Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0704/12
Data do Acordão:11/07/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DESPACHO DE NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
CONDENAÇÃO
CUSTAS
Sumário:I – Para além dos casos previstos no artigo 83.º do RGIT, é admissível em casos justificados o recurso em processo de contra-ordenação tributário com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, designadamente “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” (cfr. o n.º 2 do artigo 73.º);
II – Não se afigura “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” o recurso de decisão de condenação da Fazenda Pública em custas em processo de contra-ordenação no qual foi proferida decisão de improcedência da acusação com subsequente arquivamento dos autos.
Nº Convencional:JSTA000P14814
Nº do Documento:SA2201211070704
Data de Entrada:06/25/2012
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal vem reclamar para a Conferência do despacho da relatora proferido nos presentes autos a fls. 103 a 107 e datado de 11 de Julho de 2012, que, em razão do valor da causa (€151) ser inferior ao da alçada e por ter julgado, em conformidade com o decidido em caso semelhante por Acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Junho de 2012 (proferido no recurso n.º 513/12) não ser de o admitir ao abrigo do n.º 2 do artigo 73.º do Regime Geral das Contra-Ordenações pois que não se afigurava manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, não admitiu o recurso interposto pelo Ministério Público em 1.ª instância da decisão do tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que condenou a Fazenda Pública em custas num processo de contra-ordenação em que foi julgada improcedente a acusação com o subsequente arquivamento dos autos.
O reclamante fundamenta a sua reclamação nos termos seguintes (fls. 111 a 113 dos autos):
O Ministério Público (M.P.) vem ao processo em referência, em que foi interposto recurso para a melhoria da aplicação, requerer que sobre a decisão proferida incida acórdão, nos termos do art. 417.º n.º 8 do C.P.P., invocando, para tal, ainda o seguinte:

1º O processamento das infracções tributárias, de natureza contra-ordenacional, encontra-se submetido a um regime autónomo e específico que é o constante do R.G.I.T., aprovado pela Lei n.º 15/01, de 5/6, com várias alterações posteriores.
2º Contudo, em tudo o não especificamente previsto nas normas constantes dos artigos 51.º a 66.º, é subsidiariamente aplicável o regime Geral das Contra-Ordenações (R.G.C.O.), aprovado pelo DL 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelos DL 356/89, de 17-10, e 244/95, de 14-09, e Lei 109/01, de 24/12.
3º E segundo o artigo 41.º deste regime geral, é aplicável o C.P.P. no que não se encontre especificamente previsto, sendo que ao caso é, pois, de aplicar o disposto no art. 417.º, n.º 8 do C.P.P..
4.º Acontece que a decisão proferida quanto à inadmissibilidade do recurso com vista à melhoria do direito se fundou na inexistência de “erros claros na decisão judicial”.
5.º No entanto, no requerimento de interposição do recurso fundamentou-se ainda na divergência de entendimento tido em diferentes processos que correram termos no TAF de Mirandela, nuns dos quais se procede à condenação em “custas” da FP, e noutros não – cfr. fls. 73, em que se identificam decisões em sentido contrário, proferidas a 21/6/06, no rec. 80/07 e a 30/11/07 no rec. 361/07 desse mesmo tribunal.
6.º Ora, a melhoria da aplicação do direito a que se refere um recurso do tipo como o presente, obtém ainda a sua justificação na fundada divergência de entendimentos que conduzam ao evitar erros de direito em casos futuros – assim, nomeadamente, acórdão do STA de 20-06-2012 proferido no proc. 0416/12, conforme consta em www.dgsi.pt.
7.º É certo que no caso em apreciação de recurso com esse fim, interposto em processo de contra-ordenação, ainda será necessário que se dê por verificado ainda o requisito constante do art. 73.º n.º 2 do RGCO, de tal ser “manifestamente necessário”.
8.º Defende-se ser esse o caso, considerando que no art. 66.º do RGIT, única disposição que no mesmo regula a matéria de custas, se prevê que “sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários”.
9.º Sendo de entender esta última remissão para o previsto no regulamento de Custas Processuais (RCP) aprovado pelo DL n.º 34/08, de 26/2, com várias alterações posteriores, em face das normas contidas no 8.º do RCP e na Tabela III anexa para que remete, não se encontra prevista a imposição de taxa de justiça, para o caso de ter sido julgada improcedente a acusação que tinha sido proferida em processo de contra-ordenação fiscal.
10.º Com efeito, não só é o MP que vem expressamente no art. 4.º n.º 1 al. a) do RCP como sendo a entidade isenta de custas “quando age em nome próprio na defesa dos direitos e interesses conferidos por lei”, como quanto a outras rubricas inseridas em custas assim não é de entender em face das respectivas normas previstas no RCP, nos arts. 16.º a 20.º, 23.º e 24.º.
Nestes termos, dignem-se proferir decisão a admitir o recurso interposto e a conhecer da matéria de direito suscitada, proferindo acórdão em que se julgue nos seguintes termos: - “no processo de contra-ordenação tributária, tendo sido julgada improcedente a acusação com subsequente arquivamento dos autos, não é devida taxa de justiça pela FP.”.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre decidir.
- Fundamentação –

