Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01071/13
Data do Acordão:02/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO
ADMISSIBILIDADE
CONTRA-ORDENAÇÃO
Sumário:I - De acordo com o disposto no artº 83º, nº 1 do RGIT o arguido, o representante da Fazenda Pública e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, exceto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
II - Admite-se, porém, a aplicação subsidiária em matéria tributária do nº 2 do artº 73º do RGCO que determina que é admissível recurso, independentemente do valor da coima aplicada, quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
III - Não se verifica tal requisito para admissão do recurso se o recorrente se limita a invocar a falta de fundamentação da decisão.
Nº Convencional:JSTA00068580
Nº do Documento:SA22014020501071
Data de Entrada:06/14/2013
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:RGCO ART73 N2 N3
RGIT01 ART83 N1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – A…………, com os demais sinais dos autos, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que fixou uma coima única no valor de 900 euros, efetuada em cúmulo jurídico das coimas aplicada na sequência nos processos de contra ordenação com os nºs 95/08.9 BEVIS, 97/08.5BEVIS e 34/10.7 BEVIS, apresentando para o efeito, alegações nas quais conclui:

Iª). Ao contrário do entendimento do Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, as sentenças proferidas nos processos de contraordenação nºs 95/08.9BEVIS, 97/08.5BEVIS e 34/10.7BEVIS não transitaram em julgado.

IIª). Sobre cada um dos requerimentos recaiu um despacho do Meritíssimo Juiz a dizer que não admitia o recurso, mas, ordenou à Secretaria do Tribunal que lhe fosse aberta conclusão para proceder ao cúmulo.

IIIª). Um dos fundamentos de cada um dos recursos interpostos era exatamente a omissão da operação do cúmulo jurídico.
Ao proferir aquele despacho o Meritíssimo juiz não deixou que aquelas três sentenças transitassem em julgado,

IVª). Ao não se ter pronunciado sobre o requerimento do arguido de apensação dos processos, ao ter proferido as três sentenças no mesmo dia sem ordenar a apensação, incorreu aquele Tribunal em nulidade processual que prejudicou a defesa do arguido.

Vª). Apensação que seria a forma processual adequada para se proceder ao cúmulo jurídico nos diferentes processo de contraordenação, mas também não ordenou a apensação para efeitos de realização do cúmulo jurídico, limitando-se o Meritíssimo Juiz a ordenar a junção de certidão da “sentença de cúmulos jurídicos” aos processos 97/0858ESVIS e 34/10.BESVIS.

VIª). As normas do Código Penal, aqui aplicáveis neste conspecto, por força do artº. 32° do RGCO, no que ao concurso de infrações diz respeito, deverá ocorrer uma única pena pelas várias infrações antes de transitar em julgado a condenação por qualquer uma delas, o que condiz com o preceituado no artº. 77º, nº 1 do Cód. Penal, pois sendo, como foi do conhecimento oficial e oficioso do Tribunal recorrido, teria que ocorrer um exercício ex ante, determinando a apensação dos processos, a escolha parcelar e a final, o cúmulo jurídico das coimas.

VIIª). As sentenças, as que aplicaram coimas parcelares e a que efetuou o cúmulo” são nulas porque antes da sua prolação deveria ter sido ordenada a apensação dos processos.

VIIIª). A sentença recorrida, ou as sentenças parcelares com os exatos e iguais fundamentos, incorreu em erro de julgamento ao considerar que na decisão que aplicou a coima ao ora recorrente estão descritos todos os factos que tipificam a infração.

IXª). Não consta da decisão que aplicou a coima que era devido imposto a final, nem como foi encontrado o montante do imposto, nem porque é que o imposto era “exigível”.

Xª). Ao contrário do que entendeu o tribunal recorrido, a resposta do Chefe de Finanças não tem aptidão para colmatar as lacunas da decisão que aplica a coima.

XIª). A omissão dessa factualidade implica a absolvição do recorrente da infração, ou quando assim não se entenda, a nulidade insuprível da decisão.

