Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01502/14
Data do Acordão:11/18/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
RECURSO JURISDICIONAL
COMPETÊNCIA
RECURSO PER SALTUM
Sumário:I - Constituindo a execução de julgados um meio processual comum à jurisdição administrativa e tributária, os recursos interpostos no âmbito desse meio processual estão sujeitos às regras previstas no CPTA (cfr. os arts. 146º e 279º nº 2 do CPPT).
II - Sendo aplicável o disposto nos arts. 150º e 151º do CPTA, a competência do STA só se verifica desde que se mostrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa seja superior a 3.000.000 de Euros ou seja indeterminável; (iii) as partes suscitem nas alegações apenas questões de direito; (iv) incida sobre uma decisão de mérito; (v) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social.
Nº Convencional:JSTA00069429
Nº do Documento:SA22015111801502
Data de Entrada:12/11/2014
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:DECL INCOMPETENCIA STA
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC JULGADO
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART146 ART279 N2 ART16 N1 N2.
CPTA02 ART151 N1 N3.
ETAF02 ART5 N2 ART26 ART38.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0213/13 DE 2015/05/27.; AC STA PROC0486/14 DE 2014/09/10.; AC STA PROC0604/14 DE 2014/09/10.; AC STA PROC01495/12 DE 2014/01/15.
Referência a Doutrina:AROSO DE ALMEIDA E CARLOS CADILHA - COMENTÁRIO AO CPTA 2010 PAG999.
JORGE DE SOUSA - CPPT ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLII PAG520 VOLIV PAG389.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………….. e B…………….., com os demais sinais dos autos, recorrem da sentença que, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, nos autos de execução de julgados que ali correu termos sob o nº 1398/13.6BEBRG, julgou apenas parcialmente procedente tal execução (em que os exequentes haviam também pedido uma indemnização no montante de 203.546,62 Euros, por prestação de garantia indevida), condenando a Administração Tributária no pagamento de indemnização no montante de 95.582,84 Euros.

1.2. Terminam as alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª - O presente recurso é limitado à decisão proferida pelo Tribunal a quo, quanto à limitação do valor do prejuízo sofrido com a prestação da garantia bancária, para suspensão da execução fiscal, enquanto se decidia a legalidade da dívida exequenda.
2ª - Decidiu o Tribunal a quo, pela aplicação ao valor garantido de € 2.389.571,00, pelo período temporal correspondente, 20-03-2006 a 26-09-2012 da taxa de juros civis/indemnizatórios de 4%, obtendo assim o valor máximo no montante de € 95.582,84, inferior ao peticionado de € 203.546,62.
3ª - Com tal raciocínio, verificou-se um decaimento no montante de 107.963,78 €, o que não se consente, por ser ilegal, por violação dos arts. 53º e 43º, ambos da Lei Geral Tributária.
4ª - Como resulta dos factos dados como provados, na sequência da decisão proferida nos autos de impugnação, foi anulada a liquidação nº 2005-5003111798, no valor de € 1.833.666,28, resultando do respetivo documento de correcção a liquidação nº 2012-244955812 no valor de € 0,00 (Alínea B factos provados).
5ª - Para suspensão do respetivo processo relativo à liquidação mencionada, entre a data da constituição da garantia 20-03-2006 e a data do seu cancelamento em 26-09-2012 os ora Recorrentes, despenderam o montante de € 203.546,62. (Alínea E, dos factos provados).
6ª - Tendo a Garantia Bancária vigorado, no período de 20-03-2006 a 26-09-2012, corresponde a 2173 dias.
7ª - Destarte, aplicando a taxa de juros indemnizatórios de 4% a 2173 dias conclui-se que o valor dos juros indemnizatórios correspondentes é de € 569.045,23 (€ 2.389.571,00 x 0,04/365 dias x 2173 dias).
8ª - Constatando-se assim que os custos da Garantia correspondentes à liquidação que foi anulada, é manifestamente inferior ao limite máximo previsto no referido art. 53º nº 3 da L.G.T.
