
“t) No âmbito do Processo n.º 777/16.1T8OER, que correu termos na Secção Cível da Instância Local de Oeiras, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi proferida sentença, em 07.08.2016, que declarou que o requerente e B………… vivem, desde 08.06.2012, em “união de facto”.
G) Ora, entende o Acórdão recorrido que à data do pedido de inscrição feito pelo aqui Recorrente, em 12.06.2015, o aqui Recorrente e B…………. não viviam em “união de facto” há pelo menos dois anos, ou seja, pelo menos desde 12.06.2014.
H) Sendo facto provado que por sentença transitada em julgado, datada de 07.08.2016, foi judicialmente reconhecida a “união de facto” entre ambos desde 08.06.2012.
I) Pelo que, quando o Recorrente procedeu ao pedido de inscrição de B…………. na ADSE, viviam em união pelo menos desde 08.06.2012, isto é há cerca de 4 anos, o que é suscetível de infirmar o juízo efetuado quanto ao facto de o Recorrente ter prestado falsas declarações para obter os atestados de residência que juntou com o requerimento de inscrição de B………….. ADSE, incorrendo o Acórdão proferido em erro de julgamento.
J) No que concerne à violação do direito de defesa no procedimento disciplinar, decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que apesar de a lei não estabelecer expressamente a suspensão do procedimento disciplinar caso o arguido, aqui recorrente, requeira aos serviços de Segurança Social a nomeação e pagamento da compensação de patrono, ao contrário do que sucede nas ações judiciais em que tal suspensão se encontra prevista no artigo 24.º, n.º 4 da Lei de Acesso ao Direito, esse direito é violado quando requerido, no quadro do sistema de acesso ao direito, o processo prossiga a sua tramitação, sendo proferida decisão final antes de a nomeação ter lugar, pelo que o Ministério dos Negócios Estrangeiros deveria ter acautelado o direito de defesa do aqui recorrente, por via da suspensão do procedimento disciplinar, logo que este juntou ao procedimento prova em como requereu à Segurança Social a constituição a nomeação de advogado de modo a garantir o exercício do referido direito.
K) Dispondo o art. 202.º, n.º da LGTFP que “o trabalhador pode constituir advogado em qualquer fase do processo, nos termos gerais de direito”.
L) O aqui Recorrente, aquando da apresentação da defesa juntou requerimento de nomeação e pagamento da compensação de patrono para intervir no procedimento disciplinar, que veio a ser deferido em momento posterior à decisão do processo disciplinar.
M) No Acórdão recorrido é entendido que “a constituição de advogado, em qualquer fase do processo disciplinar é configurada na lei a título de faculdade que assiste ao trabalhador”. “(…) Estando no domínio do direito do trabalhador a obter informação e consulta jurídica no âmbito do processo disciplinar contra si instaurado, na vertente de direito de defesa assistida e não de patrocínio judiciário obrigatório”.
Podendo o trabalhador optar por se fazer representar por um profissional especializado ou defender-se a si próprio e, tendo o aqui Recorrente apresentado defesa por si próprio em 09.06.2016 após a notificação da notificação da acusação em 30.05.2016 mostra-se observado o disposto no art. 214.º, n.º 1, da LGTFP conforme alíneas d) e e) da matéria dada como provada.
N) Sucede que o aqui recorrente não optou por se defender a si próprio, fê-lo em cumprimento do prazo para o efeito, deixando explicitamente que pretendia fazer-se representar por profissional especializado, tendo juntamente com a defesa apresentado comprovativo de requerimento de proteção jurídica e, conforme resulta da alínea f) do probatório, em 10.06.2016 (dia imediatamente a seguir à apresentação da defesa) o Recorrente enviou, por email, informação dirigida à Senhora Instrutora do processo disciplinar frisando a junção do documento de proteção jurídica, nomeadamente da nomeação de patrono, dizendo que o mesmo se encarregará da “defesa a esta acusação logo que a sua nomeação seja confirmada pela Ordem dos Advogados”.
O) Não dispondo o aqui Recorrente de condições financeiras para suportar o pagamento dos honorários de um advogado, mas pretendendo exercer o direito a constituir advogado consagrado no art. 202.º, n.º 1 da LGTFP, terá de solicitar, aos serviços da Segurança Social, a nomeação e pagamento da compensação de patrono, pelo que o processo disciplinar deverá aguardar a decisão deste pedido, pois só deste modo é garantido ao arguido o exercício do referido direito.
P) Ora, nos termos do art. 13.º, n.º 2 da C.R.P. “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
Q) Resultando da inobservância do disposto no art. 202.º, n.º 1 da LGTFP o aqui Recorrente foi prejudicado em razão da sua situação económica e instrução, por não ter condições financeiras de custear os honorários de um advogado e por não ter formação jurídica que lhe tenha permitido apresentar defesa adequada, conforme se conclui da alínea g) dos factos dados como provados, reproduzidos no Acórdão recorrido, em que se refere, reportando-se à instrução do processo disciplinar: “O arguido demonstra um deficiente entendimento do princípio do contraditório e do respetivo direito de defesa, comportamento aliás recorrente na sua atuação com a Administração. Notificado para se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados e juntar ou requerer os meios de prova sobre a matéria, optou por apresentar algumas testemunhas cuja audição, atendendo a que não têm contacto com o arguido desde antes de 2011, é manifestamente impertinente e desnecessária”.
R) Tendo o Tribunal Central Administrativo do Sul, incorrido em erro de julgamento, pela incorreta apreciação da matéria de facto provada e aplicação do art. 202.º, n.º 1 da LTPF …».

5. O aqui recorrido «MNE» contra-alegou [cfr. fls. 688 e segs.], concluindo da seguinte forma:
«
I. O recurso revista apresentado pelo ora Recorrente não deve ser admitido por não se verificarem os pressupostos previstos no artigo 150.º do CPTA,
Porquanto:
A. É consabido que o recurso de revista reveste uma natureza absolutamente excecional, não podendo ser utilizado como o mero objetivo de reversão da decisão judicial proferida, ou, dito de outro modo, com o propósito de introduzir uma nova instância de recurso. O que se verifica no caso dos autos;
B. O recurso de revista não pode ter por objeto o controlo do erro na apreciação da prova e na fixação dos factos (salvo quando esteja em causa uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não se verifica nos presentes autos);
II. O Recorrente apresentou defesa escrita no procedimento disciplinar e foi sempre notificado das diligências subsequentes no procedimento, pelo que não se verificou qualquer violação do dever de defesa, nem o Recorrente tem direito à apresentação de duas defesas;
III. A constituição de advogado em sede disciplinar é meramente facultativa;
IV. O apoio judiciário, aqui reclamado pelo Recorrente, não se aplica aos procedimentos disciplinares.
Subsidiariamente,
V. Ser julgado improcedente, mantendo-se o douto Acórdão recorrido, por não verificados ou provados quaisquer dos vícios que o Recorrente lhe assaca …».
Termina peticionando que o presente recurso: a) seja julgado inadmissível, por não preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA; ou caso assim não se entenda, b) seja julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a decisão recorrida.

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 12.07.2018, veio a ser admitido o recurso [cfr. fls. 707/714].

7. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 146.º, n.º 1, e 147.º, n.º 2, do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso [cfr. fls. 720/723], pronúncia essa que objeto de contraditório não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 724 e segs.].

8. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. f), e 2, do CPTA, o processo foi submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.