XIIª). O Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu aplicou a coima única no montante de 900,00 euros.
Este montante não está justificado, pelo que a sentença padece de falta de fundamentação.
Para além disso, este montante de coima única corresponde praticamente ao somatório das coimas parcelares e é assim, manifestamente desproporcionado.

XIIIª). Mesmo que assim não se entenda, encontram-se prescritos os procedimentos contraordenacionais 97/08.5BEVIS e 95/08. 9BEVIS, respeitantes a factos dos anos de 2004 e 2006, respetivamente, por ultrapassagem do prazo de prescrição de cinco anos previstos no artigo 33.º, n.º 1 do RGIT.

XIVª). Por parte da sentença recorrida houve violação dos comandos legais ínsitos nos arts. 102° do CIRS, 114°, nºs 1, 2 e 5 al. f), 63°, nº 1. al. b), 57, n° 2 al. d), 81°, n° 2 do RGIT e 32° da CRP dos arts. 25° do RGIT, 19° do RGCO e 77°, 11° 2 do Cód. Penal.

Termos em que a douta sentença recorrida deve ser revogada e dela absolvido o aqui recorrente.

2. A Fazenda Publica não contra alegou.

3. O MP emitiu parecer a fls. 300/302, no qual defende que o recurso deve proceder “… para que se conheça das referidas nulidades insupríveis, e na procedência do que se invoca o decidido com a consequência dos autos serem devolvidos à A.T., nos termos do art.º 63.º nº 4 da R.G.I.T.”

4. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

Antes de mais, há que referir aqui o seguinte:

O recorrente interpôs recurso das três decisões judiciais que lhe aplicaram coimas (v. fls. 94 destes autos, 72 do processo nº 97/08 e 61 do processo nº 34/10).

Por despacho de fls. 116 foi negada a admissão de tais recursos com fundamento na inverificação dos requisitos previstos no disposto no nº 2 do artº 73º do RGCO e no artº 83º do RGIT.

Notificado deste despacho (v. fls. 117), o recorrente a ele não reagiu.

Por sentença de 30.04.2012 (v. fls. 119/120), o Mmº Juiz recorrido procedeu ao cúmulo jurídico das coimas aplicadas ao recorrente nos processos acima referidos, condenando este numa coima única de 900 euros.

Após a notificação desta decisão veio agora o recorrente interpor recurso (v. fls. 149), nos seguintes termos:
“... não se conformando com as sentenças proferidas nos processos de contraordenação nºs 95/98.9BEVIS, 97/08.5BEVIS e 34/10.7BEVIS, condensadas no primeiro dos referenciados…vem interpor recurso…”

Vejamos então se este recurso é legalmente admissível.

4.1. O recorrente reporta-se no seu requerimento de recurso às seguintes questões:
a) Admissibilidade do recurso;
b) Falta de trânsito das sentenças objeto de cúmulo jurídico;
c) Recurso destas sentenças;
d) Falta de fundamentação da sentença que efetuou o cúmulo jurídico;
e) Prescrição do procedimento contraordenacional.

4.1.1. Como acima se referiu, o recorrente interpôs recurso das decisões que o condenaram nas respetivas coimas e, não tendo o recurso sido admitido, nem tendo aquele reagido, as decisões em causa, em nosso entender, transitaram.

Com o devido respeito, não colhe qualquer apoio legal a argumentação do recorrente de que tais decisões não transitaram porque o Mmº Juiz procedeu ao cúmulo jurídico, sendo essa exigência um dos fundamentos do recurso.

Na verdade, perante o despacho de rejeição do recurso, para que este pudesse ser conhecido teria o recorrente de atuar pelos meios legais a fim de evitar o trânsito. Não o tendo feito, não pode agora voltar a invocar os fundamentos aduzidos no recurso rejeitado.

Deste modo, cabe apenas apreciar se pode ser admitido o recurso relativo à decisão que efetuou o cúmulo jurídico das coimas.

