Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0917/09
Data do Acordão:01/13/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IRS
Sumário:Os créditos reclamados pela Fazenda Pública, relativos a IRS, gozando apenas do privilégio imobiliário nos termos do art. 111º do CIRS, não preferem aos créditos também reclamados garantidos por hipoteca.
Nº Convencional:JSTA000P11300
Nº do Documento:SA2201001130917
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:B... E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, vem interpor recurso da sentença de verificação e graduação de créditos nos autos de reclamação de créditos que correm seus trâmites por apenso à execução fiscal nº 1970200201025180 instaurada pelo Serviço de Finanças de Santarém, contra A…, por dívidas de coimas fiscais de 2000, 2002 e 2007, IRS dos anos de 2001 a 2004 e IVA dos anos de 1999 a 2004.
1.2. A recorrente termina as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes:
1. “O direito de crédito garantido por hipoteca só cede, nos termos do artigo 686º, nº 1 do CC, perante os créditos garantidos por privilégio imobiliário especial ou prioridade de registo, devendo, por isso, ser graduado antes dos que sejam garantidos por privilégio imobiliário geral.”
2. A douta sentença ao admitir e graduar o crédito exequendo de IRS antes da hipoteca violou o preceituado nos arts. 686° e 751º-1 do Código Civil e 111° do CIRS.
3. Pelo que deve ser, a mesma, anulada e substituída por outra que gradue o crédito hipotecário antes do IRS.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações:
1.4. Sendo o MP recorrente, não emite Parecer
1.5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
2.1. O Serviço de Finanças de Santarém instaurou a execução fiscal, com o número 1970200201025180 e apensos, contra A…, para cobrança de quantia de €111.786,78 e acréscimos legais, referente a dívidas de coimas fiscais de 2000, 2002 e 2007, IRS dos anos de 2001 a 2004 e IVA dos anos de 1999 a 2004 - fls. 78 a 87, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
2. No dia 23 de Julho de 2007, no âmbito da referida execução, foi penhorado o prédio urbano, sito em Samora Correia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Samora Correia, sob o artigo número 6832 e descrito na C.R.Predial de Benavente, sob o número 02901/020695, a favor da Fazenda Pública — cfr fls. 23 do PEF em anexo, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
3. A penhora foi registada pela Ap. 23, de 24 de Julho de 2007 — fls. 41 a 43, do PEF em anexo, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
4. O “B...” detém um crédito sobre o executado, no montante de cento e seis mil, duzentos e quinze euros e quarenta e três cêntimos, garantido por hipoteca, constituída sobre o mesmo prédio, registada pela Ap. 31, de 26 de Maio de 2001 — fls. 7 a 18, dos autos e 41 a 43, do PEF em anexo, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
5. Com efeito, o “B...”, no exercício da sua actividade, celebrou com o executado um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca, por escritura pública outorgada a 29 de Dezembro de 1999, constante a fls. 106 a 109, do Livro n.° 59E, do Cartório Notarial de Alcochete, através do qual concedeu de empréstimo, ao executado, o montante de vinte e três milhões de escudos — fls. 7 a 18, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
6. A executada deve ainda o montante de dois mil duzentos e noventa e quatro euros e quinze cêntimos e acréscimos legais, a título de dívidas provenientes de IMI dos anos de 2004 a 2007, inscritos para cobrança em 2008 — fls. 34 a 49.
2.2. Em sede de factos não provados a sentença exarou o seguinte:
«Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não houve.»
3.1. A sentença recorrida, considerando que o IRS goza - arts. 111º do CIRS e 736º, nº 1 do CCivil - de privilégio imobiliário geral em relação aos três últimos anos contados da data da penhora, graduou em primeiro lugar os créditos referentes a tal imposto (IRS) dos anos de 2003 e 2004, reclamados pela Fazenda Pública e só depois o crédito hipotecário reclamado pelo B....
O recorrente sustenta que o crédito hipotecário deve, no caso, ser graduado em primeiro lugar, dado que, nos termos do disposto no art. 686º, nº 1 do CCivil, o direito de crédito garantido por hipoteca só cede perante os créditos garantidos por privilégio imobiliário especial ou prioridade de registo.
Esta é, portanto, a questão a decidir.
Vejamos:
3.2. O referido art. 111º do CIRS dispõe o seguinte:
«Para pagamento do IRS relativo aos últimos três anos, a Fazenda Pública goza de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente».
Refira-se, desde já, que a jurisprudência do STA tem vindo a firmar-se no sentido de que o disposto no art. 240°, nº 1 do CPPT, é aplicável não apenas a credores que gozem de garantia real «stricto sensu», mas também àqueles a quem a lei substantiva atribui causas legítimas de preferência, como é o caso dos privilégios creditórios (acs. de 13/4/2005 - Pleno, rec. nº 442/04; de 18/5/2005, rec. nº 612/2004; de 6/12/2006, rec. nº 929/06 e de 13/5/2009, rec. 185/09).
Ora, consagrando aquele art. 111º do CIRS um privilégio mobiliário geral e um privilégio imobiliário que abrange «os bens existentes no património … à data da penhora», este último tem, igualmente, natureza geral – sendo-lhe aplicável o regime constante do art. 749º e não o do art. 751º, ambos do CCivil. É que, «Não tratando o Código Civil de outros, privilégios imobiliários que não os especiais, só a eles se refere a disposição do artigo 751º. Para os gerais, rege a disciplina do artigo 749.º do mesmo diploma: eles não valem contra terceiros titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente» (acs. do STA, de 7/3/2007 e 14/10/2009, recs. nºs 1158/06 e 561/09).
Assim, o direito de crédito garantido por hipoteca só cede perante os créditos que disponham de privilégio imobiliário especial ou prioridade de registo (cfr. nº 1 do art. 686º do CCivil) já que «dos privilégios creditórios só os especiais, porque envolvidos de sequela, se traduzem em garantia real de cumprimento de obrigações, limitando-se os gerais a constituir mera preferência de pagamento e sendo apenas susceptíveis de prevalecer em relação a titulares de créditos comuns» (cfr., entre outros, o ac. do STA, de 21/1/09, rec. nº 0953/08).
Aliás, como alega o próprio recorrente, também é sabido que o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do art. 104º do CIRS (actual art. 111º), se interpretada no sentido de que o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública prefere à hipoteca, nos termos do art. 751º do CCivil, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito (ac. nº 362/2002, publicado no DR - I-A, nº 239, de 16/10/2002). Tanto que a nova redacção dada ao art. 751º, nº 1 do CCivil, pelo art. 5º do DL nº 38/2003, de 8/3, ao aditar o termo «especiais», veio a sufragar aquele entendimento, afastando as dúvidas até então suscitadas.
Em suma, no caso presente, o crédito hipotecário deve ser graduado antes dos créditos garantidos por privilégio imobiliário geral, ou seja, antes dos mencionados créditos relativos a IRS, procedendo, pois, o recurso.
DECISÃO
Termos em que se acorda em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença na parte ora recorrida e, em consequência, graduar os créditos pela ordem seguinte, saindo as custas precípuas do produto dos bens penhorados:
1º- Crédito hipotecário reclamado pelo B....
2º - Crédito exequendo referente ao IRS dos anos de 2003 e 2004.
3º Restantes créditos reclamados e exequendos, que gozam da garantia da penhora.
Sem custas.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2010. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – Pimenta do Vale.