Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0395/13
Data do Acordão:04/03/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
IMPUGNAÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:O disposto no nº 1 do art. 169º do CPPT deve interpretar-se com o sentido de que a apresentação de reclamação graciosa e de subsequente impugnação judicial, associada à prestação de garantia idónea, e ainda que se discuta a legalidade de apenas uma parte da dívida exequenda, suspende a execução fiscal para cobrança da totalidade da quantia exequenda (e não apenas da parcela contestada dessa quantia).
Nº Convencional:JSTA00068186
Nº do Documento:SA2201304030395
Data de Entrada:03/08/2013
Recorrente:A......, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF SINTRA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART169 N1 ART86 N4 B ART195 ART199 ART204.
LGT98 ART52 N1
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII PAG208 VOLI PAG711-712.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgou improcedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal deduzida contra o despacho que manteve o indeferimento de requerimento de suspensão total das execuções fiscais.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. Resultou provado que o Recorrente apresentou reclamações graciosas contra as liquidações de IRS, IRC, IVA e juros compensatórios, tendo posteriormente impugnado judicialmente o indeferimento tácito daquelas.
B. Ficou ainda provado que o Recorrente, face à existência de dois processos de execução fiscal, prestou duas garantias bancárias pela totalidade da dívida exequenda acrescido de 25%, destinadas a suspender (integralmente) a execução fiscal.
C. Mais se provou que a Administração Tributária (rectius, o Serviço de Finanças de Amadora - l) pretendeu prosseguir com a execução fiscal contra "a parte" que considera não impugnada das liquidações.
D. O Tribunal a quo fez uma errada aplicação do Direito aos factos assentes, ao considerar que a suspensão da execução fiscal só ocorre relativamente à "parcela impugnada" das liquidações, devendo a execução prosseguir quanto ao remanescente.
E. A decisão atenta contra o disposto nos artigos 52° da LGT e 169° do CPPT, que determinam a suspensão (total ou absoluta, se se preferir) da execução fiscal por efeito da prestação de garantia idónea e suficiente, conjugada com a utilização de meios graciosos e/ou contenciosos de reação contra a ilegalidade do ato tributário.
F. O legislador poderia ter optado por outra solução mas pretendeu, e bem, evitar o desdobramento do processo executivo em múltiplos processos, que avançavam ou se suspendiam consoante as vicissitudes das reclamações e impugnações dos atos tributários subjacentes à dívida em causa.
G. Se dúvidas houvesse sobre a intenção do legislador, a alínea b) do n° 4 do artigo 86° do CPPT teria o condão de as dissipar, uma vez que esta norma confere ao contribuinte um direito de efetuar, querendo, um pagamento por conta da dívida que abranja "a parte da colecta que não for objecto de reclamação graciosa ou impugnação judicial"... mas não a obrigação de o fazer (desde que, naturalmente, tenha prestado uma garantia idónea que cubra a totalidade da dívida).
Termina pedindo o provimento do recurso e a anulação da decisão recorrida, com os devidos efeitos legais, nomeadamente a não prossecução dos processos executivos, porque suspensos até decisão transitada em julgado das impugnações judiciais.

1.3. Não foram apresentadas contra alegações.

1.4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emite Parecer nos termos seguintes, além do mais:
«Questão decidenda: legalidade do prosseguimento do processo de execução fiscal quanto à parcela da quantia exequenda não contestada, em caso de apresentação de reclamação graciosa e subsequente impugnação judicial de indeferimento tácito para discussão da legalidade de parcela da dívida exequenda, associada à prestação de garantia idónea.
A norma constante do art.169º n° l CPPT deve ser interpretada com o sentido de que a apresentação de reclamação graciosa e de subsequente impugnação judicial, para discussão da legalidade de parcela da dívida exequenda, associada à prestação de garantia idónea, suspende a execução fiscal para cobrança da totalidade da quantia exequenda (e não apenas da parcela contestada da quantia exequenda).