DAS QUESTÕES A DECIDIR

9. Constituem objeto de apreciação nesta sede os invocados erros de julgamento apontados pelo Requerente cautelar, aqui recorrente, ao decidido pelo «TCA/S» quando, em sede de análise do requisito do fumus boni iuris [art. 120.º, n.º 1, do CPTA], considerou este requisito como não preenchido já que não se mostraria provável que a pretensão impugnatória formulada viesse a ser julgada procedente enquanto fundada no i) do erro sobre os pressupostos [quanto ao ter prestado falsas declarações relativamente à situação de «união de facto» invocada nos requerimentos a instruir a inscrição na «ADSE» de B………….] e na ii) violação do seu direito de defesa [em infração, segundo sustenta, do disposto, nomeadamente, nos arts. 13.º, n.º 2, e 20.º, da CRP, 24.º, n.º 4, da Lei Acesso ao Direito (Lei n.º 34/2004, de 29.07) e 202.º, n.º 1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (abreviadamente designada por LTFP e publicada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20.06)] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO

10. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) O Requerente ingressou na Administração Pública em 1973, sendo trabalhador do Ministério dos Negócios Estrangeiros desde 1998 [documento de fls. 76 v. e 77 do processo físico].
II) Entre 25/07/2000 e 31/08/2011, o Requerente esteve colocado, em comissão de serviço, na Embaixada de Portugal em …….., como administrativo [documento de fls. 76 v. e 77 do processo físico].
III) Em 05/11/2015, foi determinada a instauração de um processo disciplinar contra o Requerente, a que foi apenso um segundo processo disciplinar em 08/01/2016 [documento de fls. 140 a 147 do processo administrativo apenso].
IV) Em 30/05/2016, foi deduzida acusação pela Instrutora do processo disciplinar [documento de fls. 348 a 359 do processo administrativo apenso].
V) Em 09/06/2016, o Requerente apresentou defesa escrita, juntando cópia de requerimento de proteção jurídica, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono [documentos de fls. 374 a 401 do processo administrativo apenso].
VI) Em 10/06/2016, o Requerente enviou uma mensagem de correio eletrónico para a Instrutora do processo disciplinar, onde consta, designadamente, o seguinte: «Aproveita para alertar a instrutora deste processo que o documento 10 entregue juntamente com a defesa a nota de culpa entregue no dia 9 de junho do corrente no expediente, provava que o arguido pediu apoio judiciário e que aguarda por esta razão nomeação de patrono que se encarregará da defesa a esta acusação logo que a sua nomeação seja confirmada pela Ordem dos Advogados de Lisboa, razão pela qual a luz da legislação vigente para estas situações este processo aguardará a nomeação de defensor oficioso» [documento de fls. 402 e 403 do processo administrativo apenso].
VII) Em 11/07/2016, a Instrutora do processo disciplinar proferiu o seguinte despacho:
«… A defesa do arguido nos presentes autos de processo disciplinar, deu entrada no MNE a 09.06.2016, tendo o mesmo indicado o rol de testemunhas que pretende sejam ouvidas. Posteriormente, em 10.06.2016, dirigiu mail à instrutora do processo, a “(…) pedir a junção dos elementos e respetivos documentos anexos constantes neste email, a defesa a nota de culpa (…)”.
Relativamente ao rol de testemunhas apresentado, a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, doravante LTFP, no seu artigo 218.º, n.º 1, estabelece que o instrutor pode, em despacho fundamentado, recusar as diligências requeridas.
Quanto à segunda questão, mail indicando mais 4 testemunhas e juntando vários documentos (fotocópias de telegramas da Embaixada de Portugal em ……… dos anos de 2003, 2004 e 2008), será assunto também abordado no ponto 2. do presente despacho.
Cumpre-me, assim, lavrar nos autos o seguinte despacho:
1 - Do rol de testemunhas apresentado pelo arguido em sede de Defesa, sem indicação prévia dos factos do conhecimento das mesmas, indefere-se a audição de:
a) - ……….;
b) - ……….;
c) - ……….;
d) - ……….;
e) - ……….;
f) - ………..
Das restantes testemunhas apresentadas, três serão ouvidas amanhã (12 de julho) e a quarta será ouvida por escrito, uma vez que é atualmente o Embaixador de Portugal em …….
Entende-se que este indeferimento não viola nem o princípio do contraditório nem o direito de defesa do arguido que se encontram, desde já, assegurados, atendendo a que nenhuma das testemunhas supra identificadas está direta ou indiretamente relacionada com a matéria da Acusação ou com os factos concretos que lhe foram imputados. A inquirição das mesmas em nada relevaria para a descoberta da verdade material, nem para a determinação do grau de ilicitude ou culpa do arguido.
Com efeito, nenhuma destas testemunhas teve qualquer contacto funcional com o arguido desde que este regressou aos serviços internos do MNE, 31.08.2011 (esteve a prestar serviço na Embaixada de Portugal em ……… desde 25.07.2000). Ora, os factos objeto do presente processo disciplinar ocorreram em 07.10.2015 (artigo 22.º da Acusação).
O arguido demonstra um deficiente entendimento do princípio do contraditório e do respetivo direito de defesa, comportamento, aliás, recorrente na sua atuação com a Administração.
Notificado para se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados e juntar ou requerer os meios de prova pertinentes sobre a matéria, optou por apresentar algumas testemunhas cuja audição, atendendo a que não têm contacto com o arguido desde antes de 2011, é manifestamente impertinente e desnecessária.
Vejamos assim a situação profissional das testemunhas cuja audição agora se indefere:
a) - ……….. - colocado em …….. de 22.08.2009 a 12.06.2012. Em …….. de 13.06.2012 a 30.08.2015. Desde 31.08.2015, nos serviços internos, na Comissão Organizadora do Recenseamento Eleitoral dos Portugueses no Estrangeiro (que funciona na Rua da Junqueira).
b) - ……….. - esteve colocada como Embaixadora de Portugal em ……… de 20.02.2011 a 31.03.2012.
(Vide formulário - anexo A ao presente despacho).
c) - ……….. - Exerce o cargo de Secretária-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros desde 14.03.2013, não tendo qualquer contacto funcional com o arguido. O último cargo exercido antes de Secretária-Geral foi o de Embaixadora de Portugal em ……., pelo que também não teve qualquer contacto funcional com o mesmo.
d) - ………… - esteve colocado como Embaixador de Portugal em …….. de 09.11.2004 a 24.11.2008.
(Vide formulário - anexo B ao presente despacho).
e) - …………. - esteve colocado como Embaixador de Portugal em ……. de 15.11.2008 a 16.07.2010.
(Vide formulário - anexo C ao presente despacho).
f) - …………. - Esteve, em comissão de serviço, na Presidência do Conselho de Ministros (Direção-Geral das Autarquias Locais) de 07.01.2013 a 19.03.2015 e desde esta data colocado na Secretaria - Geral deste Ministério. Não tinha qualquer contacto funcional com o arguido à data da prática dos factos constantes da acusação.
(Vide formulário - anexo D ao presente despacho).
2 - Relativamente à segunda questão levantada, recorda-se que, notificado da Acusação o arguido pode ou não apresentar a sua Defesa. No caso de a apresentar, deverá a mesma ser assinada pelo arguido (ou representante legal), expor com clareza e concisão os factos e razões da sua defesa e entregue no lugar onde o procedimento tenha sido instaurado, constituindo esta resposta uma única peça processual.
Nestes termos, o mail enviado pelo arguido para a ora instrutora em 10.06.2016 (ou outros que eventualmente venham a ser enviados), não será tido em consideração, uma vez que a Defesa já tinha sido apresentada anteriormente, em 09.06.2016 (artigo 216.º da LTFP), o teor do mesmo não versa sobre a matéria de facto constante da Acusação e em nada contribui para o esclarecimento da verdade material dos presentes autos.
Lisboa, M.N.E, aos 11 de julho de 2016
Fica o presente auto a constituir parte integrante do processo disciplinar P-426 (fls. 412 e 423).
Promovo a notificação do teor do presente despacho ao arguido no próximo dia 25 …» [documento de fls. 420 a 423 do processo administrativo apenso].
VIII) Em 11/11/2016, a Instrutora do processo disciplinar elaborou o relatório final, onde consta, designadamente, o seguinte:
«
I. Introdução
1. O trabalhador A………….. dirigiu um requerimento à Direção de Serviços de Recursos Humanos (DRH) - ADSE, em 12.06.2015, solicitando a inscrição como familiar de B………….., alegando ser sua companheira, neste subsistema de saúde, anexando para o efeito um impresso e cópias de vários documentos.
2. A análise exaustiva e interna da IGDC sobre este assunto consta da Informação de Serviço (IS) n.º 272/2015, de 14.10.2015, que versa sobre B………….., e que faz também a análise do pedido de inscrição na ADSE, atrás referido. (Vide pontos II-B e III-2 da IS 272).
3. Esta IS mereceu o despacho de concordância do Sr. Inspetor-Geral Diplomático e Consular (IGDC) de 15.10.2015 e da Sr.ª Secretária-Geral do MNE de 02.11.2015.
4. Por despacho do Sr. IGDC, de 05.11.2015 foi instaurado processo disciplinar a A………… e a signatária nomeada instrutora do mesmo.
5. No entanto ainda na pendência da instrução do processo disciplinar já instaurado o Departamento Geral de Administração (DGA), através da Nota Interna n.º 16039/2015, de 21.12.2015, remeteu à IGDC apreciação pormenorizada sobre uma comunicação feita por um advogado em 07.10.2015 àqueles Serviços.
6. O advogado era o mandatário da senhoria de A………… que, aquando do contrato de arrendamento, entregou vários documentos que suscitaram algumas dúvidas à proprietária.
Em decorrência, o advogado da mesma requereu junto dos serviços (DGA) que lhe fosse confirmada a autenticidade dos mesmos [1) Nota de abonos e descontos de junho de 2015 e 2) Declaração da situação de emprego público].
7. À luz da apreciação recebida do DGA relativa à autenticidade dos documentos e apreço, a 07.01.2016, através da IS n.º 5/2016 IGDC, foi proposta a instauração de processo disciplinar e apensação ao processo já instaurado, nos termos do artigo 199.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (LTFP).
8. A IS foi submetida à apreciação superior e mereceu despacho de concordância do Sr. IGDC, a 08.01.2016, tendo nessa data sido instaurado novo processo disciplinar a A………….. e apenso ao primeiro, que se encontrava na fase de instrução.
9. A 30 de maio de 2016 foi deduzida a acusação e concedido prazo de 10 dias úteis, a contar da data de notificação da mesma para, querendo, o arguido apresentar a sua defesa escrita.
10. A notificação pessoal veio a ocorrer no dia seguinte, 31 de maio, e a defesa foi apresentada no dia 09 de junho, subscrita pelo próprio trabalhador.
11. Cumpre agora proceder à elaboração do Relatório Final e, ponderadas que sejam a acusação e a defesa propor uma medida final, de arquivamento dos autos ou de aplicação de sanção disciplinar.


