Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01896/15.7BEPRT
Data do Acordão:12/16/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO
SOCIEDADE
Sumário:Entre 1 de Janeiro de 2011 e 30 de Março de 2016, o art. 88º nº 14 do CIRC pressupunha e determinava que, nos casos de aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), o relevante prejuízo fiscal, apresentado em cada período de tributação, fosse o encontrado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo de sociedades envolvidas.
Nº Convencional:JSTA000P28734
Nº do Documento:SA22021121601896/15
Data de Entrada:07/26/2021
Recorrente:A............ - SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 1896/15.7BEPRT (Recurso Jurisdicional)


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“A………… - Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 20-04-2021, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tendo por objecto a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativa ao exercício económico de 2012.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

i. A questão central do diferendo entre a Recorrente e a Recorrida, quanto ao exercício de 2012, resume-se a saber se, relativamente a empresas que se encontrem inseridas num grupo fiscal enquadrado no RETGS, o agravamento das taxas de tributação autónoma tem por referência o resultado agregado do Grupo ou o resultado individual das empresas que o compõem (a quem respeita a tributação autónoma).

ii. Entende o Tribunal a quo, invocando a decisão arbitral dada no processo n.º 685/2015-T, que a expressão “sujeitos passivo”, ínsita no aludido preceito, pode, pelo seu teor literal, ser interpretada como reportando-se à sociedade dominante do grupo.

iii. Salvo o devido respeito, a ponderação peca pela simplicidade da abordagem ao tema, porquanto a adequação de aplicabilidade da norma foi apenas sindicada com exclusivo apego à qualificação formal da incidência subjectiva, descurando em absoluto a determinante incidência objectiva material da norma e o seu confessado propósito - o qual aponta decisivamente no sentido de que a lei pretendeu ter por referência, ab initio, os prejuízos fiscais de cada empresa que suporta encargos sujeitos a tributação autónoma.

iv. Desde logo, cumpre notar que a lei não estabelece, quanto o RETGS, um regime especial de “determinação do IRC” ou da “tributação das empresas”, mas apenas de “determinação da matéria colectável” - o que, desde logo, afasta literalmente a tributação autónoma, dado que a tributação autónoma de determinadas e concretas despesas nada tem que ver com a operação de lançamento em que se concretiza, na técnica tributária, a determinação da matéria colectável do grupo - inerente ao RETGS.

v. Em lugares paralelos da lei, mormente no que tange a formas de tributação autónomas do IRC, o legislador não deixou de estabelecer, expressamente, regras específicas aplicáveis às empresas enquadradas no RETGS - como a Derrama ou os Pagamentos Adicionais por Conta - considerando a esfera individual das empresas que integram o grupo.

vi. Face à necessária unidade e coerência do sistema fiscal, não se descortina qualquer fundamento material susceptível de justificar, em sentido oposto, que o agravamento das taxas de tributação autónoma seja efectuado por outro referencial senão, como naquelas realidades, a esfera jurídica tributária de cada uma das empresas que efectuam as despesas sujeitas a tributação autónoma.

vii. Mais do que isso, a correcta e rigorosa sindicância sobre o sentido e extensão da norma de incidência que agrava a tributação autónoma não pode (não deve) ser feita através da mera invocação, simplista, de que a sociedade dominante é um “sujeito passivo” de IRC, porquanto tal qualificação, embora incontroversa, é absolutamente estranha à questão jurídica central.

viii. Está em causa, outrossim, determinar o sujeito passivo da tributação autónoma que a lei veio a agravar - dado que tal qualificação não pode apartar-se ou contrariar o objecto, natureza e mecânica inerente a tal tributação da despesa.

ix. Estando em causa um critério de agravamento da taxa de tributação autónoma, os pressupostos de tal agravamento ter-se-ão por verificados, como se afigura evidente, na esfera jurídica tributária do efectivo sujeito passivo - sobre o qual é efectuado o concreto lançamento e liquidação (autónoma).

x. O legislador criou as taxas de tributação autónoma com o intuito de dissuadir as sociedades a apresentar determinado tipo de despesas com regularidade e de elevado montante, de forma a evitar, igualmente, que os sujeitos passivos de IRC utilizassem determinadas despesas para proceder à distribuição camuflada de lucros, bem como para evitar a fraude e a evasão fiscal.

xi. No caso concreto, consta do Relatório da LOE2011, que introduziu o referido n.º 14 no artigo 88.º do CIRC, o seguinte: «determina-se, com caráter de generalidade, que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, com o que se pretende dar um sinal claro de moralização na gestão das empresas no tocante a gastos como ajudas de custo ou despesas de representação».

