Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0331/11
Data do Acordão:04/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:IRS
LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
DOMICÍLIO FISCAL
NOTIFICAÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Da conjugação das disposições constantes dos nºs 2 e 3 do art. 19º da LGT impende sobre os sujeitos passivos a obrigação legal de comunicarem o respectivo domicílio fiscal à Administração Tributária, bem como qualquer alteração do mesmo, presumindo-se que as notificações por carta registada se consideram feitas no 3º dia útil ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (art. 39º, nº 1, do CPPT).
II - A presunção prevista no nº anterior considera-se legítima se a notificação for efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar, em conformidade com os dados fornecidos pelo contribuinte.
III - No caso de notificações de IRS, segundo o art. 92º do CIRS, a liquidação ainda que adicional, efectua-se no prazo e nos termos previstos nos arts. 45 e 46º da LGT, pelo que, nos termos do nº 6 deste último preceito, as notificações sob registo se consideram validamente efectuadas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse quando esse dia não seja útil, sendo tal presunção inilidível para efeitos de evitar a caducidade da liquidação.
IV - O nº 6 do art. 45º da LGT contém uma presunção inilidível de notificação para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação, que não afronta a garantia constitucional consagrada no art. 268º, nº 3, da CRP, porque tem um âmbito restrito destinado a assegurar que o acto de liquidação foi efectivamente praticado pela Administração tributária no prazo legal, sob pena de caducidade, devendo, no entanto, nesse prazo incluir-se a dilação da notificação.
V - A presunção consagrada no nº 6 do art. 45º da LGT tem subjacente a regra do art. 331º, nº1, do Código civil em que a caducidade é afastada com a mera prática tempestiva do acto, independentemente do conhecimento da sua prática pelos destinatários, o que está em consonância com a razão de ser da caducidade, cujo fim é o de preestabelecer o tempo durante o qual o direito pode ser exercido, sob penas de não mais o poder ser, e sendo a natureza do instituto idêntica quer no direito civil quer no direito público, não se vislumbram razões para tratamento diferenciado.
VI - As notificações das decisões cominatórias de coimas, não se inserindo no âmbito do art. 38º, nº 1, do CPPT, não carecem de ser realizadas por via postal sob AR, mas, tratando-se de acto sancionatório, tendo as notificações sido remetidas por vi postal sido devolvidas ainda que por facto imputável ao destinatário, tornava-se necessário assegurar o envio de uma segunda carta registada e a faculdade da invocação do justo impedimento, por aplicação do nº 2 do art. 39º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00067524
Nº do Documento:SA2201204120331
Data de Entrada:04/07/2011
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR FISC - IRS
DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:CPC96 ART684 N3 ART685-A N1
CPPTRIB99 ART2 E ART37 ART39 ART204 N1 E
LGT98 ART45 N1 ART19 N2 N3 ART39 N1 ART73
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1153/12 DE 2012/02/23; AC STA PROC28/05 DE 2005/06/01; AC STA PROC967/10 DE 2011/03/02; AC TCASUL PROC2656/08 DE 2009/01/13; AC TCASUL PROC4550/11 DE 2011/04/07
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED PAG382 PAG388.
ANÍBAL DE CASTRO A CADUCIDADE 1962 PAG57.
VAZ SERRA PRESCRIÇÃO EXTINTIVA E CADUCIDADE IN BMJ N107 PAG201.
CARVALHO FERNANDES CADUCIDADE IN ENCICLOPÉDIA VERBO PAG666-667.
JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS 4ED PAG477.
PAULO MARQUES INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS 2007 VII PAG88.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I- RELATÓRIO