II. Da Acusação
12. O arguido foi acusado de violação grave e continuada do dever geral de prossecução do interesse público (princípio modelador da atuação de todos os que exercem funções no Estado), de zelo (por desrespeito da legislação aplicável ao serviço, ter omitido intencionalmente informação a que estava obrigado e ter prestado, de forma consciente e livre, falsas declarações a entidade pública, visando com isso obter um resultado proibido por lei), de lealdade (por não ter desempenhado as funções com subordinação aos objetivos do serviço) e de correção, de acordo com o previsto no artigo 73.º, n.ºs 2, alíneas a), e), g) e h), 3, 7, 9 e 10 da LTFP.
13. Nos artigos 1.º a 21.º é analisado detalhadamente o requerimento assinado por A………….. em 12.06.2015, solicitando a inscrição de B………….., como familiar, na ADSE, anexando para o efeito cópia de vários documentos visando provar que esta não beneficiava de outro regime de Segurança Social, como é exigido pela legislação que “Estabelece o funcionamento e o esquema de benefícios da Direção-Geral de Proteção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE)”.
Vejamos:
13.1. No boletim de inscrição na ADSE artigos 2.º a 5.º, o arguido identifica B………… como cônjuge do titular, o que é falso.
13.2. Acresce que o arguido omitiu intencionalmente o facto de B………….. estar inscrita desde 2011 e beneficiar doutro regime de Segurança Social, o búlgaro, para o qual a Embaixada de Portugal em ……. contribui mensalmente com o encargo que compete à entidade patronal.
13.3. Nos artigos 6.º a 18.º procedeu-se a análise do declarado pelo arguido quando solicitou nas respetivas Juntas de Freguesia os atestados de residência apresentados, com a finalidade de provar que a união de facto se verificava há mais de dois anos. No entanto, em sede de Acusação, a análise feita visou determinar se o afirmado pelo arguido seria verídico ou se o mesmo prestou falsas declarações a entidade pública visando obter um benefício proibido por lei.
13.4. Quanto ao atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia ………, em Faro, de 27.12.2011, o arguido declarou que vivia em união de facto com B…………, na cidade de Faro, desde 28.09.2011.
13.5. De acordo com informação do Departamento Geral de Administração (DGA), Direção de Recursos Humanos (DRH), B………….., no ano de 2011, encontrava-se a exercer as funções de Assistente Técnica na Embaixada de Portugal em ……… e, nesse ano, as suas ausências ao serviço foram as seguintes:
- 13 a 17 de junho: por motivo de férias;
- 16 a 31 de agosto: por motivo de férias;
- 01 e 02 de setembro: por motivo de férias;
- 14 a 16 de novembro: por motivo de saúde;
- 02 a 30 de dezembro: por motivo de férias.
Por sua vez, o arguido cessou as funções na Embaixada em ……… e regressou aos serviços internos, em Lisboa, no dia 01.09.2011.
Pode, pois, concluir-se que o arguido de forma consciente e livre prestou intencionalmente falsas declarações a entidade pública, visando com isso obter um resultado proibido por lei, ou seja, o certificado pelo atestado da Junta de Freguesia ……….., não correspondia à verdade factual - o arguido trabalhava em Lisboa e B…………. trabalhava em …….., na Bulgária.
13.6. O segundo atestado de residência que o arguido apresentou, foi emitido pela Freguesia de ……….., em 25.02.2014, e certificava que o declarante e B……………. viviam em união de facto desde 05.11.2013.
O último atestado de residência foi emitido pela Junta de Freguesia ………. em 03.02.2015, e vem atestar que o arguido e B………… viviam em união de facto há 1 ano àquela data, ou seja, desde 03.02.2014.
No entanto, pretendendo B…………… a concessão de uma licença sem vencimento pelo prazo de 12 meses, com efeitos a partir de 23.05.2014, apresentou um requerimento na Embaixada de Portugal em ……. (seu local de trabalho), em 07.05.2014, no qual declara “(…) Não sou casada com o genitor da criança, nem estou a viver em comunhão com ele (…)” (Sublinhados nossos).
Ou seja, o arguido declara (em 03.02.2015) na Junto de Freguesia ……….. que vive em união de facto com B…………. desde 03 de fevereiro de 2014, e B………… declara, a 07 de maio do mesmo ano de 2014, que não é casada nem vive com o pai da criança, sendo certo que cada um pretendia obter benefícios diferentes com estas declarações absolutamente díspares.
13.7. O arguido junta ainda ao referido pedido de inscrição na ADSE, duas Declarações de honra, uma dele, outra de B…………, datadas de 12.06.2015, onde afirmam, sob compromisso de honra, que vivem em união de facto desde o ano de 2011.
13.8. Acresce que o arguido tinha sido casado anteriormente e conforme afirmado pelo mesmo em requerimento que dirigiu ao DGA, em 28.10.2016, “(…) o divórcio foi decretado em abril de 2012 (…)”. Ora, nos termos da lei em vigor, a união de facto pressupõe a dissolução de anterior casamento, apenas dissolvido em abril de 2012. Pode até viver em união de facto com B…………. desde data anterior a 2011, mas tal não releva para os efeitos pretendidos.
13.9. O arguido entregou toda a documentação atrás referida nos serviços da ADSE do MNE, a fim de conseguir ilegalmente a inscrição da B………… naquele subsistema de saúde, apresentou documentos que não só não correspondem à verdade factual, como eram mesmo contraditórios com o declarado no requerimento apresentado pela suposta companheira na Embaixada de Portugal em ………, e que só foram obtidos mediante a prestação de falsas declarações por parte do arguido.
13.10 Apesar do arguido ter consciente e intencionalmente falseado os factos que declarou, “inundou” vários serviços do MNE com requerimentos e mails sobre o pedido de inscrição da B…………. na ADSE, bem como com outros requerimentos estranhos às áreas de competência dos serviços recetores, usando regularmente linguagem pouco apropriada ou tentando impor (no caso da IGDC) a abertura de inquéritos para fins que entende pertinentes por serem seus.
Estes requerimentos, pedidos ou imposições terminam, quase sempre, com ameaças de interposição de ações judiciais.
Ações judiciais que, na realidade interpõe, recorrendo ao apoio judiciário: com dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo - nomeação e pagamento da compensação de patrono.
Afigura-se-nos, aliás, que o arguido revela na sua relação com a Administração e com o sistema judiciário um comportamento abusivo e uma constante e permanente litigância.
14. Terminada, por agora, a análise do que se poderá designar como a 1.ª parte da Acusação, vamos passar à análise da 2.ª parte (artigos 22.º e 42.º, ou seja, a apreciação pormenorizada sobre a comunicação feita por um advogado ao DGA, relativa à autenticidade de dois documentos (Nota de Abonos e Descontos do mês de junho de 2015 e a Declaração n.º 75/2015, referente à sua situação de emprego público), e que A…………. ora arguido, entregou à sua constituinte visando a celebração de contrato de arrendamento de uma fração autónoma, propriedade da mesma.
15. Os pontos 5. a 8. deste Relatório referem-se já a esta matéria, sendo, no entanto, importante e com interesse para a exposição reter as seguintes datas:
- 07.10.2015: (com data de entrada no DGA a 16.10.2015) carta do Advogado da Senhoria a solicitar ao DGA esclarecimentos sobre a autenticidade dos documentos;
- 21.12.2015: Nota Interna n.º 16039/2015, do DGA e Apontamento/Nota anexa à referida nota a expor e enviar o assunto à IGDC (data em que esta Inspeção toma conhecimento do mesmo);
- 07.01.2016: através da IS n.º 5/2016 IGDC foi proposta a instauração de processo disciplinar e apensação ao processo já instaurado, nos termos do artigo 199.º, n.ºs 1 e 2 da LTFP;
- 08.01.2016: despacho do Sr. IGDC a instaurar processo disciplinar e apensação ao processo em curso.
16. Por todos os factos já constantes da acusação, que a seguir se analisam, o arguido violou culposamente os deveres gerais de prossecução do interesse público, de isenção, de zelo e de lealdade, nos termos do artigo 73.º, n.ºs 2, alíneas a), b), e), e g), 3, 4, 7 e 9 da LTFP.
17. Nota de Abonos e Descontos reportada ao mês de junho de 2015 e fazendo uma análise comparada entre o documento entregue pelo arguido à senhoria da fração autónoma e o documento verdadeiro entregue pelos serviços competentes (DRH) ao trabalhador, que se anexam, de novo, para permitir uma leitura comparativa mais percetível, passando a constituir o anexo A) e anexo A1) ao presente Relatório Final.