xii. Ou seja, o legislador pretendeu fazer uso de uma forma de tributação que assume uma clara autonomia face ao IRC, com vista a controlar, penalizar e dissuadir determinados gastos propícios a gerar a distribuição oculta de lucros na esfera das entidades que incorrem, em concreto, naqueles gastos.

xiii. Também este Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou a respeito da natureza da Tributação Autónoma (Ac. 21.03.2012, dado no proc. 0830/11.), no sentido de que «nada tem que ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê-lo de forma autónoma.”, acrescentando que “cada despesa é havida como constituindo facto tributário autónomo sujeito a taxas diferentes das de IRC”, e que a matéria colectável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma é o mero somatório das diversas parcelas de despesa.”.

xiv. A nossa doutrina (Cfr. Clotilde Celorico Palma, «As Tributações Autónomas vistas pelo Tribunal Constitucional - Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 310/2012, de 20 de Junho de 2012», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal (n.º 2 do Ano V - Dezembro 2012).), remetendo para a sindicância constitucional (Cfr. Acórdão n.º 310/2012, de 20 de Junho e, no mesmo sentido, Acórdãos n.º 382/2012, de 12 de Julho, n.º 617/2012, de 19 de Dezembro e, n.º 85/2013, de 5 de Fevereiro.) sobre a retroactividade do agravamento das taxas de tributação autónoma, refere que a natureza da tributação autónoma é uma questão prévia determinante para arribar a uma correcta solução - atenta a sua qualificação como mecanismo de tributação independente e efectivamente autónoma em face do IRC.

xv. Da Jurisprudência deste Venerando Tribunal, dada no Acórdão de 06.07.2011, processo n.º 0281/2011, resulta também que as tributações autónomas incidem sobre despesa e não sobre rendimento; são impostos que penalizam determinados encargos incorridos pelas empresas; apuram-se de forma totalmente independente do IRC; são sujeitos a taxas diferentes do IRC e, por conseguinte, não se relacionam sequer com a obtenção de um resultado positivo ou negativo (Cf. Acórdão do STA de 21.03.2012; Sérgio Vasques “Manual de Direito Fiscal”, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 293, nosso realce e sublinhado.).

xvi. Se a tributação autónoma não está relacionada com a obtenção de resultado positivo por parte da empresa que incorre na despesa autonomamente tributada - porquanto apenas visa o facto tributário em que se esgota a realização da despesa concreta - cumpre então questionar qual o sentido de se interpretar um agravamento da taxa de tributação que não tem por mínima referência a esfera da empresa que incorreu naquela despesa autonomamente tributada?

xvii. É que, no que respeita à tributação autónoma, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa por uma determinada entidade - é esse o facto tributário instantâneo que é sujeito a tributação, e, necessariamente, na esfera da entidade que incorreu na despesa.

xviii. Logo, o referencial do agravamento da taxa da tributação autónoma, considerando a sua natureza dissuasora, disciplinadora ou “moralizadora”, não pode deixar de ser o apuramento de prejuízo fiscal na esfera da empresa que incorreu na despesa que o legislador, em concreto, pretendeu onerar ab initio.

xix. Como resulta da Jurisprudência Constitucional (Acórdão TC n.º 617/2012.), no que tange à tributação autónoma, “(…) a existência do imposto aqui em análise em nada influi no montante do IRC, atuando de forma perfeitamente autónoma relativamente a este, pelo que o seu funcionamento deve ser encarado somente segundo os elementos que o caracterizam.”

xx. Daí que, de acordo com específico funcionamento da mecânica inerente à tributação autónoma, a liquidação traduz-se na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa (Acórdão TC n.º 617/2012.) .

xxi. E daí que, como resulta da mesma jurisprudência, o facto tributário que dá origem à tributação autónoma esgota-se no acto de realização da despesa que está sujeita a tributação (Idem, nosso sublinhado e realce.) - pelo que o critério de agravamento da tributação autónoma não pode fundar-se, por maioria de razão, em pressupostos externos à esfera da entidade que incorreu na despesa autonomamente tributada.

xxii. Do ponto de vista literal, o artigo 69.º do CIRC prevê que “existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pelo regime especial de DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL em relação a todas as sociedades do Grupo” – ou seja, a operação de lançamento, segundo a qual se apura a base de incidência do IRC, o qual em nada é alterado com a liquidação de tributações autónomas (Acórdão TC n.º 617/2012.) .

xxiii. Aliás, os lucros tributáveis positivos ou negativos e a matéria colectável positiva ou negativa, para efeito da aplicação do RETGS, em nada afectam, qualitativa ou quantitativamente, a tributação autónoma, e, por conseguinte, a agregação das tributações autónomas das empresas que compõem o Grupo em nada difere da simples soma das tributações autónomas individuais.

