Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02285/19.0BEPRT
Data do Acordão:11/19/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CONTRATAÇÃO PÚBLICA
ERRO DESCULPÁVEL
Sumário:I - O erro na interpretação dos dados de cálculo do prazo limite para a admissão das propostas, que leva a uma divergência, não só entre os elementos constantes das peças dos procedimentos e a indicação da plataforma, mas também nas indicações constantes da própria plataforma, não consubstancia uma divergência reconduzível ao âmbito de previsão do n.º 5 do artigo 40.º do CCP.
II - Quando o erro na interpretação dos dados de cálculo do prazo seja desculpável e dele não resulte comprovado prejuízo para nenhum dos concorrentes não devem as propostas apresentadas ser excluídas por ter confiado nas indicações decorrentes da entidade adjudicante.
III - Havendo solução legal que seja enquadrável na lei deve dar-se preferência à interpretação que assegure a efectividade dos princípios vertidos no artigo 1.º-A, n.º 1 do CCP, maxime, o princípio da concorrência.
Nº Convencional:JSTA000P26804
Nº do Documento:SA12020111902285/19
Data de Entrada:10/01/2020
Recorrente:A...............
Recorrido 1:EMAR VR – EMPRESA MUNICIPAL DE ÁGUA E RESÍDUOS DE VILA REAL, EM
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1 – Em 21 de Setembro de 2019, A…………………., LDA., com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto), contra EMARVR, Água e Resíduos de Vila Real, E. M., S. A. (doravante EMARVR), igualmente com os sinais dos autos, acção de contencioso pré-contratual, nos termos do artigo 100.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), pedindo: i) a nulidade do acto de adjudicação à EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A. (doravante EPAL) da prestação de serviços relativa ao “Concurso Público SA-06/2019 - prestação de serviços de sistema de informação inerente à gestão comercial do abastecimento de água, saneamento, recolha e resíduos sólidos urbanos e serviços diversos prestados” lançado pela EMARVR e contrato eventualmente outorgado ao abrigo da adjudicação nula; ii) a condenação da Ré a praticar o acto legalmente devido de classificação e ordenação da Autora em 1.º lugar, sendo-lhe adjudicados os serviços resultantes do procedimento em análise e outorgado o competente contrato; e iii) a condenação da Ré a indemnizar a Autora nos termos do artigo 45.º do CPTA na hipótese de o contrato já se encontrar integralmente executado.

2 – Por sentença de 20 de Novembro de 2019, o TAF do Porto declarou-se incompetente em razão do território e ordenou a remessa dos autos ao TAF de Mirandela. Por sentença de 19 de Janeiro de 2020, o TAF de Mirandela indeferiu o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático do acto impugnado e do contrato celebrado, anulou o acto de adjudicação e o contrato celebrado com a EPAL e condenou a R. a excluir as propostas apresentadas pelas concorrentes B……………, S.A. e EPAL.

3 – Inconformada, a EMARVR recorreu dessa decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte), que, por acórdão de 15 de Maio de 2020, concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença do TAF de Mirandela, por considerar, sumariamente, que a divergência quanto ao termo do prazo para apresentação das propostas era imputável à entidade adjudicante, dela não podia resultar prejuízo para as contra-interessadas e que a solução de admitir o prazo mais alargado era a que se coadunava melhor com a efectivação do princípio da concorrência.

4 – Inconformada com o acórdão do TCA Norte, a A. e aqui Recorrente interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por acórdão de 10 de Setembro de 2020, com o seguinte fundamento «[M]ostra-se inequívoco, desde logo, que, em função do quadro normativo e principiológico convocado e posto em confronto, a questão decidenda relativa à aferição da tempestividade ou não das propostas das contrainteressadas revela de complexidade, já que envolve o cotejo e articulação de variado quadro normativo e principiológico, tendo sido diametralmente dissonante a solução dada à mesma pelas instâncias.
9. Temos, por outro lado, que a mesma questão goza de relevância jurídica e de interesse para a comunidade jurídica e, por repetível, está dotada de capacidade de expansão da controvérsia, sendo que o juízo e conclusão a que o acórdão chegou em resposta à mesma apresenta-se como dubitativo e carecedor de análise/ponderação por parte deste Supremo Tribunal, pelo que tudo conflui para a necessidade de se receber o recurso de revista interposto».