1.A………, com os demais sinais constantes dos autos, deduziu Oposição contra a liquidação de IRS de 2003 e coima, no valor total de € 2.104,34, alegando a caducidade do direito à liquidação por não ter sido notificado no prazo de caducidade e a inexigibilidade do IRS e coima fiscal, tendo a mesma sido julgada improcedente por sentença proferida pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
2. Inconformado com tal decisão, veio o oponente interpor recurso, ao abrigo dos artigos 280º, nº1, e 282º, nº 1, do CPPT, alegando, nas suas conclusões, que:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo que indeferiu a oposição judicial que deu origem aos autos identificados á margem.
2. A oposição foi apresentada na sequência da citação do Recorrente no processo de execução n.° 1350200801007076 e apensos, para que este procedesse ao pagamento de uma dívida de IRS do ano de 2003 e coima aplicada com referência ao mesmo período.
3. O Meritíssimo Juiz a quo considerou as dívidas em causa legalmente exigíveis e, consequentemente, passíveis de cobrança coerciva
4. O Recorrente, com o devido respeito, discorda deste entendimento, considerando as liquidações efectuadas ineficazes e as dívidas, objecto da discussão, inexigíveis.
5. No que respeita à dívida de IRS, o Meritíssimo Juiz a quo concluiu que a dívida é exigível porquanto, tratando-se de um contribuinte não residente em território nacional sem representante fiscal nomeado, não há lugar às notificações previstas no art. 92.° do CIRS, conforme resulta do previsto no art. 130.° do CIRS.
6. Nessa medida, e não obstante reconhecer que as notificações não foram devidamente efectuadas e efectivamente recebidas, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que esta questão é totalmente irrelevante porquanto a Administração Fiscal não estaria obrigada a efectuar qualquer notificação.
7. O Recorrente discorda em absoluto deste entendimento por considerar que referido normativo viola o Direito Comunitário na medida em que a obrigação legal nele imposta condiciona, de forma demasiado gravosa, as liberdades de circulação de pessoas e capitais e de estabelecimento, previstas nos art. 18º e 56.° do Tratado CE e nos artigo 36.° e 40.° do Acordo EEE.
8. Este entendimento resultado do Comunicado da Comissão Europeia 1P/09/288, de 19-02-2009, disponível em www.europa.eu, o qual originou um processo contra Portugal junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que corre termos sob o número C-267/09.
9. Com os fundamentos invocados, o Meritíssimo Juiz a quo deveria ter recusado a aplicação do referido do art. 130.° do CIRS ã situação em análise por violação do Direito Comunitário.
10. Caso este Tribunal assim o entenda, poderá a questão ser suscitada junto do próprio Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, mediante reenvio prejudicial, nos termos previstos no art. 234.° do Tratado CE.
11. Não sendo aplicável o regime de dispensa de notificações previsto no art. 130.° do CIRS, a Administração Fiscal estaria obrigada a fazer as notificações nos termos previstos tanto no CIRS, como no CPPT.
12. A questão da validade dessas notificações assume, por isso, relevância processual.
13. Nessa medida, cumpre, então, avaliar se, no caso concreto, foram cumpridos os requisitos formais e legais previstos em matéria de notificações.
14. Resulta do probatório que as notificações da liquidação de IRS e juros compensatórios foram enviadas para a “R ………”, sem qualquer indicação do número de porta, razão pela qual o funcionário dos CTT escreveu como fundamento para devolução “endereço insuficiente”.
15. O facto de constar da “Confirmação de dados de Identificação/Inscrição” uma morada incompleta, como vem descrito na fundamentação da sentença, não é suficiente para imputar ao Recorrente a ausência de notificação válida, uma vez que o preenchimento desta declaração coube a um terceiro que invocou a qualidade de gestor de negócios.
16. Ora, nos termos do art. 268°, n.° 1 do CC, aplicável por remissão do art. 17.° da LGT, a gestão de negócios não é eficaz em relação ao Recorrente se não for por ele ratificado.
17. Acresce que a regra geral para as notificações, em matéria de IRS, vem prevista no art. 149.° do CIRS, que dispõe que as notificações postais devem ser feitas no domicílio do notificando por simples carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja útil.
18. Esta é, no entanto, uma presunção ilidível - cfr. n.° 2 do art. 39.° do CPPT, aplicável por remissão expressa do n.° 5 do art. 149.° do CIRS.
19. Estando demonstrado, como está, que as notas de liquidação foram devolvidas à Administração Fiscal, não pode, naturalmente, operar a referida presunção legal, pelo que o Recorrente não pode considerar-se notificado.
20. Como escreve JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Vol. I, 2006, Áreas Editora, pág. 353, nota 3, “tal presunção apenas vale nos casos em que a carta não seja devolvida, como se pressupõe no n.° 2 (…)”.
21. No entanto, apesar de ter conhecimento da devolução das notas de liquidação e dos motivos para tal, a Administração Fiscal não efectuou qualquer outra diligência com vista à notificação do Recorrente.
22. Atendendo ao fundamento pelo qual as notas de liquidação foram devolvidas, a Administração Fiscal poderia ter feito uso de outros meios de notificação legalmente previstos, nomeadamente da notificação edital a que se refere o n.° 4 do art. 149.° do CIRS.
