Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0159/10
Data do Acordão:05/12/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IRC
NOTIFICAÇÃO DEFICIENTE
CPPT
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO
TERMO INICIAL
Sumário:I – Como resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 37.º do CPPT, quando é utilizada a faculdade aí prevista, o prazo de impugnação conta-se a partir da notificação dos elementos omitidos ou entrega de certidão que os contenha.
II – Esta norma deverá, porém, ser interpretada restritivamente, com o sentido de que este regime especial de contagem a partir da notificação dos elementos omitidos será de afastar quando terminar mais tarde o prazo previsto no regime normal de impugnação contido no artigo 102.º do CPPT, sob pena de o termo final do prazo de impugnação poder ser antecipado por a notificação, em vez de ser regular, ser deficiente.
Nº Convencional:JSTA000P11802
Nº do Documento:SA2201005120159
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do TAF de Leiria que julgou procedente a excepção de caducidade invocada pela FP, por alegada extemporaneidade da impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2003, e respectivos juros compensatórios, absolvendo-a do pedido, por força do disposto no artigo 493.º, n.º 3 do CPC, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
a) A questão em apreço, relativa ao prazo de impugnação de uma liquidação tributária, não convoca a natureza desse prazo – substantivo e peremptório - mas sim a dilação da contagem desse prazo sempre que resulte imposto a pagar da notificação da liquidação;
b) A ora Recorrente em momento algum sustentou a sua posição na natureza do referido prazo, e muito menos procurou beneficiar de qualquer suspensão em período de férias judiciais ou valer-se do prazo de 3 dias previsto no n.º 5 do artigo 145.º do CPC;
c) A questão em apreço prende-se «com as consequências que advêm de o interessado usar a faculdade prevista no artigo 37.º, n.º 1 do CPPT no que toca ao prazo de impugnação judicial. Com efeito, o uso de tal faculdade não faz suspender ou interromper o prazo de impugnação judicial de 90 dias, mas antes tem o efeito de diferir o respectivo termo inicial» - cfr. p. 6 do Parecer de Direito já citado em anexo às presentes alegações (cit.);
d) Equivoca-se, salvo o devido respeito, a decisão recorrida ao pretender que o prazo de 90 dias se conta a partir da certidão requerida, mesmo quando esta seja disponibilizada antes do decurso do prazo para pagamento voluntário a que se refere o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT;
e) A jurisprudência sempre firmou que, em caso de notificação insuficiente, tendo o contribuinte solicitado os elementos em falta ao abrigo do artigo 37.º, n.º 1, do CPPT e tendo a Administração entregue os elementos em falta em momento posterior ao termo do pagamento voluntário do imposto, o prazo de 90 dias para impugnar uma liquidação de imposto só inicia a sua contagem com a notificação desses elementos;
f) É inequívoco este Venerando Supremo Tribunal no seu Acórdão de 28 de Maio de 2008, proferido no Processo n.º 0178/08: «Decerto que esta norma [o artigo 37.º do CPPT] deverá ser interpretada restritivamente, com o sentido de que este regime especial de contagem a partir da notificação dos elementos omitidos será de afastar quando terminar mais tarde o prazo previsto no regime normal de impugnação. Na verdade, nos casos em que o contribuinte se apressar a requerer a notificação dos elementos omitidos, pode suceder que a notificação destes ocorra antes dos 30 dias previstos no referido artigo 140.º [do Código do IRS], como termo inicial do prazo de impugnação de 90 dias, e não se pode justificar, obviamente, que o termo final do prazo de impugnação possa ser antecipado por a notificação, em vez de ser regular, ser deficiente» - Acórdão disponível em www.dgsi.pt (cit.);
g) Afirma o Professor Miguel Nogueira de Brito em Parecer de Direito anexo a estas alegações: «o que é certo é que estando em causa […] qualquer prazo para pagamento voluntário a que se reporta o artigo 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, o artigo 37.º, n.º 2, deve ser interpretado restritivamente, no sentido de o regime especial de contagem a partir da notificação dos elementos omitidos na notificação ser de afastar quando terminar mais tarde o prazo previsto no regime normal de impugnação, constante do artigo 102.º do CPPT» - cfr. p. 8 do Parecer de Direito já citado e em anexo às presentes alegações (cit.);
h) O uso da faculdade prevista no artigo 37.º, n.º 1 do CPPT tem o efeito de diferir o respectivo termo inicial;
i) A conclusão da alínea anterior tem sido consagrada pela jurisprudência, (i) ao referir-se expressamente a «diferimento-prorrogação do prazo legal para deduzir impugnação judicial» no Acórdão (2.ª Secção), de 16 de Outubro de 2002, no processo n.º 0618/02 (cit., itálicos nossos), disponível em www.dgsi.pt, e (ii) ao referir-se que «[a] faculdade consentida pelo art.º 37.º do CPPT é o modo único de sanação da deficiência da notificação, com diferimento do início do prazo para uso dos meios graciosos ou contenciosos de impugnação» - cfr. Acórdão TCA Sul (2.ª Secção), de 6 de Junho de 2006, no processo n.º 00336/04 (cit., itálicos nossos), disponível em www.dgsi.pt;