5 – A A., e aqui Recorrente, apresentou alegações que concluiu da seguinte forma:
«[…]

A) A intervenção do STA afigura-se de manifesta necessidade para a boa aplicação do direito, e como “válvula de segurança do sistema”, já que o Acórdão proferido pelo TCAN incorre em erro judiciário, ostensivo, incontroverso, porque viola de modo flagrante a lei aplicável.

B) O Douto Acordão [sic] do TCAN, ao deferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático e julgar a acção de contencioso pré-contratual totalmente improcedente, viola as disposições legais previstas no Código dos Contratos Públicos (CCP) da alínea a) do no n.º 2 do art.º 146.º e do nº 5 do Artigo 40.º, todos do CCP, como supra exposto e fundamentado, já que nos termos destes dispositivos legais, de aplicação obrigatória, constantes do CCP, se impõe que sejam excluídas as propostas que tenham sido apresentadas depois do termo fixado para a sua apresentação, bem como que as peças do procedimento prevalecem sobre as indicações constantes da plataforma eletrónica de contratação, em caso de divergência, o que não foi em nada cumprido pelo Júri e pela ré entidade adjudicante, mais violando os princípios da livre concorrência, da transparência e da igualdade.

C) Como se pode facilmente [sic] verificar pela Douta Sentença do TAF de Mirandela, em que se constata a consulta exaustiva do PA e de todo o procedimento e adjudicação, a mesma é cabalmente fundamentada nos factos e na lei vigente, não padecendo de qualquer vício de julgamento ou outro, pelo que deve manter-se na integra, nomeadamente ao que ao efeito suspensivo respeita, devendo a acção ser procedente e não ser levantado o efeito suspensivo.

D) Devem V. Exas. decidir quanto à concessão do montante de 144.720,00€ (cento e quarenta e quatro mil setecentos e vinte euros), a pagar pela entidade adjudicante ré/recorrida, sendo este o valor da proposta adjudicada da autora/recorrente, a título de indemnização, única forma de colocar a recorrente/autora na situação em que ficaria se tivesse sido reposta a legalidade do procedimento, o que desde já se requer, considerando que neste momento foi levantado o efeito suspensivo e porque a Douta Sentença do TAF de Mirandela entendeu que ficaria, lógica e necessariamente, prejudicado o conhecimento do pedido indemnizatório subsidiariamente formulado pela A. para o caso de se revelar absolutamente impossível a reposição da situação ilegal detectada, considerado o teor e fundamentos da sentença, mas havendo na presente data perigo claro de o contrato já ter sido executado, dependendo da data em que o pleito transitar em julgado, requer-se a V. Exas. que condenem a Ré recorrida no pagamento da requerida indemnização, caso se venham a verificar os termos dos artigos 45.º e 45.º-A do CPTA e não ser possível reinstruir o procedimento pré – contratual, o que parece iminente, por entretanto ter sido executado o contrato.

E) O Douto Acordão [sic] do TCAN viola, entre outros, o n.º 5 do artigo 40.º do Código dos Contratos Públicos (CCP) que estipula queAs peças do procedimento prevalecem sobre as indicações constantes da plataforma eletrónica de contratação, em caso de divergência.” e a alínea c) do n.º 1 do artido [sic] 40.º as peças do procedimento de concurso público são “No concurso público, o anúncio, o programa do procedimento e o caderno de encargos;”, bem como a alínea a) do n.º 2 do artigo 146.º, também do CCP.

