Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0517/11
Data do Acordão:10/26/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO
IRS
TEMPESTIVIDADE
Sumário:A partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/05, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), o prazo para deduzir impugnação judicial contra um acto de liquidação de IRS é de 90 dias (artigos 140.º n.º 1 do CIRS e 102.º n.º 1 do CPPT), contados a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação (artigo 140.º n.º 4, alínea a) do CIRS), quer da liquidação resulte ou não imposto a pagar.
Nº Convencional:JSTA00067210
Nº do Documento:SA2201110260517
Data de Entrada:05/23/2011
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA DE 2011/02/18 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART102 N1 E N4
CIRS01 NA REDACÇÃO DA L 60-A/2005 DE 2005/12/30 ART140 N4
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A… e B…, com os sinais dos autos, recorrem para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 18 de Fevereiro de 2011, que, nos autos de impugnação deduzida pelos ora recorrentes contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2008, julgou procedente a excepção de caducidade invocada pela F.P., absolvendo-a do pedido, por intempestividade.
Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1 – A sentença recorrida julgou extemporânea a petição inicial de impugnação de liquidação de IRS apresentada pelos ora Recorrentes no dia 19 de Abril de 2010 e julgou procedente a excepção de caducidade deduzida pela Fazenda Pública, absolvendo-a do pedido ali formulado pelos Recorrentes.
E fez tal julgamento com base no entendimento de que,
2 – Como os ora Recorrentes foram notificadas da liquidação de IRS impugnada no dia 5 de Janeiro de 2010 e daquela liquidação não resultou imposto a pagar, é aplicável ao caso dos autos o disposto no art. 102.º, alínea a), do CPPT, por força do qual o prazo de 90 dias para apresentar a presente impugnação começou a correr a partir daquela data (5 de Janeiro de 2010) e que, por isso, a impugnação apresentada pelos aqui Recorrentes no dia 19 de Abril de 2010 é extemporânea.
3 – Aquela decisão do Tribunal “a quo” padece de erro na determinação da norma jurídica aplicável.
É que,
4 – Ao contrário do defendido na douta Sentença recorrida, ao caso dos autos (impugnação judicial de uma liquidação de IRS) não é aplicável o disposto no art. 102º, alínea e), do C.P.P.T., mas sim o que, especificamente, prevê o art. 140.º do Código do IRS para a impugnação judicial de toda e qualquer liquidação de IRS e que não faz qualquer distinção consoante da liquidação de IRS resulte ou não imposto a pagar.
5 – O invocado art. 140.º do Código do IRS prevê, no seu n.º 1, que os sujeitos passivos do IRS podem impugnar a respectiva liquidação “nos termos e com os fundamentos estabelecidos no Código de Procedimento e de processo Tributário”.
Mas
6 – Também prevê na alínea a) do seu n.º 4 que o prazo de impugnação se conta a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação
Ora
7 – Sendo, como é, uma norma excepcional que tem por âmbito as liquidações de IRS (leia-se, qualquer liquidação de IRS, resulte ou não dela pagamento de imposto), aquele n.º 4 prevalece sobre a regra geral contida no art. 102.º do C.P.P.T..
O que significa que
8 – O prazo para apresentar a impugnação judicial de uma liquidação de IRS é de 90 dias (tal como previsto no art. 102.º do C.P.P.T.) que se conta a partir dos 30 dias seguintes à data em que o contribuinte for notificado da liquidação (por força do disposto no art. 140.º do Código do IRS).
Assim sendo, como é,
9 – Tendo os Recorrentes sido notificados da liquidação de IRS impugnada no dia 5 de Janeiro de 2010, o prazo para apresentarem a respectiva impugnação apenas começou a correr no dia 4 de Fevereiro de 2010 e terminou no dia 5 de Maio de 2010.
O que impõe, como necessária, a conclusão de que,
10 – Tendo a presente impugnação sido apresentada no dia 19 de Abril de 2010, ela foi apresentada muito antes do termo do prazo e que, por isso, ela foi, sem dúvida nenhuma, apresentada tempestivamente.