Apontam no sentido propugnado:
a) a circunstância de a garantia idónea com eficácia suspensiva da execução fiscal abranger a totalidade do valor da quantia exequenda, juros de mora, custas e um acréscimo de 25% da soma daqueles valores, na medida em que os preceitos legais aplicáveis não estabelecem qualquer restrição quanto ao alcance da suspensão (art. 199º nºs. l e 5 CPPT numeração e redacção vigentes em 2004, ano da prestação das garantias);
b) o facto de a intenção do legislador, no sentido de a suspensão da execução fiscal abranger a totalidade da quantia exequenda, ser revelada pela possibilidade de o contribuinte puder efectuar o pagamento por conta da parte da colecta que não foi objecto de reclamação graciosa ou impugnação judicial, neste caso sendo a quantia exequenda reduzida na medida correspondente (art. 86° n° 4 al. b) CPPT).
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da procedência da reclamação, com a consequente anulação da decisão reclamada».

1.5. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe deliberar.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1. A Administração Fiscal instaurou contra a ora Reclamante os processos de execução fiscal nºs. 31312004010262810 e 3131200401011812, que tramitam pelo Serviço de Finanças de Amadora - l, para cobrança de dívidas de IRC/IRS e IVA, e respectivos juros compensatórios;
2. A ora Reclamante deduziu reclamação graciosa das liquidações adicionais de IRC/IRS e IVA (e respectivos juros compensatórios), e na sequência do seu indeferimento tácito, impugnação judicial;
3. Para suspensão dos processos de execução fiscal referidos em 1. a ora Reclamante prestou garantia bancária, com referência ao IRC/IRS no montante de Euros 919.736,31, e com referência ao IVA no montante de Euros 205.906,01;
4. Da totalidade dos montantes garantidos, a ora Reclamante não reclamou graciosamente, nem impugnou judicialmente, o montante de Euros 161.962,82 correspondente a IRC/IRS, nem o montante de Euros 32.009,69 correspondente a IVA;
5. Tendo verificado que o montante impugnado não corresponde ao valor da instauração dos processos de execução, o Chefe do SF de Amadora 1 endereçou à ora Reclamante os ofícios nºs. 004931 e 004932, de 12.06.2004, notificando-a para, em 8 dias, proceder ao pagamento do montante de Euros 161.962,82, acrescido de juros de mora e custas, em cobrança no processo de execução fiscal n° 31312004010262810, bem como do montante de Euros 32.009,69, acrescido de juros de mora e custas, em cobrança no processo de execução fiscal n° 3131200401011812;
6. Através dos requerimentos entrados no SF de Amadora-1 em 21.06.2012, dirigidos a cada um dos processos de execução fiscal, a ora Reclamante solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças que prescindisse da prossecução dos mesmos, em virtude de se encontrarem suspensos;
7. Com referência aos requerimentos referidos em 6. foi pela Divisão de Acompanhamento de devedores Estratégicos, da Direcção de Finanças de Lisboa, prestada a seguinte Informação:
"No âmbito do ofício n° 5374, remetido pelo SF de Amadora-1, em 2012/06/27, vem o Serviço de Finanças, reencaminhar requerimento apresentado pelo Devedor Estratégico em 2012/06/21, para apreciação e resolução das diligências a efectuar.
Face ao solicitado, cumpre-me informar:
Reclamação Graciosa
Em 11-05-2004 foi remetida à DF Lisboa (Divisão Justiça Administrativa) a Reclamação Graciosa n° 3131200404000285 respeitante a IVA, IRS e IRC do ano de 1999 no valor de € 687.858,21:
a) Liquidações adicionais de IVA n° 03314177 e liquidações de juros compensatórios n°s. 03314165, 03314166, 03314168, 03314169, 03314170, 03314171, 03314172, 03314173, 03314174, 03314175 e 03314176, referentes, respectivamente, aos períodos de Janeiro a Dezembro de 1999.
b) Liquidação adicional de IRS n° 641002687
c) Liquidações adicionais de IRC n° 8310019018 e 640002703.
As referidas liquidações resultaram de acção inspectiva, de âmbito alargado (externa e alargada) ao exercício de 1999, efectuada em cumprimento da Ordem de Serviço n° 59.623, de 26/03/2001.