23. Podia — tal como se verificou em relação à citação para o processo de execução — requerer a colaboração das autoridades espanholas, ao abrigo das diversas directivas em matéria de assistência mútua em matéria de cobrança de impostos.
24. A Administração Fiscal escolheu não o fazer, violando o principio geral e constitucional (cfr. n.° 3 do art. 268.° da CRP), e também princípio geral em matéria fiscal, que os actos que afectem direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados, conforme dispõe o art. 36.° do CPPT.
25. No caso em apreço, não obstante a liquidação ter sido efectuada em Dezembro de 2007 — no prazo do art. 45.° da LGT -, a mesma não foi válida e correctamente notificada ao Recorrente, nem no prazo de caducidade — que terminaria a 31 de Dezembro de 2007 -, nem posteriormente.
26. Dúvidas não subsistem, pois, quanto à subsumpção da presente situação ao previsto na alinea e) do n.° 1 do art. 204,° do CPPT: a “falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”.
27. Tem, por isso, razão o Recorrente ao alegar e demonstrar a ausência de notificação da liquidação de IRS de 2003 como fundamento de oposição à execução, carecendo de fundamento a decisão do Meritíssimo Juiz a quo que, nessa medida, terá que ser revogada.
28. No que respeita à coima aplica, recorde-se que nos arts. 70º, n.° 2, e 78°, n.° 2, do RGIT vem consagrada a obrigação legal de notificação do contribuinte, em concretização dos preceitos constitucionais em matéria de direito sancionatório, previstos nos arts. 30.° e seguintes da CRP.
29. Nessa medida, e por remissão do RGIT, em processo de contra-ordenação, as notificações serão efectuadas nos termos e de acordo com as regras previstas no CPPT, mais concretamente com o disposto nos arts. 36º e seguintes.
30. Assim sendo, e como o Meritíssimo Juiz a quo reconhece, a notificação da aplicação de coima deveria ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção, o que se terá verificado.
31. No entanto, e contrariamente ao alegado pelo Meritíssimo Juiz a quo, o facto de o aviso de recepção não ter sido assinado permite concluir, necessariamente, que as cartas não foram recepcionadas e, portanto, que delas não foi dado conhecimento ao Recorrente.
32. O entendimento do Meritíssimo Juiz a quo é sustentado no disposto no n.° 5 do art. 39.° do CPPT porquanto “(...) o facto de a carta ter sido devolvida sem assinatura do aviso de recepção em nada colide, pois presume-se que a notificação foi efectuada”.
33. Sustenta, ainda, o Meritíssimo Juiz a quo que “(..) incumbia ao oponente ilidir esta presunção, demonstrando justo impedimento ou impossibilidade de comunicação da alteração da residência.”
34. Ora, tendo a notificação sido devolvida por não ter sido efectivamente recebida, prevê o referido n.° 5 do art. 39.° do CPPT que “(...) a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de (...)”.
35. Ou seja, a presunção de notificação prevista na parte final do referido n.° 5 a que o Meritíssimo Juiz a quo se refere é apenas aplicável à segunda notificação que, obrigatoriamente, tem que ser efectuada, no caso de a primeira vir devolvida.
36. Não tendo havido sequer uma segunda tentativa de notificação, não se pode invocar qualquer presunção de notificação.
37. Carece, assim, de provimento o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo ao considerar que a presunção prevista na parte final do n.° 5 do art. 39º do CPPT é aplicável no caso em apreço.
38. No entender do Recorrente, resulta, pois, demonstrado que a notificação da decisão de aplicação de coima não foi validamente notificada ao Recorrente, não sendo a dívida em causa exigível.
39. Em conclusão, e face a tudo o que vem exposto, o Recorrente permite-se concluir que a falta de notificação dos actos administrativos — sejam eles tributários, sejam de aplicação de coimas - implica a ineficácia dos mesmos, que não poderão ser oponíveis ao contribuinte.
40. A consequência directa da ineficácia do acto é, naturalmente, a inexigibilidade das dívidas cuja cobrança coerciva a Administração Fiscal pretende levar a cabo. Não tendo havido qualquer notificação válida relativamente às dívidas exequendas, estas não se venceram, nem são exigíveis.
41. A omissão de notificação válida ao contribuinte do acto de liquidação, ao afectar a eficácia do acto tributário, inquina também os requisitos intrínsecos do título executivo, nomeadamente e em especial, impossibilitando que a obrigação tributária se torne exigível e exequível.
42. Prevê a alínea i) do n.° 1 do art. 204.° do CPPT que a oposição possa assentar em “quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda (…)”.
43. Resulta desta norma que também é fundamento de oposição à execução a ausência de um pressuposto legal do processo executivo: a exigibilidade da dívida.
44. Está, por esta razão, em falta um pressuposto essencial para que a cobrança coerciva das dívidas possa ser, legitimamente, efectuada no âmbito de um processo de execução fiscal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que Vs. Ex.as certamente suprirão, deve ser julgado procedente, por provado, o presente recurso, e consequentemente, ser revogada a sentença preferida em 1ª instância, com as demais consequências legais.
Assim, farão V. Exas a já costumada JUSTIÇA!