17.1. Quanto à Nota de Abonos e Descontos reportada ao mês de junho de 2015 (Anexo A), que o arguido apresentou aquando da assinatura do atrás referido contrato de arrendamento, são falsos os seguintes elementos:
a) categoria profissional e categoria de vencimento do trabalhador;
b) n.º de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações (CGA);
e) n.º de beneficiário da ADSE;
d) posição remuneratória ou escalão;
e) nível remuneratório ou índice;
f) valor da remuneração base;
g) situação pessoal do trabalhador para efeitos de tributação em sede de IRS;
h) atribuição da prestação social de abono de família para crianças e jovens;
i) aplicação das taxas de redução remuneratória previstas na lei;
j) montantes totais de abonos, descontos e valor líquido a receber.
17.2. A adulteração é óbvia ao comparar a Nota falsificada pelo arguido (Anexo A) com a Nota que, na realidade, o trabalhador A………… recebeu no mês de junho de 2015, (Anexo A1), tal como fornecida pelos serviços competentes da Direção de Serviços de Recursos Humanos (DRH) do DGA.
17.3. A categoria profissional e categoria de vencimento do trabalhador é a de assistente técnico (Anexo A1), e não técnico superior como falsamente indicou (Anexo A),
17.4. O n.º da CGA é o ……….. (Anexo A1) e também o utilizado pelos serviços do DGA para qualquer documento que diga respeito ao arguido, e não o …….. (Anexo A), pelo que se pode concluir, uma vez mais, que este último documento foi falsificado pelo arguido.
17.5. O n.º da ADSE é ………. (Anexo A1) e não ……….. (Anexo A).
17.6. A posição remuneratória do arguido situa-se entre a 5.ª e 6.ª posições de carreira de assistente técnico (Anexo A1), contrariamente ao referido no documento falsificado por ele, ou seja, entre a posição 545 e 560 da carreira de técnico superior (Anexo A).
17.7. O valor da remuneração base do referido trabalhador € 961,18 correspondente à carreira de assistente técnico e não de € 1.818,17 que corresponde à carreira técnica superior, como o arguido indica no documento falsificado (Anexo A).
17.8. Menção da situação pessoal do trabalhador para efeitos de tributação em sede de IRS: a Nota de Abonos e Descontos emitida pelos Serviços do MNE (Anexo A1) o trabalhador surge como sendo “Casado”, “um titular” e com “um dependente” no agregado familiar, tendo falsificado estes dados para “não casado”, “um titular” e “sem dependentes” (Anexo A).
17.9. O trabalhador em questão beneficia do pagamento mensal de € 28,54 a título de Abono de família para crianças e jovens (Anexo A1), ao passo que no documento falsificado não consta qualquer referência à atribuição da aludida prestação social (Anexo A),
17.10. Tendo presente o montante da remuneração base constante do documento apresentado, ou seja, € 1,818,17 e nos termos previstos na Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, a taxa de redução remuneratória efetivamente aplicável seria de 2,8% e não de 0% como consta do documento falso (Anexo A).
17.11. No mês de junho de 2015, e relativamente ao trabalhador A…………., foram apurados os seguintes montantes totais (valores do Anexo A1):
- (i) montante total de abonos € 2029,00;
- (ii) montante total de descontos € 460,49;
- (iii) montante total ilíquido a receber €1.568,51.
17.12. No entanto, no documento por si falsificado, consta que no mesmo período (junho de 2015), os montantes apurados terão sido os seguintes (valores do Anexo A):
- (i) montante total de abonos a quantia de € 3.878,85;
- (ii) montante total de descontos a quantia de € 928,24;
- (iii) montante total líquido a receber a quantia de € 2.950,01.
18. Inicia-se agora a análise detalhada do outro documento falsificado pelo arguido e que apresentou aquando da celebração do contrato de arrendamento - a Declaração n.º 75/201, de 22 de junho de 2015, referente à respetiva situação de emprego público, que se anexa a este Relatório como Anexo B).
18.1. A última Declaração emitida pelos Serviços da DGA em nome do trabalhador A…………. e de teor semelhante data de 10 de março de 2014, sob o número 87/2014 (Anexo B1), enquanto o documento apresentado pelo arguido contém a numeração 75/2015, com data de 22 de junho de 2015.
Acresce que a Declaração n.º 75/2015 foi efetivamente emitida pelo DGA, em 27 de abril de 2015, em nome de ………… e com um teor totalmente diferente (Anexo C).
18.2. No dia 22 de junho de 2015, os Serviços do DGA emitiram e o Diretor assinou três declarações, com os n.ºs 106/2015, 107/2015 e 109/2015, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os «efeitos legais e que constituem os Anexos D), E) e F).
Concluindo-se, mais uma vez, que a data da Declaração apresentada pelo arguido (Anexo B) é falsa.
18.3. O arguido pertence ao mapa de pessoal deste Ministério, e é detentor da categoria de assistente técnico (Anexo B1) e não técnico superior como falsificou na declaração que efetivamente entregou à senhoria do apartamento (Anexo B).
18.4. Além disso, não existem neste Ministério quaisquer documentos ou registos oficiais que sustentem que este trabalhador seja ou foi alguma vez técnico superior, nem tão pouco juntou ao seu processo individual qualquer comprovativo das habilitações necessárias para ingressar em tal carreira.
18.5. Por último, constata que o tempo de serviço prestado na carreira por A……………. é o mesmo nas duas declarações (Anexos B1 e B), não obstante mediar entre elas quase um ano de intervalo (10 de março de 2014, no caso da Declaração n.º 87/2014 e 22 de junho de 2015, no caso da “suposta” Declaração n.º 75/2015). Pode mais uma vez concluir-se que o arguido falsificou o documento.
19. Dá-se por provado ter o arguido falsificado, de forma consciente e culposa, os documentos que apresentou à proprietária da fração autónoma aquando da celebração do contrato de arrendamento.
(…)
III. Conclusão e Proposta Final
39. Considera-se, pois, provada a violação grave e continuada do dever geral de prossecução do interesse público (princípio modelador da atuação de todos os que exercem funções no Estado), de zelo (por desrespeito da legislação aplicável ao serviço, ter omitido intencionalmente informação a que estava obrigado e ter prestado, de forma consciente e livre, falsas declarações a entidade pública, visando com isso obter um resultado proibido por lei), de lealdade (por não ter desempenhado as funções com subordinação aos objetivos do serviço) e de correção, de acordo com o previsto no artigo 73.º, n.ºs 2, alíneas a), e), g) e h), 3, 7, 9 e 10 da LTFP.
40. Estamos perante um trabalhador que adultera a realidade factual, com a intenção consciente de satisfazer as suas necessidades e aspirações pessoais, ainda que contrárias à lei, usando para tal de meios ilícitos que livremente adota para obter os resultados pretendidos.
40.1. Quis inscrever B…………. na ADSE, sabendo que tal direito não lhe assistia e era proibido por lei, não obstante prestou falsas declarações e juntou documentos com factos falsos, como melhor se explicita nos artigos 3.º a 19.º da Acusação;
40.2. Quis celebrar um contrato de arrendamento, enviando à proprietária documentos emitidos oficialmente que intencionalmente falsificou e adulterou, como se demonstra nos artigos 22.º a 42.º da Acusação.
41. Acresce que, com o seu comportamento o arguido revela uma total falta de respeito para com os deveres a que está obrigado, violando-os de forma reiterada, consciente e culposa para obter vantagens/benefícios proibidos por lei, não interiorizando a gravidade, ilicitude e desvalor que os seus atos acarretam inclusive na imagem e bom funcionamento do MNE.
42. Não existe nenhuma circunstância atenuante, existindo as seguintes circunstâncias agravantes da infração disciplinar, de acordo com o disposto no artigo 191.º da LTFP:
- “A intenção de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, independentemente de estes se terem verificado” [alínea a) do n.º 1].
- “A produção efetiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o trabalhador pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta” [alínea b) do n.º 1].
- “A premeditação” [alínea c) do n.º 1]; que “(…) consiste na intenção de cometimento da infração, pelo menos, 24 horas antes da sua prática” [n.º 2];