F) Pelo que, sempre terá que ser anulado o acto de adjudicação e cumprirem-se os termos e fundamentos da Douta Sentença do Tribunal “a quo” TAF de Mirandela.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui e sempre doutamente suprirão, deverá ser admitida a presente revista e ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão proferido pelo TCANORTE e decidindo-se que a Douta Sentença do TAF de Mirandela é válida, sendo indeferido o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático do acto impugnado e do contrato celebrado, sendo a acção totalmente procedente e, consequentemente mantendo-se [sic] anulado o acto de adjudicação e o contrato celebrado com a EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A., e mantendo-se a condenação da ré/recorrida a excluir as propostas apresentas pelas concorrentes B………….. Portugal, S.A. e EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A., bem como a adjudicar o contrato concursado à recorrente/autora A……………

Pois apenas assim se fará a boa aplicação das disposições legais em vigor, fazendo-se a costumada

JUSTIÇA

[…]».


4 – A R. e aqui Recorrida EMARVR, devidamente notificada, não contra-alegou.

5 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso de revista.

6 - Com dispensa de vistos, cumpre decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Remete-se para a matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

2. De direito
2.1. A questão principal que vem suscitada no presente recurso é a de saber se é ou não ilegal a admissão de uma proposta que tenha sido apresentada para além do prazo limite que resulta do disposto na cláusula 11.ª do Programa de Concurso e no anúncio do concurso (indicação que envolve cálculos, ainda que simples e cuja fórmula de cálculo consta das indicações da plataforma), mas dentro do prazo fixado de forma expressa na plataforma utilizada pela entidade adjudicante, sobretudo se a rejeição dessa proposta afectar de forma significativa o princípio da concorrência.

2.1.1. O caso dos autos refere-se ao concurso público cujo anúncio de procedimento n.º 7068/2019 foi publicado no DR II Série n.º 129, de 9 de Julho de 2019, e no qual se pode ler nos pontos 9 e 14 o seguinte:

«[…]
9 - PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
Até às 16:00 do 10º dia a contar da data de envio do presente anúncio.
(…)
14 - DATA DE ENVIO DO ANÚNCIO PARA PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA 2019/07/08
[…]».

Apesar de esta informação determinar, com meridiana clareza, que o prazo para apresentação das propostas teria como limite o dia 18.07.2019, às 16.00h, na plataforma de contratação pública electrónica utilizada pela entidade adjudicante figurava como prazo para apresentação de propostas o dia 19.07.2019, até às 16.00h (ponto 8 da matéria de facto).

A cláusula 11.ª do Programa de Concurso estipula que “os documentos que constituem a proposta devem ser apresentados directamente na plataforma electrónica da entidade adjudicante, através de meio de transmissão escrita electrónica de dados, até às dezasseis horas do décimo dia a contar da data do envio para publicação, do anúncio em diário da República” (ponto 7 da matéria de facto).

Foram apresentadas as seguintes propostas, nas seguintes datas (ponto 9 da matéria de facto):

· A…….. – 18.07.2020, às 15.57h

· B………. – 19.07.2019, às 14.34h

· EPAL – 19.07.2019, às 15.28h

Todas as propostas foram admitidas e a ordenação final foi a seguinte (pontos 10 e 11 da matéria de facto):

· 1.ª EPAL

· 2.ª A………..

· 3.ª B……….

2.1.2. É contra esta decisão que a Recorrente se vem insurgindo desde a audiência prévia do procedimento concursal, onde havia já suscitado a questão a extemporaneidade da apresentação das outras duas propostas, alegando que a data limite prevista na plataforma não estava em conformidade com o disposto no anúncio do concurso, e que, neste caso, ex vi do disposto no n.º 5 do artigo 40.º do CCP [«As peças do procedimento prevalecem sobre as indicações constantes da plataforma eletrónica de contratação, em caso de divergência»], prevalecia a data fixada no programa do concurso e no respectivo anúncio.

