Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:029/16
Data do Acordão:09/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:IVA
TURISMO RURAL E TURISMO DE HABITAÇÃO
Sumário:I - Nos termos do DL 54/2002 de 11 de Março a actividade de turismo rural tem natureza familiar sendo também condição do seu exercício a residência do seu proprietário.
II - Por força desta exigência legal todo o IVA suportado pelo sujeito passivo na aquisição de bens e prestação de serviços de recuperação do imóvel afecto a tal actividade é susceptível de dedução não podendo a AT restringir a sua dedução ao IVA suportado referente à aquisição de bens e serviços relativos à parte do imóvel afecto a hospedagem excluindo de tal dedução o IVA suportado na aquisição de bens e serviços referentes à parte do imóvel afecto à residência do proprietário.
Nº Convencional:JSTA00070295
Nº do Documento:SA220170913029
Data de Entrada:01/11/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF CASTELO BRANCO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CIVA08 ART20 N1 ART19 N7 ART16 N6 C
L 54/2002 DE 2002/03/11.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01785/03 DE 2004/06/23.
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ SKF C - 29/08 EU 2009 665 N57.
AC TRIJ C 435/05 EU C 2007 87 N24.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

Relatório
Não se conformando com a sentença do TAF de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………… contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios dos anos de 2005 e 2006 à no montante global de €11 848,89, veio a Fazenda Pública dela interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo formulando as seguintes conclusões:
A) A sentença ao considerar que “sendo essencial à prestação da actividade de turismo rural tanto a residência do proprietário como a prestação do serviço de hospedagem o artigo 20 nº 1 do CIVA não obsta à dedução da totalidade do IVA suportado na recuperação do respectivo imóvel violou o artigo 20/1 do CIVA.
B) Conforme evidenciado pela sentença na matéria de facto, os serviços de inspecção tributária após invocarem o artigo 20/1 do CIVA no sentido do sujeito passivo só poder deduzir IVA que tenha suportado na aquisição de bens, prestações de serviços que contribuam para a realização de operações tributáveis “
C) Vêm evidenciar que a operação tributável que o sujeito passivo pratica é a prestação de serviços de hospedagem, é sobre o valor que recebe destas prestações de serviços que liquida IVA e só pode deduzir IVA que tenha suportado em bens/serviços que se destinem à realização deste serviço.
O IVA suportado na área habitada pelo sujeito passivo não pode ser deduzido na actividade porque não contribui para a realização da mesma, o fim último desta área do estabelecimento é ser a residência do sujeito passivo, trata-se de uma área destinada à habitação e não à realização de uma actividade produtiva, à realização de operações tributáveis. Face ao exposto vamos proceder ao cálculo do IVA que o sujeito passivo tem direito a deduzir por aplicação da percentagem atrás calculada …”ao IVA deduzido pelo sujeito passivo,
D) No sentido da interpretação efectuada pela AT ao artigo 20/ 1 do CIVA e aplicação do mesmo à situação em apreço vindo reforçar a validade da interpretação levada a cabo pela AT o legislador através do DL nº 134/2010 de 27/12 aditou ao artigo 19 do CIVA o nº 7 nos termos do qual “não pode deduzir-se o imposto relativo a bens imóveis afectos à empresa na parte em que esses bens sejam destinados a uso próprio do titular da empresa do seu pessoal ou em geral a fins alheios à mesma” precisamente a situação em apreço,
E) Sendo que no preâmbulo do referido decreto-lei é evidenciado que “passa a disciplinar-se expressamente, de forma mais consistente com as regras do direito à dedução o regime de dedução do imposto relativo a despesas suportadas com bens imóveis quando esses bens sejam parcialmente afectos a fins não empresariais
F) No que se refere a meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida eles constam dos autos. Sendo referidos na matéria de facto dada como provada pela sentença
Deve ser dado provimento ao recurso revogando-se a decisão recorrida.

Não houve contra alegações.

O Mº Pº junto deste Supremo Tribunal emitiu o seguinte parecer:
Vem o presente recurso interposto da sentença do TAF de Castelo Branco que julgou procedente a acção de impugnação judicial intentada contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios no valor global de € 11848,89.