9ª - Ou seja, tendo sido peticionado o valor de € 203.546,62, como custos efetivos da Garantia Bancária, e sendo o limite previsto no art. 53º nº 3 no valor de € 569.045,23, terão os ora recorrentes de ser ressarcidos dos custos que tiveram de suportar com a prestação da Garantia, nos termos do art. 53º da Lei Geral Tributária.
Terminam pedindo o provimento do recurso e que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido de condenação da AT no pagamento da pedida quantia de 203.546,62 €, a título de reparação integral do prejuízo sofrido com a prestação da garantia, nos termos do art. 53º da LGT.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. Tendo o recurso sido interposto para o TCA Norte, aquele Tribunal veio, por decisão da respectiva Relatora de 17/10/2014 (fls. 134/1138), a declarar-se incompetente, em razão da hierarquia, para dele conhecer, por versar apenas matéria de direito, declarando, consequentemente, a competência deste STA.

1.5. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«O meio processual acessório de execução dos julgados é regulado pelas normas sobre o processo nos tribunais administrativos (art. 146º nº 1 CPPT).
Os recursos dos actos jurisdicionais sobre meios processuais acessórios comuns à jurisdição administrativa e tributária são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos (art. 279º nº 2 CPPT).
Aos processos executivos instaurados após a entrada em vigor do CPTA em 1.01.2004 aplicam-se as novas disposições do CPTA (art. 5º nº 4 e 7º Lei n° 15/2002, 22 Fevereiro).
O meio processual acessório da execução de julgados não é um processo judicial tributário que exija a intervenção imperativa do Ministério Público (art. 101º nº 1 al. f) LGT; arts. 14º nº 2 e 97º nº 1 al. j) CPPT).
2.Neste contexto:
a) a eventual intervenção do Ministério Público pressupõe prévia notificação (art. 146º nº 1 CPTA).
b) no caso concreto o Ministério Público não emite pronúncia sobre o mérito do recurso jurisdicional, considerando que não estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou algum dos bens e valores referidos no art. 9º nº 2 CPTA (art.146º nº 1 in fine CPTA).»

1.6. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) No processo de impugnação judicial nº 476/07.5BEBRG foi “julgada procedente a impugnação judicial, se anula parcialmente o ato de liquidação nº 2005-5003111798, na parte impugnada (rendimentos da categoria G), relativo ao IRS de 2001” – fls. 167/183 do processo apenso;
B) Na sequência da decisão foi anulada a liquidação nº 2005-5003111798, no valor de € 1.833.666,28, resultando do respetivo documento de correcção a liquidação nº 2012-244955812 no valor de € 0,00 - documento de fls. 51/56;
C) Instaurada a execução fiscal nº 3476200501078305, foram os exequentes notificados para prestar garantia – doc. de fls. 29;
D) O que fizeram através da garantia bancária nº 00325327, emitida em 20-03-2006 no valor de € 2.389.571,00 – doc. de fls. 31;
E) Entre a data da constituição da garantia identificada em D), 20-03-2006 e a data do seu cancelamento em 26-09-2012 os Exequentes despenderam o montante de € 203.546,62 a título de comissões e impostos – doc. de fls. 34/35.

3.1. Invocando o disposto nos arts. 146º, 175º e 176º do CPPT, os recorrentes intentaram a presente execução de julgados pedindo a condenação da AT no pagamento da quantia de 203.546,62 Euros, a título de indemnização por garantia indevidamente prestada, nos termos do disposto no art. 53º da LGT.
Isto porque prestaram a garantia bancária nº 325327, no montante de 2.389.571,00 Euros com vista à suspensão do processo de execução fiscal nº 3476200501078305, do Serviço de Finanças de Guimarães 2, sendo que, todavia, a liquidação subjacente à dívida ali em cobrança coerciva (isto é, a liquidação oficiosa nº 2005.5003111798, datada de 12/8/2005, relativa a IRS de 2001 e respectivos juros compensatórios, no montante global de 1.833.666,28 Euros) veio, por decisão judicial transitada em julgado, a ser anulada na parte em que tinha sido impugnada judicialmente (na parte respeitante aos rendimentos da categoria G).
