Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0595/13
Data do Acordão:06/18/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:COIMA
NOTIFICAÇÃO POR CARTA REGISTADA
DEVOLUÇÃO DE CARTA REGISTADA
Sumário:As notificações das decisões cominatórias de coimas não se inserem no âmbito do estatuído no nº 1 do art. 38º do CPPT, razão por que não carecem de ser realizadas por via postal sob AR, no entanto, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que a presunção do nº 2 do art. 39º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida, quer na situação de carta registada quer na situação de carta registada com aviso de recepção.
É que não contendo o artigo 39º do CPPT uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, numa interpretação da norma em conformidade com a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268º, nº 3, da CRP), defende-se, que se deve aplicar o regime que está previsto para a forma de notificação com aviso de recepção, de que resulta a imposição de uma segunda carta registada, nos termos do estatuído no art. 39º, nºs 5 e 6, do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00068304
Nº do Documento:SA2201306180595
Data de Entrada:04/16/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART39 N2 N5 ART36 N1.
CPC96 ART254 ART255.
LGT98 ART19 N2 N3.
RGIT01 ART70 N2.
CONST76 ART268 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0331/11 DE 2012/04/12; AC STA PROC0270/09 DE 2009/05/06; AC STA PROC004015 DE 1987/02/18; AC STA PROC022529 DE 1999/06/02; AC STA PROC0546/10 DE 2011/04/13; AC STA PROC01031/07 DE 2008/05/21; AC STA PROC0460/09 DE 2009/08/07; AC TC PROC0607/01 DE 2002/03/14
Referência a Doutrina:PAULO MARQUES - INFRACÇÕES TRIBUTARIAS MINISTERIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS CENTRO DE FORMAÇÃO 2007 VOLII PAG88.
JORGE DE SOUSA E SIMAS SANTOS - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTARIAS 4ED PAG477.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A…………, identificada nos autos, deduziu oposição à execução fiscal, que corre termos no 4º Serviço de Finanças do Porto, por dívida referente a coima aplicada em processo de contra-ordenação, relativo ao ano de 2007, no TAF do Porto, que decidiu julgar a oposição procedente.

