Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01027/17
Data do Acordão:04/11/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:PLURALIDADE DE EXECUÇÕES
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I - A dedução de uma única oposição a diversas execuções fiscais que não estão apensadas constitui excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito daquela.

II - Considerando-se que a AT, apesar de não ter havido um acto expresso e formal do OEF a determinar a apensação das execuções em causa, procedeu à tramitação conjunta e à citação do recorrente para todos os processos executivos, através de um único acto de citação e englobando, aliás, a totalidade da dívida em execução, objecto dessas execuções, estas devem ter-se como apensadas de facto, pois que o dito acto de citação único é assimilador de todas as demais citações e exterioriza para um declaratário normal, pelo menos, uma apensação implícita das execuções ali contempladas.
Nº Convencional:JSTA000P23140
Nº do Documento:SA22018041101027
Data de Entrada:09/22/2017
Recorrente:A……………………….., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……………………., LDA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (TAF de Castelo Branco) datada de 24 de Maio de 2017, que rejeitou liminarmente a oposição deduzida contra diversos processos de execução fiscal instaurados por dívidas de IVA e IRC dos exercícios de 2012 e 2013 e de IRS retido na fonte do exercício de 2015.
Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A decisão recorrida não se adequa e viola o disposto nos n°s 1 e 2 do art° 179° do CPPT e deve ser corrigida no verdadeiro sentido que lhe quis dar o legislador.
O Tribunal a quo deve notificar a AT de Figueira de Castelo Rodrigo sobre a pronúncia por parte desta entidade relativa à apensação das execuções, indagando “sobre qual a decisão expressa que recaiu sobre tal questão, fixando-lhe um prazo perentório para o fazer se ainda não tiver sido proferida tal decisão, seguindo, se necessário, a tramitação anteriormente descrita.”
A decisão recorrida afigura-se nula nos termos e para os efeitos da alínea d) do n° 1 do art° 615° do CPC por tomar conhecimento de questões das quais não podia por falta de elementos quanto à pronúncia da AT sobre a apensação das execuções em causa.
Assim não se entendendo, deve o STA considerar que por os requisitos previstos nas normas previstas no art° 179 n°s 1 e 2 do CPPT estarem verificados, ordenar o prosseguimento da oposição relativamente a todas as execuções, incumbindo posteriormente ao órgão de execução fiscal de adequar a tramitação das diversas execuções entre si.
Deve o STA revogar a decisão recorrida.

Contra-alegou a recorrida tendo concluído:
A dedução de uma única oposição a várias execuções fiscais que não se encontrem apensadas constitui excepção dilatória inominada que determina o indeferimento da petição inicial, se conhecida em fase liminar (cfr. arts. 278.°, n.° 1, alínea e), 576°, n.°s 1 e 2, 578.°, e 590°, n.° 1, todos do CPC).
A competência para ordenar a apensação das execuções fiscais é do órgão da execução fiscal e não do Tribunal “a quo” (cfr. arts. 151.° e 179.° do CPPT);
Ao Tribunal “a quo” competirá apreciar e decidir, em sede de reclamação judicial (artigo 276° do CPPT) a questão relativa à validade da decisão do órgão da execução fiscal, que eventualmente recuse a apensação das execuções fiscais;
No caso em apreço, contrariamente ao alegado, o princípio da economia processual, não se encontra prejudicado, porquanto, o ora recorrente, pode usar do benefício previsto no 279°, n° 2 com os efeitos previstos no n° 3, todos do CPC.
In casu, contrariamente ao entendimento do recorrente, o Tribunal “a quo” tinha ao seu dispor todos os elementos necessários para poder apreciar e decidir a questão relativa à excepção dilatória inominada, consubstanciada na cumulação ilegal de oposições.
A douta decisão recorrida não enferma dos vícios que lhe são imputados pelo ora recorrente, antes tendo feito uma correcta interpretação e aplicação da lei, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.
Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser negado provimento ao presente recurso e em consequência deverá a decisão recorrida manter-se na ordem jurídica.

