Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0552/09
Data do Acordão:11/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I - O regime previsto no art. 37.º, n.ºs 1 e 2, e 39.º, n.º 9, do CPPT é o de que, fora dos casos previstos nesta última disposição, em que a notificação se considera nula, o acto de comunicação ao destinatário de um acto em matéria tributária que não o informa de todos os elementos do acto notificado só é irrelevante para efeitos de determinação dos prazos de reacção contra o acto notificado, por via administrativa ou judicial, e mesmo esta única consequência apenas ocorre se for utilizada a faculdade prevista no n.º 1 daquele art. 37.º (Acórdão do STA de 7 de Outubro de 2009, rec. n.º 128/09);
II - Assim, a notificação do acto de liquidação que não contém a fundamentação de facto e de direito, mas contém a indicação do prazo de pagamento voluntário, torna aquele acto eficaz e exigível a dívida nele apurada (idem), não se verificando, pois, o fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT;
III - Não se vislumbra que a interpretação adoptada do n.º 2 do artigo 37.º seja inconstitucional, por violação dos números 1 e 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, e também o recorrente não explicita como a interpretação acolhida pode pôr em causa os direitos constitucionalmente garantidos à informação (n.º 1) e à notificação e fundamentação dos actos lesivos (n.º 3).
Nº Convencional:JSTA00066133
Nº do Documento:SA2200911250552
Data de Entrada:05/21/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA DE 2009/01/31 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART36 N2 ART37 N1 N2 ART39 N9 ART204 N1.
LGT98 ART77 N1 N2.
CPA91 ART134 N1.
CONST97 ART268 N1 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC128/09 DE 2009/10/07.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A…, LDA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 31 de Janeiro de 2009, que julgou totalmente improcedente a oposição por si à execução fiscal n.º 0809 – 2005/101280.0, por dívidas de IRC relativas a 2001 e 2002, para o que apresentou as conclusões seguintes:
1. Os actos tributários carecem de notificação, a qual deve conter sempre a decisão e os respectivos fundamentos.
2. As comunicações/notificações anteriormente realizadas no âmbito do procedimento de liquidação não exoneram a administração de notificar o contribuinte dos fundamentos do acto de liquidação posterior.
3. A notificação prévia do relatório de inspecção não autoriza, nos termos da lei, que a administração deixe de comunicar os fundamentos da liquidação.
4. Como é consabido, a fundamentação anteriormente aduzida no procedimento não é uma realidade equivalente, “ex lege” e “in rerum natura”, à fundamentação do acto de liquidação, o qual, apesar de da existência daquela no procedimento, pode padecer, por si, do vício de falta de fundamentação, bastando, para tal, que aí não se remeta, com expressa declaração de concordância, para os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas constantes do procedimento, ou que ocorra qualquer outra circunstância susceptível de inquinar por falta de fundamentação a validade do acto.
5. Por esse motivo, não se pode olvidar a exigência, que é de lei, de, em sede de notificação dos actos tributários, fazer acompanhar a decisão dos fundamentos que a sustentam, bem como, quando tal não suceda, a faculdade do contribuinte os obter em razão da deficiência daquela notificação, de modo a poder plenamente controverter o acto tributário nas diversas vicissitudes que comprometam a sua validade.
6. Quando a notificação do acto de liquidação não contiver os fundamentos do acto notificado, pode o sujeito passivo requerer ao abrigo do artigo 37.º do CPPT certidão que os contenha.
7. A interpretação dos artigos 36.º, n.º 1 e 2, do CPPT, no sentido de que não padece de insuficiência a notificação da liquidação que não inclui os fundamentos do acto tributário notificado, não é só “contra legem”, mas também contra a “norma normarum”, designadamente o disposto no artigo 268.º, n.º 3 e 4.
8. Padecendo do mesmo vício, mas por violação das disposições combinadas dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, a norma do artigo 37.º, n.º 2, do CPPT na interpretação sufragada pelo tribunal recorrido, segundo a qual o regime decorrente desse preceito não tem aplicação aos casos em que não a notificação da liquidação não inclui os fundamentos do acto notificado.