- “A acumulação de infrações” [alínea g) do n.º 1]; que “(...) ocorre quando duas ou mais infrações são cometidas na mesma ocasião ou quando uma é cometida antes de ter sido punida a anterior” [n.º 4].
43. O arguido revela uma personalidade inadequada ao exercício de funções de natureza (contrato de trabalho por tempo indeterminado para o exercício de funções públicas), nem reúne as condições de dignidade e confiança necessárias, tendo condutas desonrosas e falta de honestidade nos seus atos que pratica com consciência e conhecimento da ilicitude dos mesmos, encontrando-se comprometida de forma irremediável a manutenção da relação jurídica de emprego público e resultando dos autos a definitiva incapacidade de respeitar os deveres básicos e elementares inerentes ao desempenho de funções administrativas no MNE.
44. A. sua conduta só pode ser subsumida à sanção disciplinar de despedimento, uma vez que a falta de honestidade e respeito demonstradas quebrou definitivamente a confiança necessária e indispensável entre a Administração Pública, no caso o MNE, e o seu trabalhador.
45. Por todo o exposto, propõe-se a aplicação da sanção disciplinar de despedimento, uma vez que o arguido é responsável disciplinarmente, em acumulação, pela violação grave dos deveres gerais atrás referidos e prática de atos absolutamente inviabilizadores da manutenção da relação funcional, nos termos do artigo 180.º, n.º 1, alínea d) e 3, artigo 181.º, n.º 5, artigo 182.º, n.º 4, artigo 187.º e artigo 297.º, n.ºs 1, 2 e 3, nomeadamente as alíneas b), c), d) e n), conjugados com o artigo 189.º, todos da LTFP …» [documento de fls. 456 a 473 do processo administrativo apenso].
IX) Em 22/11/2016, o Ministro dos Negócios Estrangeiros proferiu o seguinte despacho:
«
Tendo sido recebido neste Gabinete, no passado dia 11.11.2016, o Relatório Final do Processo Disciplinar n.º 426, instaurado ao assistente técnico do mapa de pessoal dos serviços internos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, A…………., determino o seguinte:
1. Ao abrigo do disposto no artigo 220.º, n.º 1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, devem ser adotadas as seguintes diligências no prazo de 10 dias:
i. junção de comprovativo do cumprimento do disposto no artigo 219.º, n.º 4, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, ou da inexistência da referida comissão de trabalhadores;
ii. inquirição, nomeadamente para demonstração dos pontos 14 e seguintes do Relatório Final, da proprietária da fração e respetivo advogado, alegado autor da comunicação feita ao DGA relativa à autenticidade dos documentos “Nota de Abonos e Descontos do mês de junho de 2015” e “Declaração n.º 75/2015”, bem como da Chefe de Divisão de Vencimentos e Abonos e Representações;
iii. junção, nomeadamente para demostração do ponto 35 do Relatório Final, da lista de requerimentos, impugnações administrativas e judiciais e procedimentos criminais, pendentes ou conclusos, apresentados pelo Arguido no último ano, relativas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros ou respetivos trabalhadores, com indicação da procedência ou improcedência dos mesmos.
2. Após realização das diligências indicadas no número anterior, deve proceder-se a nova audição do Arguido quanto aos elementos probatórios produzidos.
3. Solicito à Secretária-Geral, Embaixadora ………., a emissão, no prazo de 10 dias, de parecer quanto à sanção disciplinar proposta, nos termos do artigo 220.º, n.º 2, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas …» [documento de fls. 474 e 475 do processo administrativo apenso].
X) Em 06/12/2016, a Secretária-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de superior hierárquica do Requerente, emitiu parecer, onde consta, designadamente, o seguinte:
«
Considerando que as condutas do arguido, o Assistente Técnico do mapa de pessoal dos Serviços Internos do MNE, A………….., provadas no presente procedimento disciplinar se consubstancia em:
a) a falsificação de documentos emitidos pela Administração Pública, entidade patronal do arguido:
i. viciando, um documento preexistente, alterando parte o seu conteúdo, inserindo-lhe factos e suprindo dizeres - in casu, categoria, n.º da CGA, n.º da ADSE, posição remuneratória, remuneração base, situação pessoal, abono de família e taxa de redução remuneratória,
ii. com o intuito de enganar terceiros e de criar a convicção a terceiros de que detinha categoria profissional superior aquela que detém e que auferia um rendimento mensal superior aquele que efetivamente aufere;
iii. estando em causa bens jurídicos protegidos (segurança e credibilidade da prova documental),
iv. que a conduta é de tal forma censurável e grave que o Direito Penal prevê a aplicação de pena de prisão, por crime de falsificação,
v. que se verifica, para além do mais, uma violação do dever geral dever prossecução do interesse público, dever concretizador dos princípios fundamentais constitucionalmente consagrados que norteiam todos os órgãos e agentes administrativos, e ainda que
vi. que o arguido praticou essa conduta de forma consciente e culposa.
b) prestação de falsas declarações perante uma entidade pública, fazendo constar, falsamente, facto juridicamente relevante:
i. com o intuito de obter benefícios ilegítimos para terceiros - a inscrição de B………… como beneficiária da ADSE;
ii. que a conduta é de tal forma censurável e grave que o Direito Penal prevê a aplicação de pena de prisão, por crime de falsificação e ainda que
iii. que o arguido praticou essa conduta de forma consciente e culposa.
Considerando ainda as circunstâncias agravantes nele relatadas,
Entendo, na minha qualidade de superior hierárquica, existir uma impossibilidade de manter ao serviço um trabalhador que, dolosamente, falsifica documentos emitidos pela sua própria entidade patronal com o intuito de enganar terceiros e que presta falsas declarações. A atuação do Arguido é extremamente grave, com profundos efeitos negativos na imagem, credibilidade e prestígio da Administração Pública, revelando, por isso, falta de idoneidade moral para o exercício de funções públicas. O trabalhador A………….. adotou condutas graves e contrárias às que devem pautar um servidor do Estado português - leal e cumpridor da lei -, que resultam comprovadas no processo, comprometendo, por isso, e irremediavelmente a relação de confiança necessária e inviabiliza a manutenção do vínculo de emprego público.
Em face de tudo o que antecede, sou de parecer que deve ser aplicada a pena de despedimento disciplinar ao trabalhador A………….., conforme proposto …» [documento de fls. 482 e 483 do processo administrativo apenso].
XI) A senhoria do Requerente e o seu advogado não prestaram declarações no processo disciplinar [documento de fls. 491 do processo administrativo apenso].
XII) Por decisão do Ministro dos Negócios Estrangeiros, de 06/01/2017, foi determinada a aplicação ao Requerente da sanção de despedimento disciplinar, por violação dos deveres de prossecução do interesse público, de zelo, de lealdade e de correção [documento de fls. 492 do processo administrativo apenso].
XIII) Nas avaliações de desempenho relativas aos anos de 2009 a 2014, o Requerente obteve a classificação de «desempenho adequado» [documentos de fls. 89 a 97 do processo físico].
XIV) O Requerente tem uma filha com 5 anos [documento de fls. 206 e 207 do processo físico].
XV) Atualmente, o Requerente não reside com a mãe da sua filha [requerimento de fls. 224 do processo físico].
XVI) O requerente não tem outra fonte de rendimento além do seu vencimento como trabalhador do Ministério dos Negócios Estrangeiros [documento de fls. 157 a 161 do processo físico].
XVII) O Requerente não se encontra a receber subsídio de desemprego [documento de fls. 163 do processo físico].
XVIII) As despesas mensais do Requerente, com água, eletricidade, gás e deslocações, ascendem a cerca de 100,00 € [acordo e documentos de fls. 19, 20, 22 e 23 do processo físico].
XIX) A mensalidade do infantário da filha do Requerente ascende à quantia de 69,00 € [documento de fls. 24 do processo físico].
XX) No âmbito do Processo n.º 777/16.1T8OER, que correu termos na Secção Cível da Instância Local de Oeiras, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi proferida sentença, em 07/08/2016, que declarou que o Requerente e B…………. vivem, desde 08/06/2012, em «união de facto» [documento de fls. 231 do processo físico].