3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
4. Não foram produzidas contra-alegações
5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir

II- FUNDAMENTOS

1. OS FACTOS

De acordo com os elementos existentes nos autos, apurou-se a seguinte matéria de facto:
a) O oponente em 06/06/2003, através da “Confirmação de dados de Identificação/Inscrição” indicou como sua morada “R ………, Foz do Arelho” (fls. 9 e 33 do processo administrativo apenso);
b) No Termo de Declaração do Imposto Municipal de SISA, lavrado em 07/10/2003, no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, é indicada como residência do oponente “Calle ………, n° ………, Madrid” (fls. 24 dos autos);
c) Em 02/02/2008, pelo Serviço de Finanças de Caldas da Rainha foi instaurado o processo de execução fiscal n° 1350200801007076, relativo a IRS de 2003 e coima fiscal, no montante total de € 2.104,34 (fls. 27 dos presentes autos e 3 e 4 do apenso);
d) A liquidação relativa ao IRS referido na alínea anterior resulta da venda do prédio a que se refere a alínea b) e à omissão da declaração de rendimentos referentes a mais-valias (categoria G) (fls. 27 dos autos e 5, 6, 10 e 11 do processo administrativo apenso);
e) A liquidação referida na alínea anterior foi efectuada em 30/11/2007 e remetida para o domicílio fiscal do oponente, por cartas registadas, as quais foram devolvidas com a indicação de “Desconhecido” e “Endereço insuficiente” (fls. 25 e 26);
f) Em 23/07/2009 o oponente foi citado para os termos da execução (fls. 27);
g) Em 29/07/2009 foi apresentada no Serviço de Caldas da Rainha a presente oposição (cfr. carimbo aposto na petição inicial de fls. 4).
O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos indicados relativamente a cada um dos factos os quais não foram impugnados
Não existem outros factos provados ou não provados para além dos referidos supra.