2.1.3. A sua “tese” não foi acolhida pelo Júri do Procedimento, que considerou, no relatório final de análise e avaliação das propostas, em resposta à pronúncia apresentada pela aqui Recorrente, que a data da publicação do anúncio (dia 9/7/2019) não poderia incluir-se na contagem do prazo (por força do artigo 87.º do CPA), pelo que o mesmo terminaria no dia 19 de Julho (conforma constava da plataforma) e não no dia 18 de Julho. E acrescentou ainda que mesmo que assim não fosse, a solução de admissão das propostas teria de prevalecer por força do princípio da boa fé (artigo 10.º do CPA), consequente da confiança dos concorrentes na informação constante da plataforma, bem como no facto de a admissão das propostas apresentadas no dia 19 não se ter traduzido numa discriminação da agora Recorrente no procedimento selectivo.

2.1.4. E a “tese” da Recorrente viria também a ser rejeitada pelo acórdão do TCA Norte, que revogou a sentença do TAF de Mirandela, desta feita com os argumentos de que: i) o disposto no n.º 5 do artigo 40.º do CCP não teria em vista uma divergência entre as indicações das peças processuais e as indicações da plataforma electrónica como a que está subjacente nestes autos; ii) a circunstância de estar em confronto uma indicação de prazo que requer uma operação de cálculo (ainda que simples) e uma indicação expressa de prazo, que induz os concorrentes a confiar na indicação expressa (é normal que a entidade adjudicante saiba contar o prazo que ela própria fixa); iii) a aplicação de um princípio de que os erros e omissões cometidos pelo gestor do procedimento não devem prejudicar os concorrentes (princípio que o Tribunal extrai por analogia com o artigo 157.º, n.º 6 do CPC (Dispõe este artigo que “[O]s erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.)); e iv) a salvaguarda do princípio da concorrência, pois o mais relevante é que a exclusão dos outros dois candidatos inviabilizaria qualquer possibilidade de escolha por parte da entidade adjudicante.

2.2. Ora, a interpretação sufragada pelo TCA Norte não merece, na nossa perspectiva, a censura que a Recorrente lhe pretende assacar.

2.2.1. Com efeito, tem razão o TCA Norte quando afirma que o n.º 5 do artigo 40.º do CCP não visa situações como a dos autos. É que a factualidade aqui subjacente não é reconduzível a uma verdadeira “divergência” entre os elementos constantes das peças dos procedimentos e as indicações da plataforma, mas sim a um caso de erro de interpretação dos elementos das peças do procedimento por parte da entidade adjudicante, que, de resto, é, aparentemente, comungada também pelo júri do concurso. As situações de divergência a que aquela norma se refere são casos de “divergência normativa”, ou seja, casos em que os elementos (por exemplo, requisitos do bem ou do serviço a adquirir) das peças processuais são expressamente contrariados pelas indicações da plataforma. E não é isso que se passa neste caso. Na verdade, se considerássemos que havia divergência, então teríamos que considerar que os dados da plataforma eram, em si, divergentes ou contraditórios, pois dados que constam do programa de concurso, constam também da plataforma (pontos 9 e 14 antes transcritos) e neste ponto não há divergência, o que existe é ― se quisermos utilizar o termo divergência ― uma divergência entre os dados indicados, também na plataforma, para a contagem do prazo limite para a apresentação das propostas e o prazo limite aí expressamente fixado. Ou seja, a factualidade em causa reconduz-se, como bem conclui o TCA Norte, a um caso de erro de interpretação dos elementos de cálculo do prazo e não a um caso de divergência regulado no n.º 5 do artigo 40.º do CCP, pelo que a solução a que chega aquele tribunal não viola nem afronta o princípio da legalidade.