4 – Do despacho reclamado
É do seguinte teor o despacho reclamado:
«1 – O Ministério Público recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 21 de Setembro de 2011, no que tange á condenação da FP em custas, concluindo as alegações de recurso nos termos seguintes:
1º No processo contra-ordenacional tributário a FP não é parte, configurando-se aí a dialéctica processual como uma dialéctica de oposição entre o Mº Pº e o arguido;
2º A promoção do processo cabe tão só ao MºPº que, não sendo parte, tem de carrear tudo o que seja a favor ou contra o arguido;
3º Inexiste norma que preveja condenação em custas da FP por ter sido julgada improcedente a acusação com consequente arquivamento dos autos;
4º Por tudo isso, realçando-se o princípio da legalidade fiscal de “nullum tributum sine lege”, não pode a mesma ser aqui condenada;
5º Assim, o douto despacho recorrido enferma de erro de direito, violando, além do mais, o disposto nos arts. 4, nº1, al. a), e 8, nº4 e 5, do RCP, 66 do RGIT, 522 do CPP, e o princípio da legalidade fiscal, consagrado no art. 103, nºs 2 e 3 da CRP, pelo que deve ser substituído por outro que se limite a referir: “sem custas”.
6º Para melhoria da aplicação do direito e uniformização da jurisprudência deve ser fixado pelo STA que: “Nos processos contra-ordenacionais tributários, tendo sido julgada improcedente a acusação com consequente arquivamento dos autos, a FP está isenta de custas”.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
5 – Da admissibilidade do recurso
Estabelecem os números 1 e 2 do artigo 83.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, ou para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de Direito, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
No caso dos autos não foi aplicada sanção acessória e a coima fixada pela autoridade administrativa era no valor de €151 (cento e cinquenta e um euros), inferior, pois, à alçada dos tribunais tributários (correspondente a um quarto da alçada estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância – ou seja, 1250,00 euros – cfr. o artigo 24.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto).
Admite-se, contudo, que em casos justificados se receba o recurso com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações (LQC), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, designadamente quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (cfr. o n.º 2 do artigo 73.º do RGIT).
O Ministério Público invoca como fundamento da admissibilidade do recurso a melhoria da aplicação do direito, no que concerne a questão de saber se em caso de improcedência da acusação com subsequente arquivamento dos autos, deve a Fazenda Pública ser condenada em custas, e também promoção da uniformidade da jurisprudência, no que concerne também a tal questão já que vem havendo decisões contraditórias nesse particular (cfr. o requerimento de interposição do recurso a fls. 73 dos autos).
Como se disse no recente Acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Junho de 2012 (rec. n.º 513/12), proferido em caso substancialmente idêntico ao dos autos, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. por todos, o acórdão de 25 de Março de 2009, rec. n.º 106/06) que “A expressão «melhoria da aplicação do direito» usada naquele artº. 73.º, n.º 2, do RGCO deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que há «erros claros na decisão judicial» (Neste sentido, pode ver-se o citado acórdão do STA de 20-6-2007, recurso n.º 411/07), situações essas em que, à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito”.
Ora, a decisão de condenação da Fazenda Pública em custas em recurso de contra-ordenação no qual foi proferida decisão declarando a nulidade da decisão administrativa por falta de requisitos essenciais não se nos afigura constituir um erro clamoroso que importe necessariamente corrigir sob pena de “afronta ao direito”, pois que se é certo que o processo de contra-ordenação não é um processo de partes, antes um processo punitivo onde o Estado é representado pelo Ministério Público, não tendo a Administração fiscal legitimidade para interpor recurso da decisão favorável ao arguido, também é verdade que, a partir de 1 de Janeiro de 2004, nos processos tributários a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas de que tradicionalmente gozava (cfr. sobre a questão o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal de 16 de Junho de 2010, rec. n.º 58/09), para além de
que, como sustenta o tribunal “a quo” é o incumprimento (aliás reiterado) por parte da Administração fiscal dos requisitos legalmente estabelecidos para as decisões administrativas de aplicação da coima que dá causa ao recurso da decisão e motiva a decisão de anulação (que lhe é desfavorável).
Não se afigura, pois, que o conhecimento do presente recurso seja manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito ou para promoção da uniformidade da jurisprudência, pois que, quanto a este segundo motivo, o recorrente apenas refere, sem concretizar, haver decisões contraditórias nesse particular, não se conhecendo, até ao presente e com excepção do presente recurso, de qualquer controvérsia jurisprudencial sobre a questão.
No caso dos autos, não obstante se não estar perante declaração de nulidade da decisão administrativa de aplicação da coima, mas perante decisão de improcedência da acusação com subsequente arquivamento dos autos, o mesmo entendimento deve valer, por identidade de razões.
Pelo exposto, é de concluir que não se verificam, in casu, os requisitos de que depende a aceitação do recurso, razão pela qual este não é de admitir.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Julho de 2012
A Relatora - (Isabel Marques da Silva)»