2. Não se conformando, a Fazenda Pública veio interpor recurso para este STA, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:
“A. A douta sentença sob recurso julgou procedente a presente oposição, por ter concluído que não tendo sido efectuadas as necessárias notificações no processo de contra-ordenação subjacente à dívida em causa, a mesma era inexigível.
B. Ressalvado o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, por considerar, que à situação em apreço se aplica o regime dos art.s 254° e 255° do CPC, por estarmos perante cartas registadas simples que não foram recepcionadas por falta do cumprimento, por parte da oponente, do disposto no n.° 2 do art. 19° da LGT, de onde resulta a exigibilidade da quantia exequenda.
C. Os n.°s 1 e 2 do art. 39° do CPPT, destinam-se exclusivamente a auxiliar na determinação da data da notificação, e já não na sua verificação, pelo que não poderão ser invocados para concluir pela ilisão da presunção de notificação, por regularem exclusivamente o momento em que a notificação se considera efectuada.
D. Pretendendo a douta sentença retirar da devolução das cartas registadas enviadas no âmbito do processo de contra-ordenação a ilisão da presunção contida no n.° 1 do art. 39° do CPPT incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito.
E. Considera a Fazenda Pública que, diferentemente do que ocorre em relação às notificações por carta registada com aviso de recepção, o legislador tributário não determinou directamente procedimentos para a perfeição das notificações efectuadas por carta registada simples, quando esta é devolvida.
F. Contudo, não será de recorrer a uma interpretação extensiva do art. 39°, n.°s 3 a 6, do CPPT, alargando ás cartas registadas simples o regime das cartas registadas com aviso de recepção, por constituir, na perspectiva aqui defendida, interpretação obstaculizada pelo elemento gramatical da norma, que prevê expressamente no início do n.° 3 “Havendo aviso de recepção (...)”.
G. Neste sentido, também o n.° 5 do art. 39° do CPPT não tem aplicação, pelo que não era exigível a repetição da notificação para permitir operar a presunção de notificação.
H. Atenta a ausência de norma aplicável no CPPT, impõe-se o recurso ao respectivo direito subsidiário, admissível por via da remissão expressa do art. 70°, n.° 2 do RGIT, e atendendo à natureza do caso omisso, considerando a Fazenda Pública ser de recorrer aos normativos do CPC, nos termos do art. 2° alínea e) do CPPT, que regulam a notificações da secretaria nos processos pendentes, designadamente os art.s 254° e 255° do CPC, onde se regula a expedição de cartas registadas simples.
I. Estamos, do ponto de vista da hermenêutica, perante lugares paralelos, até porque, no caso dos autos, as notificações ocorreram no âmbito do processo de contra-ordenação, onde as partes podem ou não constituir mandatário judicial, e a presunção de data de notificação é em tudo idêntica à prevista nos n.° 1 e 2 do art. 39° do CPPT,
J. Sendo que o CPC apenas vai mais além, ao nível da completude do regime da perfeição das notificações por carta registada, ao regular expressamente o procedimento e consequências da verificação de devolução da notificação, desde que remetida para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido (art. 254°, n.° 4 do CPC), ou, nos casos em que a parte não nomeie mandatário, para o local da sua residência ou sede ou no domicílio escolhido para o efeito de as receber (art. 255°, n.° 1 do CPC), determinando que a notificação não deixa de produzir o seu efeito e presumindo-se a sua concretização no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
K. Termos em que, a AT se pode valer da notificação registada devolvida porque foi enviada para o domicílio declarado pela oponente.
L. Tal como para os mandatários e para as partes que não constituam mandatário, quando penda processo judicial, existe a obrigatoriedade de informação do local de destino da correspondência, a constar da respectiva petição inicial, nos termos da alíneas a) e b), n.° 1 do art.467° do CPC, cuja omissão determina até a recusa da mesma, nos termos das alíneas b) e c) do art. 474° do CPC, e idêntica obrigatoriedade se encontra estabelecida para a generalidade dos contribuintes no n.° 2 do art. 19° da LGT, obrigação essa que foi violada pela oponente.
M. Essa violação materializou-se, como decorre do probatório, no facto de a morada correspondente ao domicílio fiscal não ter sido correctamente declarada em 12/03/2008 (por erro quanto ao número da sala, que seria ………… e foi identificado como …………), e só ter sido corrigida perante a AT em 29/05/2009 — embora tenha sido rectificada em sede de Registo Comercial em 02/06/2008 — quando as notificações foram enviadas em 21/10/2008 e em 15/01/2009 por carta registada simples e devolvidas.
N. De onde resulta o não cumprimento da obrigação que sobre a oponente impendia, com a consequente ineficácia da mudança de domicílio, atento o disposto nos n.°s 2 e 3 do art. 19° da LGT, que não foi devidamente ponderado em sede decisória.
O. Considera a Fazenda que a solução de direito aqui propugnada, fazendo, de facto, prevalecer a obrigação de comunicação de domicílio fiscal sobre o direito à notificação é conforme à Constituição da República Portuguesa até porque o Tribunal Constitucional já se pronunciou neste sentido a propósito do art. 254° do CPC,
R. Pelo que, a exigência de notificação prevista no n.° 6 do art. 77° da LGT e n.° 1 do art. 36° do CPPT se deve considerar satisfeita por aplicação do disposto no art. 254°, n.° 4 do CPC, aplicável ex vi art. 2°, alínea e) do CPPT.
Q. Termos em que, não havendo fundamento para determinar a extinção da dívida, deverá determinar-se a exigibilidade da dívida, considerando-se que a douta sentença incorreu em erro de julgamento de direito, porquanto fez errónea interpretação do disposto nas normas legais aplicáveis in casu, mais concretamente do disposto nos art.s 39° e 36° do CPPT e n.° 6 do art. 77° da LGT.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão, julgando-se a oposição improcedente”.