2.2.2. Acresce que o erro na interpretação dos dados de cálculo do prazo, não obstante estes dados serem claros e a operação de cálculo simples, é exclusivamente imputável à entidade adjudicante ― que por isso fixou como prazo limite de entrega das propostas o dia 19.07.2019 e não o dia 18.07.2019 ― e não deve consubstanciar um fundamento para prejudicar aqueles que confiaram na informação mais directa e clara fornecida por aquela entidade através da plataforma (é este argumento que, de resto, leva o TCA Norte a fazer um paralelo entre esta situação e a prevista no 157.º, n.º 6 do CPC para os erros da secretaria, que não tendo paralelo no CCP, também não é contrariada por nenhuma norma aí prevista). Até porque, como vimos pela argumentação expendida pelo júri do concurso, o erro de cálculo em que incorreu a entidade adjudicante é também ele perceptível e, por isso, desculpável.

2.2.3. Para a validade jurídica da interpretação sufragada pelo TCA Norte é essencial o facto de o erro de cálculo em que incorreu a entidade adjudicante na fixação do prazo limite para a entrega das propostas na plataforma (concedendo, na prática, mais um dia) não ter criado ou consubstanciado nenhum facto discriminatório para ou entre os concorrentes. Como resulta do relatório do júri do concurso, todas as propostas foram entregues dentro do prazo fixado na plataforma e foram avaliadas em igualdade de circunstâncias. A este dado aditaremos que a Recorrente também não alega (nem, consequentemente, prova) que o facto de ter procedido à entrega da sua proposta um dia antes dos restantes concorrentes, designadamente daquele que ficou graduado em primeiro lugar, por ter interpretado o aviso como tendo o prazo limite de dia 18.07.2019 para a entrega das propostas, determinou para si um prejuízo, designadamente, que esse foi o factor ou um dos factores para que a sua proposta viesse a ficar graduada em segundo lugar.

2.2.4. Importa também destacar, como elemento determinante da validade da interpretação sufragada pelo TCA Norte, que a solução interpretativa adoptada é a única que assegura a afectividade do princípio da concorrência, que é a trave mestra de todo o regime jurídico da contratação pública. É que as duas propostas concorrentes com a da aqui Recorrente foram entregues no dia 19.07.2019 e, segundo a sua tese, devendo o júri do concurso tê-las excluído com fundamento na alínea a) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, e, sendo a sua proposta (a da Recorrente) a única validamente entregue, teria o mesmo júri que propor, a adjudicação do contrato a si, independentemente dos méritos ou deméritos da sua proposta. Sem prejuízo, claro, de a factualidade se poder vir a reconduzir a uma das causas de não adjudicação previstas no artigo 79.º do CCP.

É que a solução propugnada pela tese da Recorrente, para além de, pelas razões antes aduzidas, se afigurar violadora do princípio da protecção da confiança legítima dos restantes concorrentes, que haviam confiado no modo de cálculo do prazo efectuado pela entidade adjudicante (e que, acrescente-se, não era desprovido de razoabilidade), seria, claramente, violadora do princípio da concorrência, por anular, como afirma o TCA Norte, qualquer possibilidade de escolha da entidade adjudicante.

E acrescente-se, também, que a solução acolhida no aresto do TCA Norte não afronta a protecção da confiança legítima do Recorrente, pois não só, como já dissemos, não ficou demonstrado que ele tivesse legitimamente confiado que o prazo limite de entrega era o dia 18.09.2019 (de resto, não suscitou a questão, nem pediu esclarecimentos do que denomina de divergência no período em que decorria o prazo, mas apenas quando foi notificado do relatório preliminar que o graduava em segundo lugar), como também não alegou nem provou que dessa convicção tivesse resultado qualquer prejuízo relativo para a sua esfera jurídica.

2.2.6. Uma última nota para destacar que a solução adoptada pelo TCA Norte é também aquela que, em nosso entender, acolhe a boa interpretação e aplicação dos princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade, da boa fé, da tutela da confiança, da concorrência e da igualdade de tratamento e não discriminação, consagrados no artigo 1.º-A, n.º 1 do CCP, sem afrontar o princípio da legalidade.