2. DO DIREITO

2.1. Delimitação do objecto do recurso e questão a apreciar e decidir

Com interesse para a resolução do caso, resulta da matéria dada como provada que, o oponente, através da “Confirmação de dados de Identificação/Inscrição indicou como sua Morada “R ………, Foz do Arelho”, para a qual foi, 30/11/2007, remetida liquidação relativa a IRS de 2003 e coimas, por cartas registadas.
Por sua vez, “No Termo de Declaração do Imposto Municipal de SISA, lavrado em 07/10/2003, no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, é indicada como residência do oponente “Calle ………, n° ………, Madrid” (fls. 24 dos autos);
Em 2/2/2008 foi instaurado processo de execução fiscal pelo Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, tendo ao oponente sido citado em 23/7/2009.
Em 29/7/2009 deduziu o oponente oposição contra a referida execução, com fundamento na caducidade da liquidação, o que foi julgado improcedente por sentença proferida pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
Para tanto, ponderou a Mmª Juíza:
· “Nos termos do artigo 130º, nº 1, do CIRS, os não residentes que obtenham rendimentos sujeitos a IRS devem, para efeitos tributários, designar uma pessoa singular ou colectiva com residência ou sede em Portugal para os representar perante a Direcção-Geral dos Impostos e garantir o cumprimento dos seus deveres fiscais.
· Estatuindo o nº 3 do citado normativo que «Na falta de cumprimento do disposto no nº 1, e independentemente da sanção que ao caso couber, não há lugar às notificações previstas neste Código, sem prejuízo dos sujeitos passivos poderem tomar conhecimento das matérias a que as mesmas respeitariam junto do serviço que, para o efeito, seja competente».
· Como resulta da factualidade apurada, estamos perante uma liquidação oficiosa de IRS do ano de 2003 relativa a mais-valias obtidas em resultado da venda do imóvel sito na Foz do Arelho, cujas notificações foram efectuadas por carta registada para o domicílio fiscal do oponente, tendo sido devolvidas com a indicação de “desconhecido” e “endereço insuficiente”.
· É certo que as liquidações foram devolvidas, mas nem por isso deixam de produzir os seus efeitos atento o regime legal previsto no artigo 130º do CIRS, visto que conforme resulta do probatório o oponente à data da venda do imóvel já não tinha residência em Portugal, sendo certo que, se o endereço não se mostra completo só ao oponente é imputável.
· (…) foram feitas tentativas de notificação na residência indicada pelo oponente, sendo todas infrutíferas, quer por ser aí desconhecido, quer por o endereço por si indicado se mostrar insuficiente, que a execução fiscal foi instaurada em 02/02/2008 e considerando que o oponente à data da obtenção dos rendimentos já não residia em território nacional, não há, por isso, lugar à notificações previstas no artigo 92° do CIRS (cfr. artigos 149° do CIRS e 45°, n° 1 da LGT).
· (…) Não ocorreu assim a caducidade do direito à liquidação, pelo que, falece o argumento invocado pelo oponente e, em consequência a dívida de IRS é exigível.
· Já quanto à dívida resultante de coima fiscal e custas, não temos dúvidas que a notificação da decisão condenatória deveria ter sido efectuada por carta registada com aviso de recepção (cfr. arts. 70º, nº 2 do regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e art. 36º nº1 do CPPT).
· (…) De acordo com preceituado no nº 5 in fine do art. 39º do CPPT, o facto de a carta ter sido devolvida sem assinatura do aviso de recepção em nada colide, pois presume-se que a notificação foi efectuada.”

Contra esta fundamentação se insurge o recorrente, argumentando, em resumo, que:
· O art. 130º do CIRS viola o Direito Comunitário, na medida em que a obrigação legal nele imposta condiciona, de forma demasiado gravosa, as liberdades de circulação de pessoas e capitais e de estabelecimento, previstas nos arts. 18º e 56º do Tratado CE e nos artigos 36º e 40º do Acordo EEE, devendo aplicar-se a regra geral para as notificações, em matéria de IRS, prevista no art. 149.° do CIRS, que contém presunção ilidível;
· Estando demonstrado, como está, que as notas de liquidação foram devolvidas à Administração Fiscal, não pode, naturalmente, operar a referida presunção legal, pelo que o Recorrente não pode considerar-se notificado;
· O facto de constar da “Confirmação de dados de Identificação/Inscrição” uma morada incompleta, como vem descrito na fundamentação da sentença, não é suficiente para imputar ao Recorrente a ausência de notificação válida, uma vez que o preenchimento desta declaração coube a um terceiro que invocou a qualidade de gestor de negócios.
· Ora, nos termos do art. 268°, n.° 1 do CC, aplicável por remissão do art. 17.° da LGT, a gestão de negócios não é eficaz em relação ao Recorrente se não for por ele ratificado.

Verifica-se que o recorrente vem agora alegar que o preenchimento da declaração relativa ao domicílio fiscal foi da responsabilidade de um terceiro que invocou a gestão de negócios e que a mesma só seria eficaz se fosse por ele ratificada.
Em primeiro lugar, afigura-se tal alegação irrelevante do ponto de vista jurídico, pois não cabe nem pode caber à Administração fiscalizar ou aferir da autenticidade das declarações dos sujeitos passivos para efeitos fiscais, sendo as mesmas da sua inteira responsabilidade, como melhor será analisado mais adiante.
Não obstante o exposto, e, em segundo lugar, sempre se dirá que, na petição inicial, o recorrente não invocou esta questão. Ora, como é sabido, “o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça. O recurso jurisdicional visa apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, motivo por que não constitui forma de conhecer de questões novas, isto é, que não tenham sido oportunamente suscitadas perante o tribunal ad quem, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso” (Cfr. o Acórdão do STA de 23/2/2012, proc nº 01153/2012. No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão de 1/6/2005, proc nº 028/05. ).
Assim sendo, por não ter sido invocada oportunamente aquela questão, de modo a permitir que o Tribunal “a quo” se tivesse pronunciado sobre a mesma, e porque não se trata de questão de conhecimento oficioso, não poderia de qualquer modo agora este Supremo Tribunal Administrativo dela conhecer.
Considerando o exposto e em face das conclusões, que são as relevantes para aferir do objecto e âmbito do presente recurso [cfr. os arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1 do CPC, e o art. 2º, alínea e), do CPPT], a questão central a decidir prende-se com o problema de saber se há-de considerar-se, no caso, caducada a liquidação relativa ao IRS de 2003 e se a dívida por coima é ou não exigível, uma vez que, na óptica do recorrente, não foi validamente notificado em ambas as situações.