3. A recorrida A………… veio contra-alegar, concluindo nos termos que se seguem:
“a) Contrariamente ao que defende a Fazenda Pública, não chega a estar em causa a efectivação das notificações na medida em que, para falar da efectivação das notificações, era necessário que estas tivessem sido eficazes, o que não aconteceu, tal como bem observado pelo Tribunal o quo;
b) O ónus de demonstrar a correcta efectivação da notificação cabe à AT ( Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 21.02.1990 (proc. n.° 5281, Apêndice ao Diário da República de 15.10.1992, pág. 54.), o que, no caso em apreço e conforme demonstrado, não foi efectuada qualquer diligência para a efectivação dessas notificações, tal como observado pelo Tribunal a quo;
c) A este respeito, refere a melhor doutrina que “As notificações efectuadas por carta registada presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (art. 39.º n.º 1, do C.P.P.T.). Para se poder extrair a presunção aqui prevista, é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar. (...) Esta presunção apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupões no n.º 2 deste art. 39.º do C.P.P.T. em que apenas se admite a possibilidade de ilidir a presunção demonstrando que a notificação ocorreu em data posterior à presumida e já não quando a notificação não tiver ocorrido.” ( Sic. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 2ª ed. Actualizada e ampliada, 2003, pág. 433 (nosso realce).);
d) Daqui resulta claramente que, muito embora a notificação tenha sido efectuada nos termos legais (por via postal registada enviada para domicílio da pessoa a notificar em conformidade com os dados fornecidos pelo contribuinte), foi a mesma devolvida pelos serviços de correios, pelo que não pode ser mais evidente que a notificação em apreço, não produziu os seus efeitos, na medida em que a) a Recorrida não teve conhecimento do conteúdo da mesma, não tendo sido cumprido o estatuído nos artigos 35.º n.º 1 e 36.º n.º 1 do CPPT, e b) a Recorrida conseguiu, em primeira instância, afastar a presunção estabelecida nos termos do artigo 39.º n.º 2 do CPPT;
e) A este respeito, e nos termos do acórdão do STA de 12.04.2012, discorreu-se que “(...) sendo patente dos autos que a notificação da decisão cominatória de coima, tendo sido remetida por via postal, veio devolvida, o que significa que, efectivamente, não chegaram ao conhecimento do destinatário (...). Constitui jurisprudência do STA, que a presunção do n.º 2 do art. 39.º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida, quer na situação de carta registada (…)” ( Cfr. Acórdão do STA de 12.04.2012, Proc. n.° 0331/11 (nosso sublinhado e realce).);
f) Acrescendo que: “Não contendo o artigo 39º uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, numa interpretação da norma em conformidade com a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268º, n.° 3, da CRP), defende-se, que se deve aplicar o regime que está previsto para a forma de notificação com aviso de recepção, de que resulta a imposição de uma segunda carta registada e a faculdade da invocação do justo impedimento.” ( Cfr. Acórdão do STA de 12.04.2012, Proc. n.º 0331/11 por referência ao Acórdãos do STA, de 31.01.2012, proc n° 0929/2011, de 6.5.2009, proc. n° 270/09 e de 13.04.2011, proc. n° 0546/10 (nosso sublinhado e realce).)
g) Não assiste razão à Fazenda Pública quando tenta aplicar, ao regime processual tributário das notificações, normas de direito processual civil, com vista a fazer valer um entendimento que nem o STA tem vindo a acolher;
h) Aliás, o regime aplicável às notificações nos termos dos artigos 254.º e 255.º do Código de Processo Civil (CPC) destinam-se às notificações efectuadas na pendência de um processo judicial, pela secretaria do tribunal;
i) Importará recordar a decisão do Tribunal a quo quando refere que: “(...) não obstante a FP referir que as notificações foram efectuadas para a morada constante do cadastro fiscal da oponente à data das mesmas, tendo o novo domicilio sido comunicada posteriormente (29.05.2009), a verdade é que, na situação presente, apesar da irrelevância da comunicação (posterior), que aqui não está sequer em causa, ainda assim dão os autos de notícia que, a citação para a execução foi conseguida e que “a nova morada” era já conhecida à data da instauração da execução (19.04.2005) (...).” (nosso realce e sublinhado);
j) Entende a Recorrida que para além da questão suscitada pela Fazenda Pública não se materializar numa matéria exclusivamente de direito (por comportar questões de facto já julgadas pelo Tribunal a quo), a questão da ineficácia da mudança de domicílio fiscal não tem, para o caso, qualquer relevância, como bem sublinhado na douta sentença recorrida;
k) É que, tal discussão em torno das consequências do artigo 19.º n.º 2 e 3 da LGT teria relevância se, no caso concreto, “a nova morada” não fosse conhecida à data da instauração da execução, o que, na prática não se sucedeu;
l) Aliás, o que está concretamente em causa são as notificações efectuadas na esfera do processo de contra-ordenação, para apresentação de defesa e da decisão final de aplicação de coima — e não as notificações/citações efectuadas na esfera do subsequente processo de execução fiscal.
m) O normativo processual judicial civil em nada serve esta questão, estando apenas em causa a aplicação de normas procedimentais tributárias, conforme considerações supra tecidas.
n) Não é possível que o direito à notificação, constitucionalmente consagrado nos termos do n.º 3 do artigo 268º da CRP, recue perante uma obrigação de comunicação que nem sequer aqui está em causa, como muito bem observou o Tribunal a quo.
TERMOS EM QUE deverão V.Exas concluir pela improcedência do recurso, assim se cumprindo a Lei e se fazendo JUSTIÇA!”