xxiv. Logo, quando a lei estabeleceu o agravamento da taxa de tributação autónoma em relação aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal, tal agravamento não pode deixar de ter por base as despesas concretas sobre as quais incide tal tributação, nem pode deixar de ter em conta, como pressuposto do agravamento, o perfil lucrativo ou deficitário da própria empresa que incorre nas despesas que a lei pretendeu dissuadir e onerar fiscalmente.

xxv. Apenas desse modo se cumpre o desiderato legal subjacente ao agravamento em causa: reprimir eventuais estratégias de canalização de remunerações em espécie para certos colaboradores ou acionistas das empresas sujeitas a IRC, quando as empresas que realizam as despesas, para mais, se encontram em situação de prejuízo fiscal, como declaradamente o legislador exteriorizou (Cfr. Relatório do Orçamento do Estado para 2011.).

xxvi. Na falta de qualquer fundamento material - que, salvo o devido respeito, não se descortina minimamente ponderado na sentença recorrida - a ratio legis aponta claramente no sentido de onerar as empresas que, em concreto, incorrem naquelas despesas em circunstâncias que, elas próprias, são justificadoras dessa oneração: vgr. o apuramento de um resultado negativo.

xxvii. A ponderação que subjaz à tributação autónoma das despesas é exactamente a mesma que justifica o seu agravamento, sendo que uma e outra têm por necessário referencial a esfera jurídico-tributária do seu efectivo sujeito passivo: a empresa que concretamente realizou a tipologia de despesas fiscalmente oneradas, reforçada com a “agravante” de, para mais, aquela empresa apurar prejuízo.

xxviii. Sendo inegável a vertente dissuasora, penalizadora e extra-fiscal da norma, a solução a dar à questio decidendi passa pela necessária consideração de um critério de incidência minimamente consonante com os aludidos objectivos: a esfera jurídica de cada entidade que realiza a despesa.

xxix. A exemplo das tributações autónomas, também os pagamentos especiais por conta foram criados, pelo Decreto-Lei n.º 44/98, de 03.03, com idêntica justificação do combate «às práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos» - sendo que, no RETGS, o pagamento especial por conta é calculado e pago por cada uma das empresas que compõem o Grupo e por referência aos seus resultados individuais (Cfr. artigo 106.º n.º 13 do CIRC.) .

xxx. Por igualdade de razão, não se afigura correcto concluir que o cálculo de uma tributação autónoma - que incide sobre certas e determinadas despesas de cada empresa - se faça por indexação ao resultado do Grupo, com o qual não tem qualquer afinidade, relação causal ou material.

xxxi. Recorde-se que, como refere o TC (Sic, Ac. de 19.12.2012, dado no proc. n.º 150/12, destaque nosso.) , “as taxas de tributação autónoma aqui em análise não se referem a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita a taxa, sem prejuízo de o apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida “taxa” ser efectuado periodicamente, num determinado momento, conjuntamente com outras operações similares, sem que a liquidação conjunta influa no seu resultado.”.

xxxii. Deste modo, e salvo o devido respeito, afigura-se evidente que não faz qualquer sentido advogar a aplicação das regras de incidência do IRC quanto ao resultado/prejuízo agregado do grupo fiscal, sobretudo quando a única justificação para a aplicação de tais regras consiste na mera invocação de que a empresa dominante do grupo pode, face ao teor literal do preceito, ser considerado como “sujeito passivo”.

xxxiii. Sendo incontroverso que a sociedade dominante de um grupo fiscal pode ser qualificada como “sujeito passivo” de IRC, salvo o devido respeito, é absolutamente controverso qualificar tal sociedade dominante como sujeito passivo da tributação autónoma, para efeito do agravamento da taxa incidente sobre despesas efectuadas fora da sua esfera jurídico-tributária.

xxxiv. Note-se que, num grupo de sociedades integrado no RETGS, o domínio pode ser indirecto (Cfr. Art. 69.º n.º 2 do CIRC.), sem que a sociedade dominante possa, sequer, influir na gestão da participada.

xxxv. E mesmo quando exista uma sociedade dominante possuidora de um nível de participações qualificado, cada sociedade integrante do grupo não perde a sua personalidade jurídica e individualidade jurídico-organizativa e patrimonial e tampouco deixa de ser sujeito de relações tributárias próprias pelo simples facto de integrar o grupo de sociedades (Cfr. Ac. TCAS, de 03.04.2014, proc. n.º 05376/12.).

xxxvi. Desde logo, o destinatário da norma que prevê a tributação autónoma não é, declaradamente, a sociedade dominante - pelo que, por conseguinte, não é ela o “sujeito passivo” considerado na norma de incidência subjectiva que prevê o agravamento da taxa de tal tributação.

xxxvii. A este respeito, veja-se também o que se dispõe no artigo 88.º n.º 9 do CIRC - no sentido de que as ajudas de custo e encargos com deslocação considerados não dedutíveis são tributados autonomamente quando tenham sido “suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal”.