4.1.2. O artº 83º, nº 1 do RGIT em vigor à data dos factos estabelecia o seguinte:

“1. O arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1ª instância para o Tribunal Central Administrativo, exceto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e não for aplicada sanção acessória. “

Ora, no caso dos autos, tendo sido aplicada em cúmulo jurídico uma coima de 900 euros, desde logo parece ficar afastada a possibilidade do recurso.

E dizemos “parece” porque se vem entendendo ser também aplicável às contraordenações em matéria tributária o disposto no artº 73º, nº 3 do RGCO que estabelece o seguinte:

“2. Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência. “

Assim sendo, cumpre então verificar se a apreciação do recurso “se afigura manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência”, isto porque, é esta apenas a parte subsidiária relativa ao artº 83º, nº 1, acima transcrito.

Na verdade, o recurso não é desde logo admissível se o valor da coima ultrapassar 249,40 euros referido no nº 1 do artº 73º, como parece ser a tese do recorrente, mas apenas se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância e não for aplicada sanção acessória.

Ora, na parte do recurso referente à sentença que efetuou o cúmulo jurídico, o recorrente limita-se a invocar a falta de fundamentação da decisão, dizendo que a coima única corresponde praticamente ao somatório das penas parcelares e o cúmulo é manifestamente desproporcionado.

Conforme ficou escrito no acórdão deste STA, de 25.03.2009-Processo nº 0106/09 “O objetivo desta disposição, ao prever a possibilidade de aceitação de recursos nos casos em eles são manifestamente necessários para melhoria da aplicação do direito, não é viabilizar a correção de decisões que optem por uma determinada corrente jurisprudencial, mas sim permitir a emenda de erros jurisprudencialmente inadmissíveis, que estejam à margem de qualquer corrente jurisprudencial. “

Por outro lado, de acordo com o acórdão de 28.04.2010-Processo nº 0777/09, o recurso deve entender-se como «manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência», se a questão controvertida no recurso se prende com a interpretação e aplicação de uma norma e tal questão assume, apesar de nunca ter sido anteriormente apreciada pelos tribunais superiores, contornos gerais e não meramente pontuais, sendo provável que se venha a repetir noutros casos.

No caso concreto, o recorrente não invoca qualquer destas questões, sendo que a falta ou insuficiência de fundamentação é uma questão sem relevância jurídica para efeitos de enquadramento no nº 2 transcrito. Isto porque, o que se pretende com a admissão do recurso não é a mera correção de erros da decisão, antes a correção de erros grosseiros ou a orientação jurisprudencial em questões complexas ou que possam vir a repetir-se com regularidade no futuro.

Assim sendo, o recurso é legalmente inadmissível.

4.1.3. O recorrente invocou ainda a prescrição do procedimento contraordenacional.

Porém, sendo inadmissível o recurso, e não obstante a prescrição ser de conhecimento oficioso, não pode a mesma agora ser conhecida.

Com efeito, como se escreveu no Acórdão deste Tribunal e Secção, de 25.03.09 – Recurso nº 196/09, “a intempestividade de meio impugnatório usado pelo interessado determina desde logo a não pronúncia do tribunal no tocante às questões de mérito que tenham sido suscitadas na petição, ainda que de conhecimento oficioso, na exata medida em que, quanto ao mérito, a lide impugnatória não chega a ter o seu início (cfr. acórdãos de 21/05/08, 3/12/08 e 11/02/09, nos processos n.ºs 293/08, 803/08 e 802/08).”.

Ora, também no caso da inadmissibilidade do recurso a “lide impugnatória” não chega a ter lugar pelo que o tribunal não pode conhecer do objeto do recurso, qualquer que seja a questão suscitada.

Em face de tudo o que ficou dito, não se toma conhecimento do objeto do recurso.

5. Nestes termos e pelo exposto, por ser legalmente inadmissível, não se toma conhecimento do objeto do recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 5 de fevereiro de 2014. – Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Dulce Neto.