A recorrente F P insurge-se contra o assim decidido por entender ter sido violado o disposto nos artigos 20/1 e 19/7 do CIVA uma vez que considera que o imposto suportado na área habitada pelo sujeito passivo não pode ser deduzido porque não contribui para a realização de operações tributáveis.
E termina pedindo a revogação da sentença.
Na sentença recorrida deu-se como assente que as liquidações adicionais impugnadas resultaram de correcções em sede de IVA e de acordo com o entendimento da AT que considerou que o sujeito passivo só tinha direito a deduzir 51,61% da totalidade do IVA suportado na aquisição de bens e nas prestações de serviço relacionadas com o seu empreendimento turístico – casa rural.
Pese embora não conste do chamado probatório que tipos de operações foram realizadas e que estão subjacentes ao IVA deduzido na parte da discussão da matéria de direito o mutual “a quo” parte do pressuposto que o IVA foi suportado na recuperação do imóvel destinado a turismo rural.
Ora estando em causa o direito à dedução do imposto suportado a montante impunha-se que o tribunal recorrido tivesse fixado a matéria de facto relativa ao tipo de operações em que tinha sido suportado o imposto deduzido pelo sujeito passivo e objecto de correcções por parte da Administração Fiscal sob pena de se estar a discutir a questão de direito sem substrato fáctico bastante.
De todas as formas atenta a forma como as partes discutem a questão de direito parece resultar seguro que está em causa IVA suportado pelo sujeito passivo em bens e serviços incorporados na recuperação de imóvel (imóveis) utilizado na actividade de turismo rural
Considerou então o mº juiz “a quo” invocando a doutrina do acórdão do STA de 12 01 2012 (processo 0631/11) que “sendo essencial à prestação da actividade de turismo rural tanto a residência do proprietário como a prestação de serviço de hospedagem o artigo 20/1 do CIVA não obsta à dedução da totalidade do IVA suportado na recuperação do respectivo imóvel não tendo apoio legal a distinção administrativamente operada entre a área do imóvel destinada à prestação de serviços de hospedagem e a área do imóvel utilizada como habitação exclusiva do proprietário bem como a consequente fixação da respectiva percentagem para efeitos de tributação.
E atenta a bondade da decisão a qual assenta na jurisprudência deste Tribunal não vêem fundamento para divergir da mesma.
Com efeito o entendimento de que o imposto suportado na aquisição de bens e serviços utilizados na parte do imóvel destinado a habitação do proprietário não se insere na actividade de hospedagem e não contribui para a realização de operações tributáveis assenta num equívoco: o de que só a parte destinada a hóspedes está compreendida no exercício da actividade.
Ora tal asserção não é correcta. Em regra todo o imóvel tem essa destinação embora se possam diferenciar nele as áreas reservadas ao proprietário. Só que estas não assumem autonomia em relação às demais servindo de apoio à prestação de serviço de hospedagem.
E como reconhece a própria AT na informação prestada pelos serviços de inspecção atento o disposto no Dec lei 54/2002 de 11 de Março uma das condições para que determinado espaço seja considerado espaço de turismo rural é que nele residam os seus proprietários
Ora se tal residência é condição específica do empreendimento turístico, o mesmo só podendo funcionar nessas condições o que quer dizer que o empreendimento turístico compreende não só a parte do imóvel destinado aos hóspedes como a parte destinada ao proprietário formando uma unidade que lhe confere essa particularidade exigida pela lei.
E assim sendo todas as despesas suportadas com a recuperação do imóvel com essa destinação estão integradas no investimento efectuado pelo sujeito passivo com vista ao desenvolvimento dessa actividade e que irão ser repercutidas no preço dos serviços posteriormente prestados e onde aquele irá recuperar esse investimento.
Como tem sido jurisprudência do TJUE “a existência de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à edução é em princípio necessária para que o direito a dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito O direito a dedução do IVA que incidiu na aquisição de bens e serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas tenha feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a tributação (cf. acórdão SKF C-29/08 EU 2009 665 nº 57).
