Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0184/21.4BEPRT
Data do Acordão:05/03/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
REPERCUSSÃO FISCAL
CONSUMIDORES
Sumário:Nos termos do artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, a taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser reflectidas na factura dos consumidores.
Nº Convencional:JSTA000P30929
Nº do Documento:SA2202305030184/21
Data de Entrada:01/21/2022
Recorrente:A..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL
Recorrido 1:B..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL, melhor identificada nos autos, visando a revogação da sentença de 30-09-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação intentada por B..., S.A., também com os sinais dos autos, contra a liquidação da taxa municipal de ocupação de subsolo, emitida em 14.11.2018 pela A..., SA – Sucursal Portugal, respeitante a Agosto de 2018, no valor de €6.969,87.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente A..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL, as seguintes conclusões:

1) O Tribunal recorrido julgou procedente a impugnação judicial por entender que a repercussão da Taxa de Ocupação do Subsolo ao cliente final, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/206 de 28.12 (LOE de 2017) é ilegal, não podendo ser repercutida.
2) Na óptica da Apelante, tal norma, não obstante de fazer parte do Orçamento de Estado que entrou em vigor no dia 1/Janeiro/2017, nunca chegou a ser eficaz.
3) Aliás, a norma contida no OE de 2017 serve apenas como ponto de partida para uma alteração de um quadro legal.
4) E é isto que decorre do artigo 70.º da Lei de Execução Orçamental para 2017 (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de Março) que impunha um cumprimento do dever de comunicação das empresas titulares das infraestruturas do cadastro das suas redes até ao final do mês de abril de 2017 à DGAL e decorrido esse prazo as entidades reguladoras sectoriais avaliariam a informação recolhida e as consequências económico-financeiro das empresas operadoras.
5) E depois disso tudo o Governo, tendo em conta a avaliação referida, procederia à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na factura dos consumidores!
6) Sendo claro que este artigo vem dar aplicação ao que se previa na LOE 2017.
7) Tal entendimento tem sido consensual em várias instituições.
8) Em especial, o Governo que volta a inscrever tal compromisso, para alterar o quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, no art. 246.º, n.º 1 da LOE de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro), obrigação que deveria ser cumprida até ao final do 1º semestre de 2019 e, ainda, no art. 133.º da LOE de 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro).
9) Admitindo por isso que não está em vigor a proibição da repercussão da TOS.
10) Acompanhando-se na íntegra a conclusão dos estudos da ERSE: “Concluímos, em suma, que a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 é parcialmente ineficaz, seja porque não reúne as condições necessárias para projectar os seus efeitos na realidade, seja porque o legislador expressamente explicitou o condicionamento da produção de efeitos até ao momento da entrada em vigor do novo regime jurídico sobre a repercussão da TOS.”
11) Pelo que não se percebe o entendimento do Tribunal recorrido ao julgar procedente a impugnação da Recorrida.
Termos em que, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente se dignarem suprir, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a douta decisão recorrida, como é de inteira JUSTIÇA!

A recorrida B..., S.A. apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

A. A TOS é liquidada pelo Município da Maia ao distribuidor de gás natural (a C..., S.A.), tendo vindo a ser, a final, suportada através do mecanismo da repercussão legal pela Impugnante, ora Recorrida, através da fatura n.º ...10, da A..., S.A. – Sucursal Portugal, emitida a 14 de novembro de 2018.

B. No entanto, o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017 determina que a "taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores(negritos nossos).

C. Assim, sem prejuízo de — mesmo após a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2017 — a TOS ter continuado a ser repercutida à ora Recorrida, sendo esta consumidora de gás natural, a repercussão da TOS, nomeadamente a efetuada através da fatura acima identificada é ilegal, por violação do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

D. O quadro normativo em que se baseava a possibilidade de repercussão legal foi profundamente alterado com o artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

E. Assim, desde o dia 1 de janeiro de 2017 que as taxas municipais de ocupação do subsolo não podem ser suportadas pelos consumidores.

F. Por outras palavras, sendo a ora Recorrida consumidora final de Gás, esta não poderá suportar a TOS por repercussão legal.