4. O Magistrado do Ministério Público, junto deste STA, emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento, nos termos que se seguem:
“1. A eficácia da decisão depende da notificação; os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (art.77° n°6 LGT: art.36° n°1 CPPT).
A notificação das decisões administrativas aos interessados constitui garantia constitucional cuja observância é indispensável ao exercício do direito de defesa mediante impugnação de quaisquer actos lesivos (art. 268° n°s 3 e 4 CRP).
As notificações das decisões de aplicação de coimas em processo de contra-ordenação fiscal não se subsumem à previsão do art.38° n°1 CPPT, pelo não é exigível a notificação por carta registada com aviso de recepção (cf. Jorge Lopes de Sousa / Manuel Simas Santos Regime Geral das Infracções Tributárias 4ª edição 2010 pp. 477 e sgs.).
A presunção de notificação expressa na norma constante do art. 39° n° 2 CPPT apenas é aplicável quando a carta registada não é devolvida; em caso de devolução da carta registada uma interpretação da norma adequada à observância da garantia constitucional da notificação dos actos administrativos exige a expedição de segunda carta registada, só em caso de recusa de recebimento ou nova devolução se devendo presumir a notificação à semelhança do regime aplicável às notificações por carta registada com aviso de recepção (art. 39° n° s 5 e 6 CPPT; no sentido propugnado acórdãos STA-SCT 6.05.2009 processo n° 270/09;13.04.2011 processo n° 546/10;31.01.2012 processo n° 929/11; 12.04.2012 processo n° 331/01).
A aplicação extensiva do regime da notificação com aviso de recepção previsto no CPPT, resultante de uma interpretação adequada à observância da garantia constitucional, deve prevalecer sobre a aplicação do regime claramente menos exigente das notificações às partes em processo civil (arts.254° e 255° CPPT).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada”.