9. Quando a notificação não contenha os fundamentos do acto notificado, padece a mesma de ilegalidade por violação do disposto no artigo 36.º, n.º 2, do CPPT.
10. Nessas circunstâncias, não existe notificação válida do acto tributário, o que prejudica a produção dos seus efeitos, conforme decorre do artigo 36.º, n.º 1, do CPPT.
11. O artigo 37.º, n.ºs 1 e 2 , admite a sanação dessa ilegalidade quando o contribuinte não requerer a notificação dos elementos omitidos e que deviam constar da notificação. No entanto, no caso de ter sido requerida a notificação desses elementos, inexiste sanação da apodada ilegalidade, não podendo considerar-se a notificação validamente realizada sem que os mesmos tenham sido levados ao conhecimento do contribuinte, o que acarreta a ineficácia do acto notificado (artigo 36.º, n.º 1, do CPPT).
12. Enquanto que o n.º 2 do artigo 37.º do CPPT apenas disciplina o início da contagem do prazo de impugnação/reclamação/recuso, não contendo substantivamente com a ineficácia do acto irregularmente notificado, o suporte legal para a ineficácia do acto irregularmente notificado encontra-se substantivamente na disposição do artigo 36.º do CPPT,
13. Não pode o recorrente considerar-se validamente notificado sem que lhe sejam comunicados todos os elementos legalmente exigidos quando este expressamente os requeira.
14. Não produzindo efeitos o acto “notificado” não pode instaurar-se a execução fiscal por inexigibilidade da dívida, sobretudo nos casos, como o presente em que foi requerida certidão contendo os elementos em causa antes de instaurada a execução e em tempo para que a Administração respondesse no prazo legal também antes da instauração do processo executivo.
15. A inexigibilidade da dívida constitui causa de oposição à execução, e sendo a dívida inexigível devia a mesma ter sido julgada procedente.
16. Diverso entendimento do alegado, implica a inconstitucionalidade da norma do artigo 36.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT na interpretação segundo a qual a validade da notificação, e a eficácia do acto notificando, dispensa a comunicação dos fundamentos do acto de liquidação, mesmo quando a mesma tenha sido expressamente requerida e os elementos omitidos não tenham sido notificados ao requerente na sequência desse acto, por violação do disposto no artigo 268.º, n.ºs 1 e 3 da CRP.
17. O mesmo juízo se fazendo em relação à norma do artigo 37.º, n.º 2, do CPPT, interpretada no sentido de que, não contendo a notificação os elementos legalmente exigidos quanto à fundamentação do acto notificado, o uso da faculdade prevista na norma apenas “suspende” o decurso dos prazos de reclamação, recursos, impugnação ou outros meios judiciais, podendo instaurar-se o processo de execução sem que ao contribuinte tenha sido entregue a certidão requerida com a fundamentação fáctico-jurídica do acto notificado, por violação do disposto nos mesmos artigos do texto constitucional.
Termos em que e nos mais de direito, se requer a Vªs Exªs que, revogando a decisão recorrida, profiram douto acórdão que julgue a oposição totalmente procedente, com todas as legais consequências.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto: Apurar se a falta de notificação dos fundamentos da liquidação que deu origem à execução, afecta a sua ineficácia e a exigibilidade da dívida exequenda.
FUNDAMENTAÇÃO
Preceitua o n.º 1 do artigo 77.º da LGT que “a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, “podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”
No caso “sub judice” a A.T. notificou a recorrente da liquidação de IRC, “conforme nota demonstrativa junta e fundamentação já remetida”.
Ficamos sem saber qual foi a fundamentação já remetida, apesar de ser outro o entendimento expresso na sentença recorrida, quando se afirma que “qualquer declaratório normal, colocado na posição do Oponente, deduziria que as liquidações entretanto notificadas resultaram, necessariamente das correcções efectuadas naquele relatório, tanto mais que na própria notificação se anunciava que iria ser «a breve prazo» notificado das liquidações respectivas, a efectuar pelos serviços centrais”.