G. A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela “utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal”.

H. Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município.

I. Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa-se nos seguintes moldes: a Câmara Municipal da Maia liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural (a D..., S.A.), que é repercutida ao comercializador (a A..., S.A. – Sucursal Portugal) que, por sua vez, a repercute no consumidor final de gás natural, a ora Recorrida.

J. Do quadro descrito tal como estava estabelecido resultava a existência de um mecanismo de repercussão legal da TOS nos consumidores finais pelas concessionárias.

K. Todavia, desde 1 de janeiro de 2017 que foi expressamente consagrada a proibição de fazer repercutir no consumidor final as taxas municipais de ocupação do subsolo (cfr. artigos 85.º, n.º 3, e 276.º, da LOE 2017).

L. Não obstante a sua ilegalidade, a repercussão que tem vindo a ser efetuada à ora Recorrida encontra a sua razão de ser no facto de o Repercutente fazer uma interpretação errada do quadro jurídico em vigor, nomeadamente do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

M. Ou seja, reitera-se, o que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, que a Impugnante considera ser ilegal – e cuja ilegalidade foi confirmada pelo Tribunal a quo, mas que lhe continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017.

N. Saliente-se, aliás, que a matéria ora em discussão já foi objeto de apreciação por parte deste douto Tribunal em várias ações intentadas contra os respetivos Municípios, tendo o Tribunal decidido pela ilegitimidade passiva dos mesmos. Assim, é na sequência destas decisões que a Impugnante, ora Recorrida, intentou novas ações, desta feita, contra a comercializadora, vindo, deste modo, acompanhar o entendimento do STA a propósito desta questão.

O. Entendimento este que tem suporte na norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 o qual impede que a TOS seja repercutida na Recorrida. Ora, não sendo o Município parte legítima na ação, sempre teria a Recorrente que intentar a mesma contra a entidade que lhe repercutiu indevidamente o tributo, sob pena de se considerar que a norma acima referida não produz qualquer efeito prático.

P. Conforme defende o Conselheiro Gustavo Courinha no voto de vencido apresentado no Acórdão proferido no processo n.º 506/17.2BEALM (em ação com o mesmo enquadramento fáctico-jurídico, mas instaurada contra o Município do Seixal): “(...) tão-pouco se compreenderia que o Parlamento tivesse decidido elevar à condição de Lei Formal, integrado no Orçamento de Estado – pelo artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro – uma proibição de um fenómeno de conteúdo, afinal, meramente económico e sem qualquer substrato jurídico-tributário.” (negritos e sublinhados nossos).

Q. Com efeito, um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado.

R. Do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 resultam dois imperativos claros, precisos e incondicionais: (i) a TOS tem que ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores.

S. O artigo 85.º, n.º 3, não impõe qualquer requisito nem limitação à sua interpretação ou aplicação. Não se lê “sem prejuízo do disposto no número x”, “assim que y”, “verificado que esteja z”, nem tão pouco se prevê um diferimento temporal para aplicação do referido regime.

T. Mais, a norma não refere que “serão pagas” ou “poderão vir a ser pagas”, antes referindo “são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.

U. Salienta-se que a lei é especialmente cuidadosa na terminologia utilizada ao referir que não podem ser “refletidas na fatura dos consumidores”, afastando qualquer possibilidade de repercussão legal e económica. Nada se diz sobre como operará a repercussão, para além da obrigação de a fazer cessar quanto aos consumidores.

V. Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – invocado pela Recorrente –, esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. Através dela, o legislador do Decreto-Lei de Execução Orçamental limitou-se a abrir a porta para, em função da avaliação das consequências no equilíbrio económico-financeira das empresas operadoras de infraestruturas, vir a ser alterada, por via legislativa, a proibição de repercussão que consta do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017.

W. Mas, através da referida norma, o legislador não revogou a norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, nem sequer estabeleceu que ela terá inexoravelmente de ser revogada.

X. Repare-se que o Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em paralelo, uma rigorosa execução orçamental” (negritos e sublinhados nossos). De referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível com a Lei do Orçamento do Estado para 2017.

Y. Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos deste último.