5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-FUNDAMENTOS

1- DE FACTO
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos:
“1. De acordo com a certidão de registo permanente da A…………, as (Oponente) encontrava-se inicialmente sediada no Lugar de …………, …………, freguesia e Concelho da …………, Distrito do Porto e, através de alteração ao contrato de sociedade a sede social passou a ser, desde 12.03.2008, na Av. da …………, n° …………, …………, sala …………, consoante decorre da certidão da Conservatória do Registo Comercial - AP. 6/20080312 (Insc. 8), a que alude a certidão permanente junta aos autos sob Doc. 1 (composto de 13 folhas) que se tem por reproduzido para os devidos efeitos legais — cfr. fls. 78 e 84 dos autos.
2. Em 25.02.2011 a oponente alterou a sua sede, tal como resulta de fls. 10 da certidão de registo permanente referida no ponto anterior — cfr. fls. 87 dos autos.
3. Em 18.10.2008 foi instaurado pelo 4º Serviço de Finanças (SF) do Porto, contra a oponente, um processo de contra-ordenação ao qual foi atribuído o 3387200806043917, com fundamento na falta de entrega de Pagamento por conta de IRC, relativo ao ano 2007 — cfr. fls. 11, 12 e 15 dos autos que se tem por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
4. No âmbito do processo de contra-ordenação referido no ponto anterior, o SF do Porto remeteu à oponente, com data de 21.10.2008, através de carta registada (RP584610339PT), uma notificação, onde consta entre o mais, o seguinte:




5. A notificação/comunicação referida no ponto anterior foi remetida para a seguinte morada:



6. Em 27.10.2008 a notificação/comunicação atrás referida foi, pelos Serviços dos CTT, devolvida ao SF do Porto e recebida por estes em 28.10.2018, com a seguinte menção de “Endereço insuficiente” - cfr. fls. 12, verso e fls. 13 dos autos que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
7. Com data de 15.01.2009, no âmbito do mesmo processo de contra-ordenação referido, o SF do Porto remeteu à oponente, através de carta registada (RQ0018491 16PT), uma notificação, onde consta entre o mais, o seguinte:



8. A notificação/comunicação referida no ponto anterior foi remetida para a seguinte morada:

9. Em 20.01.2009 a notificação/comunicação atrás referida foi, pelos Serviços dos CTT, devolvida ao SF do Porto com a seguinte menção de “Não existe” - cfr. fls. 15 (Frente e Verso) e fls. 16 dos autos que se tem por reproduzidas para os devidos efeitos legais.
10. Em 19.04.2009 foi instaurado o processo de execução fiscal n° 3387200901013071 com origem no não pagamento da coima a que se refere o processo de contra-ordenação referidos nos pontos anteriores — cfr. fls. 11 e 21 dos autos.
11. Em 29.05.2009 a oponente comunicou ao 4° SF do Porto novo domicílio fiscal, designadamente:


12. O oponente foi citado para o processo executivo na morada referida no ponto anterior — cfr. fls. 1 e 22 dos autos que se tem por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.