5 – Apreciando
5.1 Da não admissão do recurso
Pretende o reclamante que, contrariamente ao decidido por despacho da relatora, o recurso seja admitido e ainda que, conhecendo-o, seja proferido acórdão em que se julgue que no processo de contra-ordenação tributária, tendo sido julgada improcedente a acusação com subsequente arquivamento dos autos, não é devida taxa de justiça pela FP.
O que alega, porém, não convence este Supremo Tribunal de que a admissão do presente recurso se justifique porque se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (artigo 73.º n.º 2 do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT).
O Acórdão do STA agora citado pelo Ministério Público junto deste Supremo Tribunal – o acórdão de 20 de Junho de 2012, proferido no rec. n.º 416/12 - não se refere sequer ao recurso previsto no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, mas ao previsto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para além de que, também aí, se concluiu no sentido na sua não admissão por falta de demonstração da verificação dos pressupostos de que depende a sua admissibilidade.
Ora, relativamente ao recurso em causa nos autos, como afirmou este Supremo Tribunal em Acórdão datado de 20 de Junho de 2012, proferido em caso semelhante (rec. n.º 513/12), constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. por todos, o acórdão de 25 de Março de 2009, rec. n.º 106/06) que “A expressão «melhoria da aplicação do direito» usada naquele artº. 73.º, n.º 2, do RGCO deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que há «erros claros na decisão judicial» (Neste sentido, pode ver-se o citado acórdão do STA de 20-6-2007, recurso n.º 411/07), situações essas em que, à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito”.
Ora, a decisão de condenação da Fazenda Pública em custas em recurso de contra-ordenação no qual foi proferida decisão declarando a nulidade da decisão administrativa por falta de requisitos essenciais não se nos afigura constituir um erro clamoroso que importe necessariamente corrigir sob pena de “afronta ao direito”, pois que se é certo que o processo de contra-ordenação não é um processo de partes, antes um processo punitivo onde o Estado é representado pelo Ministério Público, não tendo a Administração fiscal legitimidade para interpor recurso da decisão favorável ao arguido, também é verdade que, a partir de 1 de Janeiro de 2004, nos processos tributários a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas de que tradicionalmente gozava (cfr. sobre a questão o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal de 16 de Junho de 2010, rec. n.º 58/09), para além de que, como sustenta o tribunal “a quo” é o incumprimento (aliás reiterado) por parte da Administração fiscal dos requisitos legalmente estabelecidos para as decisões administrativas de aplicação da coima que dá causa ao recurso da decisão e motiva a decisão de anulação (que lhe é desfavorável). (fim de citação)
Também o facto de serem indicadas no requerimento de interposição de recurso (fls. 73, nota 3) duas decisões do mesmo Tribunal “sem custas para a FP” não constitui motivo determinante para que se deva ter por justificado o recurso por “manifestamente necessário (…) à promoção da uniformidade de jurisprudência”, pois que a controvérsia jurídica que está na origem do presente recurso parece ser territorialmente localizada e, dado que estão pendentes vários recursos provindos do mesmo tribunal cujo objecto é semelhante ao dos autos haverá em breve ocasião para que este Supremo Tribunal conheça da questão, não se justificando, pois, admitir o presente recurso.

Assim, porque o valor da causa (€151) é inferior ao da alçada e porque a admissão do recurso não se afigura manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência não será de admitir o recurso interposto pelo Ministério Público em 1.ª instância da decisão do tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que condenou a Fazenda Pública em custas num processo de contra-ordenação em que foi julgada improcedente a acusação com o subsequente arquivamento dos autos.

- Decisão –
6 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso.

Sem custas, pois que o Ministério Público delas está isento.

Lisboa, 7 de Novembro de 2012. -
Isabel Marques da Silva (relatora) - Lino Ribeiro – Dulce Neto.