xxxviii. Ora, sendo certo que, em relação a estas específicas despesas existe norma especial que afasta o agravamento previsto no n.º 14 da norma, resulta evidente e clarificado, para além do mais, que o agravamento das taxas de tributação autónoma tem sempre por necessária referência os sujeitos passivos que tenham SUPORTADO as despesas que se pretendeu desincentivar por via fiscal.

xxxix. Caso o propósito do legislador - ao proceder ao agravamento da taxa de tributação autónoma - fosse considerar os prejuízos fiscais do grupo (em detrimento dos prejuízos fiscais de cada uma das empresas onde são realizadas as despesas que se pretende tributar autonomamente), então constata-se que falharia por completo o desígnio subjacente a esta técnica tributária

xl. Neste aspecto, como regra elementar de hermenêutica jurídica, o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (Art.º 9 n.º 3 do Código Civil.).

xli. Por conseguinte, deve ser liminarmente afastada a interpretação declarativa que, pretendendo fundar-se apenas numa qualificação formal de “sujeito passivo”, acarreta a inutilidade material da própria norma face ao seu declarado desígnio - agravar a taxa de tributação autónoma que incidiu sobre despesas concretas.

xlii. Assim, caso se considerasse apenas o resultado do grupo, teríamos que, apesar de o consolidado fiscal apresentar resultado positivo, as sociedades que o integram continuariam a incorrer em despesas sem qualquer agravamento de taxa (!), ainda que com o deliberado intuito de elisão ou evasão fiscal, e mesmo que tais sociedades apresentassem prejuízos fiscais…

xliii. Mais: Uma vez que o resultado do grupo depende da soma aritmética de resultados positivos e negativos, não existiria qualquer indicador fiável para o destinatário da norma aferir do pretendido agravamento da taxa de tributação autónoma das despesas taxativamente previstas na lei, gorando-se também, deste modo, o efeito dissuasor, moralizador e extrafiscal da norma.

xliv. Logo, quando a lei fala em “sujeito passivo” para efeito do agravamento da taxa de tributação autónoma, afigura-se evidente que se pretendia referir, na redacção aplicável ao exercício de 2012, à entidade, individualmente considerada, que realiza a despesa autonomamente tributada.

xlv. De outro modo, verificar-se-ia uma clara e insanável incongruência entre a previsão e a estatuição do artigo 88.º n.º 14 do CIRC no que tange ao agravamento da taxa (na redacção aplicável ao exercício de 2012) na medida em que, para o agravamento da taxa, a lei se refere aos sujeitos passivos destinatários dessa tributação, efectuada de forma autónoma e relativa a despesas concretas.

xlvi. É que, salvo o devido respeito, afigura-se evidente que uma norma de agravamento de taxa não subsiste por si própria e, por conseguinte, tem sempre como pressuposto a oneração de despesas na esfera do seu concreto “sujeito passivo”, destinatário da norma de incidência subjectiva: a empresa que concretamente incorre na despesa autonomamente tributada.

xlvii. Efectivamente, como refere a Doutrina, «[a] tributação autónoma atinge a despesa do sujeito passivo-contribuinte e não o seu rendimento» (Cfr. Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, Almedina, 2017, p. 229.).

xlviii. No caso das tributações autónomas, fica assim cabalmente demonstrada a total inexistência de uma qualquer relação entre a tributação autónoma, na sua estrita configuração pelo legislador, e o pressuposto selecionado pelo Tribunal como critério de incidência do agravamento da sua taxa.

xlix. Mais: o RETGS não prescinde da entrega individualizada das declarações de rendimentos de cada uma das sociedades que compõem o grupo - com vista ao cálculo da matéria coletável do IRC no RETGS, ao qual, como vimos, é absolutamente estranha a liquidação de tributação autónoma na esfera individual de cada empresa que incorre em despesas autonomamente tributadas.

l. No RETGS, só depois de determinada a matéria tributável e a colecta são então somadas as tributações autónomas apuradas e liquidadas na esfera individual de cada empresa, na declaração de rendimentos, considerando o eventual agravamento de taxa por apuramento de resultado negativo - como sucedeu no caso em apreço.

li. Logo, o específico funcionamento da tributação autónoma, quer no seu lançamento, quer na sua liquidação, abstrai-se e distancia-se claramente do regime de apuramento da base tributável para efeito de IRC, porque nem sequer influi ou depende dele e, por conseguinte, atenta a sua finalidade, afasta-se da lógica de tributação do grupo.

lii. É indubitável, portanto, que o “sujeito passivo” da tributação autónoma (e do inerente agravamento) - na medida em que “nada tem que ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas(Ac. 21.03.2012, dado no proc. 0830/11.) - é a entidade que incorre nas despesas sujeitas a tributação.