2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

A ora recorrente, citada no âmbito do processo de execução fiscal, com vista à cobrança coerciva de coima (e respectivos juros de mora), supostamente aplicada no processo de contra-ordenação nº 3387200806043917, relativo a 2009, deduziu oposição alegando que nunca foi notificada para deduzir defesa no processo de contra-ordenação e que também não foi notificada da decisão final que o culminou, vendo, desse modo, os seus direitos de defesa coarctados.
Por sentença proferida, no TAF do Porto, em 23 de Setembro de 2012, foi julgada procedente a oposição com a consequente extinção da execução fiscal.
Para tanto ponderou, entre o mais, a Mmª Juíza “a quo”:
· Em conformidade com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, “Não contendo o artigo 39° uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, numa interpretação da norma em conformidade com a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268°, n°3, da CRP), defende-se, que se deve aplicar o regime que está previsto para a forma de notificação com aviso de recepção, de que resulta a imposição de uma segunda carta registada e a faculdade da invocação do justo impedimento”. (No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do STA, de 31/1/2012, proc n° 0929/2011.)(...)
· “(…), constatamos que, também in casu a Administração Fiscal, após a remissão das notificações por carta registada simples aqui em questão e subsequente devolução, conformou-se com as devoluções, sem ter dado cumprimento ao estatuído no artigo 39° n° 5 do CPPT.
· “Efectivamente, não dão os autos conta de que, depois da devolução daquelas notificações remetidas, e a que alude o probatório, a Administração fiscal tenha remetido novas notificações através de uma segunda carta, o que, de resto, não demonstrou ou sequer alegou a FP”.
· “Assim, nos termos do estabelecido no normativo citado e tendo em conta a jurisprudência citada, que acompanhamos de perto, temos que as notificações não obedeceram às exigências legais, o que determina a sua ineficácia e, consequentemente, a inexigibilidade da dívida exequenda.
· “(…) Por fim, acresce ainda dar conta que, não obstante a FP referir que as notificações foram efectuadas para a morada constante do cadastro fiscal da oponente à data das mesmas, tendo o novo domicílio sido comunicado posteriormente (29.05.2009), a verdade é que, na situação presente, apesar da irrelevância da comunicação (posterior), que aqui não está sequer em causa, ainda assim dão os autos de notícia que, a citação para a execução foi conseguida e que “a nova morada” era já conhecida à data da instauração da execução (19.04.2005) — cfr. pontos, 10, 11 e 12.(…)”.
Contra este entendimento se insurge a recorrente argumentando, em síntese, que:
· “(…) à situação se aplica “o regime dos art.s 254° e 255° do CPC, por estarmos perante cartas registadas simples que não foram recepcionadas por falta do cumprimento, por parte da oponente, do disposto no n.° 2 do art. 19° da LGT, de onde resulta a exigibilidade da quantia exequenda”;
· “(…)” que o legislador tributário não determinou directamente procedimentos para a perfeição das notificações efectuadas por carta registada simples, quando esta é devolvida, não sendo de aplicar o nº 5 do art. 39º do CPPT.
· “(…) a notificação não foi conseguida por a morada correspondente ao domicílio fiscal não ter sido correctamente declarada em 12/03/2008 (por erro quanto ao número da sala, que seria ………… e foi identificado como …………)”.
· “(…)” que o domicílio fiscal só foi corrigido perante a AT em 29/05/2009 — embora tenha sido rectificada em sede de Registo Comercial em 02/06/2008 — quando as notificações foram enviadas em 21/10/2008 e em 15/01/2009 por carta registada simples e devolvidas, situação que não foi devidamente ponderado em sede decisória.
Em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do recurso [cfr. arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC e o art. 2º, alínea e), do CPPT], o objecto do presente recurso consiste em saber se a sentença recorrida fez correcto julgamento quando decidiu pela procedência da oposição, com a consequente extinção da execução, por falta de notificação da recorrente quer para apresentar defesa quer da decisão final, de acordo com as formalidades exigidas para o efeito.

3. Resulta do probatório que a Administração Fiscal instaurou o processo de execução fiscal contra a recorrente, na sequência de num processo de contra-ordenação, remetendo-lhe para o efeito duas notificações através de carta registada: - uma para deduzir defesa e/ou pagar voluntariamente com redução, - e outra a comunicar a decisão final ( pontos 3, 4, 5, 7 e 8 do probatório), por carta registada simples (sem AR).
Decorre igualmente do probatório e não vem questionado que as referidas notificações foram devolvidas.
O que divide as partes reside essencialmente no facto de a Administração Tributária defender que tendo efectuado a notificação para a morada constante no cadastro da ora recorrente, mesmo depois de devolvida, se deve considerar a mesma efectuada no 3° dia após o registo.
Em sentido contrário, contra-alega a recorrente que, após a devolução das notificações, se impunha o envio de uma segunda notificação, nos termos estabelecidos no artigo 39° n° 5 do CPPT. Esta tese foi a acolhida pela sentença recorrida e corroborada pelo Ministério Público, no seu doutro parecer, por corresponder à jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal.

Vejamos.