Será que esta fundamentação, “por dedução”, satisfaz a exigência constitucional de “fundamentação expressa e acessível (dos actos administrativos) quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos” (n.º 3 do artigo 268.º da CRP)?
Parece-nos que não, porquanto apesar da fundamentação poder ser efectuada por remissão, tem de o ser para fundamentações, pareceres, informações ou propostas concretas, que não deixem qualquer margem de dúvida ao notificado.
No caso “sub judice” essa indicação concreta da fundamentação quedou-se pela vacuidade de uma “fundamentação já remetida”, sem esclarecer nem quando nem a propósito de quê.
Parece-nos, por isso, que aquele acto não foi validamente notificado, pelo facto da notificação não conter os fundamentos da decisão, sendo certo que os “actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei” (n.º 3 do artigo 268.º da CRP. Aliás o direito à notificação traduz-se numa garantia procedimental não impugnatória dos contribuintes (José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5.ª edição, 2009, pag. 370), que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado como também a reagir contra ele em caso de discordância.
Ora nos termos do n.º 6 do artigo 77.º da LGT “a eficácia da decisão do procedimento tributário depende da notificação”. A notificação a que nos temos vindo a referir é insuficiente, por não conter a fundamentação legal exigida, comprometendo a eficácia da decisão notificada.
A recorrente, em devido tempo, solicitou à A.T., nos termos do artigo 37.º do CPPT, a passagem de certidão gratuita da fundamentação de facto e de direito da liquidação. A A.T. não deu satisfação ao requerido e acabou por instaurar um processo de execução fiscal.
Não tendo a A.T. procedido à sanação da deficiência do acto de notificação, “o acto notificado permanecerá ineficaz em relação ao notificado irregularmente, não decorrendo o prazo para uso do meio de impugnação administrativa ou contenciosa que pretenda utilizar. (Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 5.ª edição, volume I, anotação 8 ao artigo 37.º, pag. 337).
Sendo aquele acto ineficaz não devia ter sido instaurada a execução fiscal, visto a dívida não ser ainda exigível, o que constitui causa de oposição à execução.
CONCLUSÃO
Nestes termos, é nosso parecer merecer provimento o recurso, pelo que a oposição deverá ser julgada procedente, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questão a decidir
É a de saber se é inexigível a dívida exequenda e se, como tal, deve proceder a oposição à execução fiscal intentada tendo em vista a sua cobrança coerciva.
O recorrente invoca para tal a falta de notificação dos fundamentos da liquidação que deu origem à execução, que, no seu entender, afectará a eficácia da liquidação e a exigibilidade do tributo.
5 – Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em cumprimento da ordem de serviço n.º 40 560, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Coimbra, procederam a exame à escrita da Oponente dos exercícios de 2001 e de 2002, em resultado do qual foi elaborado, em 2004.08.05, o relatório de fiscalização de que se junta cópia parcial de fls. 52 a fls. 58 dos autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e de onde, além do mais, resultaram correcções à matéria colectável nos montante de € 69.933,04 em 2001 e de € 147.732,97 em 2002 e tendo ainda obtidos em tributação autónoma € 2.665,41 em 2001 e € 131.402,21 em 2002;
Cfr., também, processo administrativo em apenso (apensado à Impugnação Judicial n.º 2/2005, entretanto apensada por linha a estes autos).
2. A Oponente foi notificada do relatório de inspecção tributária a que alude o n.º anterior por carta registada com aviso de recepção, recebida em 2004.08.17.
Facto alegado no artigo 3.° da douta contestação.
Não foi impugnado pela parte contrária, pelo que se deve ter por reconhecido.
Já vinha confirmado pelo doc. de fls. 50 e seguintes dos autos.