liii. Como refere a Doutrina (Cfr. Paulo Marques, Joaquim Miranda Sarmento e Rui Marques, IRC, problemas actuais, AAFDL Editora, 2018, p. 108.), a tributação autónoma incide sobre «Factos formados por um único acontecimento (despesa ou encargo), nesse momento dando origem ao imposto, o que não se confunde com o momento em que o imposto é devido» - mormente na liquidação de IRC, quer exista, ou não, um grupo fiscal.

liv. A “especialidade” do RETGS refere-se, nos termos da lei, à determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo, pelo que não se refere ou influi na base de incidência da tributação autónoma.

lv. Não sendo a base de incidência das tributações autónomas composta pelo lucro tributável (do grupo fiscal), não faz qualquer sentido que o agravamento da taxa da tributação autónoma eleja o lucro tributável ou prejuízo fiscal do grupo, precisamente, como critério espoletador da sua incidência.

lvi. Deste modo, a interpretação do artigo 88.º n.º 14 do CIRC propugnada pelo Tribunal a quo, para além de carecer de justificação material em sede de agravamento da taxa de tributação autónoma, carece também de apoio técnico na mecânica de funcionamento do RETGS.

lvii. Sobretudo quando a lei em vigor a data dos factos em causa, de 2012, não estabelecia expressamente o critério de incidência da taxa agravada – o qual não pode ser encontrado pela mera referência ao “sujeito passivo”, dada a autonomia e diferente finalidade tributação em causa face ao IRC.

lviii. O artigo 88.º n.º 14 do CIRC é, simultaneamente, uma norma de incidência tributária, na medida em estabelece um critério que agrava a tributação autónoma, e define também o pressuposto de aumento da taxa de tributação.

lix. No caso em apreço, através da interpretação que faz da norma, o Tribunal pretende introduzir critérios que não constam expressamente da lei à data do facto tributário - os quais são, como se disse, frontalmente contrários ao sentido, ao propósito e à natureza do mecanismo de tributação autónoma.

lx. Demonstrativo disso mesmo é a circunstância de, volvidos quatro anos dos factos em causa, na Lei de Orçamento de Estado para o ano de 2016, o artigo 135º da Lei nº 7-A/2016, de 30 março, ter vindo a estabelecer o critério de incidência da taxa agravada por referência ao prejuízo fiscal apurado no Grupo - a que atribuiu natureza interpretativa no sentido de confortar a posição que a AT adoptou para fundamentar a liquidação em causa nos autos.

lxi. Por acórdão do Tribunal Constitucional nº 395/2017, 12 julho 2017, tal normativo foi julgado materialmente inconstitucional, por violação do princípio da retroactividade dos impostos - o que pressupõe, naturalmente, o carácter inovador de tal norma de incidência.

lxii. Se a aludida norma não pode qualificada como lei interpretativa, por encerrar normas modificativas do regime jurídico instituído, a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo, ao artigo 88.º n.º 14 vigente em 2012, para defender uma liquidação adicional de imposto relacionado exclusivamente com a tributação autónoma é manifestamente inconstitucional, por força do duplo princípio da legalidade e tipicidade tributária, consagrado no n.º 2 do artigo 103.º da CRP.

lxiii. Mesmo na interpretação declarativa em sede jurisdicional se pode surpreender, pois, uma hermenêutica contrária à Constituição, porquanto não deixa de verificar-se uma violação da vinculação constitucional quanto ao modo de produção do Direito no caso concreto.

lxiv. No caso em apreço, sendo interpretada a norma que estabelece o pressuposto legal para a incidência de taxa de tributação autónoma agravada, no sentido de que, sem indicação legal expressa, se estabelece um regime específico aplicável às empresas enquadradas no RETGS, o aplicador da lei não deixa de estar vinculado aos ditames e restrições interpretativas em matéria tributária - mormente o princípio da legalidade e seu corolário de tipicidade, a proibição de analogia e interpretação extensiva e, bem assim, as regras que estabelecem os parâmetros de constitucionalidade orgânica.

lxv. A interpretação do artigo 88.º n.º 14 do CIRC deveria necessariamente ser efectuada, de acordo com as regras da hermenêutica jurídica, considerando a natureza, propósito e lançamento da tributação autónoma, e impondo-se também a determinação de um sentido normativo que seja minimamente compatível com o regime legal de tributação autónoma em vigor no momento em que nasceu a obrigação tributária – no período tributário de 2012.

lxvi. O resultado interpretativo alcançado pelo Tribunal a quo, com apoio na aludida decisão arbitral (e também, dentro de circunstâncias específicas, deste Supremo Tribunal Administrativo), ainda que possa ser qualificado como integração da norma por recurso a interpretação extensiva - na medida em que se refere ao conceito literal de “sujeito passivo alargado” - contraria expressamente um limite imposto em concreto pelos elementos histórico, racional, teleológico e sistemático.