Vejamos.

2.2. Das formalidades exigidas por lei para a notificação do acto de liquidação adicional de IRS relativo a 2003 no prazo de caducidade

Começando pelo acto de notificação da liquidação, em conformidade com o disposto no art. 45º, nº1, da LGT “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, sendo que nos impostos periódicos, o prazo se conta a partir do termo daquele em que tivesse ocorrido o facto tributário (nº 4).
No caso em apreço, reportando-se a imposto de IRS relativo a 2003 e tendo a liquidação sido efectuada em 30/11/2007, a caducidade ou não da mesma depende de se considerar válida a notificação levada a efeito pela Administração fiscal.
Para aferir da correcção da notificação impõe-se, em primeiro lugar, averiguar se andou bem a Administração Fiscal ao enviar a notificação da liquidação para o domicílio fiscal do recorrente que constava dos seus arquivos destinados especificamente a esse efeito.
A Mmª Juíza “a quo” entendeu que o regime aplicável seria o fixado na lei para os não residentes, regulado no art. 130º do CIRS, mas sem razão.
Da matéria dada como provada não é possível determinar a data a partir da qual o recorrente deixou de ser residente, sendo para esse efeito irrelevante o facto de no “No Termo de Declaração do Imposto Municipal de SISA, lavrado em 07/10/2003, no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha”, ter sido indicada como residência do recorrente “Calle ………, n° ………, Madrid” [cfr. alínea b) do probatório].
Com efeito, embora o domicílio fiscal do sujeito passivo seja, para as pessoas singulares, o local da residência habitual, segundo o disposto no art. 19º, nº1, alínea a), da LTG, a verdade é que, nada impedindo as pessoas de terem mais do que uma residência, torna-se difícil saber em concreto qual delas é a habitual. Acresce que, no caso, por um lado, tratando-se de um cidadão espanhol, era natural que mantivesse residência em Madrid, e, por outro lado, a situação era especialmente complexa porque o recorrente, recorde-se, poucos meses antes [em 6/6/2003-ponto a) do probatório)], tinha comunicado oficialmente outro domicílio (Nesta sequência, afigura-se igualmente não ser legítimo, no caso, exigir à Administração Fiscal a rectificação do domicílio a partir dos elementos do sujeito passivo. Note-se, que, apesar de tudo, a situação versada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 7/4/2011, proc nº 04550/2011, onde se conclui pela rectificação oficiosa do domicílio fiscal dos sujeitos passivos a partir de elementos ao seu dispor, é bem diferente, uma vez que, naquele caso, a Administração fiscal dispunha das declarações de rendimentos dos contribuintes em causa, pelo menos desde 2004 até 2008, indício revelador atenta a sua continuidade e duração.). Nesta sequência, no contexto dos autos, também não era legítimo exigir à Administração fiscal a rectificação oficiosa do domicílio fiscal, por não dispor de indícios seguros de ter havido alteração do mesmo.
Assim se compreende a preocupação do legislador em consagrar especiais deveres em matéria de comunicação oficial do domicílio fiscal nesta matéria, dizendo-se expressamente, no art. 19º, nº 2, da LGT que “É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária”. Em especial, no que respeita a matéria de IRS, dispõe o art. 150º, nº 2, que o “cancelamento do registo respeitante a não residentes é feito em face da declaração da cessação de actividade em território português ou de declaração de alienação das suas fontes de rendimento tributável nesse território, as quais devem ser apresentadas até final do mês seguinte ao da verificação desses factos.”
Por sua vez, diz o nº 3 do art. 19º da LGT que “É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração fiscal”.
Dos preceitos mencionados resulta que impende sobre os sujeitos passivos a obrigação legal de comunicarem o respectivo domicílio fiscal à Administração tributária, enquanto lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres fiscais, bem como quaisquer alterações do mesmo. Por conseguinte, sob pena de se tornar impossível à Administração fiscal cumprir a sua missão de liquidação e cobrança dos impostos, quaisquer irregularidades ou omissões ocorridas no cumprimento dos deveres atrás mencionados têm de se considerar da exclusiva responsabilidade dos sujeitos passivos e inoponíveis à Administração fiscal. Esta é a interpretação que se retira do facto de o legislador não sancionar o incumprimento do dever de comunicação do domicílio fiscal e de quaisquer alterações ao mesmo com coima, mas sim com a ineficácia de eventuais alterações em relação à Administração.
No caso em apreço, resultando da matéria dada como provada que, no cumprimento desta obrigação, o oponente, através da “Confirmação de dados de Identificação/Inscrição indicou como sua Morada “R ………, Foz do Arelho” [ponto a) do probatório], as regras de notificação aplicáveis ao recorrente não podiam deixar de ser, tal como, aliás, ele admite nas conclusões das alegações (pontos 17 a 22), as aplicáveis aos residentes e previstas nos arts. 149º do CIRS e 39º do CPPT. Assim sendo, a Mmª Juíza “a quo” não terá andado bem quando decidiu, no caso sub judice, pela aplicação de regras respeitantes aos não residentes.
Em face do exposto, impõe-se concluir que era, desde logo, para esta morada que a Administração fiscal devia remeter as notificações que ao sujeito passivo dissessem respeito, o que aconteceu, tendo para o efeito sido remetida em 30/11/2007 a liquidação relativa a IRS de 2003 e coima, por cartas registadas, [alínea e) da matéria dada como provada].
O facto de o recorrente ter entretanto alterado o domicílio fiscal deve considerar-se para o efeito irrelevante, uma vez que, como vimos, deveria essa alteração ter sido comunicada à Administração fiscal, sob pena de a mesma se considerar ineficaz, tal como resulta do disposto no nº 3 do art. 19º da LGT.
Neste contexto, tornava-se igualmente irrelevante qualquer exigência formal suplementar, como o envio de uma segunda carta ou a citação edital, uma vez que não alteraria o resultado. Sendo aplicáveis as regras relativas aos não residentes, improcede igualmente o argumento segundo o qual cabia à Administração fiscal encetar outras diligências com vista à notificação do recorrente, incluindo requerer a colaboração das autoridades espanholas.
Nesta sequência, verifica-se que, em regra, no âmbito do CPPT, as notificações por carta registada presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil (art. 39º, nº 1, do CPPT).
Como refere JORGE LOPES DE SOUSA (Cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., ÁREAS, Editora, Lisboa, 2011, p. 382.), em anotação a este preceito, “Para se extrair a presunção prevista no nº 1 deste artigo, é necessário que a notificação tenha sido efectuada nos termos legais, designadamente que a carta registada seja enviada para o domicílio da pessoa a notificar”.
E, no caso dos autos, foi o que efectivamente aconteceu, como ficou demonstrado.