E por fls. I e 2 do processo administrativo em apenso.
3. Em resultado das correcções efectuadas a que aludem os n.ºs anteriores, foi efectuada a liquidação de I.R.C. do exercício de 2001 com o n.º 20048310024515, e dos respectivos juros compensatórios, tendo a ora Oponente sido notificada para efectuar o pagamento do saldo apurado de acordo com a seguinte demonstração de compensação:
ImpostoPeríodoN.º Doc. Valor (€)Data Limite Pag.
I.R.C.200120050000003853420.773,692005.04.20

Facto extraído do alegado no artigo 3.° da douta contestação.
A notificação deste documento à Impugnante vinha reconhecida no artigo 1.º da douta P.I. e confirmada pelo doc. de fls. 19, junto pela Impugnante.
A conexão entre a liquidação respectiva e as correcções efectuadas no relatório de fiscalização a que se alude em 1 supra vinha alegada pelo EX.mo R.F.P. e foi confirmada pelos documentos que juntou.
4. Em resultado das correcções efectuadas a que aludem os n.ºs anteriores, foi efectuada a liquidação de I.R.C. do exercício de 2002 com o n.º 20048310026329, e dos respectivos juros compensatórios, tendo a ora Oponente sido notificada para efectuar o pagamento do saldo apurado de acordo com a seguinte demonstração de compensação:
ImpostoPeríodoN.º Doc. Valor (€)Data Limite Pag.
I.R.C.2002200500000038961276.575,012005.04.27
b)
Facto extraído do alegado no artigo 3.° da douta contestação.
A notificação deste documento à Impugnante vinha reconhecida no artigo 1.º da douta P.I. e confirmada pelo doc. de fls. 9, junto pela Impugnante.
A conexão entre a liquidação respectiva e as correcções efectuadas no relatório de fiscalização a que se alude em 1 supra vinha alegada pelo EX.mo R.F.P. e foi confirmada pelos documentos que juntou.
5. Por cartas enviadas ao Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital e ali entradas em 2005.03.30 e 2005.04.08 a Oponente requereu que lhe fosse passada certidão «gratuita da fundamentação de facto e de direito» das liquidações a que alude o n.º anterior;.
Facto alegado no artigo 2.° da douta P.I.
Confirmado pelos documentos de fls. 21 e seguintes.
Expressamente reconhecido no artigo 4.º da douta contestação.
6. Em 2005.06.28, foi instaurada no Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital a execução fiscal n.º 0809-2005/101280.0 para cobrança coerciva das dívidas a que aludem os n.ºs anteriores, de acordo com o quadro infra:

ImpostoPeríodo 'N.o da Liquidação N.º da Certidão Valor (€)
I.R.C. 2001 2004 8310024515 2005/173040 20.773,69
I.R.C. 2002 2004 8310026329 2005/173159 276.575,01
Documentos de fls. 8 e seguintes.
7. Na execução fiscal a que alude o n.º anterior, a Oponente foi citada por carta registada com aviso de recepção, recebida em 2005.07.15;
-----------------------------------------------------------------------------------------
Documento de fls. 11 e 12 dos autos.
8. A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Oliveira do Hospital em 2005.08.17;
Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos
MAIS SE PROVOU QUE:
9. A certidão a que se alude em 5 supra não chegou a ser enviada à
Oponente;
Facto alegado no artigo 3.° da douta P.I.
O documento de fls. 30 não comprova que a certidão tenha, de facto, sido enviada à Oponente. O meio de prova adequado do envio de correspondência é o registo.
A prova do envio competia à F.P., pelo que a falta de prova respectiva tem que ser valorada contra ela.
10 Em 2005.01.03, a ora Oponente impugnou as liquidações de I.V.A. que emergiram do mesmo relatório, a qual correu termos neste Tribunal com o n.º 2/05.0BECBR;
Cfr. processo em apenso
6 – Apreciando.