«*»

DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões supra enunciadas e que constituem objeto de análise.


11. Insurge-se o Recorrente quanto ao juízo de não preenchimento in casu do requisito do fumus boni iuris efetuado pelo acórdão do TCA/S, porquanto entende ser provável a verificação e procedência das ilegalidades assacadas ao ato punitivo consubstanciadas, por um lado, no alegado erro sobre os pressupostos do mesmo quanto a ter prestado falsas declarações relativamente à situação de «união de facto» invocada nos requerimentos para instruir inscrição na «ADSE» de B……………, e, por outro lado, na violação do seu direito de defesa, já que sustenta, nomeadamente, haver ocorrido infração do disposto nos arts. 13.º, n.º 2, da CRP, 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, e 202.º, n.º 1, LTFP.

12. À luz das razões expendidas deveria, assim, ter-se considerado como verificado o requisito em referência exigido pelo n.º 1 do art. 120.º do CPTA.

13. Constitui objeto de dissídio o preenchimento in casu do requisito do fumus boni iuris por referência aos referidos fundamentos de ilegalidade acometidos ao ato suspendendo, tendo o «TAF/S» concluído pela existência de uma probabilidade de procedência da impugnação do mesmo ato assente na verificação de tais ilegalidades e o «TCA/S» em sentido radicalmente inverso.

14. É comummente aceite que com o uso de processo cautelar visa-se evitar que o tempo necessário ao julgamento de um processo principal possa determinar a inutilidade da decisão a proferir no mesmo, ou colocar o interessado numa situação de facto consumado ou em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a possibilidade de reverter a situação que existiria se a ilegalidade não tivesse sido cometida.

15. Daí que e de molde a evitar a verificação ou a produção de tais perigos, assegurando-se dessa maneira também a utilidade da sentença, veio, no art. 112.º do CPTA, a consagrar-se a possibilidade do decretamento de vários tipos de medidas ou providências cautelares.

16. Previu e exigiu o legislador, todavia, que o decretamento de tais providências esteja sujeito ao preenchimento dos pressupostos fixados no art. 120.º do mesmo Código.

17. Não estando em causa a impugnação de um ato que, sem natureza sancionatória, haja determinado o pagamento de quantia certa [cfr. n.º 6 do art. 120.º do CPTA], determina-se no n.º 1 do preceito em referência que «as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente» e que, em tais situações, «a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências» [cfr. seu n.º 2], requisito este que, na falta de contestação por parte da autoridade requerida ou da alegação de que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificado, inexistindo, assim, tal lesão «salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva» [n.º 5], na certeza, sempre, de que, por um lado, a providências cautelares a adotar «devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adotar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença» [n.º 3] e de que, por outro, «[s]e os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária» [n.º 4].

18. Preveem-se, pois, no normativo um distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir: i) a duas condições positivas de decretamento [periculum in mora - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e fumus boni juris («aparência do bom direito») - reportado ao ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente]; e, ii) a um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.

19. Passando, então, à análise do requisito do fumus boni juris, objeto de dissídio entre as partes, cumpre aferir, então, do seu preenchimento ou não, ou seja, determinar se, in casu, resulta demonstrada a existência de uma probabilidade de procedência da pretensão formulada na ação administrativa principal como invoca o Recorrente ou se tal probabilidade inexiste como se concluiu no acórdão recorrido.

20. Tal como vem entendendo este Supremo Tribunal [cfr., nomeadamente, os Acs. de 15.09.2016 - Proc. n.º 0979/16, de 08.03.2017 - Proc. n.º 0651/16, de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17, de 08.06.2017 - Proc. n.º 050/17, 30.11.2017 - Proc. n.º 01197/17, de 08.02.2018 - Proc. n.º 01215/17 - todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário] na e para a integração do requisito ora sob análise entende-se como «“provável” … o que tem uma possibilidade forte de acontecer», sendo que no domínio jurídico «isso exige que algum dos vícios atribuídos (…) ao ato suspendendo se apresente já - na análise perfunctória típica deste género de processos - com a solidez bastante para que conjeturemos a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do ato».

21. Não se trata, portanto, dum juízo que se baste com a mera indagação de um mínimo de verosimilhança dos fundamentos de ilegalidade invocados como geradores da invalidade do ato tal como se mostrava previsto na al. b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA na redação anterior à introduzida pelo referido DL n.º 214-G/2015, em que o critério legal de decisão relativamente ao requisito da aparência do bom direito era, então, um critério largo, bastando-se, para o efeito, que não fosse manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular no processo principal.

22. Exige-se, pois, hoje que se apresente como provável a procedência da pretensão formulada ou a formular na ação principal para que se mostre preenchido este critério de decisão e que o requerente possa, assim, ver decretada a sua pretensão cautelar reunidos os demais requisitos cumulativamente exigidos.

23. Presentes a factualidade lograda apurar e, bem assim, aquilo que são as ilegalidades imputadas ao ato suspendendo supra enunciadas e que ainda se mostram como pretensamente fundantes do preenchimento do requisito sob análise da probabilidade de procedência da pretensão formulada na ação administrativa principal instaurada, julgamos ocorrer in casu, nos termos da parte final do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, o requisito, não podendo acompanhar-se a argumentação e juízo firmados no acórdão recorrido.

24. O juízo sumário e perfunctório próprio deste tipo de processos na apreciação dos requisitos legalmente exigidos para a decretação de providência cautelar peticionada não é sinónimo, quanto ao requisito sob análise, de evidência da concreta ilegalidade e consequente muito provável e evidente procedência da pretensão a deduzir a título principal, nem significa que o fumus boni iuris apenas ocorra ou se mostre preenchido quando as ilegalidades ou questões que as mesmas envolvem se apresentem como simples, ou incontroversas.

25. Uma tal leitura e interpretação envolveria, em termos práticos, praticamente a negação duma efetiva tutela cautelar, ou pelo menos da amplitude e da abrangência com que a mesma no contencioso administrativo se mostra configurada nos planos constitucional e legal.

26. Importa ter presente, ainda, que na análise do preenchimento do requisito em referência o juízo cautelar não pode reconduzir-se, nem confundir-se, também, com aquilo que é o juízo a realizar na ação principal, com uma análise definitiva, aturada e aprofundada dos fundamentos de ilegalidade e questões suscitadas, “tentação” e “exagero” com que amiúde nos vamos deparando e confrontando na prática forense.

27. Cientes do ora afirmado e reconduzindo-nos ao caso temos que, dos fundamentos de ilegalidade ainda em questão, apenas o relativo ao alegado erro sobre os pressupostos se mostrará como dotado de potencialidade ou suscetibilidade de poder vir a invalidar o ato disciplinar punitivo, aportando, portanto, o fumus boni juris fundante para o deferimento da providência.