Termos em que
Deverão Vossas Excelências revogar a douta Sentença recorrida, procedendo-se à sua substituição por Acórdão que julgue improcedente a excepção de caducidade da impugnação judicial apresentada pelos aqui Recorrentes e que foi deduzida pela Fazenda Pública.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 96 a 98, no qual conclui que face ao previsto nos n.º 4 al. a) do art. 140.º do C. do IRS, interpretado como sendo ainda de aplicar ao caso do recorrente, o recurso é de proceder (fls. 98 dos autos).
Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 99 a 101 dos autos), nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, é intempestiva a impugnação apresentada tendo por objecto liquidação de IRS do ano de 2008.
5 – Matéria de facto
Constam do probatório fixado na sentença recorrida os seguintes factos (que numerámos):
1 – No dia 5 de Janeiro de 2010 os impugnantes foram notificados da liquidação adicional de IRS n.º 20094004988840, referente ao ano de 2008 (fls. 17 e 62);
2 – Da referida liquidação não consta qualquer imposto a pagar (fls. 17);
3 – A presente impugnação foi apresentada, por correio, em 19 de Abril de 2010 (fls. 41).
6 – Apreciando
6.1 Da intempestividade da impugnação
A sentença recorrida, a fls. 68 a 70 dos autos, julgou procedente a excepção de caducidade do direito de impugnar, invocada pela Fazenda Pública na sua contestação, absolvendo-a do pedido, por ter entendido que no caso em apreço, não havendo imposto a pagar aplica-se a alínea e), do art. 102.º do CPPT, segundo o qual o prazo de 90 dias para impugnar se conta da notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma e que tendo a referida noticação ocorrido em 5 de Janeiro de 2010, forçoso é concluir que a petição inicial apresentada em 19 de Abril de 2010 é extemporânea (cfr. sentença recorrida, a fls. 69 dos autos).
Discordando do decidido, alegam os recorrentes, em síntese, que o termo inicial do prazo para deduzir impugnação judicial contra actos de liquidação de IRS é o fixado na alínea a) do n.º 4 do artigo 140.º do respectivo Código, contando-se, pois, a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação, independentemente de haver ou não imposto a pagar, prevalecendo o disposto nesta norma sobre o disposto no CPPT, em razão do seu carácter excepcional.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, por se lhe afigurar aplicável ao caso dos autos o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 140.º do Código do IRS (CIRS).
Vejamos.
Dispõe o artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), sob a epígrafe “Impugnação judicial. Prazo de apresentação” que:
1 - A impugnação será apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes:
a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;
b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;
c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;
d) Formação da presunção de indeferimento tácito;
e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;
f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.
2 - Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.
3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.
4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.
Dispõe, por sua vez, o artigo 140.º do CIRS, sob a epígrafe “Reclamações e impugnações”, que:
1 - Os sujeitos passivos do IRS, os seus representantes e as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto podem reclamar contra a respectiva liquidação ou impugná-la nos termos e com os fundamentos estabelecidos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
2 - Pode igualmente ser objecto de reclamação ou de impugnação, por parte do titular dos rendimentos ou do seu representante, a retenção de importâncias total ou parcialmente indevidas, sempre que se verifique a impossibilidade de ser efectuada a correcção a que se refere o n.º 4 do artigo 98.º ou de o respectivo montante ser levado em conta na liquidação final do imposto.
3 - Podem ainda exercer a faculdade prevista no n.º 1 as entidades que, no âmbito da substituição tributária, tenham entregue por erro importância superior ao imposto retido, ou as que, em cumprimento da obrigação de liquidação autónoma, tenham praticado algum erro na liquidação.