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente


*

Lisboa, 19 de Novembro de 2020 ― Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Maria Cristina Gallego dos Santos (vencida, conforme declaração de voto junta) – José Augusto Araújo Veloso.

A Relatora atesta, nos termos do art.º 15-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade do Ex.mo Senhor Conselheiro Adjunto José Veloso.

Suzana Tavares da Silva

Declaração de voto de vencido:

Salvo o devido respeito pela solução que obteve vencimento, discordo do segmento decisório pelas razões que seguem.

Dispõe o artº 40º nº 5 CCP - "As peças do procedimento prevalecem sobre as indicações constantes da plataforma electrónica de contratação, em caso de divergência."
No caso do concurso público há uma divergência entre a plataforma electrónica e o anúncio (artº 40º nº 1 c) CCP), divergência evidenciada nos pontos 6 e 8 do probatório, que é resolvida por determinação de lei expressa no sentido da estatuída no citado artº 40º nº 5 CCP.

*
No concurso público, caso dos autos, o prazo para apresentação das propostas conta-se desde a data do envio do anúncio para publicação – cfr. artºs 135º nº 1 e 136º nº 1 CCP.
A fixação do prazo para apresentação das propostas compete à entidade adjudicante, observados os limites mínimos determinados no CCP, sendo que a data do envio desse anúncio deve ser conhecida dos interessados, pelo que nos vários formulários de anúncio esta informação deve estar incluída.
O anúncio foi enviado para publicação no Diário da República no dia 08.07.2019 - ponto 2 do probatório.
O ponto 9 do anúncio diz como segue "Até às 16:00 do 10º dia a contar da data de envio do presente anúncio", o que significa que o prazo de apresentação das propostas é de 10 (dez) dias - ponto 6 do probatório.
Da plataforma electrónica consta o dia 19.07.2019, 16:00 horas como data limite para recepção das propostas - ponto 8 do probatório.
*
Nos termos conjugados dos artº 470º nº 1 CCP e artº 87º nº 1 b) CPA, não se inclui na contagem o dia a partir do qual o prazo começa a correr, ou seja, não se conta o dia 08.07.2019, data do envio do anúncio para publicação, o que significa que o período de 10 dias vai de 09.07.2019 (termo a quo) a 18.07.2019 (termo ad quem).
Ou seja, entre as informações levadas à plataforma e o anúncio - incluído no catálogo legal das peças de procedimento (artº 40º nº 1 c) CCP) desde a revisão de 2017 -, existe uma divergência: o prazo de apresentação de propostas é de dez dias, o anúncio foi enviado para publicação a 08.07.2019 e a plataforma refere como termo ad quem o dia 19.07.2019, o que significa que a plataforma contém uma indicação errada no que respeita ao último dia do prazo, que é 18.07.2019.
Como já referido, dispõe o artº 40º nº 5 CCP - As peças do procedimento prevalecem sobre as indicações constantes da plataforma electrónica de contratação, em caso de divergência.
Mas há mais.
O texto do Relatório Final, aprovado por deliberação de 20.08.2019 da EMAVAR, pontos 13 e 15 do probatório, evidencia que a Entidade Adjudicatária fundamenta contra legem a contagem do prazo de entrega das propostas a partir da publicação do anúncio no Diário da República, contra disposição expressa dos artºs. 135º nº 1 e 136º nº 1 CCP, no sentido de contar da data do envio do anúncio para publicação - vd. Mário Esteves e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, págs. 872/873; Pedro Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos, 4ª edição, págs. 603/604.
As propostas tardias, não respeitando as "regras do jogo", devem ser excluídas conforme se dispõe no artº 146º nº 2 a) CCP, sendo que, na circunstância, as "regras do jogo" constam do anúncio no tocante aos 10 dias de prazo de apresentação da proposta, anúncio enviado para publicação a 08.07.2019.
Pelo exposto julgaria o recurso procedente, revogando o acórdão recorrido e confirmando a sentença proferida e 1ª Instância.

Cristina Santos