O Ministério Público notificado pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Com o presente recurso vem impugnado o despacho, proferido pelo TAF de Castelo Branco, que rejeitou liminarmente a presente oposição por a mesma abranger diversas execuções fiscais que não se encontram formalmente apensadas entre si.
Como este Supremo tribunal tem repetido ao longo do tempo de forma reiterada, o indeferimento liminar da oposição à execução fiscal só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e, razoavelmente, indiscutível, que torne dispensável assegurar o contraditório (cfr. art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial».
A questão da não apensação das diversas execuções, enquanto excepção dilatória determinante da absolvição da instância, abrangidas por uma única oposição tem tido uma apreciação evolutiva por parte deste Supremo Tribunal no sentido defendido pela oponente no seu recurso, cfr. entre muitos outros o acórdão datado de 11.01.2017, recurso n.º 054/16.
Os factos relevantes para a decisão desta questão, e constantes dos autos são, tal como se extrai dos documentos juntos, v.g. informação de fls. 93 a 95, os seguintes:
-Todas as liquidações dadas à execução nos 13 processos a que recorrente se opõe resultaram da mesma acção inspectiva;
-Estas liquidações foram todas objecto de notificação pessoal ao sócio em 28.12.2016;
-À excepção da liquidação constante do processo de execução fiscal cujo número termina em 02317, o prazo de pagamento voluntário ocorreu no dia 13.02.2017, sendo que o daquela liquidação ocorreu no dia 10.02.2017;
-As execuções foram instauradas entre os dias 15.02.2017 e 04.03.2017, sendo que 10 o foram no dia 18.02.2017, cfr. doc. de fls. 2;
-A presente oposição deu entrada no serviço de finanças no dia 23.03.2017, devendo considerar-se tempestiva face ao disposto no artigo 203º, n.º 1 do CPPT, cfr. fls. 95.