Prestação de garantia
A garantia foi prestada aquando da reclamação graciosa (IVA, IRS e IRC) nos termos do art. 199° do CPPT.
Impugnação Judicial (face ao acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa).
IVA
- Impugnação parcial da liquidação de IVA n° 03314177 (certidão de dívida 66025/2004), no valor de 97.751,96 e a anulação das liquidações de juros compensatórios na parte correspondente ao IVA impugnado, na sequência do indeferimento tácito da RG:
a) Anulação parcial da liquidação n° 03314177 nos montantes 61.142,00 e 29.402,33.
b) Anulação das liquidações de juros compensatórios n° 03314165, 03314166, 03314168, 03314169, 03314170, 03314171, 03314172, 03314173, 03314174, 03314175 e 03314176 (certidões de dívida n° 66013 a 66024/2004).
- Impugnados apenas os montantes referentes a cedências de pessoal da Impugnante à B……… e às empresas C……… e D………, IVA pelo montante registado na conta "Reembolsos - Ajudas Técnicas" e liquidações de juros compensatórios nas partes relativas aos montantes referidos aos períodos de Janeiro a Dezembro de 1999.
IRC
- Impugnação parcial das liquidações adicionais de IRC referentes ao exercido de 1999 (831001918 e 642000703) na sequência do indeferimento tácito da RG:
a) Anulação da liquidação n° 642000703 por estar ferida de nulidade
b) Anulação parcial da liquidação n° 831001918, por ser parcialmente nula, no montante de € 416.570,49.
- impugnados apenas os montantes apurados provenientes de cedência de pessoal à B………, bem como, valores devidos por pagamentos a não residentes e utilização indevida de senhas de gasolina
Valores não impugnados
Encontra-se em dívida o valor de € 25,401,95 respeitante a IVA (valores não impugnados) ao qual acrescem juros compensatórios e o valor de € 161.962,82 respeitante a IRC (apenas foi impugnado o montante de € 416.570,49).
Suspensão da execução
Nos termos do disposto no art. 52° da LGT, a suspensão do processo de execução fiscal ocorre mediante a conjugação de dois pressupostos:
1 - Apresentação de um dos meios de reacção contra a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda;
2 - A constituição ou prestação de garantia idónea (arts. 195° e 199° do CPPT) ou a dispensa da mesma, quando reunidos os pressupostos legais.
De acordo com o art. 169° do CPPT, «a execução fica suspensa em caso de reclamação graciosa, impugnação (...) que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda (...) desde que tenha sido constituída garantia (...).»
Resulta do exposto que a suspensão da execução apenas se verifica quando, cumulativamente, houver impugnação e for prestada garantia (idónea e suficiente).
In casu, das várias liquidações efectuadas, existem valores não reclamados, quer em reclamação graciosa, quer em impugnação judicial e existem valores antes reclamados em reclamação graciosa e agora não impugnados.
Existem valores não impugnados pela executada em matéria de IVA e de IRC.
Os valores não impugnados pela executada correspondem a valores por ela aceites como sendo devidos sendo certo que, quanto aos mesmos, não existe contencioso.
Deste modo, não se encontram preenchidos os condicionalismos cumulativos para que se verifique a suspensão do processo de execução fiscal previstos no art. 52° da LGT e 169° do CPPT.
Os valores não impugnados pela executada correspondem a valores por ela aceites como sendo devidos pelo que, não sendo os mesmos controvertidos, nada obsta a que, em relação a esses montantes prossiga a execução.
Conclusões:
1 - As liquidações em causa resultaram de acção inspectiva, de âmbito alargado (externa e prolongada) ao exercido de 1999, efectuada em cumprimento da Ordem de Serviço n° 59.623, de 26/03/2001.
2 - Em 11-05-2004 foi remetida à DF Lisboa (Divisão Justiça Administrativa) a Reclamação Graciosa n° 3131200404000285 respeitante a IVA, IRS e IRC do ano de 1999 no valor de € 687.858,21, tendo sido apresentada garantia (GB Millenium BCP 125-02-0647310).