Mas aquele Tribunal também tem admitido “um direito a dedução do IVA a favor de sujeito passivo mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução quando as despesas incorridas fazem parte de despesas gerais desse sujeito passivo e são enquanto tais elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo sujeito passivo. Essas despesas têm com efeito uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo” cfr acórdão C-435/05 EU C 2007:87 e SKF c29/08 EU C 2009 665 nº 58).
Resulta da mesma jurisprudência do Tribunal de Justiça que no quadro da aplicação do critério da relação directa que incumbe às Administrações Fiscais e aos órgãos jurisdicionais compete a estes ter em conta as circunstâncias em que se desenrolaram as operações em causa e ter em conta apenas as operações que têm relação objectiva com a actividade tributável do sujeito passivo. A existência dessa relação deve assim ser apreciada à luz do conteúdo objectivo da operação em questão. Neste sentido acórdão Becker C-104/12 Kretzechnikt C-465/03.
No caso concreto dos autos não oferece dúvidas que as obras de reconstrução ou recuperação do imóvel estão directamente conexionadas com a actividade desenvolvida pelo sujeito passivo já que são condição da aprovação do empreendimento e concessão do alvará de utilização pelas entidades públicas envolvidas (Câmara Municipal e Direcção Geral do Turismo).
Importa apenas acrescentar que a especificidade da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo não é subsumível na realidade visada pela redacção introduzida pelo Dec lei 134/2010 de 27/12 no nº 7 do artigo 19 do CIVA o qual não é aplicável aos autos.
Em face do exposto afigura-se-nos que a sentença não padece do vício de ilegalidade que lhe é assacado pelo que deve ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Fundamentação:
De Facto
Foi a seguinte matéria de facto que o Tribunal “a quo” deu como assente e as partes não questionam:
A A impugnante encontra-se inscrita para o exercício da actividade de Turismo de Espaço Rural desde 01 04 2005 Cf folhas 76 a 80 do Processo apenso (PA)
B Em cumprimento da ordem de serviço nº OI 200600244/45 foi levada a efeito uma acção inspectiva à ora impugnante por motivo da análise do pedido de reembolso de IVA solicitado na declaração do primeiro trimestre de 2006 tendo sido elaborado o projecto de correcção de folhas 28 a 32 do PA.
C Em resultado das conclusões da acção inspectiva foram efectuadas correcções em sede de IVA nos anos de 2005 e 2006 tendo sido apurado imposto em falta, respectivamente nos montantes de € 6 541,81 e € 5029,69 cfr folhas 28 e 29 do PA.
D Dá-se aqui por reproduzido o teor da alínea D) do probatórío da sentença constante de folhas 52 a 55 dos autos.
E Dá-se aqui por reproduzido o teor da alínea E) do probatório da sentença de folhas 55 dos autos
F Em 29 01 2007 a ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações referidas em E) cfr folhas 3 a 7 do PA
G A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 23 08 2007 proferido pelo Director de Finanças da Guarda.
H A impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa através do ofício nº 23558 data de 23 08 2007 remetido por correio registado com aviso de recepção cfr folhas 73 e 74 do PA.
I A presente impugnação deu entrada em tribunal no dia 10 09 2007 folhas 18 dos autos

De direito
Importando decidir se face ao disposto no artigo 20 nº 1 do CIVA podia o sujeito passivo deduzir a totalidade do imposto suportado na recuperação do imóvel destinado a actividade de turismo rural já que a AT considerara que tal dedução não podia integrar o imposto suportado relativamente à parte do imóvel exclusivamente afecto à residência do proprietário. Razão porque procedera às liquidações adicionais correctivas de IVA, o mº juiz “a quo” considerando o regime jurídico de instalação e funcionamento deste tipo de empreendimento que está regulado no DL 54/2002 de 11 de Março e concluindo que da conjugação do disposto nos artigos 1 e 5 desse diploma legal que a actividade de turismo no espaço rural tem natureza eminentemente familiar, sendo essencial à prestação da respectiva actividade tanto a residência do proprietário como a prestação do serviço de hospedagem considerou, escudado na doutrina do acórdão deste STA de 23 06 2004 proferido no processo 01785/03 que a dedução do IVA suportado pelo sujeito passivo na recuperação do imóvel destinado a turismo rural não podia restringir-se ao IVA suportado apenas na parte referente a hospedagem, devendo abranger igualmente o IVA suportado na parte afecta à residência do proprietário pelo que julgou procedente a impugnação judicial e anulou as liquidações adicionais correctivas impugnadas.