Z. Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrida que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021).

AA. A Recorrida desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não se dedica à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás natural. Assim, tratando-se a Recorrida de uma consumidora de gás, a cobrança da TOS contraria lei expressa (cfr. artigo 3.º, al. g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto).

BB. Assim, tendo sido repercutida na Recorrida a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental.

CC. Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser mantida nos seus precisos termos, por ser conforme ao Direito.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão, em face da fundamentação exposta e porque a sentença recorrida bem decidiu, deve esta ser mantida na ordem jurídica e, consequentemente, ser negado provimento ao recurso apresentado pela A..., S.A. – Sucursal Portugal.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

A..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL, veio recorrer para o STA, da sentença proferida pelo TAF do Porto que julgou procedente a Impugnação judicial apresentada por B..., S.A., contra a liquidação da taxa municipal de ocupação de subsolo incluída na factura n.º ...10, emitida em 14.11.2018 pela A..., SA – Sucursal Portugal, respeitante a período de 1.08.2018 a 31.08.2018, no valor de €6.969,87.
Os fundamentos do Recurso constam dos termos conclusivos das Alegações e Recurso apresentadas pela Recorrente, cujo teor aqui se reproduz.
A entidade recorrida apresentou Contra-Alegações, cujo teor aqui se reproduz para todos os legais efeitos.
A questão a apreciar consiste em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao considerar ilegal a repercussão sobre o consumidor final da taxa de ocupação do subsolo, relativa ao período de 1.08.2018 a 31.08.2018, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/2016 de 28.12, não podendo ter sido repercutida a TOS a partir de 1.01.2017 pela Impugnada, a título de empresa operadora de infraestruturas, à Impugnante, cliente final.
A recorrente discorda do decidido por entender que a proibição de repercussão ao consumidor final que decorre do 85.º n.º 3 da LOE de 2017 não entrou em vigor em 1.01.2017 nem nunca chegou a ser eficaz como decorre do artigo 70.º da Lei de Execução Orçamental para 2017 (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de Março).
Para o efeito, alega nas conclusões das suas alegações de recurso que:
“1) O Tribunal recorrido julgou procedente a impugnação judicial por entender que a repercussão da Taxa de Ocupação do Subsolo ao cliente final, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/206 de 28.12 (LOE de 2017) é ilegal, não podendo ser repercutida.
2) Na óptica da Apelante, tal norma, não obstante de fazer parte do Orçamento de Estado que entrou em vigor no dia 1/Janeiro/2017, nunca chegou a ser eficaz.
3) Aliás, a norma contida no OE de 2017 serve apenas como ponto de partida para uma alteração de um quadro legal.
4) E é isto que decorre do artigo 70.º da Lei de Execução Orçamental para 2017 (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de Março) que impunha um cumprimento do dever de comunicação das empresas titulares das infraestruturas do cadastro das suas redes até ao final do mês de abril de 2017 à DGAL e decorrido esse prazo as entidades reguladoras sectoriais avaliariam a informação recolhida e as consequências económico-financeiro das empresas operadoras.
5) E depois disso tudo o Governo, tendo em conta a avaliação referida, procederia à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na factura dos consumidores!
6) Sendo claro que este artigo vem dar aplicação ao que se previa na LOE 2017.
7) Tal entendimento tem sido consensual em várias instituições.
8) Em especial, o Governo que volta a inscrever tal compromisso, para alterar o quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, no art. 246.º, n.º 1 da LOE de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro), obrigação que deveria ser cumprida até ao final do 1º semestre de 2019 e, ainda, no art. 133.º da LOE de 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro).
9) Admitindo por isso que não está em vigor a proibição da repercussão da TOS.
10) Acompanhando-se na íntegra a conclusão dos estudos da ERSE: “Concluímos, em suma, que a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 é parcialmente ineficaz, seja porque não reúne as condições necessárias para projectar os seus efeitos na realidade, seja porque o legislador expressamente explicitou o condicionamento da produção de efeitos até ao momento da entrada em vigor do novo regime jurídico sobre a repercussão da TOS.”
11) Pelo que não se percebe o entendimento do Tribunal recorrido ao julgar procedente a impugnação da Recorrida.”
Importará, portanto, desde logo, interpretar o teor dos preceitos legais citados pela Recorrente para saber se o nº3 do artigo 85º do LOE de 2007 entrou, ou não, em vigor em 01.01.2007.
O artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado (OE) para 2017 dispõe:
“Taxas de direitos de passagem e de ocupação do subsolo
1 - Para efeitos de liquidação da taxa municipal de direitos de passagem e da taxa municipal de ocupação do subsolo, as empresas titulares das infraestruturas comunicam a cada município, até 31 de março de 2017, o cadastro das suas redes nesse território, devendo proceder à atualização da informação prestada até ao final do ano.