3 - Do indeferimento tácito da reclamação graciosa foram apresentadas as impugnações:
a) 12/05.8BESNT (IVA) onde se requer a anulação parcial da liquidação n° 03314177 e anulação das liquidações de juros compensatórios n° 03314165, 03314166, 03314168, 03314169, 03314170, 03314171, 03314172, 03314173, 03314174, 03314175 e 03314176 (certidões de dívida n° 66013 a 66024/2004).
b) 11/05.0BESNT (IRC) onde se requer a anulação da liquidação n° 642000703 por estar ferida de nulidade e a anulação parcial da liquidação n° 831001918, por ser parcialmente nula, no montante de € 416.570,49.
4 - Não foi impugnada a totalidade da dívida.
5 - Nos termos dos arts. 52° da LGT e 169° do CPPT a suspensão do processo de execução fiscal ocorre mediante a conjugação de dois pressupostos: apresentação de contencioso e prestação de garantia (ou dispensa da mesma).
6 - Os valores não impugnados pela executada correspondem a valores aceites pela mesma relativamente aos quais não existe contencioso.
7 - Relativamente aos montantes não impugnados — e aceites pela executada — deverá o DE ser notificado para regularizar a situação no prazo de 15 dias, sob pena de execução imediata de garantia, e todos os demais actos coercivos (penhora, venda, reversão, publicitação, etc.), face ao Indeferimento do requerido.
8 - Caso o DE não proceda ao pagamento, deve o processo de execução fiscal prosseguir os seus termos apenas na parte respeitante ao valor não impugnado, através da execução da garantia associada.
À consideração superior,
Lisboa, 3 de Agosto de 2012";
8. A Informação transcrita em 7. mereceu despacho de concordância, datado de 06.08.2012, do Chefe de Divisão da Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos da Direcção de Finanças de Lisboa;
9. Na sequência da Informação e Despacho supra, foi pelo Chefe do Serviço de Finanças de Amadora-1 proferido o seguinte despacho em 21.08.2012:
"Processos de Execução Fiscal
N°s: 3131200401026810 e 3131200401011812
Executada: A………, S.A.
Pessoa colectiva n° 503573663
DESPACHO
Em face da informação e parecer que antecede prestada pela Direcção de Finanças de Lisboa — Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos, a solicitação nossa formulada através do ofício nº 5374, de 27/6/2012, e considerando que a pretensão da executada em manter a suspensão de todo o valor em dívida, mesmo aquele que não foi objecto de contestação, materializada por requerimento apresentado em 21/6/2012, não merece acolhimento, proceda-se à quantificação exacta dos valores dos PEF's acima identificados para o qual não existe qualquer contencioso associado e como tal não suspensos nos termos do art. 52° da LGT e art. 169° do CPPT, e consequentemente promova-se a notificação da executada para efectuar o pagamento no prazo de 15 dias, sob pena de execução imediata das garantias, nos termos do n° l do art. 153° e art. 200°, ambos do CPPT.
Cumpra-se.
Serviço de Finanças de Amadora-1, aos 21 de Agosto de 2012.
O Chefe de Finanças,".
10. O Chefe do SF de Amadora-1 respondeu aos requerimentos referidos em 6 mediante o ofício n° 006221, cujo teor é o seguinte:
"Processos 3131200401011812 e 31312004010262810
Assunto: PROSSECUÇÃO DE PROCESSOS EXECUTIVOS-A………, S.A.
Em face da petição deduzida por V.Exª., nestes serviços em 2012-06-21 a qual foi objecto de parecer da Direcção de Finanças de Lisboa, a pretensão solicitada, não mereceu acolhimento, ficando assim por este meio notificado para no prazo de 15 (quinze) dias a contar do aviso de recepção proceder ao pagamento da dívida que não se encontra contestada acrescida de juros de mora e custas, sob pena de execução imediata das garantias nos termos do n°1 do art. 153º e art. 200º do CPPT.