3.1. Para aferir da correcção das notificações impõe-se, em primeiro lugar, averiguar se andou bem a Administração Fiscal ao enviar carta registada para o domicílio fiscal da recorrente que constava dos seus arquivos destinados especificamente a esse efeito. Dada a importância da matéria, o legislador consagra aqui especiais deveres, dispondo o art. 19º, nº 2, da LGT que “É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária”. Por sua vez, diz o art. 19º, nº 3, da LGT que “é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração fiscal”.
Dos mencionados preceitos resulta que impende sobre os sujeitos passivos a obrigação legal de comunicarem o respectivo domicílio fiscal à Administração Tributária, enquanto lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres fiscais, bem como quaisquer alterações do mesmo.
Nesta sequência, como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 12 de Abril de 2012, proc nº 331/11, sob pena de se tornar impossível à Administração Tributária cumprir a sua missão de liquidação e cobrança dos impostos quaisquer irregularidades ou omissões ocorridas no cumprimento dos deveres atrás mencionados têm de se considerar da exclusiva responsabilidade dos sujeitos passivos e inoponíveis à Administração Fiscal”.
No caso dos autos, como resulta do probatório (cfr. ponto 11), a morada da recorrente só foi corrigida perante a 4ª SF do Porto em 29/5/2009, quando as notificações foram enviadas em 21/10/2008 e em 15/01/2009.
Assiste, desta forma, razão à Fazenda Pública quando alega a ineficácia da mudança de domicílio, mas já não acontece o mesmo quando argumenta que tal circunstância não foi tida em conta pela Mmª Juíza “a quo”.
O que se passa é que, no entendimento da sentença recorrida, e na senda da jurisprudência deste Supremo Tribunal, tratando-se de matéria sancionatória, tendo havido devolução das cartas registadas, incumbia à Administração Tributária proceder a uma segunda notificação. Ao contrário do que defende a recorrente às notificações em processo de contra-ordenação aplicam-se as disposições correspondentes do Código do Procedimento e de Processo Tributário, nos termos do disposto no art. 70º, nº 2, do RGIT.

3.2. A notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam.
Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14 /3/2002, proc nº 607/01.).
Tratando-se de matéria sancionatória, fazem-se sentir aqui particularmente as exigências do art. 268º, nº 3, da CRP.
No que respeita às exigências de notificação em matéria de coimas, pronunciou-se este Supremo Tribunal, entre outros, no Acórdão de 12/4/2012, proc nº 331/11, no qual interviemos como relatora e que passamos a reproduzir.
“Assim, admitindo, em conformidade com alguma doutrina, que “as notificações das decisões cominatórias de coimas não se inserem no âmbito do estatuído no nº 1 do art. 38º do CPPT, razão por que não carecem de ser realizadas por via postal sob AR” (Ver, por todos, PAULO MARQUES, Infracções Tributárias, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Direcção-Geral dos Impostos - Centro de Formação, Lisboa, 2007, vol. II, pp. 88 ss., e JORGE LOPES DE SOUSA/SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias, 4ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 477 ss.), sendo patente dos autos que a notificação da decisão cominatória de coima, tendo sido remetida por via postal, veio devolvida, o que significa que, efectivamente, não chegaram ao conhecimento do destinatário” (Neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13/1/2009, proc. nº 02656/08.).
“Constitui jurisprudência deste Tribunal, pelo menos no que se refere aos particulares, que a presunção do nº 2 do art. 39º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida, quer na situação de carta registada (cfr. acs de 1872/87, rec. nº 004015, de 2/6/99, rec 022529, e, mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 2175/2008, rec nº 01031/07 e de 877/2009, rec nº 0460/09).
“Neste sentido, ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal que “Não contendo o artigo 39º uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, numa interpretação da norma em conformidade com a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268º, nº 3, da CRP), defende-se, que se deve aplicar o regime que está previsto para a forma de notificação com aviso de recepção, de que resulta a imposição de uma segunda carta registada e a faculdade da invocação do justo impedimento”. (No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do STA, de 31/1/2012, proc nº 0929/2011)”.
Aplicando a jurisprudência mencionada ao caso em apreço, verifica-se que vem demonstrado que a Administração Fiscal, tendo procedido à remissão das notificações por carta registada e sendo as mesmas devolvidas, se conformou com a situação, sem ter dado cumprimento ao estatuído no art. 39º, nº 5, do CPPT.
Assim sendo, considerando o estabelecido no mencionado normativo e tendo em conta a jurisprudência citada, temos de concluir, como a sentença recorrida, que as notificações não obedeceram às exigências legais, o que determina a sua ineficácia.
A sentença que decidiu no sentido da procedência da oposição e da inexigibilidade da dívida em causa merece ser confirmada, negando-se provimento ao recurso.


III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 18 de Junho de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.