4 - Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se nos termos seguintes:
a) A partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação;
b) Revogada.)
c) A partir do dia 20 de Janeiro do ano seguinte àquele a que a retenção disser respeito, nos casos previstos no n.º 2;
d) A partir do dia 20 de Janeiro do ano seguinte àquele a que a retenção disser respeito ou a partir da data de pagamento do imposto que autonomamente deva ser liquidado e entregue nos cofres do Estado, nos casos previstos no n.º 3.
5 - A reclamação ou impugnação do acto de fixação dos rendimentos que não dê origem a liquidação de IRS será efectuada nos termos e prazo previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A actual redacção da alínea a) e a revogação da alínea b) do n.º 4 do artigo 140.º do CIRS foi introduzida pela Lei n.º 60-A/05, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006).
Na redacção anterior do n.º 4 do artigo 140.º do CIRS (introduzida pela Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho), estabelecia-se que: «Os prazos de reclamação e de impugnação contam-se nos termos seguintes: a) A partir do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto, nos casos em que da liquidação final resulte imposto a pagar; b) A partir dos 30 dias seguintes àquele em que a notificação tiver sido efectuada, nos casos em que da liquidação final resulte imposto a reembolsar ou não haja lugar a pagamento ou a reembolso.
Em face dos preceitos legais transcritos é inequívoco ser de 90 dias o prazo de impugnação judicial de uma liquidação de IRS (cfr. o n.º 1 do artigo 140.º do CIRS e o corpo do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT), sendo apenas controverso se os 90 dias do prazo, no caso de uma liquidação de IRS da qual não resulta qualquer imposto a pagar (cfr. o n.º 2 do probatório), se contam a partir da data da notificação da liquidação, ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, como decidido, ou se, pelo contrário e como alegado, se contam a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação, ex vi do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 140.º do CIRS.
Resulta expressamente do disposto no n.º 4 do artigo 102.º do CPPT que o teor do referido preceito não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias, constituindo as alíneas o n.º 4 do artigo 140.º do Código do IRS normas especiais, aplicáveis ao IRS, relativamente ao disposto nas alíneas do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, não quanto ao prazo de impugnação propriamente dito, mas quanto ao termo inicial da sua contagem, normas estas que hão-de prevalecer sobre a norma geral contida no CPPT precisamente em razão da especialidade do seu objecto e da disciplina especial que consagram.
Ora, se assim é, necessariamente se deve concluir que o termo inicial do prazo para deduzir impugnação judicial contra uma liquidação de IRS, quer dela resulte ou não imposto a pagar (pois que a lei, desde 1 de Janeiro de 2006 – data da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/05, de 30 de Dezembro, que deu nova redacção à alínea a) do n.º 4 do artigo 140.º do CIRS e revogou a sua alínea b) -, não distingue entre um e outro caso, antes conferiu tratamento uniforme a ambos, o que fez, aliás, estendendo aos casos de impugnação (ou reclamação) da liquidação da qual resulte imposto a pagar a solução que antes consagrava já para os casos em que da liquidação final resulte imposto a reembolsar ou não haja lugar a pagamento ou a reembolso – cfr. as alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 140.º do Código do IRS, na redacção da Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho), se conta a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação.
Em conformidade, atendendo a que a liquidação impugnada foi notificada aos ora recorrentes em 5 de Janeiro de 2010 (cfr. o n.º 1 do probatório fixado) e que a impugnação foi apresentada em 19 de Abril de 2010 (cfr. o n.º 3 do probatório), tem necessariamente de concluir-se tê-lo sido tempestivamente, pois que o foi dentro do prazo de 90 dias contado a partir dos 30 dias seguintes ao da notificação da liquidação.
Haverá, pois, que revogar a sentença recorrida que assim o não julgou, julgando-se, ao invés, tempestiva a impugnação e baixando os autos ao tribunal “a quo” para conhecimento do mérito desta.
O recurso merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar tempestiva a impugnação deduzida, baixando os autos à primeira instância para conhecimento do mérito da impugnação, se a tal nada mais obstar.
Sem custas, pois a recorrida não contra-alegou.
Lisboa, 26 de Outubro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - António Calhau.