lxvii. Daí que o artigo 88.º n.º 14.º do CIRC, se interpretado no sentido que lhe veio a ser conferido pelo Tribunal a quo, está, assim, inquinado de vício de inconstitucionalidade por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, i) da CRP.

lxviii. O artigo 88.º n.º 14.º do CIRC, se interpretado no sentido que lhe veio a ser conferido pelo Tribunal a quo, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, com anulação da sentença recorrida e sua substituição por uma decisão que julgue pela procedência da impugnação, o que se deverá fazer por obediência à Lei e por imperativo de

J U S T I Ç A!

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em saber se, relativamente a empresas que se encontrem inseridas num grupo fiscal enquadrado no RETGS, o agravamento das taxas de tributação autónoma tem por referência o resultado agregado do Grupo ou o resultado individual das empresas que o compõem (a quem respeita a tributação autónoma).




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. A…………, SGPS, S.A., NIPC: ………, aqui Impugnante, exerce a atividade de gestão de participações sociais, sendo a sociedade dominante de um grupo de sociedades, que se encontra enquadrado, em IRC, no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades – facto não controvertido.

2. Em 30/05/2013, a aqui Impugnante submeteu via eletrónica a declaração de rendimentos, modelo 22, relativa à declaração de grupo e ao exercício económico de 2012, na qual declarou como “soma algébrica dos resultados fiscais” do grupo no campo 380 do quadro 09, um prejuízo fiscal no montante de € 3.082.331,24, e no campo 365 do quadro 10, relativo a tributações autónomas, o valor de € 107.878,35, tendo apurado um total a pagar de € 97.642,43 - cfr. Modelo 22 junta como Doc. n.º 2 da p.i., de fls. 81 a 86 do processo físico.

3. Em resultado dos valores declarados na declaração referida em 2), foi emitida a liquidação nº 2013 2910185196, de valor nulo, por força do pagamento do montante apurado a pagar em autoliquidação, de € 97.642,43 - cfr. Doc. n.º 4 junto com a p.i., de fls. 100 do processo físico.

4. Não concordando com o agravamento do cálculo das tributações autónomas no valor de € 55.500,26, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação efetuada, a qual, autuada sob o n.º 1805201404002377, foi por despacho de 10/06/2015, totalmente indeferida - cfr. fls. 49 do Processo de Reclamação Graciosa apenso aos autos.

5. Em 17/06/2015, pela Direção de Finanças do Porto, foi elaborado ofício com o n.º 36410/0403, dirigido e remetido ao Mandatário constituído, por carta registada com aviso de receção, o qual se mostra assinado em 22/06/2015, visando a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto precedente – cfr. ofício e aviso de receção, de fls. 50 a 52 do Processo de Reclamação graciosa apenso aos autos.

6. Em 16/07/2015, a Impugnante remeteu, via email, para o endereço eletrónico deste tribunal, a petição inicial que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 3 e ss do processo eletrónico.


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Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.

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Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada relevante para a decisão da causa, resultou da análise do teor dos documentos constantes dos autos e dos processos administrativo e de reclamação graciosa apensos, os quais não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório.”


«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de saber se, relativamente a empresas que se encontrem inseridas num grupo fiscal enquadrado no RETGS, o agravamento das taxas de tributação autónoma tem por referência o resultado agregado do Grupo ou o resultado individual das empresas que o compõem (a quem respeita a tributação autónoma).

Nas suas alegações, a Recorrente sustenta que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito ao ter julgado legal a liquidação com base na interpretação jurisdicional que efectuou do teor do nº 14 do art. 88º do CIRC, atribuindo a qualificação de sujeito passivo às sociedades dominantes dos grupos abrangidos pelo RETGS e considerando que para efeitos de aplicação daquele preceito deve ser considerado o lucro tributável/prejuízo fiscal apurado na declaração do grupo referente ao período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários passíveis de tributação autónoma e não o lucro tributável ou o prejuízo fiscal apurado por cada uma das sociedades que integram o perímetro de consolidação abrangido pelo regime, até porque tal interpretação afronta as regras da hermenêutica jurídica, considerando a natureza, propósito e lançamento da tributação autónoma e o regime legal de tributação autónoma em vigor no momento em que nasceu a obrigação tributária - no período tributário de 2012 -, padecendo o artigo 88.º n.º 14.º do CIRC, na interpretação que lhe foi conferida pelo Tribunal “a quo” do vício de inconstitucionalidade por violação do disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, i) da CRP e ainda por colocar em crise o princípio da proporcionalidade.