Quanto ao IRS/IRC 1999) deverá proceder ao pagamento de € 161.962,82, acrescido de juros e custas a calcular, e de IVA/1999 no valor de € 32.009,69 (IVA - € 25.401,95 + Juros Compensatórios - € 6.607,74), acrescido de juros de mora e custas".

3.1. Enunciando como questão a decidir a de saber se os processos de execução fiscal podem manter-se na situação de suspensos, na parte correspondente às dívidas não contestadas, estando a totalidade da dívida exequenda garantida, a sentença veio a decidir pela improcedência da reclamação.
Para tanto, e apelando às disposições dos arts. 85º, nº 3 e 169º do CPPT e dos arts. 52º e 36º, nº 3 da LGT, considera o seguinte:
do que decorre destes preceitos legais, a faculdade de ver suspensa a execução fiscal pela prestação de garantia pressupõe que tenha sido despoletado um qualquer dos meios graciosos, ou contenciosos, elencados no n°1 do art. 52° da LGT, sendo que fora dessas situações, mostrando-se devido o imposto, constitui encargo da AT diligenciar pela sua cobrança coerciva, não lhe sendo permitida a concessão de moratórias.
apesar de ter sido despoletado um meio de reacção graciosa, (e na sequência contenciosa) tendo sido garantida a totalidade da dívida, a recorrente, ao contestar a obrigação tributária não a contestou na íntegra, ou seja, aceitou uma parcela das liquidações reclamadas e impugnadas, não a tendo em consequência, contestado.
não deve manter-se a suspensão da execução fiscal quanto à parte das liquidações não sindicadas, dado que a ratio do sistema pressupõe que a suspensão da execução surja em decorrência da discussão da legalidade/exigibilidade da dívida, sendo que a prestação de garantia constitui uma mera opção do contribuinte, uma vez que se a não prestar sempre a AF pode e deve lançar mão da penhora, cuja efectivação conduzirá também à suspensão da execução fiscal (art. 169° nº 1 do CPPT).
Daqui resultando que o que releva para a suspensão da execução fiscal é a discussão da legalidade/exigibilidade da dívida.
por isso, é de entender que a parcela das liquidações não reclamadas/impugnadas não integra a previsão dos arts. 52° da LGT e 169° do CPPT ao não estar submetida a apreciação graciosa/contenciosa e, por consequência, não pode motivar a suspensão, nessa parte, dos autos executivos, não se detectando razões válidas que justifiquem que quanto a elas, não haja, desde logo sido efectuado o imediato pagamento voluntário, ou na sua falta, despoletado o pagamento coercivo.
Ou seja,
- Formada a relação jurídica tributária, constitui dever dos contribuintes o pagamento das respectivas dívidas tributárias, salvaguardada que seja a existência de razões que imponham a apreciação graciosa ou contenciosa da legalidade ou exigibilidade dessa dívida;
- Despoletado qualquer dos meios graciosos ou contenciosos enumerados no n° 1 do art. 52° da LGT pode o contribuinte ver suspensa a execução fiscal que haja sido instaurada, mediante a prestação de garantia idónea;
A AT não pode conceder moratórias no pagamento dos impostos devidos fora dos casos previstos na lei, pelo que, não é legalmente admissível a suspensão de processos de execução fiscal, ainda que a totalidade da dívida se encontre garantida, na parte em que a legalidade ou exigibilidade dessa dívida não se encontra em apreciação, graciosa, ou contenciosa.

3.2. Discordando, a recorrente invoca erro de julgamento, por violação do disposto nos arts. 52º da LGT e 169º do CPPT, por a sentença considerar que a suspensão da execução fiscal só ocorre relativamente à "parcela impugnada" das liquidações, devendo prosseguir quanto ao remanescente.
No entendimento da recorrente, o legislador pretendeu evitar o desdobramento do processo executivo em múltiplos processos, que avançavam ou se suspendiam consoante as vicissitudes das reclamações e impugnações dos atos tributários subjacentes à dívida em causa, tanto que a al. b) do n° 4 do art. 86° do CPPT confere ao contribuinte um direito de efectuar, querendo, um pagamento por conta da dívida que abranja "a parte da colecta que não for objecto de reclamação graciosa ou impugnação judicial"... mas não a obrigação de o fazer (desde que, naturalmente, tenha prestado uma garantia idónea que cubra a totalidade da dívida).