2.2.1. Sentido e alcance do nº 6 do art. 45º da LGT

A segunda questão que importa averiguar é a de saber se a notificação levada a efeito pela Administração fiscal cumpriu, no caso, as formalidades exigidas por lei.
No caso de IRS, a regra geral é a de que as notificações por via postal devem ser feitas no domicilio fiscal do notificando, por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil (cfr. art. 149º, nºs 1 e 3, do CIRS).
Alega o recorrente que se trata de uma presunção ilidível e, tendo sido devolvidas as notas de liquidação, não pode o mesmo considerar-se notificado (pontos 17 a 20 das Conclusões), mas sem razão.
Com efeito, embora tratando-se da notificação de uma liquidação adicional, não podemos esquecer que a mesma se destina a permitir à Administração fiscal exercer o seu direito evitando a caducidade da liquidação do imposto.
Assim rege a este propósito o art. 92° (Segundo JORGE DE SOUSA, com a Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que deu nova redacção ao nº 3 do art. 139º do CIRS, passou a bastar a carta registada, sem aviso de recepção, para todas as notificações relativas ao IRS com excepção das referidas no art. 67º do CIRS, pois trata-se de norma especial, posterior ao CPPT. Esta redacção foi mantida no art. 149º, nº 3, do CIRS, na redacção dada pelo DL nº 198/2001, de 3 de Julho, que corresponde àquele art. 139º, nº3” (cfr. p. 372, nota (663). ) do CIRS ao dispor que «A liquidação do IRS, ainda que adicional, bem como a reforma da liquidação efectua-se no prazo e nos termos previstos nos artigos 45° e 46° da lei geral tributária.».
Ora, de acordo como art. 45º, nº 6, da LGT, “as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil”.
Para além de o legislador não distinguir entre registo simples ou com aviso de recepção, segundo JORGE LOPES DE SOUSA (Cfr. ob. cit., p. 388.) “está ínsita neste nº 6 do art. 45º uma presunção inilidível de notificação para efeitos de contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação”.
No sentido da natureza inilidível da presunção aponta o teor literal do preceito, ao utilizar a expressão «consideram-se» em vez de «presumem-se» não deixa margem para qualquer restrição quanto à amplitude de aplicabilidade da presunção, ao contrário de como se refere, por exemplo, no art. 39º, nº1, do CPPT para situação semelhante, mas com regime de presunção ilidível (cfr. o nº 2 do art. 39º do CPPT).
E nem se argumente que tal interpretação poderá ser inconstitucional por violação do direito à notificação constitucionalmente consagrado no art. 268º, nº 3, da CRP (Cfr. o Acórdão do STA de 2/3/2011, proc nº 0967/2010. ). É que a exigência de notificação aqui consagrada como garantia fundamental dos cidadãos tem subjacente ou está conexionada com o direito de impugnação de actos administrativos lesivos, sendo que a mesma não é afastada pelo nº 6 do art. 45º da LGT, pois, tal como resulta do teor literal, a presunção inilidível ali prevista só vale para «efeitos de contagem do prazo referido no nº 1».
Portanto, não estamos a falar de uma presunção inilidível para valer, por exemplo, em relação a um prazo para pagamento voluntário ou um prazo para efeitos de recurso ou reclamação, situações em que «a notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância» (Cfr. o Acórdão do STA, de 27/3/2011, proc nº 0967/2010. ). Ou seja, a notificação não se presume efectuada para qualquer outro efeito, designadamente para o de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, nem afasta a possibilidade de o destinatário utilizar o meio previsto no art. 37º do CPPT para obter o aperfeiçoamento das notificações.
Por conseguinte, é este efeito restrito que é dado à notificação prevista no nº 6 do art. 45º da LTG, quando ela não chega ao destinatário, que permite considerar admissível o regime de presunção inilidível. O que se pretende não é assegurar que o destinatário teve conhecimento do acto dentro do prazo, mas apenas que o acto foi efectivamente praticado no prazo que a lei estabeleceu para a Administração emitir o acto de liquidação sob pena de caducidade. Note-se, porém, que o legislador ao exigir que para efeitos da contagem do prazo de caducidade, as notificações sob registo se consideram validamente efectuadas no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil, significa que para evitar a caducidade não basta a mera prática do acto dentro do prazo de quatro anos, devendo incluir-se nesse prazo o da notificação.
De qualquer modo, esta solução está, no fundo, em coerência com o regime civilístico da caducidade, que é afastada com a mera prática tempestiva do acto, independentemente do conhecimento da sua prática pelos interessados. Neste sentido, diz o art. 331º do Código Civil que “Só impede a caducidade a prática dentro do prazo legal ou convencional, do acto que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo”.
A presunção consagrada no art. 45º, nº6, da LGT transpõe de alguma forma para o direito tributário esta regra que está, aliás, em consonância com a razão de ser da caducidade, cujo “fim é o de preestabelecer o tempo durante o qual o direito pode ser exercido” ( Cfr. ANÍBAL DE CASTRO, A Caducidade, Lisboa, Petrony, 1962, p. 57. ), sendo que se trata de um “direito que tem de ser exercido dentro de um prazo peremptório ( Cfr. VAZ SERRA, “Prescrição extintiva e caducidade”, BMJ, nº 107, 1961, p. 201. )”. E, sendo a natureza do instituto idêntica quer no direito civil quer no direito público, não se vislumbram razões para tratamento diferenciado.
Neste sentido, a doutrina considera que o fundamento da caducidade é a “necessidade de certeza jurídica, que exige a fixação de certo prazo para o exercício de alguns direitos. Decorrido esse prazo sem que o direito seja exercido, a situação deve estabilizar-se, em termos de não ser mais possível o exercício de tal direito. Neste sentido se pode dizer que dominam aqui considerações de interesse público” (Cfr. CARVALHO FERNANDES, “Caducidade”, Polis, Enciclopédia Verbo, pp. 666/667.), visando-se ao mesmo tempo garantir aos particulares, por razões de certeza e segurança jurídica, que o exercício do poder de autoridade da Administração tributária só poderá ser exercido no prazo fixado na lei, estabilizando-se a situação tributária do contribuinte a partir dessa data.
Ora, fazer depender a não verificação da caducidade do conhecimento efectivo por parte do particular da notificação, sendo numerosas as situações que podem ocorrer de indisponibilidade do particular para a receber, facilmente se verificaria a situação de a Administração tributária, embora dentro do prazo para exercer o seu direito, se ver impedida de o fazer valer, acabando ela por ser sancionada como se tivesse agido com inércia (Note-se que, a não ser assim, então todo o tempo necessário para localizar o domicílio do recorrente nunca poderia contar para o decurso do prazo da caducidade da liquidação, sob pena de consubstanciar abuso de direito a invocação da caducidade por parte de quem deu causa à impossibilidade de notificação dentro do prazo legalmente exigido. De outra forma estaríamos a encurtar o prazo de caducidade).
Em suma, não valendo a presunção inilidível consagrada no nº 6 do art. 45º da LGT para outros efeitos que não sejam o de permitir à Administração tributária exercer o seu direito de praticar o acto de liquidação de imposto, no prazo estabelecido pela lei (4 anos), não se vê que direitos dos particulares possam estar em causa ou ser comprimidos com tal interpretação, sendo que nem sequer estamos a falar de normas de incidência tributária, onde vigora a regra do art. 73º da LGT ( Este preceito estabelece que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. ). O que se deve evitar é cair-se no efeito oposto, adoptando-se uma interpretação que restrinja de forma desproporcionada e sem justificação material para tal do exercício do direito por parte da Administração tributária.
Note-se que para efeitos de citação da execução fiscal, como se pode ler da na sentença recorrida, “foram feitas tentativas de notificação na residência indicada pelo oponente, sendo todas infrutíferas, quer por aí ser desconhecido, quer por o endereço por si indicado se mostrar insuficiente”, pelo que a execução só foi instaurada em 2008 depois de obtida a colaboração das autoridades espanholas, através do mecanismo de assistência mútua (cfr. fls. 13 e ss. do processo instrutor).
Improcede, desta forma, o argumento do recorrente no sentido de que beneficia de uma presunção ilidível ou, ainda, que cabia à Administração fiscal encetar outras diligências com vista à notificação do recorrente, até porque, no caso, ser-lhe-ia sempre imputável o facto de a notificação ocorrer em data posterior à presumida (Note-se que no caso relatado no Acórdão do STA, de 2/3/2011, não se verifica esta circunstância. ).
Conclui-se, pois, que estando provado que a Administração fiscal observou as regras legais exigidas para a notificação, endereçando-as ao domicílio fiscal que o recorrente havia declarado para esse efeito, e que fê-lo dentro do prazo previsto na lei, atento o regime legal previsto nos nºs 1 e nº 6 do art. 45º da LGT conjugado com os arts. 92º e 149º, nº 3, do CIRS, não obstante a devolução das liquidações, as mesmas não deixaram de produzir os seus efeitos, pelo que não se verifica o fundamento da oposição consagrado no na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT.
Assim sendo, uma vez que o imposto se reporta a 2003 e que a liquidação foi efectuada em 30/11/2007 não ocorreu a caducidade do direito à liquidação, pelo que não se verifica o fundamento da oposição consagrado na alínea e) do nº 1 do art. 204º do CPPT, sendo a dívida de IRS exigível, com a consequente improcedência do recurso jurisdicional.