2 - Na ausência da comunicação a que se refere o número anterior, o município presume que as infraestruturas estão localizadas na totalidade dos metros lineares da respetiva rede viária urbana.
3 - A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores.
4 - No primeiro semestre de 2017, é revista a Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro.”
O teor do artigo 70º do Dec.- Lei nº 25/2017, de 3 de Março, diploma de execução da Lei do Orçamento, é o seguinte:
“1 - O cumprimento do dever de comunicação previsto no n.º 1 do artigo 85.º da Lei do Orçamento do Estado é assegurado, até 31 de março de 2017, pelas empresas titulares das infraestruturas junto de cada município e atualizado até ao final do ano, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do mesmo artigo.
2 - No caso de o município ser detentor de informação do cadastro das redes de infraestruturas, ou tiver pleno acesso à mesma através de plataforma online, este dispensa a empresa titular das infraestruturas em questão, por solicitação desta, da prestação inicial da informação, devendo a mesma ser atualizada até ao final do ano, conforme o estatuído no referido artigo 85.º
3 - Até ao final do mês de abril de 2017, os municípios dão conhecimento à DGAL da informação a que se referem os números anteriores, nos termos por esta definidos.
4 - Decorrido o período previsto para a prestação de informação, as entidades reguladoras setoriais em razão da matéria avaliam a informação recolhida e as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas.
5 - Tendo em conta a avaliação referida no número anterior, o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.”
A busca do sentido a imprimir aos preceitos legais em questão tem que ser efectuado à luz dos princípios gerais interpretativos previstos no artigo 9º do Código Civil, nos termos do nº 1 do artigo 11º da LGT (“Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”).
Dispondo o artigo 9º do Código Civil:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Como resulta do disposto no n.º 3 do art. 9.º do Código Civil, na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Por outro lado, como decorre do n.º 2 do mesmo art. 9.º do Código Civil, em sede de interpretação normativa não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
O nº1 do aludido preceito estabelece que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”.
Portanto, a letra da lei exerce a função de um limite, nos termos do art. 9º, nº 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
Tendo presentes aquelas regras, o que se constata, salvo o devido respeito por opinião contrária, quer dos termos do artigo 85º da LOE de 2007 quer do teor do artigo 70º do Dec.- Lei nº 25/2017, de 3 de Março, é que de nenhum dos preceitos legais, ou da sua conjugação, resulta que o nº3 do citado artigo 85º não tenha entrado em vigor em 01-01-2017.
Com efeito, como refere a recorrida:
- o artigo 85º, nº 3 da LOE de 2017 não refere que “serão pagas” ou “poderão vir a ser pagas”, antes referindo “são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”;
- Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental – invocado pela Recorrente –, esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. Através dela, o legislador do Decreto-Lei de Execução Orçamental limitou-se a abrir a porta para, em função da avaliação das consequências no equilíbrio económico-financeira das empresas operadoras de infraestruturas, vir a ser alterada, por via legislativa, a proibição de repercussão que consta do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 mas, através da referida norma, o legislador não revogou a norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, nem sequer estabeleceu que ela terá inexoravelmente de ser revogada.
Acresce que da redacção dos preceitos em causa o que resulta, salvo melhor juízo, é que o “artigo 70.º respeita à execução de uma norma, mas, ao contrário do que pugna a Impugnante, não a do n.º 3 do artigo 85.º, mas do n.º 1 do artigo 85.º da Lei do Orçamento do Estado.”, como considerou a douta sentença recorrida.
Importará, de seguida, apreciar se à data de 1.08.2018 a 31.08.2018, estava ou não em vigor o nº3 do artigo 85º do LOE de 2007.
Embora, no artigo 70º do Dec.-Lei nº 25/2017, se estabelecem regras relativas à informação sobre o cadastro das redes de infraestruturas e que em função dessa informação iriam ser avaliadas “as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas” ( nºs 1 a 4), referindo expressamente no seu nº 5 que “Tendo em conta a avaliação referida no número anterior, o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.”, nenhuma alteração ocorreu no ano de 2007 no âmbito do quadro legal da taxa de ocupação do subsolo em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores.
E, assim sendo, salvo melhor juízo, fez a douta sentença recorrida uma correcta interpretação dos preceitos legais aplicáveis, não padecendo do erro de julgamento que lhe é imputado.
Pelo exposto, emito parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1) A A..., SA – Sucursal Portugal emitiu em 14.11.2018 a factura n.º ...10 em nome de B..., S.A. do período de fornecimento de 1.08.2018 a 31.08.2018 no montante de €466.802,91, respeitando € 6.969,87 a Taxa de ocupação do subsolo – cfr. Doc. ... a fls. 34 e 35 do processo físico junto aos autos.