A sentença recorrida, reproduzindo a fundamentação do acórdão do STA, proferido em 24/11/10, no proc. Nº 1103/09, julgou apenas parcialmente procedente o pedido formulado na execução de julgados, por entender que, não obstante a idoneidade deste meio processual autónomo utilizado pelos exequentes e não obstante os exequentes terem direito a ser ressarcidos pelo valor correspondente aos encargos decorrentes da indevida prestação de garantia, relativamente aos montantes que a AT está obrigada a desembolsar, se impõe o limite máximo previsto no nº 3 do art. 53º da LGT. Pelo que, no caso, por aplicação ao valor garantido 2.389.571,00 Euros pelo período temporal correspondente, 20/03/2006 a 26/09/2012, da taxa legal de juros civis/indemnizatórios de 4%, tal máximo se traduz no valor de 95.582,84 Euros, inferior, portanto, ao peticionado montante de 203.546,62 Euros. E só nessa medida (95.582,84 Euros) podendo proceder o pedido.
Porém, os recorrentes discordam da sentença, imputando-lhe erro de julgamento na parte em que limita o valor do prejuízo sofrido com a prestação da garantia bancária, alegando que, por terem despendido o montante global de 203.546,62 Euros e tendo a garantia vigorado durante o período de 2.173 dias (desde 20/3/2006 a 26/9/2012), então, aplicando a taxa de juros indemnizatórios de 4% a 2173 dias o valor do limite dos juros indemnizatórios correspondentes seria o de 569.045,23 Euros (2.389.571,00 x 0,04/365 dias x 2.173 dias), pelo que, os custos ora peticionados (203.546,62 Euros) a título de custos com a prestação da garantia aqui em causa, são manifestamente inferiores ao que, no caso, corresponderia ao limite máximo (569.045,23 Euros) previsto no nº 3 do art. 53º da LGT.
E a esta questão se resumiria a questão a decidir, não fora a circunstância de antes se impor a apreciação de uma outra: a da competência, em razão da hierarquia, do STA, para conhecer do recurso.

3.2. Aliás, no caso, a apreciação da (in)competência em razão da hierarquia abrangerá, desde logo e em primeiro lugar (antes da valoração constante da decisão do TCAN sobre se o recurso versa matéria de facto ou versa exclusivamente matéria de direito) a apreciação da competência do STA para conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos (per saltum) de decisões proferidas em 1ª instância no âmbito de meios processuais comuns à jurisdição administrativa e tributária – como é o caso do meio processual acessório de execução de julgados.
E dado que, como se viu, os recorrentes interpuseram o recurso para o TCA Norte, não têm as partes que ser agora notificadas para se pronunciarem sobre a questão da competência [como acima se referiu, só por decisão da Exma. Relatora, de 17/10/2014 (fls. 134/1138), é que o TCAN se declarou incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso, por versar apenas matéria de direito].
Ora, o presente recurso é interposto da sentença proferida no meio processual acessório de execução de julgados que correu termos no TAF de Braga sob o nº 1398/13.6BEBRG.
E constituindo a execução de julgados um meio processual comum à jurisdição administrativa e tributária, os recursos interpostos no âmbito desse meio processual estão sujeitos às regras previstas no CPTA, como resulta do estatuído nos arts. 146º e 279º nº 2 do CPPT.(Sobre esta matéria, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 9 e ss. ao art. 146º, p. 520, bem como o Vol. IV, anotações 37 e ss. ao art. 279º, pp. 389 e ss.)