Por seu lado, a decisão recorrida, além do mais, suportou a interpretação jurisdicional da norma legal em apreço, designadamente, na interpretação efectuada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 19-02-2020, no proc. 01065/17.1BEPRT, o qual aderiu à interpretação da norma interpretanda efectuada na fundamentação do douto Acórdão arbitral proferido em 9 maio 2016 (processo nº 685/2015-T), nele se tendo escrito que:

“II - Não obstante o juízo de inconstitucionalidade (recusando uma interpretação legislativa do art. 88º nº 14 CIRC por via da norma interpretativa constante do art.135º Lei nº 7-A/2016,30 março), o Supremo Tribunal Administrativo não está impedido de efectuar uma interpretação jurisdicional da norma interpretanda, com o mesmo sentido fixado pelo art.88º nº 20 CIRC, convocando os princípios hermenêuticos aplicáveis.

III - O teor literal do art. 88º nº 14 CIRC permite, por mera interpretação declarativa atribuir a qualificação de sujeito passivo à sociedade dominante dos grupos submetidos ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), por subsunção ao conceito legal de sujeito passivo e em virtude da sua qualidade de responsável, em primeira linha, pelo pagamento do IRC do grupo (art.18º nº 3 LGT; art.115º CIRC)

IV - Em consequência, é relevante para o agravamento das taxas de tributação autónoma o prejuízo fiscal do grupo declarado pela sociedade dominante, e não o prejuízo fiscal de cada uma das sociedade integrantes do grupo que realizaram as despesas sujeitas a tributação autónoma.”

Ora, apesar de naquelas decisões não estar em causa o IRC de 2012, como no caso em análise, não se vê que as normas invocadas tenham sofrido alteração relevante, no que respeita à matéria em causa, pelo que os fundamentos naquelas decisões vertidos, deverão ser transponíveis para o caso em apreço, tendo presente que está em causa a liquidação de IRC do ano de 2012, efectuada pela Impugnante, ora Recorrente, enquanto sociedade dominante de um grupo de sociedades abrangido pelo Regime Especial de Tributação de Grupo de Sociedades (RETGS), sem que a redacção vigente em 2012 do nº 14 do artigo 88º do CIRC era a seguinte:

“As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.” (redacção introduzida pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro).

E o artigo 70º, nº1 do CIRC dispunha que:

“1 - Relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.”

Por sua vez, o artigo 115º do CIRC, sob a epigrafe - Responsabilidade pelo pagamento no regime especial de tributação dos grupos de sociedades, estabelecia que:

“Quando seja aplicável o disposto no artigo 69.º, o pagamento do IRC incumbe à sociedade dominante, sendo qualquer das outras sociedades do grupo solidariamente responsável pelo pagamento daquele imposto, sem prejuízo do direito de regresso pela parte do imposto que a cada uma delas efectivamente respeite.”

Diga-se ainda que, de acordo com o artigo 18º nº 3 da LGT, “O sujeito passivo é a pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável.”

Pois bem, tal como se refere no recente Ac. deste Tribunal de 09-12-2021, Proc. nº 372-17.8BEPRT, ainda inédito, em que o relator deste processo teve intervenção como 1º Adjunto “… A “questão central” (subjacente a este apelo), resumida pela rte, na conclusão i., foi apreciada e decidida, pelo STA, no sentido, unânime, de que “o teor literal do nº 14 do art. 88º do CIRC permite, por mera interpretação declarativa que tenha em mente o conceito de sujeito passivo alargado que resulta dos artigos 18º nº 3, da LGT, e 115º do CIRC atribuir a qualificação de sujeito passivo às sociedades dominantes dos grupos abrangidos pelo RETGS, …” – cf. acórdão de 19 de fevereiro de 2020 (processo n.º 1065/17.1BEPRT). Consequentemente, assumiu-se, ainda, de forma explícita, como facto determinante, do agravamento, das taxas de tributação autónoma, previsto no versado art. 88.º n.º 14 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) (“As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.”), a consideração dos prejuízos do grupo (nos casos de aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, vulgo, RETGS).

Não obstante a ponderação do alongado e diversificado rol de argumentos coligidos, pela rte, para defender, em sentido contrário, que relevante tem de ser a consideração do “resultado individual” das empresas que compõem o grupo em causa e a quem respeita a tributação autónoma, os demais Conselheiros integrantes desta formação de julgamento (na medida em que um de nós teve intervenção no aresto acima convocado), igualmente, entendem que o acento tónico, da dilucidação do antagonismo apontado, reside no preenchimento do conceito de “sujeitos passivos”, presente, com centralidade, no normativo em apreço, o qual, nas hipóteses (como a julganda) em que opera o RETGS, tem de ser lido por forma compatível com as linhas orientadoras e enformadoras deste regime especial de tributação, cuja trave mestra, desde sempre, foi (e é) a regra de que “o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.