2) Da factura a que se alude em 1), a B..., S.A deduziu reclamação graciosa – cfr. fls. 38 a 40 do processo físico junto aos autos.

3) A B..., S.A efectuou em 13.12.2018 o pagamento da factura descrita em 1) – cfr. fls. 36 do processo físico.

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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação, padece de erro de julgamento de direito, - se a decisão vertida na sentença recorrida padece de erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do disposto do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado (LOE) para 2017, quanto à (i)legalidade da repercussão da taxa municipal de ocupação de subsolo aos consumidores finais relativa ao período de 1.08.2018 a 31.08.2018 e se a mesma carece ou não de um regime legal de execução para produzir os seus efeitos e se são devidos juros indemnizatórios, segundo o estabelecido no artigo 43.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT).
As questões aqui tratadas são, em ampla medida, idênticas – até pela quase integral similitude do quadro conclusivo das alegações – aquelas já tratadas, com a devida profundidade e detalhe, no recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Março de 2023, lavrado no Processo n.º 39/21, disponível em www.dgsi.pt, envolvendo inclusivamente as mesmas partes, e onde se pode ler, em jeito conclusivo: “I – Nos termos do artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016, de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2017), a taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas e não podem ser reflectidas na factura dos consumidores.
II – Sendo a citada norma válida e plenamente eficaz desde 1 de Janeiro de 2017, é ilegal o acto de repercussão que posteriormente à sua entrada em vigor foi incluído em factura de consumo de gás e suportado pelo consumidor final.
III - A actividade ou prestação de um serviço público essencial não perde a sua natureza pública administrativa pela circunstância de ser desenvolvida por uma pessoa colectiva de direito privado (no caso constituída sob a forma de sociedade anónima), nem o acto de repercussão, realizado ao abrigo de um direito legalmente reconhecido, deixa de ser materialmente tributário apenas por ter sido praticado por uma concessionária (de serviço publico essencial), pelo que, os valores cobrados ao consumidor na parte que respeitam à contrapartida da utilização pela concessionária do bem de domínio público ainda possuem a natureza de créditos tributários.”
Acresce que, por seu turno, tal aresto já se valia da decisão pioneira constante do Processo n.º 2/21, de 23 de Fevereiro de 2023, cuja fundamentação seguiu de perto, aresto este igualmente disponível em www.dgsi.pt.
Assim sendo, e por concordarmos integralmente com aquele Acórdão, assim como com a vasta fundamentação ali expendida, limitamo-nos a remeter para o respectivo teor, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido no que respeita e responde à questão acima colocada pela Recorrente.
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Por todo o exposto, mais não resta do que concluir que não assiste qualquer razão à Recorrente, pelo que se impõe negar provimento ao presente Recurso.
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3.– DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 3 de Maio de 2023. - José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (voto a decisão).