6.1 Da alegada inexigibilidade da dívida exequenda
A sentença recorrida, considerando embora que a inexigibilidade da dívida exequenda constitui fundamento de oposição à execução (artigo 204.º, n.º 1, alínea i) do Código de Procedimento e de Processo Tributário - CPPT), considerou que tal inexigibilidade não se verificava no caso dos autos, pois que julgou não haver deficiência na notificação da fundamentação da liquidação e, de qualquer modo, quando a notificação padece de deficiência e o contribuinte usa da faculdade a que alude o artigo 37.º do C.P.P.T., o que a lei diz é que o prazo para reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial se conta a partir da entrega da certidão que tenha sido requerida, e não que a insuficiência da notificação (falta de notificação) importa a inexigibilidade da dívida exequenda, limitando-se a prescrever que o prazo de defesa contra esse acto não corre (cfr. sentença recorrida, a fls. 176, frente e verso, dos autos).
Discorda do decidido o recorrente e também o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, se pronuncia no mesmo sentido.
Vejamos.
Admitindo que não é modelar a forma como a Administração tributária cumpriu o dever de fundamentação a que está obrigada - concedendo-se quanto ao cumprimento “algo deficiente” do disposto nos artigos 36.º, n.º 2 do CPPT e 77.º, n.º 1 e 2 da Lei Geral Tributária (LGT), fundamentalmente por falta de explicitação de qual era a “fundamentação já remetida”, o que se teria evitado se dela constasse menção da data em que foi remetido ao contribuinte a notificação do relatório da inspecção na qual se contém a fundamentação das liquidações subsequentes, designadamente as em causa nos presentes autos -, não se concede, contudo, com a alegação segundo a qual as deficiências de fundamentação da liquidação, não tendo sido sanadas em razão do pedido de certidão contendo a fundamentação do acto legalmente exigida, nos termos do n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, têm por consequência a inexigibilidade da dívida exequenda, ao abrigo da alínea i) do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT.
O que está em causa é, muito claramente, uma irregularidade da notificação (e não a inexistência ou a nulidade desta), por falta de menção inequívoca dos fundamentos que a motivam. Irregularidade esta que, diga-se, não obstou no passado, nem obsta no futuro a que o contribuinte possa reagir contra as liquidações se para tal tiver fundamento, pois que a utilização da faculdade do n.º 1 do artigo 37.º do CPPT lhe garante estar a tempo, ex vi do n.º 2 do mesmo artigo, de as poder vir questionar.
Daqui não resulta, porém, a inexigibilidade da dívida, pois que das notificações das liquidações constava muito claramente o termo do prazo de pagamento voluntário (cfr. os números 3 e 4 do probatório supra transcrito), momento a partir do qual as dívidas se tornaram coercivamente exigíveis.
É que, como se disse no Acórdão deste Tribunal do passado dia 7 de Outubro (recurso n.º 128/09), que aqui acompanhamos, «Quando não é efectuada uma notificação do acto de liquidação e é instaurada execução fiscal, está-se perante um fundamento de oposição à execução fiscal enquadrável na alínea i) do n.º do art. 204.º do CPPT, como tem vindo a entender uniformemente este Supremo Tribunal Administrativo. O regime previsto no art. 37.º, n.ºs 1 e 2, e 39.º, n.º 9, do CPPT é o de que, fora dos casos previstos nesta última disposição, em que a notificação se considera nula (( ) Indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.