2.3. Quanto às exigências de notificação em matéria de coimas

Já em relação à dívida resultante de coima, afigura-se assistir razão ao recorrente.
Tratando-se de matéria sancionatória, fazem-se sentir aqui as exigências do art. 268º, nº 3, da CRP. Assim, admitindo, em conformidade com alguma doutrina, que “as notificações das decisões cominatórias de coimas não se inserem no âmbito do estatuído no nº 1 do art. 38º do CPPT, razão porque não carecem de ser realizadas por via postal sob AR” ( Ver, por todos, PAULO MARQUES, Infracções Tributárias, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Direcção-Geral dos Impostos - Centro de Formação, Lisboa, 2007, vol. II, pp. 88 ss., e JORGE LOPES DE SOUSA/SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias, 4ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 477 ss. ), sendo patente dos autos que a notificação da decisão cominatória de coima, tendo sido remetida por via postal, veio devolvida, o que significa que, efectivamente, não chegaram ao conhecimento do destinatário” ( Neste sentido, cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13/1/2009, proc. nº 02656/08. ).
Constitui jurisprudência deste Tribunal, pelo menos no que se refere aos particulares, que a presunção do nº 2 do art. 39º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida, quer na situação de carta registada (cfr. acs de 1872/87, rec. nº 004015, de 2/6/99, rec 022529, e, mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec nº 270/09 e de 13/4/2011, rec. nº 0546/10), quer na situação de carta registada com aviso de recepção, devolvida sem assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de não ter sido reclamada ou levantada (cfr. acs. de 2175/2008, rec nº 01031/07 e de 877/2009, rec nº 0460/09).
Neste sentido, ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal que “Não contendo o artigo 39º uma resposta directa à questão dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples, numa interpretação da norma em conformidade com a garantia constitucional da notificação (cfr. art. 268º, nº 3, da CRP), defende-se, que se deve aplicar o regime que está previsto para a forma de notificação com aviso de recepção, de que resulta a imposição de uma segunda carta registada e a faculdade da invocação do justo impedimento”. (No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do STA, de 31/1/2012, proc nº 0929/2011).
Assim sendo, não tendo, neste caso, a notificação obedecido de acordo com as exigências legais, a dívida respectiva não se considera exigível.
Termos em que, a sentença que decidiu no sentido da improcedência da oposição e da exigibilidade das dívidas em causa merece ser confirmada quanto à dívida de IRS relativo ao ano de 2003, ainda que com outros fundamentos, improcedendo nesta parte o recurso, devendo revogar-se a sentença recorrida em relação à coima, dando-se como procedente o recurso nesta parte.

III- DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento parcial ao recurso, confirmando a sentença recorrida, ainda que com outros fundamentos, na parte respeitante à dívida relativa a IRS, e dar provimento ao recurso na parte respeitante à dívida relativa à coima, revogando-se parcialmente a sentença recorrida e julgando-se, nesta conformidade, procedente a oposição.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Abril de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) – Valente Torrão (vencido pelas razões constantes do voto que segue em anexo) – Lino Ribeiro.

Concederia provimento ao recurso, com fundamento em caducidade do direito à liquidação, pelas razões seguintes:
1ª) A presunção de notificação a que se refere o n° 6 do art° 45° da LGT (bem como o n° 1 do art° 39° do CPPT) só funciona no caso de a carta não ter sido devolvida ao remetente. Presume-se então que, se a mesma não foi devolvida, foi recebida pelo destinatário. Este, por sua vez, poderá ilidir a presunção de recebimento e notificação.
2ª) Resulta da alínea e) do probatório que as cartas contendo a notificação foram devolvidas com a indicação de “Desconhecido” e “Endereço insuficiente”. Ora, se as cartas foram devolvidas não pode logo presumir-se que foi feita qualquer notificação.
3ª) Dando por assente - e nesta parte concorda-se com a decisão vencedora - que há que considerar o recorrente residente em Portugal, teria a notificação de ter lugar de acordo com o disposto nos n°s 3, 5 e 6 do CPPT. Com efeito, não existe diferença entre carta registada e carta com aviso de recepção, apenas esta última dando mais garantias à Administração Tributária do recebimento da carta pelo destinatário, pelo que há que aplicar o mesmo regime em ambos os casos.
4ª) Assim, perante a devolução das cartas, haveria que efectuar nova notificação, só depois se podendo, eventualmente, presumir feita a notificação ao abrigo do art° 39°, n° 6 citado.
5ª) Não tendo sido cumpridas estas formalidades da notificação, esta não pode considerar-se efectuada, nem mesmo presumidamente, pelo que o direito à liquidação caducou ao abrigo do disposto no art° 45°, n° 1 da LGT.
6ª) Como tal procede totalmente a oposição, nos termos do art° 204° do CPPT.

Valente Torrão