Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0740/16
Data do Acordão:06/23/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:PREJUÍZO
DEVOLUÇÃO
AJUDAS FINANCEIRAS
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:Não é de admitir revista, em providência cautelar, se a questão principal respeita à apreciação do requisito de prejuízos de difícil reparação e ela assentou decisivamente em juízos de facto.
Nº Convencional:JSTA000P20722
Nº do Documento:SA1201606230740
Data de Entrada:06/08/2016
Recorrente:IFAP- INST DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Recorrido 1:ASSOC .........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.1. A Associação de ……………. intentou providência cautelar, contra o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IP (IFAP – IP), deduzindo o pedido de suspensão de eficácia do acto que determinou a modificação do contrato de financiamento n.º 03000746/0, concedido no âmbito da «Ação 1.12.2. “Restabelecimento do Potencial de Produção (infraestruturas) ” do PRODERAM», com a consequente recuperação de verbas no valor de 23.976,88€.

1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por sentença de 05.01.2016, deferiu a providência.

1.3. O Tribunal Central Administrativo Sul, por acórdão de 07.04.2016, confirmou a decisão recorrida.

1.4. É desse acórdão que o demandado vem, ao abrigo do artigo 150.º, n.º 1, do CPTA requerer a admissão da revista, por a questão controvertida assumir relevância jurídica e social, justificando a necessidade de intervenção deste Tribunal para uma melhor aplicação do direito por o acórdão recorrido enfermar de «um manifesto erro de julgamento e uma clara violação da lei».

Cumpre apreciar e decidir.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.3. A questão suscitada nos autos emerge da modificação do contrato de financiamento n.º 03000746/0, concedido no âmbito da «Ação 1.12.2. Restabelecimento do Potencial de Produção» do PRODERAM – Programa de Desenvolvimento Rural para a Região Autónoma da Madeira –, com a consequente recuperação de verbas no valor de 23.976,88€.

As instâncias, convergentemente, deram por verificados os pressupostos estabelecidos no artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CPTA02.

O vector de maior discordância do recorrente respeita à conclusão a que chegou o acórdão recorrido, tal como já a sentença, de existir fundação receio de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses da requerente.
O recorrente intenta que houve claro erro, pois, por um lado, o acórdão reconheceu que «efectivamente só analisando os proveitos e os encargos seria possível avaliar o impacto que tem o pagamento da quantia de 23.976,88€» mas, sem essa análise, acabou por julgar existir o fundado receio alegado pela requerente.

Ora, o acórdão recorrido procurou responder a essa mesma crítica que já era dirigida à sentença e enunciou diverso material de facto a suportar a sua conclusão:
«Compulsando a matéria dada como provada, a o que aqui releva, verificamos que existem contas bancárias tituladas pela ora RECORRIDA com saldos positivos de EUR 143,31, EUR 525,72, EUR 693,82 e EUR 25.048, 95 e que associado a esta última conta (do ………) é amortizado mensalmente a quantia de cerca de EUR 1.800,00 (cfr. o provado em Q. e R.). Provado está também que em Dezembro de 2010 a Requerente e ora RECORRIDA contraiu um empréstimo, com fiança, no valor máximo de EUR 400.000,00, mediante o qual incidiu uma hipoteca sobre o prédio urbano, situado na Rua ………, …….., freguesia de ………, concelho do Funchal, (…) (cfr. o provado em S.). E encontra-se inscrito na matriz predial urbana em nome da Requerente o prédio urbano, sito na Rua .......... n° ……., freguesia ………, no Funchal, (…) e sobre ele incide uma hipoteca registada a favor do ………..(cfr. o provado em T.). / De igual modo ficou provado que no ano fiscal de 2014 a Requerente e ora RECORRIDA apresentou um prejuízo fiscal (cfr. V. do probatório). / Por outro lado, tem cerca de 4 mil associados, sendo o valor da quota de 12€/por ano/por associado (idem, o provado em X.). / E foi perante esta factualidade alegada e provada que a ora RECORRIDA concluiu no seu requerimento inicial que não tinha meios para devolver a quantia pretendida pela ora RECORRENTE, no montante de EUR 23.976,88, e que da execução do acto suspendendo resultaria um fundado receio de que a privação de recursos financeiros possa determinar o encerramento da instituição, implicações graves no cumprimento das suas obrigações junto de funcionários, prestadores de serviços e instituições bancárias, para além dos efeitos nefastos para os agricultores por si representados.
Tudo visto e ponderado, entendemos que a conclusão tirada pelo Tribunal a quo quanto à verificação do periculum in mora se mostra alicerçada num conjunto de factos — factualidade concreta alegada pela requerente da providência — e numa avaliação da afectação da esfera jurídica da ora RECORRIDA derivada da imediata execução do acto suspendendo, em moldes que é de sancionar positivamente.
Com efeito, os dados constantes nos autos afiguram-se suficientes para, como contra-alegado, clarificar a situação económica e financeira da ora RECORRIDA, permitindo concluir, sem margem para grandes dúvidas, que esta não dispõe, nem lhe será possível obter no curto/médio prazo, de recursos financeiros necessários à liquidação em questão. Pelo que é patente o risco de ocorrerem os danos de difícil ou impossível reparação, como enunciado na sentença recorrida e cujos pressupostos decisórios acima deixámos transcritos».
E logo de seguida respondeu directamente à objecção da recorrente:
É certo que na sentença recorrida se reconhece que “efectivamente só analisando os proveitos e os encargos seria possível avaliar o impacto que tem o pagamento da quantia de 23.976,88, considerando que o Requerido já se fez ressarcir do valor de €22.433,12 por compensações em outros processos”. Mas tal asserção não tem o alcance pretendido pelo Recorrente. Na verdade, na interpretação que fazemos da sentença, e não apenas desta proposição autonomamente considerada (desgarrada do seu contexto), é que apenas analisando com detalhe e exaustão todos os proveitos e todos os encargos, seria possível avaliar o verdadeiro impacto que teria o pagamento da quantia reclamada, o que não significa que não tivessem sido alegados e provados factos suficientes que permitissem extrair, numa avaliação sumária da situação, a conclusão de que se verificava o pressuposto do periculum in mora. E isso está correcto: não só o âmbito de conhecimento do tribunal em sede de tutela cautelar é meramente perfunctório, como os demais elementos existentes nos autos e consignados na sentença, devidamente contextualizados e sujeitos a correcta presunção judicial, apontam pela necessidade da protecção cautelar decretada pelo TAF do Funchal».

Não é, pois, certo o alegado claro erro do acórdão, nem que seja clara alguma oposição com o que correntemente é aceite quanto à necessidade de prova do prejuízo de difícil reparação: O acórdão trouxe a favor da sua apreciação múltipla factualidade provada nos autos.

Ora, afastando o que poderia ser justificação da revista na base de algum evidente erro de direito, no mais, naquilo em que a apreciação do acórdão assentou, decisivamente, em juízos de facto, é já matéria em relação à qual a revista não tem virtualidade de intervenção, por força do disposto no artigo 150.º, n.º 4, do CPTA.
De resto, de sublinhar, como se viu, que existiu sintonia nas instâncias, e não se observa no demais alegado pelo recorrente qualquer ponto que pela sua importância ou claro erro de interpretação, justifique a admissão da revista.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 23 de Junho de 2016. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – São Pedro.