Neste contexto, importa ter em conta, por ser aplicável, o disposto nos arts. 150º e 151º do CPTA, pelo que a competência do STA só se verifica desde que se mostrem preenchidos os requisitos seguintes: (i) o fundamento do recurso consista apenas na violação de lei substantiva ou processual; (ii) o valor da causa seja superior a 3.000.000 de Euros ou seja indeterminável; (iii) as partes suscitem nas alegações apenas questões de direito; (iv) incida sobre uma decisão de mérito; (v) o processo não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança social [cfr., entre outros, os acs. desta Secção do STA, de 15/1/2014, proc. nº 1495/12; de 12/2/2014, proc. nº 1847/13; de 9/7/2014, procs. nº 165/14 e nº 1007/12; de 10/9/2014, procs. nº 1267/13 e nº 604/14; de 10/9/2014, proc. nº 486/14; de 27/5/2015, proc. nº 213/13. Cfr., igualmente, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, 3ª ed., Almedina, 2010, anotação 1 ao art. 151º, pág. 999.)].

3.3. No caso, o valor da acção corresponde ao de 203.546,62 Euros (cfr. a p.i. e a sentença recorrida).
Pelo que, assim sendo, e visto o disposto no citado nº 1 do art. 151º do CPTA, se verifica uma circunstância que, desde logo [e independentemente da vertente da (in)competência proclamada na decisão do TCA Norte, que se limitou a apreciar se o recurso versa exclusivamente matéria de direito], exclui que o recurso possa caracterizar-se como uma revista a dirigir, per saltum, ao STA e impondo-se, consequentemente, observar o disposto no nº 3 do mesmo art. 151º do CPTA, segundo o qual «Se, remetido o processo ao Supremo Tribunal Administrativo, o relator entender que as questões suscitadas ultrapassam o âmbito da revista, determina, mediante decisão definitiva, que o processo baixe ao Tribunal Central Administrativo, para que o recurso aí seja julgado como apelação, com aplicação do disposto no artigo 149º».
Concluímos, portanto, pela incompetência, em razão da hierarquia, desta Secção do STA para conhecer do presente recurso, sendo competente para o seu conhecimento a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, a tanto não obstando o facto de já existir no processo decisão do TCA Norte sobre a questão da competência hierárquica (competência apreciada apenas, como se referiu, reportada ao fundamento de que o recurso versa exclusivamente matéria de direito). Ou seja, a decisão do TCAN (fls. 134 a 138) não se pronunciou sobre a questão ora apreciada e, ainda que o tivesse feito, tal não seria impeditivo da presente decisão em sentido divergente, sendo que, nessas situações, prevalece a decisão do Tribunal de hierarquia superior, como estabelece o nº 2 do artigo 5° do ETAF e sendo, ainda, que a infracção das regras da competência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do Tribunal, que é de conhecimento oficioso e pode ser arguida ou suscitada até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. nºs. 1 e 2 do art. 16º do CPPT).
Na verdade, o recurso de revista previsto e regulado nesse art. 150º é um “recurso de revista excepcional”, cuja interposição depende dos requisitos específicos e próprios ali indicados, a tal não obstando o disposto nos arts. 26º e 38º do ETAF, pois que, sendo certo que a repartição de competências entre o STA e os Tribunais Centrais Administrativos, em regra, se efectua nos termos daqueles preceitos, nada obsta a que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual posição hierárquica, regulem de modo que conduza a resultado diverso (como sucede, v.g., no art. 151º do CPTA, quando aplicável no contencioso tributário por remissão do nº 2 do art. 279º do CPPT).
Do exposto resulta que o presente recurso jurisdicional deve baixar ao TCA Norte para aí ser julgado como apelação, não sendo o STA o tribunal competente, em razão da hierarquia, para dele conhecer.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em declarar este Supremo Tribunal Administrativo incompetente para conhecer do presente recurso e visto o disposto no art. 14° do CPTA ordenar a baixa dos autos ao competente Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário), para onde o processo será oportunamente remetido, a fim de que o recurso aí seja julgado como apelação (nº 3 do art. 151º do CPTA).
Sem custas.
Lisboa, 18 de Novembro de 2015. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.