28. Com efeito, o aqui Recorrente pretendendo vir obter a anulação da decisão disciplinar punitiva invocou, entre os vários fundamentos de ilegalidade a analisar em sede própria, um relativo a erro pretensamente acometido àquela decisão por nesta ter sido considerado que aquele prestou «falsas declarações» para a instrução do requerimento contendo pedido de inscrição de B………….. na ADSE no que tange à existência com a mesma de uma alegada situação «união de facto» e que remontaria ao ano de 2011.

29. Tal realidade mostra-se contraditada pelo aqui Recorrente, sustentando o mesmo não haver prestado quaisquer «falsas declarações» naquele âmbito, tanto mais que as suas declarações, sempre concordes entre si, mostram-se, ainda e também, em conformidade, ou em consonância, com o que veio a ser considerado provado e declarado por sentença de 07.08.2016 do então TJ Comarca de Lisboa-Oeste [Instância Local Cível de Oeiras] no processo n.º 777/16.1T8OER [cfr. n.º XX) dos factos apurados e donde se extrai que aquela decisão «declarou que o Requerente e B…………. vivem, desde 08/06/2012, em “união de facto”»], sendo que não poderá ser pessoalmente responsabilizado em termos disciplinares por declarações que hajam sido prestadas por outrem e que estão em contradição com o que por si foi afirmado quando são estas declarações e não as suas que estão em desconformidade com aquela sentença.

30. Ora esta realidade e a sua consideração no quadro da apreciação da pretensão impugnatória deduzida mostra-se, no estrito contexto da situação dela objeto e enquanto reportada unicamente à imputação de prestação de declarações falsas quanto à existência de «união de facto», poder vir a ser suscetível de conduzir à verificação do apontado erro e ao consequente inquinamento da decisão disciplinar punitiva suspendenda.

31. Assim, neste âmbito não poderá manter-se o juízo negativo firmado no acórdão recorrido sobre o preenchimento do requisito por referência ao fundamento de ilegalidade em questão.

32. Já quanto ao outro fundamento de ilegalidade tido por subsistente na tese do Recorrente, por alegada ofensa no processo disciplinar do seu direito de defesa, temos que o acórdão recorrido ajuizou acertadamente.

33. É que, à luz do quadro normativo aplicável e vigente [cfr., nomeadamente, os arts. 13.º, n.º 2, e 20.º da CRP, 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, e 202.º da LTFP] e ao invés do que, em regra, são as exigências para os processos judiciais [cfr. quanto às ações nos tribunais administrativos o disposto no art. 11.º do CPTA], inexiste uma obrigação, um dever de constituição de advogado no âmbito de um procedimento administrativo, mormente e no que aqui releva, no quadro do procedimento disciplinar.

34. Na verdade, nas suas regras disciplinadoras quanto aos processos instaurados e aos prazos nestes em curso inexiste não apenas a previsão da obrigatoriedade de constituição de advogado, mas, também, uma qualquer regra de interrupção ou suspensão dos processos administrativos, incluindo dos processos disciplinares, decorrente da apresentação de pedido de proteção jurídica na modalidade de patrono.

35. Do regime previsto no art. 24.º da Lei n.º 34/2004 deriva que o mesmo só tem aplicação aos processos judiciais e nunca aos processos administrativos, e a exceção à regra, enunciada no seu n.º 1, de que o procedimento de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite e de que o mesmo não possui qualquer repercussão sobre o andamento daquela, apenas tem lugar, como resulta do seu n.º 4, quanto aos pedidos de apoio judiciário apresentados na pendência de ação judicial e se o requerente pretender a nomeação de patrono, situação essa em prazo que estiver em curso se interrompe com a junção aos autos judiciais do documento comprovativo da apresentação do requerimento contendo tal pedido, na certeza de que inexiste no quadro normativo vigente, nomeadamente no CPA ou na LTFP, uma qualquer regra que faça aplicar ou que estenda o regime previsto no art. 24.º da Lei n.º 34/2004 aos processos administrativos e, em particular, aos processos disciplinares.

36. Nessa medida, quanto a esta ilegalidade, tendo por referência o quadro normativo convocado e o quadro factual apurado, a mesma revela-se como não gozando de subsistência bastante para fundar um juízo de probabilidade de procedência da pretensão impugnatória deduzida na ação administrativa principal.

37. Mercê, todavia, do que atrás se veio a concluir quanto ao outro fundamento de ilegalidade tido por subsistente entende-se, assim, verificado o requisito do fumus boni iuris, já que provável, quanto aquele fundamento, a procedência da pretensão impugnatória, pelo que não poderá manter-se o juízo firmado pelo «TCA/S» de ausência de preenchimento in casu do aludido requisito.

38. Mercê do acabado de julgar importa, então, face ao que é determinado pelo n.º 5 do art. 150.º do CPTA, passar à análise dos demais requisitos legalmente previstos no art. 120.º do mesmo Código e aí definidos como cumulativos para a decretação da presente providência cautelar.

39. E avançando, desde já, para a análise do requisito do periculum in mora temo que o mesmo mostrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil mercê da constituição de uma situação de facto consumado, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de prejuízos ou danos dificilmente reparáveis.

40. Nesta sede, em que se trata de aferir, nomeadamente, da possibilidade de se produzirem «prejuízos de difícil reparação» o critério a atender deixou, pois, de ser aquele que jurisprudencialmente era aceite em matéria de análise do requisito positivo da al. a), do n.º 1 do art. 76.º da LPTA, ou seja, o da suscetibilidade ou insuscetibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 09.06.2005 - Proc. n.º 0412/05, de 10.11.2005 - Proc. n.º 0862/05, de 01.02.2007 - Proc. n.º 027/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 12.02.2012 - Proc. n.º 0857/11, de 05.02.2015 - Proc. n.º 1122/14, de 30.11.2017 - Proc. n.º 01197/17].

41. Visando a providência cautelar de suspensão de eficácia dum ato administrativo a proteção da situação ou posição jurídica do requerente cautelar afetado pela execução e eficácia imediata do aludido ato impõe-se, então, que no juízo a firmar sobre a pretensão cautelar sejam considerados os prejuízos advenientes para a esfera jurídica do requerente.

42. Ressuma do exposto e no que releva em sede desta providência cautelar que os «prejuízos de difícil reparação» serão os que advirão da não decretação da pretensão cautelar de suspensão de eficácia do ato em crise e que, pela sua irreversibilidade, torna extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, pese embora suscetíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela contudo insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica do Requerente, devolvendo-lhe a situação em que o mesmo se encontraria não fora a execução havida e materialização daquele ato.

43. E revertendo ao caso sub specie cumpre, então, presente aquilo que constitui o quadro factual logrado provar [cfr. n.ºs XIV), XV), XVI), XVII), XVIII) e XIX)], apurar da verificação do requisito do periculum in mora.

44. Tal como tem sido jurisprudência assente do facto de facilmente ser quantificável o prejuízo pecuniário resultante da privação/redução de vencimentos não se pode sem mais concluir pela inexistência de periculum in mora, pois, será de reputar como irreparável ou de difícil reparação quando essa privação/redução puser em risco a satisfação de necessidades pessoais elementares, ou mesmo se determinar um drástico abaixamento do nível de vida do requerente e seu agregado familiar [vide, entre outros e nos mais recentes, os Acs. deste STA de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 28.01.2009 - Proc. n.º 01030/08, de 24.09.2009 - Proc. n.º 0821/09, de 20.03.2014 - Proc. n.º 0148/14, de 30.04.2015 - Proc. n.º 0404/15, de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17, e de 30.11.2017 - Proc. n.º 01197/17].

45. Presente a factualidade apurada e o disposto no n.º 1 do art. 120.º do CPTA estamos perante a situação em que ocorrem prejuízos de difícil reparação, já que o Requerente alegou e provou a este respeito que a imediata execução do ato suspendendo acarretará a perda da remuneração auferida, sua única fonte de rendimento, realidade que comporta e arrasta consigo necessárias e sérias dificuldades na difícil gestão e equilíbrio da vivência do mesmo, mormente no suportar das despesas mensais com água, eletricidade, gás e deslocações [transportes] e da mensalidade do infantário da sua filha, pondo, assim, em risco ou fazendo perigar a satisfação de necessidades pessoais elementares, e a manutenção de uma qualidade de vida condigna ao nível daquele que era o seu padrão.