Assim, se esta é a premissa para se alcançar a determinação do lucro tributável do grupo, de que decore uma nítida ideia de abrangência, no sentido de o resultado traduzir o balanço entre lucros e prejuízos individuais, mas, a final, consubstanciar uma realidade fiscal unitária, global, em que se diluem as individualidades e emerge o grupo (et pluribus unum), destacadamente, a sociedade dominante (do conjunto societário), como principal responsável pelo pagamento do IRC, com toda a amplitude determinada pela incidência do tributo, caso a caso.

Em suma, entre 1 de janeiro de 2011 (O n.º 14 foi aditado, ao art. 88.º do CIRC, pela Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro, com início de vigência do dia 1 de janeiro de 2011.) e 30 de março de 2016, para nós, o art. 88.º n.º 14 do CIRC pressupunha e determinava que, nos casos de aplicação do RETGS, o relevante prejuízo fiscal, apresentado em cada período de tributação, fosse o encontrado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo de sociedades envolvidas.

Num derradeiro apontamento, manifestamos a, nossa, incapacidade para, nesta interpretação do normativo em apreço, descortinarmos qualquer inconstitucionalidade por violação da regra de que os impostos são criados por lei, que determina, entre outros, a incidência e a taxa e/ou por desrespeito do princípio da proporcionalidade. Aliás, o Tribunal Constitucional (TC), ao que sabemos, apenas, julgou desconforme com a Constituição (Por violação do princípio da retroatividade dos impostos, consagrado no art. 103.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).) o segmento normativo do art. 135.º da Lei nº 7-A/2016 de 30 março, que atribui natureza interpretativa ao seu art. 133.º, na parte em que fixa o sentido do artigo 88.º n.º 14 do CIRC, nos termos do n.º 20 desse artigo, tendo, mesmo, no aresto que a rte convoca na conclusão lxi., sido expendido: “Embora o juízo de inconstitucionalidade (…) obste a que se aplique à recorrida o disposto no art. 88º, nº 20, do CIRC, na medida em que este deixa de revestir carácter interpretativo, (…) nada impede que o Tribunal recorrido (…) interprete o art. 88º nº 14, no exacto sentido que lhe é fixado pelo nº 20, desde que o justifique com base, não na interpretação imposta pelo legislador, mas na interpretação jurisdicional do preceito.”.

Ademais, no mesmo acórdão, o TC decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, interpretada no sentido de que o agravamento de dez pontos percentuais se aplica no caso de sociedades sujeitas ao RETGS, em que a sociedade tributada não apresente prejuízo fiscal no período a que as tributações respeitem, mas o apresente o grupo de sociedades que a mesma integra.” (!)...”

Por outro lado, apesar das características da tributação autónoma a impugnante, ora recorrente, está inserida, por opção, num regime próprio de tributação, aplicável a grupos que assumam certas características e particularidades legalmente definidas, abstraindo-se da individualidade jurídica de cada uma das entidades que constituem o grupo e promovendo a sua tributação apenas como uma unidade pelo que inexiste ofensa ao invocado nº 2 do artigo 103º da CRP.

Como refere Gonçalo Avelãs Nunes, Tributação dos Grupos de Sociedades pelo Lucro Consolidado em Sede de I.R.C., Almedina, 2001, “… a opção pela tributação conjunta do grupo de sociedades em sede de imposto sobre o rendimento encontra-se fundamentada, num primeiro momento, no princípio da neutralidade na tributação dos rendimentos da atividade empresarial, na medida em que se defende que o sistema fiscal deve tributar o rendimento da mesma forma, independentemente da estrutura organizativa e da forma assumida pelas empresas no exercício da sua atividade. Visa-se, por este meio, que as soluções assumidas em matéria fiscal não condicionem as formas jurídicas adotadas pelas empresas, aproximando a otimização dos lucros e as vantagens do investimento empresarial com os desvirtuamentos introduzidos por razões de natureza fiscal. Nesse sentido, justifica-se que, ao nível do grupo empresarial, seja dado o mesmo tratamento fiscal, em matérias de operações internas do grupo e de compensação de resultados negativos das sociedades integrantes, o qual se encontra reservado para as operações realizadas entre os vários sectores da mesma entidade jurídica…”, sendo que, pelas mesmas razões, não se poderá concluir por ofensa ao invocado art. 165º nº 1 al. i) da CRP nem do apontado princípio da proporcionalidade.

Tendo em conta a realidade descrita e sobretudo perante o carácter assertivo do aresto descrito e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas reiterar o que ficou ali consignado, até porque as alegações da Recorrente não têm a virtualidade de colocar em crise o que ficou dito no aresto apontado, o que significa a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 16 de Dezembro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.