A Fazenda Pública, como se vê das conclusões do recurso não se conforma com esta decisão e entende contrariamente ao decidido que foi violado o disposto no artigo 20 nº 1 do CIVA na medida em que só podendo o sujeito passivo deduzir IVA que tenha suportado na aquisição de bens e prestação de serviços que contribuam para a realização de operações tributáveis não podia o Tribunal decidir pela legalidade da dedução do IVA suportado relativamente à área habitada pelo sujeito passivo porquanto a mesma não o contribui para a realização da actividade produtiva ou seja a realização de operações tributáveis, o que aliás é excluído pelo nº 7 do artigo 19 do CIVA na redacção introduzida pelo Dec lei 134/2010 de 27 12.
Cumpre decidir.
Importará desde já referir que o direito a dedução do IVA é a par do dever de repercussão do imposto um dos pilares constitutivos deste imposto sendo garantia da sua neutralidade.
Através deste mecanismo os sujeitos passivos de IVA poderão deduzir as quotas tributárias vencidas que tenham suportado na aquisição de bens ou prestação de serviços e na medida em que tais bens e serviços sejam utilizados na realização de operações sujeitas e não isentas desse imposto.
É o que decorre aliás do disposto no artigo 20 do CIVA que assim dispõe:

Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:
a) Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;
b) Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em:
I) Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14.º;
II) Operações efectuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efectuadas no território nacional;
III) Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;
IV) Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidas pelas alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 e pelos n.ºs 8 e 10 do artigo 15.º;
V) Operações isentas nos termos dos n.ºs 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;
VI) Operações isentas nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.
2 - Não confere, porém, direito à dedução o imposto respeitante a operações que dêem lugar aos pagamentos referidos na alínea c) do n.º 6 do artigo 16.º

A possibilidade de dedução implica assim em princípio como refere o acórdão do TJUE, SKF, C-29/08 EU C2009 665 nº 57 “a existência de uma relação directa e imediata entre determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução …O direito a dedução do IVA como refere este aresto que incidiu sobre a aquisição de bens e serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito a dedução
E diz-se em princípio porquanto o mesmo TJUE admite também designadamente no aresto C 435/05 EU C 2007 87 nº 24 e no acórdão anteriormente citado “o direito a dedução do IVA a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo directo e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução quando as despesas incorridas fazem parte das despesas gerais desse sujeito passivo e são enquanto tais elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo sujeito passivo.
Estas despesas diz o aresto têm com efeito uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo.
No caso dos autos a Fazenda Pública não questiona a dedução do IVA pago pela impugnante na aquisição de bens e pagamento de serviços referentes à reconstrução do imóvel na parte em que o mesmo está afecto à hospedagem. Nem questiona também o IVA suportado com a aquisição de bens e serviços referentes à reconstrução da parte do imóvel afecto à residência do proprietário.
O que a recorrente põe em causa é a legalidade da dedução do IVA pago pela requerente referente à aquisição de bens e serviços prestados relativos à parte da reconstrução do imóvel na parte destinada exclusivamente ao proprietário.
Mas se é certo que o artigo 20º do CIVA acima transcrito permite distinguir entre operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem tal direito já que, como anteriormente se disse só pode ser deduzido o imposto suportado na aquisição de bens e serviços adquiridos para a realização das operações sujeitas a imposto e dele não isentas, dessa forma condicionando a dedução do IVA suportado à utilização efectiva dos bens e serviços em que se suportou o imposto em operações tributáveis e sendo com base nesta norma que a administração tributária procede às liquidações adicionais correctivas ora impugnadas por considerar que a aquisição de obras e serviços de remodelação de prédio destinado à actividade de turismo de habitação não se destinando integralmente a essa actividade, uma vez que uma parte não especificada do imóvel é destinada ao uso exclusivo do proprietário é uma operação não sujeita a imposto pelo que não é susceptível de ser deduzido no conjunto dos serviços de hospedagem prestados no exercício daquela actividade económica, o certo é que dada a forma como a lei - Dec lei 54/2002 de 11 Março - caracteriza a actividade de turismo de habitação, não há que fazer a distinção entre parte do imóvel destinado à residência do proprietário e parte do imóvel destinado a essa modalidade de turismo.