Face a esta factualidade de que dispomos, da qual resulta sem margem para dúvidas que todas as liquidações e respectivas execuções têm sido tramitadas de forma sincronizada, em bloco e em conjunto, o que justifica que a oposição tenha como causas de pedir factos e argumentos jurídicos comuns a todas as execuções, podemos surpreender que em caso semelhante já este Supremo Tribunal admitiu a dedução de oposição contra várias execuções fiscais quando da sua tramitação resultasse a aparência de uma apensação de facto, cfr. acórdão datado de 21.06.2017, recurso n.º 0883/14.
Aí escreveu-se com interesse para a situação agora em apreciação:
Nas alegações e nas restantes Conclusões o recorrente sustenta, além do mais, que a AT vem tramitando todas as execuções como se estivessem apensadas, tanto assim que, atentando nos documentos que constituem fls. 245/267 (juntos com o requerimento de fls. 243/44) e não impugnados pela Fazenda Pública, deles se constata que o recorrente foi citado para todas as execuções, através do mesmo acto de citação, pois que de tal documento consta o montante exequendo de 126.810,89 Euros que, sem dúvida, engloba também o montante exequendo em cobrança coerciva no PEF 35652200901037358.
Vejamos.
O recorrente deduz oposição às execuções fiscais nº 3565200901037358 e nº 3190200901045440 (a esta estão apensadas as execuções n° 3565200901046403, nº 3565201001031511, n° 3565201001033263 e n° 3565201001041746) [invocando, no essencial, como fundamento de oposição, quer a responsabilidade do TOC da sociedade devedora originária, quer a sua própria (do oponente) ilegitimidade, por inexistência dos pressupostos de responsabilidade subsidiária, nomeadamente, por não estar provada no despacho de reversão a culpa do oponente na posterior insuficiência do património da sociedade originariamente executada para a satisfação da dívida, nem a falta de pagamento dessa dívida lhe poder ser imputada].
É certo, porém, que sendo legalmente permitida a apensação de processos de execução, nos termos do art. 179º do CPPT (desde que corram contra o mesmo executado e se encontrem na mesma fase), a decisão de apensação se inscreve na competência do órgão da execução fiscal, ao qual compete, não obstante a natureza judicial do processo de execução fiscal (nº 1 do art. 103º da LGT), praticar neste processo os actos de natureza não jurisdicional, designadamente os relativos à apensação de execuções fiscais (arts. 151º e 179º do CPPT), apreciando a conveniência e oportunidade da apensação e devendo fazê-lo se as execuções se encontrarem na mesma fase (nºs. 1 e 2 do art. 179° do CPPT).
Como é, igualmente, certo que a verificação da apontada excepção determina a absolvição da instância da Fazenda Pública (arts. 576° e 577° do CPC, correspondentes aos anteriores arts. 493°/1 e 494°), sendo que, nestes casos, o recorrente não fica desprotegido na defesa dos seus direitos, pois sempre poderá prevalecer-se do disposto no art. 279°/2 ou 590° e 560° do CPC (correspondentes aos anteriores arts. 289°/2 e 234°-A e 476°), no caso de absolvição da instância ou indeferimento liminar, respectivamente.
No caso, como resulta do Probatório, os dois mencionados processos de execução não estão apensados.
Mas, como acima se referiu, o recorrente, sustenta que a AT vem tramitando todas execuções como se, de facto, estivessem apensadas, tanto assim que, atentando nos documentos que constituem fls. 245/267 (juntos com o requerimento de fls. 243/44) e não impugnados pela Fazenda Pública, deles se constata que o recorrente, citado por via do «Formulaire Uniformisé pour la Notification» (dado que tal citação foi operada pelos Serviços da Administração Fiscal da Bélgica, para a morada do recorrente, em Bruxelas), foi citado para todas as execuções, através do mesmo acto de citação, pois que de tal documento consta o montante exequendo de 126.810,89 Euros que, sem dúvida, engloba o montante exequendo em cobrança coerciva no PEF 35652200901037358.
Ora, como bem sublinha o MP, o STA pode tomar conhecimento dos actos processuais e emitir juízos sobre eles, independentemente de não terem sido relevados pela decisão recorrida, pois são actos do próprio tribunal ou praticados perante ele. (Cfr, entre outros, o ac. do STA, de 20/6/2001, proc. n° 026033.)
Considerando, pois, que não estando o PEF 3565200901037358 apensado aos PEF 3190200901045440 e apensos, se impunha, necessariamente, que fosse feita uma citação para cada um desses processos, no caso concreto é de concluir, em concordância com o entendimento sustentado pelo recorrente e pelo MP, que, tendo a AT procedido à citação do recorrente para todos os processos executivos, através de um único acto de citação, somando os montantes em dívida em todas as execuções fiscais, então, apesar de não ter havido um acto expresso e formal do OEF a determinar a apensação das duas execuções em causa, estas se devem ter como apensadas, pois que o dito acto de citação único é assimilador de todas as demais citações e exterioriza para um declaratário normal, pelo menos, uma apensação implícita das execuções ali contempladas.
Daí que, perante os termos da citação feita ao recorrente, conforme decorre do dito documento junto a fls. 303, aquele só poderia, como fez, apresentar uma única oposição para todas as execuções, afigurando-se assim ilegítimo concluir, perante tais circunstâncias, que ocorre cumulação ilegal de oposições, com consequente absolvição da instância da Fazenda Pública e obrigando o recorrente a deduzir duas novas oposições, nos termos do disposto no art. 279° do CPC.

Resultando, também destes autos, a aparência da apensação de facto das diversas execuções em crise, e cabendo ao juiz e ao órgão de execução fiscal velar para que a apensação de todas as execuções fiscais respeitantes ao mesmo executado ocorra oficiosamente, tal como estipulado no artigo 179º, do CPPT, não se encontravam reunidas as condições para que pudesse ser proferido despacho liminar a indeferir liminarmente o requerimento de oposição com fundamento na não apensação formal prévia das diversas execuções.
Impõe-se, assim, que o despacho recorrido não se pode manter.

Nestes termos, acorda-se em dar provimento ao recurso e, revogando o despacho recorrido, ordenar a baixa do processo ao Tribunal a quo, para prosseguimento da oposição, se a tanto nada mais obstar.
Custas pela recorrida.
D.n.

Lisboa,11 de Abril de 2018. – Aragão Seia (relator) – Dulce Neto – Francisco Rothes.