3.3. A questão a decidir no recurso prende-se, portanto, com a legalidade do prosseguimento do processo de execução fiscal quanto à parcela da quantia exequenda não contestada, em caso de apresentação de reclamação graciosa e subsequente impugnação judicial de indeferimento tácito para discussão da legalidade de parcela da dívida exequenda, associada à prestação de garantia idónea.
Vejamos.

4. De acordo com o disposto no nº 1 do art. 169º do CPPT, a execução ficará suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195º ou prestada nos termos do art. 199º, ambos do mesmo CPPT, ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido.
E no mesmo sentido dispõe, igualmente, o art. 52º da LGT.
No caso, e como se refere na sentença, a AT instaurou contra a recorrente processos (dois) de execução fiscal para cobrança de dívidas de IRC/IRS e IVA e respectivos juros compensatórios, mas a recorrente reclamou graciosamente das liquidações correspondentes e, na sequência do indeferimento tácito dessas reclamações, deduziu impugnações judiciais tendo, igualmente, garantido a totalidade das dívidas exequendas.
Ora, apesar de nas ditas reclamações e impugnações não ter sido questionada a totalidade dos montantes liquidados (e garantidos) e apesar de o conceito de “legalidade da dívida exequenda” ser mais lato do que o de “legalidade da liquidação da dívida exequenda” [pois abrange, além dos obstáculos à execução coerciva da dívida exequenda que derivam de vícios da liquidação, todos os outros obstáculos legais a que a dívida possa ser coercivamente executada, isto é, os fundamentos de inexigibilidade da dívida enquadráveis no art. 204º do CPPT (Cfr., sobre esta matéria, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª Edição, Áreas Editores, 2011, Vol. III, anotação 3 ao art. 169º, p. 208. )], não parece que, por aquela razão (não ter sido questionada a totalidade dos montantes liquidados) deva de imediato prosseguir a execução fiscal por essa parcela da quantia exequenda não contestada.
Com efeito, da conjugação dos supra mencionados normativos legais decorre que tendo a recorrente apresentado garantia destinada a suster a totalidade dos processos de execução fiscal e tendo procedido à impugnação judicial das respectivas liquidações (no caso, IRC e IVA e juros compensatórios também liquidados) ficaram integral e totalmente suspensos os dois processos executivos em causa: desde que a garantia prestada seja suficiente para cobrir a totalidade das dívidas exequendas, juros de mora contados até à data do pedido com o limite de três anos e custas na totalidade, acrescida de 25% (n° 5 do art. 199° do CPPT), a execução fiscal (no caso, cada uma das execuções fiscais) tem necessariamente de ficar suspensa, ou seja, nos termos da lei, a suspensão total dos processos de execução fiscal ocorre independentemente de se peticionar, em impugnação judicial, a anulação total ou parcial das liquidações impugnadas.
E como bem alega a recorrente, por um lado, estando em discussão o acto tributário subjacente à dívida, ainda não se apurou o montante efectivo dessa dívida e, por outro lado, a execução fiscal apresenta-se como um processo uno e não susceptível de ficar parcialmente suspenso e parcialmente não suspenso, enquanto a liquidação subjacente à dívida em execução está a ser discutida em sede judicial. (A admissão da suspensão do processo executivo apenas relativamente à parte de acto de liquidação subjacente que fosse impugnado (correndo na outra parte) implicaria a inerente admissão da possibilidade de desdobramento de cada processo executivo [conforme e à medida em que as reclamações graciosas e as impugnações judiciais fossem conhecendo as vicissitudes próprias destes processos; e caso a impugnação procedesse apenas parcialmente em 1ª instância e fosse interposto recurso com um objecto mais restrito, a execução teria que ser, ainda, desdobrada em vários diferentes processos executivos (consoante partes da liquidação iam deixando de estar sob "apreciação judicial"), com outros tantas oposições à execução, penhoras sucessivas etc.].) Sendo que, havendo garantias suficientes para promover a suspensão, não há qualquer risco ou prejuízo para o credor de suspender a totalidade da dívida (até porque os juros de mora mantêm a sua contagem a favor do Estado).