46. Ora quando o ato gerador de tais consequências ainda não se mostra estabilizado como legal e legítimo não se mostra aceitável a sujeição do Requerente a tal quadro situacional e consequências negativas, impondo-se acautelar esse perigo.

47. De notar que este Supremo Tribunal vem considerando que, por regra, a privação do vencimento de um funcionário, agente ou trabalhador do Estado, em consequência da imediata execução do ato punitivo que o afaste de funções, é causadora de prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado, mercê de tal privação envolver uma diminuição drástica do respetivo nível de vida ou dos seus dependentes quando existam, pondo em risco a satisfação das necessidades normais correspondentes àquilo que era o seu padrão de vida [vide, entre outros, os Acs. de 30.04.2015 - Proc. n.º 0404/15, de 04.05.2017 - Proc. n.º 0163/17, e de 30.11.2017 - Proc. n.º 01197/17].

48. Daí que à luz do acima referido, e assim concluímos, os factos alegados e provados são suficientes para, a partir deles, ser extraída a conclusão da verificação do requisito do periculum in mora.

49. Importa, agora, aferir do requisito ou pressuposto negativo relativo à ponderação da adequação/equilíbrio em termos da decisão de concessão ou recusa da providência, já que a despeito de estarem verificados os requisitos positivos exigidos para a adoção da providência a mesma será recusada, ainda assim, «quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa» [cfr. art. 120.º, n.º 2, do CPTA].

50. Neste preceito introduz-se aquilo que já foi denominado como «cláusula de salvaguarda», constituindo um critério adicional de ponderação que coloca, num mesmo patamar, os diversos interesses [públicos e/ou privados - Requerente/Requerido], que, no caso concreto se perfilam ou estão em jogo.

51. Exige-se que, na justa composição dos interesses contrapostos em presença, o julgador cautelar proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos referidos interesses, balanceando os danos/prejuízos que a atribuição ou a recusa da providência possa envolver para os interesses contrapostos.

52. É, assim, que, no contraste entre os prejuízos que a execução causará na ótica do requerente e os danos que a suspensão provoca aos interesses prosseguidos pelo requerido, deve dar-se prevalência aos de mais elevada consideração ou de maior intensidade, sendo que nesta ponderação, que nem sempre é fácil de fazer, o tribunal procura sopesar os interesses prosseguidos pela execução do ato com os interesses obtidos com a sua suspensão.

53. A decisão num sentido ou noutro tem que ser feita de modo justo e equilibrado, evitando sacrifícios injustificados e desproporcionados dos direitos e dos interesses tocados pelo ato.

54. Os índices dos interesses cuja «tutela» em termos de perdas ou de danos impõem a eficácia imediata do ato têm que se encontrar no circunstancialismo que rodeou a sua prática, especialmente nos fundamentos, e nas razões invocadas pelo requerido, sendo necessário, no entanto, ter presente que a apreciação da lesão do interesse público a partir dos fundamentos do ato não significa qualquer resignação à presunção da sua legalidade.

55. E de que, nos termos do n.º 5 do art. 120.º do CPTA, nas situações de ausência de dedução de oposição/contestação pela autoridade requerida ou em que esta não alegue na mesma que a adoção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva.

56. No caso sub specie o Requerente, na alegação daquilo que seriam os danos decorrentes da não suspensão, refere que os prejuízos que pretende evitar são muito superiores aos danos que resultarão para o Requerido da adoção da providência, inexistindo, no seu entender, grave prejuízo para o interesse público decorrente da concessão da providência.

57. Atente-se, desde logo, que o Requerido para além de não haver produzido no quadro da instância cautelar uma qualquer resolução fundamentada, também na oposição deduzida, para além de desenvolvida articulação feita quanto aos requisitos previstos no n.º 1 do art. 120.º do CPTA, se constata quanto ao concreto requisito sob análise a recondução da alegação a uma mera reprodução e apelo do que havia sido o parecer proferido em sede de processo disciplinar pela Secretária-Geral do MNE e reproduzido no n.º X) da factualidade apurada proferido, e à conclusão de que a suspensão da eficácia do ato disciplinar punitivo por si proferido seria gravemente prejudicial e atentatória para o interesse público.

58. A jurisprudência tradicional deste Supremo considerava, designadamente no que concerne às penas expulsivas, que a suspensão das penas disciplinares causava automaticamente sempre lesão grave do interesse público e que tal impunha sempre o indeferimento do pedido de suspensão de eficácia.

59. Tal orientação jurisprudencial veio sendo substituída, ainda no âmbito da LPTA, por uma outra orientação que considerava a necessidade de valoração das causas em que as penas foram concretamente aplicadas, inspirada no princípio contrário de que nem todas as causas que motivam a aplicação de penas disciplinares envolvem um juízo de grave lesão do interesse público se não forem executadas imediatamente [cfr., entre outros, os Acs. do STA de 05.05.1999 - Proc. n.º 044837, de 09.07.2003 - Proc. n.º 01154/03, de 26.11.2003 - Proc. n.º 01745/03; já no quadro do atual contencioso, vide, também, os Acs. do STA de 30.8.2006 - Proc. n.º 0783/06, de 01.02.2007 - Proc. n.º 027/07, de 25.06.2009 - Proc. n.º 0550/09].

60. Assim, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os prováveis prejuízos causados ao requerente cautelar é que se impõe a execução imediata do ato, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão.

61. Presente o enquadramento desenvolvido sob os pontos antecedentes e o quadro factual apurado temos que no juízo de ponderação a realizar à luz do n.º 2 do art. 120.º do CPTA não poderemos deixar de concluir pelo deferimento da providência requerida, porquanto devidamente ponderados os interesses em confronto, constata-se que os danos que resultariam da sua recusa serão superiores aos que podem resultar do seu deferimento.

62. É certo que as condutas ou os factos imputados ao Requerente cautelar revestem, a firmarem-se na ordem jurídica, de gravidade, não podendo aceitar-se faltas de seriedade e de honestidade, nem branquear-se tais atitudes por contrárias às exigências e padrões de comportamento que devem nortear todos aqueles que desempenham funções de serviço público.

63. A suspensão da execução em termos cautelares da decisão disciplinar suspendenda não lhe retira tal cunho e relevância, tanto mais que os funcionários sabem que uma vez proferida decisão final transitada em julgado que confirme a legalidade da pena disciplinar imposta proceder-se-á à imediata execução com a reposição da legalidade em toda a sua integralidade e plenitude e o funcionário visado verá sobre si recaírem as consequências do seu comportamento ilícito.

64. Deste juízo de severa reprovação, desde já afirmado e inserto na decisão disciplinar punitiva e que «sinaliza»/«avisa» os demais funcionários do MNE para comportamentos não aceitáveis, nem toleráveis, não deriva automática e necessariamente, contudo, uma gravidade que inviabilize em concreto o decretamento da providência cautelar.

65. É que importa que tenhamos presente que as condutas objeto de imputação ao Requerente reportam-se a realidade factual que não terá tido grande visibilidade pública e/ou repercussão externa, que, aliás, não foi sequer alegada.

66. Nem se descortina, também, um relevante impacto no plano interno dos serviços, na certeza de que é patente que os factos imputados àquele não tiveram lugar no quadro ou no âmbito do seu direto desempenho profissional, não contendendo, pois, com aquilo que é o concreto exercício diário da sua atividade funcional.

67. Daí que em concreto, não se descortinam existirem necessidades, em termos de exigências de prevenção geral e do assegurar do prestígio, credibilidade e boa imagem pública dos serviços, que imponham a execução imediata da decisão disciplinar punitiva expulsiva ainda antes de estabilizada a situação com definição por decisão, com trânsito, quanto à legalidade ou não da mesma.

68. Nessa medida, considerando tudo o atrás exposto e o preceituado no art. 120.º, n.º 2, do CPTA, é de concluir que a adoção da providência não tem potencialidade para provocar danos e que ponderados imponham decidir no sentido da sua recusa, mostrando-se, assim, reunidos os requisitos para o decretamento da pretensão cautelar requerida.


DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie, revogar o acórdão recorrido, e em fazer subsistir, com a fundamentação antecedente, a decisão proferida pelo TAF/S de decretamento da pretensão cautelar de suspensão de eficácia.
Custas a cargo do Recorrido. D.N..



Lisboa, 15 de novembro de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.