Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01840/13 |
Data do Acordão: | 04/23/2014 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ARAGÃO SEIA |
Descritores: | RECURSO JURISDICIONAL JUNÇÃO DE DOCUMENTOS ANULAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO EFEITO DEVOLUTIVO |
Sumário: | I – Encontra-se, ainda, abrangido pelo disposto nos artigos 651º, n.º 1 e 425º do CPC (código novo), que permitem a junção de documentos em fase de alegações, desde que os mesmos se destinem à comprovação de factos que ocorreram em momento posterior à prolação da sentença proferida na 1ª instância e/ou quando a junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, a prova da data do trânsito em julgado das decisões judiciais que serviram de fundamento à sentença recorrida, quando esse facto pode ter repercussão na decisão do recurso e só ocorreu após a interposição do respectivo recurso. II – Os recursos jurisdicionais no contencioso tributário têm, em regra, efeito meramente devolutivo da decisão recorrida (artigo 286.º, n.º 2 do CPPT). III – Em razão do efeito devolutivo do recurso interposto pela Fazenda Pública de decisão anulatória das liquidações que estão na origem da dívida exequenda, não pode a Administração prosseguir com a execução na pendência do recurso - mesmo que a garantia prestada na impugnação tenha “expirado” e não seja oferecida nova garantia idónea – porquanto a única decisão que, na pendência do recurso, existe na ordem jurídica é a de anulação das liquidações que estão na base do título executivo. |
Nº Convencional: | JSTA00068673 |
Nº do Documento: | SA22014042301840 |
Data de Entrada: | 02/03/2013 |
Recorrente: | FAZENDA PÚBLICA |
Recorrido 1: | A... ACE |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TT LISBOA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL |
Legislação Nacional: | CPPTRIB99 ART169 N7 ART196 N1 ART286 N2. CPC13 ART425 ART651 N1. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC01766/13 DE 2013/12/18. |
Referência a Doutrina: | JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLIV 6ED 2011 PAG509. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A Autoridade Tributária e Aduaneira recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 14 de Outubro de 2013, que julgou procedente a Reclamação de Acto de Órgão de Execução Fiscal, deduzida por “A……………….., ACE”, com sede em Lisboa, contra os actos do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – 3, consubstanciado na demonstração de aplicação de crédito e demonstração de acerto de contas, ambas com data de 31/05/2013, e que tiveram lugar no âmbito do Processo de Execução Fiscal (PEF) n.º 3085200601115537, anulando-os, apresentando para tal as seguintes conclusões: I. Os autos identificados em epígrafe versam sobre a validade da penhora do crédito e a sua aplicação para pagamento da dívida exigida no processo de execução fiscal n.º 3085200601115537. II. A sentença recorrida considerou fundamento bastante para a decisão da questão a existência de uma sentença junta aos autos, proferida no proc. n.º 1309/13.9BELRS, e na qual se expendeu que «a única decisão judicial que subsiste presentemente na ordem jurídica, ao que consta dos autos, é a decisão anulatória dos actos de liquidação, com excepção do montante de €94.277,96, proferida no Tribunal Tributário de Lisboa e em primeira linha confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Sul. Deste modo, tal decisão judicial produz efeitos imediatamente, ficando vedado à Administração Tributária prosseguir com a execução fiscal, na parte objecto de anulação, independentemente da questão da idoneidade da garantia anteriormente prestada pelo reclamante.» (negritos nossos), sendo que o excerto refere-se à impugnação judicial n.º 2325/06.2BELSB, também do Tribunal Tributário de Lisboa. III. Ainda que a penhora realizada e a aplicação do crédito penhorado, no valor de €17.756,11, no pagamento da dívida – questão em discussão no presente processo – se circunscreve por larguíssima margem dentro da parte da dívida que a decisão proferida no processo impugnatório dá como não afectada por qualquer ilegalidade - €94.277,96. IV. Pelo que o thema decidendum da douta decisão centrou-se na produção imediata dos efeitos da decisão judicial no âmbito da Impugnação Judicial, de anulação parcial das liquidações, com a consequente paralisação do processo de execução fiscal, mesmo apesar de considerar provado que a decisão não era definitiva por ainda não ter transitado em julgado. V. Sendo convicção da Fazenda Pública que o levantamento da suspensão dos autos de execução fiscal deverá manter-se, por aplicação do artigo 196.º n.º 1 do CPPT. VI. Entendendo a Fazenda Pública que, para efeitos do n.º 2 do artigo 286º do CPPT, o efeito devolutivo dos recursos não se compadece com a atribuição de um efeito vinculativo imediato às decisões anulatórias ainda em reapreciação, por não estar verificado o respectivo trânsito em julgado. Nestes termos, em face da motivação das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida, assim fazendo Vossas Excelências a habitual Justiça.
Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos: (a) Ainda que não se mantivesse a prestação de garantia no âmbito do presente processo de execução fiscal – o que não corresponde à realidade – ou que a mesma não fosse válida – o que da mesma forma não corresponde à realidade -, a verdade é que, como bem se decidiu na sentença recorrida, o recurso interposto pela Fazenda Pública quanto à decisão do tribunal tributário de Lisboa que na ula a dívida exequenda no presente processo de execução tem efeito devolutivo em relação à decisão recorrida, pelo que a execução fica suspensa independentemente de qualquer outra consideração; (b) A suspensão da execução determina a ilegalidade do ato de penhora reclamado nos presentes autos, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer censura, ao aplicar correctamente aos factos dados como provados, pelo que deverá ser mantida. Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 404 e 405 dos autos, concluindo no sentido da improcedência do recurso e consequente manutenção do julgado recorrido. Entretanto, a fls. 407 a 409, veio o recorrido/reclamante dar notícia a este Supremo Tribunal, que as decisões judiciais a que se faz referência na sentença recorrida já transitaram em julgado, pelo que, daí se devem retirar as devidas consequências. Ouvidos o recorrente e o Ministério Público quanto a este requerimento, o primeiro nada disse e o segundo veio arguir a ilegalidade de tal requerimento, face ao momento processual em que o mesmo é deduzido, ou caso assim se não entenda, deve a recorrente ser ouvida quanto à inutilidade superveniente do recurso.
Questões a decidir: (a) Saber se o recorrido/requerente poderia ter junto aos autos os seus requerimentos que se encontram juntos a fls. 407 a 457 e 464 a 483; (b) Saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a reclamação, anulando os despachos sindicados, no entendimento de que o efeito suspensivo da execução fiscal resulta ope legis do efeito devolutivo do recurso (artigo 286.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT) independentemente da prestação de garantia, face às decisões judiciais desfavoráveis às pretensões da AT.
Na sentença objecto do presente recurso foram fixados os seguintes factos: A) Em 08/08/2006, foi autuado no Serviço de Finanças de Lisboa 3, o processo de execução fiscal n.° 3085200601115537, em nome do Reclamante, para cobrança da quantia de € 36.171.494,47, relativo a IVA, do ano de 2002, certidão de dívida n.° 2006000140873 - cfr. fls. 213 a 231 do processo de execução fiscal apenso; F) Na sequência da apresentação da impugnação judicial, referida em C, o Reclamante apresentou, em 09/11/2006, uma garantia bancária no montante de € 46.430.742,09, valida por três anos, que se destinou a obter a suspensão do processo de execução fiscal n.º 3085200601115537 - cfr. fls. 159; G) Por despacho de 09/01/2007 proferido pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa 3, no processo de execução fiscal n.° 3085200601115537, foi determinada a notificação do Reclamante para apresentar garantia sem prazo de validade estabelecido - cfr. despacho a fls. 163; K) Da consulta ao Portal das Finanças, o Reclamante verificou que o processo de execução fiscal n.° 308520601115537 está activo - cfr. fls. 175 a 177; L) Em 26/03/2012, o Reclamante apresentou reclamação de actos do órgão de execução fiscal, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, sob o Processo n.º 1309/13.9BELRS, contra o levantamento da suspensão do processo de execução fiscal n.º 3085200601115537 - cfr. fls. 179 a 198 e consulta ao SITAF; O) Em 24/04/2012, o Reclamante solicitou ao Serviço de Finanças, a notificação de informação contendo "a indicação da entidade que praticou o acto notificado ao Requerente através dos ofícios G3-3813 e G3-3817, de 12 de Abril de 2012 e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências, bem como dos meios de defesa e respectivos prazos para reacção" - cfr. fls. 203 e 204; Há agora que conhecer das questões trazidas aos autos. Quanto à primeira, que passa por saber se o recorrido/requerente poderia ter junto aos autos os seus requerimentos que se encontram a fls. 407 a 457 e 464 a 483.