Nestes casos de nulidade, a notificação não produzirá quaisquer efeitos jurídicos, como resulta do art. 134.º, n.º 1, do CPA.), o acto de comunicação ao destinatário de um acto em matéria tributária que não o informa de todos os elementos do acto notificado só é irrelevante para efeitos de determinação dos prazos de reacção contra o acto notificado, por via administrativa ou judicial, e mesmo esta única consequência apenas ocorre se for utilizada a faculdade prevista no n.º 1 daquele art. 37.º. Na verdade, por um lado, fora dos casos de nulidade previstos no art. 39.º, n.º 9, é aquela a única consequência prevista para a irregularidade da notificação, no referido n.º 2 do art. 37.º. O facto de apenas nos casos previstos no art. 39.º, n.º 9, do CPPT a não observância dos requisitos legais das notificações implicar a sua nulidade, que tem como consequência a eliminação jurídica da totalidade dos efeitos do acto que dela enferma (art. 134.º, n.º 1, do CPA), revela que se pretendeu legislativamente que, em todos os outros casos de não observância dos requisitos legais, a notificação irregular produza todos os efeitos para os quais é idónea, com excepção da determinação do início dos prazos de reacção contra o acto notificado, no caso de vir a ser usada a faculdade prevista no n.º 1 deste art. 37.º. Por outro lado, o facto de não se exigir, para regularização da situação gerada com a notificação irregular, a realização de uma nova notificação substituindo a anterior, mas apenas a «notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha» (n.º 1 deste art. 37.º), confirma que se pretendeu que se mantenham os efeitos produzidos pela notificação dos elementos não omitidos, pois não se impõe que eles sejam comunicados novamente. À mesma conclusão conduz o facto de, se não for pedida, no prazo legal, a comunicação dos requisitos omitidos, a notificação produzir todos os seus efeitos, como se os contivesse. Sendo assim, a notificação sem todos os requisitos exigidos, mas que contenha aqueles sem os quais ela é considerada nula, indicados no n.º 9 do art. 39.º do CPPT, não deixará de valer como acto de comunicação ao destinatário quanto a tudo o que comunicou, produzindo os efeitos próprios de uma notificação quanto àquilo de que o informou, só não produzindo, no caso de o destinatário utilizar tempestivamente a faculdade prevista no art. 37.º, n.º 1, do CPPT, o efeito de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa do acto notificado. (…) Mas, essa notificação (…), é relevante para outros fins, designadamente, se tiver sido comunicado ao destinatário o montante a pagar e o prazo de pagamento voluntário da dívida liquidada, para determinar o início desse prazo e, consequentemente, também a subsequente possibilidade de cobrança coerciva, nos termos dos arts. 85.º e 86.º do CPPT, que nasce com o decurso do prazo de pagamento voluntário sem que ele seja efectuado. Isto é, tendo a comunicação efectuada aptidão para informar o destinatário sobre o montante da quantia liquidada e o prazo de pagamento voluntário e não sendo afastada por lei a relevância da notificação para este fim, quando ocorrer omissão de indicação da fundamentação de facto e de direito, tem de se concluir a notificação produz o seu efeito útil que lhes está legalmente associado de tornar eficaz o acto de liquidação em relação ao destinatário» (fim de citação).
Assim sendo, ter-se-á de concluir que não procede o fundamento de oposição à execução fiscal invocado pelo recorrente e de que não merece censura a sentença recorrida, que julgou improcedente a oposição deduzida.
Também não se julga, contrariamente ao alegado (cfr. o n.º 17 das conclusões das suas alegações de recurso), que esta interpretação do n.º 2 do artigo 37.º seja inconstitucional, por violação dos números 1 e 3 e da Constituição da República Portuguesa.
Não se vê, sequer, nem o recorrente explícita, como a interpretação acolhida possa por em causa o direito à informação (n.º 1) e à notificação e fundamentação dos actos lesivos (n.º 3).
A interpretação adoptada obsta, isso sim, a que a faculdade que o legislador consagrou, e bem, no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT, possa ser abusivamente utilizada para impedir à legítima cobrança de créditos tributários sempre que se verifique alguma deficiência, que não nulidade ou inexistência, na notificação dos actos tributários, deficiência não impeditiva, contudo, do cumprimento da finalidade do direito à fundamentação de garantia de condições materiais para o adequado exercício dos direitos de defesa dos contribuintes.
O recurso não merece, pois, provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 25 de Novembro de 2009.- Isabel Marques da Silva– (relatora) -Jorge Lino - Lúcio Barbosa.