De resto, o facto de a garantia idónea com eficácia suspensiva da execução fiscal abranger a totalidade do valor da quantia exequenda, juros de mora, custas e um acréscimo de 25% da soma daqueles valores (sendo que os nºs. 1 e 5 do art. 199º do CPPT – redação à data dos factos - não estabelecem qualquer restrição quanto ao alcance da suspensão), bem como o facto de o contribuinte poder (não havendo, por isso obrigatoriedade) efectuar o pagamento por conta da parte da colecta que não foi objecto de reclamação graciosa ou impugnação judicial, ( A al. b) do n° 4 do art. 86° do CPPT confere ao contribuinte um direito de efectuar, querendo, um pagamento por conta da dívida que abranja “a parte da colecta que não for objecto de reclamação graciosa ou impugnação judicial”. A lei atribui, pois, ao contribuinte o direito de efectuar este pagamento, mas não lhe impõe a obrigação de o fazer (desde que, naturalmente, tenha prestado uma garantia idónea que cubra a totalidade da dívida).) sendo, neste caso, a quantia exequenda reduzida na medida correspondente (cfr. a al. b) do nº 4 do art. 86° do CPPT), são circunstâncias que apontam no sentido de que a norma constante do nº 1 do art. 169º do CPPT deve ser interpretada com o sentido de que a apresentação de reclamação graciosa e de subsequente impugnação judicial, para discussão da legalidade de parcela da dívida exequenda, associada à prestação de garantia idónea, suspende a execução fiscal para cobrança da totalidade da quantia exequenda (e não apenas da parcela contestada da quantia exequenda).
Tanto que, se os serviços da AT emitirem (caso não ocorra o pagamento voluntário da dívida) a certidão executiva para ser instaurada execução fiscal (nºs. 1 e 4 do art. 88° do CPPT), então, como salienta o Cons. Jorge Lopes de Sousa, «Para a hipótese de o devedor pretender discutir uma parte da dívida, mas aceitar a liquidação noutra parte, permite-se no nº 4 do artigo 86° do CPPT que aquele efectue um pagamento por conta relativamente à parte da dívida cuja legalidade aceita.
Por isso, o pagamento por conta apenas pode ser feito em relação à parte da colecta que não tiver sido impugnada ou relativamente à qual não tenha sido apresentado pedido de revisão oficiosa ou apresentada declaração de substituição de que resulte imposto inferior ao liquidado.
Este pagamento terá para o devedor o interesse de não ter de pagar juros de mora relativamente a essa parte da dívida.» ( Ob. cit., Vol. I, anotação 12 ao art. 86º, pp. 711/712.)
É, pois, de concluir, que a lei atribui ao contribuinte a opção de efectuar o pagamento da parte da colecta não contestada, porque este tem, precisamente, também a opção de suspender a execução quanto a esta parte, nos termos gerais; ou seja, conclui-se que o disposto no nº 1 do citado art. 169º do CPPT, deve interpretar-se no sentido de que os processos executivos em causa ficam suspensos até que sejam decididas as impugnações judiciais, não podendo prosseguir os seus termos mesmo em relação à parte do valor que eventualmente não haja sido contestada, isto é, a apresentação de reclamação graciosa e de subsequente impugnação judicial, associada à prestação de garantia idónea, e ainda que se discuta a legalidade de apenas uma parte da dívida exequenda, suspende a execução fiscal para cobrança da totalidade da quantia exequenda (e não apenas da parcela contestada dessa quantia).
A sentença recorrida carece, portanto, de ser revogada, procedendo, consequentemente, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando procedente a reclamação, anular a decisão reclamada.
Custas pela recorrida, mas apenas na 1ª instância.

Lisboa, 3 de Abril de 2013. - Casimiro Gonçalves (relator) - Francisco Rothes - Fernanda Maçãs.