j) In casu, a Recorrente foi notificada de forma insuficiente, a Administração fiscal notificou-a dos elementos em falta e, dentro do prazo dos 90 dias a contar da data limite do pagamento voluntário do imposto – isto é, dentro do prazo de 90 dias a contar de 6 de Agosto de 2008 -, a Recorrente apresentou a competente impugnação judicial em 31 de Outubro de 2008;
k) Tendo a Administração fiscal cumprido o dever de efectuar a notificação requerida ao abrigo do artigo 37.º, n.º 1 do CPPT antes de decorrido o prazo para pagamento voluntário da prestação tributária a que se reporta o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, o prazo de impugnação judicial de 90 dias não se conta a partir da data da notificação efectuada mas do termo do prazo para pagamento voluntário;
l) Caso não se entenda como se refere na alínea anterior, estar-se-á a possibilitar que a Administração fiscal incumpra o dever de correcta notificação e de fundamentação, e depois efectue a notificação dos requisitos legais anteriormente omitidos antes do decurso do prazo para pagamento voluntário da prestação tributária em causa, antecipando, de forma totalmente inadmissível, o termo inicial do prazo de impugnação judicial;
m) A interpretação da norma do artigo 37.º, n.º 2 do CPPT segundo a qual a fixação do termo inicial do prazo de impugnação judicial nela prevista prevalece sobre o regime geral de determinação do referido termo inicial contido no artigo 102.º do CPPT, mesmo no caso de conduzir à respectiva antecipação, é inconstitucional por violação de diversos princípios constitucionais;
n) A interpretação referida na alínea anterior introduz, desde logo, um tratamento diferenciado e discriminatório, sem qualquer justificação, entre a situação do contribuinte regularmente notificado e a do contribuinte objecto de notificação insuficiente;
o) Ou seja, as normas dos artigos 37.º, n.º 2, e 102.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPPT, interpretadas, como faz a decisão recorrida, no sentido de que a fixação do termo inicial do prazo de impugnação judicial constante do artigo 37.º, n.º 2, do CPPT prevalece sobre o regime geral de determinação do referido termo inicial previsto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT mesmo no caso de conduzir à respectiva antecipação do termo, são, nessa interpretação, materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 13.º e 266.º da Constituição, inconstitucionalidade esta que de imediato se suscita nesta sede;
p) Depois, a interpretação da decisão recorrida é também insustentável por permitir a antecipação do termo inicial do prazo de impugnação judicial, por eliminação do prazo para pagamento voluntário, em caso de notificação insuficiente, pondo em causa o princípio da confiança do contribuinte nos actos da Administração fiscal ao impor que o exercício de um direito pela Recorrente implique uma situação de clara desvantagem ao ter menos tempo para reagir contra a liquidação;
q) Ou seja, resulta que as normas dos artigos 37.º, n.º 2, e 102.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPPT, interpretadas, como faz a decisão recorrida, no sentido de que a fixação do termo inicial do prazo de impugnação judicial constante do artigo 37.º, n.º 2, do CPPT prevalece sobre o regime geral de determinação do referido termo inicial previsto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT mesmo no caso de conduzir à respectiva antecipação do termo, são, nessa interpretação, materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 2.º e 266.º da Constituição, inconstitucionalidade esta que de imediato se suscita nesta sede;
r) Por último, a interpretação da norma do artigo 37.º, n.º 2, do CPPT sufragada pela decisão recorrida é também inconstitucional por envolver uma restrição desproporcionada, sem qualquer justificação e por isso não permitida pelo artigo 18.º da Constituição, ao direito de acesso aos tribunais, tutelado pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 2, da mesma Constituição;
s) Ou seja, resulta que as normas dos artigos 37.º, n.º 2, e 102.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPPT, interpretadas, como faz a decisão recorrida, no sentido de que a fixação do termo inicial do prazo de impugnação judicial constante do artigo 37.º, n.º 2, do CPPT prevalece sobre o regime geral de determinação do referido termo inicial previsto no artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT mesmo no caso de conduzir à respectiva antecipação do termo, são, nessa interpretação, materialmente inconstitucionais por violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 3, 20.º e 268.º, n.º 2, da Constituição, inconstitucionalidade esta que de imediato se suscita nesta sede.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o julgado recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Na decisão recorrida, mostra-se assente a seguinte factualidade:
• A Impugnante requereu certidão contendo a fundamentação do acto tributário da liquidação, nos termos do disposto o art.º 37.º do CPPT - cfr. fls. 165;
• A AF passou a requerida certidão que foi notificada à Impugnante em 23 de Julho de 2008 - cfr. fls. 170;
• A presente acção foi interposta em 31 de Outubro de 2008 - cfr. fls. 138A.
III – Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pela Mma. Juíza a quo que julgou procedente a excepção de caducidade invocada pela FP por extemporaneidade da impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2003.
De acordo com a decisão recorrida, tendo o contribuinte feito uso da faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT, o prazo de impugnação judicial de 90 dias previsto no artigo 102.º do CPPT contar-se-á a partir da data em que o interessado toma, efectivamente, conhecimento da fundamentação do acto.
Alega, porém, a recorrente que, tendo a AF cumprido o dever de efectuar a notificação requerida ao abrigo do artigo 37.º, n.º 1, do CPPT antes de decorrido o prazo para pagamento voluntário da prestação tributária a que se reporta o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, o prazo de impugnação judicial de 90 dias não se conta a partir da data da notificação efectuada mas do termo do prazo para pagamento voluntário.
Vejamos. A questão que constitui o objecto do presente recurso é a da tempestividade da dedução de impugnação judicial contra a liquidação de IRC do ano de 2003.
Não há dúvida que o prazo geral de impugnação é, nos termos do artigo 102.º do CPPT, de 90 dias o qual se conta a partir dos factos aí elencados.
Todavia, nos casos em que o contribuinte tenha feito uso da faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT, põe-se a questão de saber qual o termo inicial desse prazo.
Estabelece o n.º 1 do artigo 37.º do CPPT que se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.
Se o interessado usar dessa faculdade, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida.
Ou seja, no caso em que o contribuinte utiliza a faculdade prevista no citado normativo, o prazo de impugnação passa a contar-se, pois, da notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou da entrega de certidão se tiver sido requerida.
Mas, como salienta o Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal no seu parecer, o uso da faculdade prevista no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT tem como efeito o diferimento do termo inicial do prazo de impugnação, não o suspendendo nem interrompendo, sendo contra a ratio legis do preceito a interpretação de que o prazo de impugnação possa ser antecipado em virtude de deficiência da notificação.
Ora, com efeito, seria isso o que sucederia no caso em apreço em que a AT cumpriu o dever de efectuar a notificação requerida ao abrigo do artigo 37.º, n.º 1, do CPPT antes de decorrido o prazo para pagamento voluntário da prestação tributária se o prazo para impugnar a liquidação desta se contar a partir daquela notificação, nos termos do n.º 2 do artigo 37.º do CPPT, como sustenta a decisão recorrida, e não a partir do termo deste prazo, de acordo com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, como defende a recorrente.
Daí que, como já se deixou firmado no acórdão desta Secção de 28/5/2008, no recurso n.º 178/08, a norma contida no citado n.º 2 do artigo 37.º do CPPT «… deverá ser interpretada restritivamente, com o sentido de que este regime especial de contagem a partir da notificação dos elementos omitidos será de afastar quando terminar mais tarde o prazo previsto no regime normal de impugnação.
Na verdade, nos casos em que o contribuinte se apressar a requerer a notificação dos elementos omitidos, pode suceder que a notificação destes ocorra antes do (…) termo inicial do prazo de impugnação de 90 dias, e não se pode justificar, obviamente, que o termo final do prazo de impugnação possa ser antecipado por a notificação, em vez de ser regular, ser deficiente.».
No caso em apreço, conforme resulta dos autos, a AT procedeu à notificação prevista no n.º 1 do artigo 37.º do CPPT em 23/7/2008, ou seja, antes do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto aqui em causa, o qual ocorreu em 6 de Agosto de 2008 – cfr. doc. junto a fls. 39.
Daí que, tendo a presente impugnação judicial sido apresentada em 31 de Outubro de 2008, a mesma se revele tempestiva, nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.
A decisão recorrida, que assim não entendeu, não pode, por isso, manter-se na ordem jurídica.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida que deve ser substituída por outra que não seja de rejeição da impugnação judicial apresentada por extemporânea.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Maio de 2010. – António Calhau (relator) – Miranda de Pacheco – Pimenta do Vale.