Efectivamente, o investimento em obras e melhoramentos que é necessário fazer para que a habitação possa destinar-se à actividade de turismo rural, abrange a totalidade do imóvel, independentemente de haver áreas de acesso reservado aos proprietários. A inscrição do prédio no registo de turismo, sem a qual não é possível iniciar a respectiva actividade, está condicionada à realização de obras e melhoramentos que permitam qualificar o imóvel como de «interesse turístico», com aptidões para o exercício da actividade turística.
Para se iniciar a actividade de turismo de habitação é necessário satisfazer os requisitos e os procedimentos prescritos nas normas legais que regulam o exercício.
Referindo o artigo 1º do Dec. Lei 54/2002 de 11 de Março que o “Turismo no espaço rural consiste no conjunto de actividades, serviços de alojamento e animação a turistas, em empreendimentos de natureza familiar, realizados e prestados mediante remuneração, em zonas rurais, e dispondo o artigo 2º/1 que para efeitos do disposto no artigo anterior, consideram-se empreendimentos de turismo no espaço rural os estabelecimentos que se destinam a prestar serviços temporários de hospedagem e de animação a turistas, realizados e prestados em zonas rurais, dispondo para o seu funcionamento de um adequado conjunto de instalações, estruturas, equipamentos e serviços complementares, tendo em vista a oferta de um produto turístico completo e diversificado no espaço rural.
E sendo que por força do nº 3 deste mesmo preceito a modalidade de turismo de habitação só pode ser explorado por pessoas singulares ou sociedades familiares que sejam as proprietárias, possuidoras ou legítimas detentoras da casa e que nelas residam durante o período de exploração, fácil é de concluir que como bem se assinalou na sentença recorrida a actividade de turismo na modalidade de turismo rural tem natureza familiar sendo que a residência do proprietário condiciona até a sua qualificação.
Decorre daqui, como bem salienta o Mº Pº neste Tribunal que o empreendimento turístico nessa modalidade apesar de compreender uma parte do imóvel destinado a hospedagem e uma parte destinada a residência do proprietário constitui uma unidade, decorrendo desta unidade consagrada e exigida por lei que todas as despesas suportadas com a sua recuperação com vista à exploração da actividade turística se integrem nesse investimento sendo repercutidas posteriormente no preço dos serviços de hospedagem prestados. E sendo assim nada impede que essas despesas e o IVA a elas correspondente suportadas na reconstrução em qualquer das partes do estabelecimento, possam ser deduzidas dada a sua relação com as operações prestadas a jusante com direito a dedução.
Neste sentido se pronunciou já o STA em vários arestos e entre eles o acórdão de 12 01 2012 in processo 0613/11 cujo sumário foi transcrito na sentença ora em recurso sentença e de não se vê razão para divergir.
Não existindo dúvidas que as obras de reconstrução ou recuperação do imóvel estão directa e imediatamente relacionadas com o exercício da actividade de turismo rural integrando investimento efectuado pela impugnante com tal finalidade e que por essa razão irão necessariamente repercutir-se no preço dos serviços de hospedagem posteriormente prestados todo o IVA suportado na aquisição dessas obras de recuperação é susceptível de dedução já que todo o imóvel tem como destino o exercício da actividade de turismo rural não ganhando autonomia a área reservada à residência do proprietário dada a sua conexão e a residência do proprietário ser condição da concessão administrativa de tal actividade.

Face ao exposto e porque se concorda com a fundamentação de direito da sentença recorrida acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 13 de Setembro de 2017. - Fonseca Carvalho (relator) - Isabel Marques da Silva - Pedro Delgado.