Dispõe o n.º 1 do artigo 651.º, do CPC (novo código), sob a epígrafe “Junção de documentos e de pareceres” que, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez esclarece o artigo 425.º, sob a epígrafe “Apresentação em momento posterior” que, depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. Estes dois incisos legais estabelecem os critérios que permitem a junção de documentos em sede de recurso jurisdicional: - quando essa junção não tenha sido possível em momento anterior ao da própria junção; - quando a mesma se justifique em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. Como bem se percebe da sequência lógica destes autos e da leitura do requerimento apresentado pelo recorrido/requerente, ambos os critérios se verificam. Vindo invocado o trânsito em julgado de duas decisões judiciais que ocorreu, respectivamente, em 03/01/2014 e em 14/01/2014, e sabendo nós que em 05/12/2013 já os presentes autos se encontravam neste Tribunal, é por demais evidente que se trata de facto jurídico que ocorreu em momento posterior (superveniente) ao da própria interposição de recurso, não sendo sequer, contemporâneo da decisão recorrida. E se se verifica este critério temporal, igualmente se verifica o segundo critério, o da utilidade substantiva da informação ao Tribunal dos ulteriores desenvolvimentos ocorridos nos ditos processos judiciais. Efectivamente, as decisões proferidas naqueles processos foram determinantes para o sentido que se imprimiu à sentença agora sindicada, cujas cópias ou certidões já se encontravam nos autos, tendo mesmo sido levado o seu conteúdo ao probatório da sentença recorrida. E, tanto assim é, que a questão principal que se coloca nestes autos passa por saber qual o alcance, para efeitos de imposição às partes, daquelas decisões, em especial a proferida no processo n.º 1309/13.9BELRS, que ainda não se encontrava, à data, transitada em julgado. Reconhecendo-se, assim, que o facto de entretanto tais sentenças terem passado em julgado poder ser determinante para a utilidade deste recurso, pode-se concluir que sempre seria oportuno dar conhecimento de tal facto neste processo, ou se assim não fosse, sempre teria que se indagar oficiosamente se o trânsito em julgado das ditas decisões já teria ocorrido. Podemos, pois, concluir pela admissibilidade e utilidade da questão trazida aos autos pelo recorrido/reclamante, que se enquadra no regime próprio estabelecido pelas normas anteriormente referidas. Improcede, assim, a questão colocada pelo Ministério Público. Quanto à questão de fundo, saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a reclamação, anulando os despachos sindicados, no entendimento de que o efeito suspensivo da execução fiscal resulta ope legis do efeito devolutivo do recurso (artigo 286.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT) independentemente da prestação de garantia, face às decisões judiciais desfavoráveis às pretensões da AT. Já vimos que a sentença recorrida se fundou em decisão judicial não transitada em julgado e que entretanto tal decisão já se consolidou na ordem jurídica, pelo que, sempre por esta razão teria que ser improcedente este recurso. De todos os modos sempre se dirá que a argumentação expendida pela recorrente AT nunca poderia proceder. Sobre esta mesma questão já se pronunciou este Tribunal no seu recente acórdão datado de 18/12/2013, proferido no processo n.º 01766/13, disponível em dgsi.pt, acórdão este que se debruçou precisamente sobre a sentença que serviu de fundamento a esta sentença de cujo recurso agora se conhece. Na verdade, aí se decidiu que, “…(n)o caso dos autos, porém, está em causa um despacho que determinou o levantamento da suspensão da execução fiscal - não obstante a pendência de recurso interposto pela Fazenda Pública de decisão que lhe foi desfavorável – justificado em razão da expiração da garantia bancária entregue nos autos com validade apenas até 08/11/2009 e do facto de que não foi esta situação regularizada (cfr. a alínea P) do probatório). Despacho este julgado ilegal pelo tribunal recorrido – e bem - porquanto tendo o recurso interposto da decisão efeito meramente devolutivo, os actos de liquidação que estão na base da execução fiscal instaurada não podem ser executados imediatamente, mesmo que não haja já garantia ou equivalente, pois a única decisão judicial que subsiste na ordem jurídica no momento da interposição do recurso, que prevalece até eventual revogação ou anulação, é a decisão anulatória da liquidação (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 510). Do exposto decorre que o efeito devolutivo atribuído ao recurso interposto pela Fazenda Pública de decisão anulatória favorável ao contribuinte impede o levantamento da suspensão da execução fiscal mesmo que a garantia prestada para o efeito haja expirado e não tenha sido oferecida outra garantia idónea para o efeito, pois que, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos (a fls. 350) independentemente da existência ou não de garantia idónea para suspensão da execução fiscal, esta não pode prosseguir para pagamento coercivo das dívidas exequendas porque os actos de liquidação que as suportam foram anulados por decisão judicial e esta, dado o efeito meramente devolutivo do recurso, produz efeitos imediatos inviabilizando o prosseguimento da execução, pelo que (…) não opera a regra segundo a qual a falta de prestação de garantia idónea origina o prosseguimento da execução, com a penhora dos bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda, nos termos do disposto no art. 169.º n.º 7 do CPPT (…) que só ocorrerá se a decisão judicial anulatória dos actos de liquidação vier a ser revogada no seguimento do recurso que dela foi interposto, proc. n.º 01766/13, datado de 18/12/2013, em dgsi.pt”. Daqui se pode concluir, como bem se refere na sentença recorrida, que se o efeito do recurso era meramente devolutivo, então o processo de execução fiscal onde foram praticados todos estes actos do “OEF”, cuja legalidade foi posta em causa nos diversos processos judiciais, deveria ter continuado suspenso e, consequentemente, não deveria ter sido praticado qualquer acto próprio da execução (penhora, pagamento, etc.) neste mesmo processo. Assim, a sentença recorrida ao adoptar como fundamento a sentença proferida no processo n.º 1309/13.9BELRS, apesar de não transitada em julgado, porque se tratava da última decisão judicial que se pronunciava sobre a (i)legalidade dos referidos actos praticados pelo OEF no tocante ao levantamento da suspensão da execução julgou correctamente, não violando qualquer preceito legal tal como apontado pela recorrente.
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida. Custas pela recorrente. D.N. Lisboa, 23 de Abril de 2014. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto. |