Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01200/13
Data do Acordão:07/02/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:INSOLVÊNCIA
PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
DESPACHO DE REVERSÃO
Sumário:A sustação dos processos de execução fiscal que se verifica na sequência da declaração de falência/insolvência da devedora originária, comporta as excepções previstas nos nºs. 1 e 6 do art. 180º do CPPT, não estando vedada a reversão das dívidas tributárias contra o responsável subsidiário (nº 7 do art. 23º da LGT), caso se verifiquem os respectivos pressupostos legais, impondo-se, contudo, que a AT respeite os limites da excussão prévia impostos pelo nº 2 do art. 23º da LGT.
Nº Convencional:JSTA00068830
Nº do Documento:SA22014070201200
Data de Entrada:07/04/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART180 N1-N5 ART181 N2.
LGT98 ART23 N2 N3 N7.
CIRE ART85 N2 ART88 ART233 N1.
L 39/03 DE 2003/08/22.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do TAF de Penafiel, que julgou a oposição à execução fiscal nº 1830201001020110, procedente, contra si deduzida por A…….., por dívidas de IVA, da sociedade B…….., Lda, dos períodos entre Abril a Agosto de 2010, bem como coimas e encargos de processos de contra-ordenação do ano de 2010, no valor global de € 5.886,21, na sequência da reversão contra si efectuada.

Alegou, tendo concluído como se segue:
A. Salvo o devido respeito, e sem prejuízo de melhor opinião, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida fez um errado enquadramento dos factos à luz dos normativos legais vigentes quando decidiu que o ato de reversão contra o aqui oponente consubstanciou uma violação do artigo 180.º do CPPT, porquanto a execução fiscal deveria ter ficado sustada depois de declarada a insolvência da devedora originária.
B. Cumpre então apreciar quais os efeitos que a declaração de insolvência da devedora originária produz relativamente aos processos executivos contra si instaurados e se é admissível reverter as dívidas contra os responsáveis subsidiários.
C. O processo de insolvência caracteriza-se por ser um processo de execução universal onde o objetivo é a satisfação dos credores através da liquidação do património do devedor insolvente com a posterior repartição do produto obtido por aqueles.
D. Temos então que, à partida todos os bens do devedor podem ser apreendidos [caráter universal] e, tratando-se de um processo em que todos os credores, independentemente da natureza dos seus créditos, são chamados a intervir no processo [caráter concursal], perante a insuficiência da massa insolvente em satisfazer a totalidade dos créditos, estes assumem perdas de modo proporcional.
E. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIRE [1.ª parte]: “A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência (...)” [sublinhado nosso]
F. Do mesmo modo, é prescrito no nº 1 do artigo 180.º do CPPT [1.ª parte]: “Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes (...)”
G. Existe uma clara preocupação em consignar na lei formas que impeçam os credores de atingir os bens afetos à massa insolvente realçando o caráter marcadamente universal deste processo de execução.
H. Por esta ordem de razão, há que sustar as execuções fiscais instauradas em nome da devedora originária quando exista declaração de insolvência em nome desta [com as exceções previstas na parte final do n.º 1 e n.º 6 do artigo 180.º do CPPT].
I. Todavia, esta situação [sustação das execuções relativamente ao devedor originário] não obsta a que o órgão de execução fiscal averigue sobre a admissibilidade legal de chamar à execução os responsáveis subsidiários.
J. O responsável subsidiário, caso se verifiquem os pressupostos legais para o seu chamamento, irá responder com o seu património [pessoal] relativamente a dívidas da devedora originária por insuficiência patrimonial desta, o que por si só em nada afeta os bens da massa insolvente.
K. Para isso nos remete o n.º 7 do artigo 23.º da LGT quando prevê a possibilidade legal da reversão após o conhecimento oficial ou oficioso da insolvência da executada.
L. Consubstanciada a insuficiência patrimonial da devedora originária através da declaração de insolvência, o órgão de execução fiscal deverá apreciar sobre os pressupostos legais da reversão [n.º 1 do artigo 24.º da LGT].
M. Efetivada a reversão, o órgão de execução fiscal fica, no entanto, impedido de praticar atos coercivos em relação ao responsável subsidiário em respeito ao princípio da excussão prévia do património da devedora originária nos termos previstos no n.º 2 do artigo 23º da LGT.
N. Perante o exposto, verifica-se que a sustação dos processos executivos quando exista declaração de insolvência do devedor originária só aproveita para este, sendo legalmente admissível que se pratiquem atos conducentes à reversão das dívidas contra os responsáveis subsidiários.
O. Em conclusão de tudo o anteriormente exposto, com a devida vénia entende a Fazenda pública que a douta decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, anulando-se a douta sentença recorrida.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público, pronunciou-se pela improcedência do presente recurso e pela consequente manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:

1.º - Pelo serviço de finanças de Paços de Ferreira foi instaurada à sociedade B…….., Lda., NIPC: ………, por falta de pagamento das liquidações de IVA dos períodos entre 2010/04 a 2010/08, e coimas e encargos de processos de contraordenação do ano de 2010, o processo de execução fiscal nº1830201001020110 e apensos.
2.º - Com fundamento na insuficiência de bens da devedora originária face ao pagamento da dívida exequenda, em 16.04.2012, o ora oponente foi citado, na qualidade de responsável subsidiário, de que contra si havia sido revertida a quantia de € 5.886,21, no âmbito do processo de execução fiscal supra identificado.
3.º - Do processo de execução fiscal constava a notificação expedida do processo de insolvência, datada de 21.03.2012, para a Fazenda Pública reclamar os seus créditos no processo de insolvência - cf. docs. de fls. 19 e 24 dos autos.
4.º - O ora oponente foi gerente da sociedade executada desde a sua constituição, conjuntamente com a sua mulher C……… - cf. certidão comercial da sociedade executada.
5.º - A sociedade executada obrigava-se pela assinatura de um dos seus dois sócios gerentes.
6.º - A sócia gerente C…….. faleceu em 02.05.2011.
7.º - A devedora originária foi declarada insolvente por sentença de 01.03.2012, proferida no processo n.º192/12.6TBPFR, que correu termos junto do 3.ºJuízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira.
8.º - No âmbito do referido processo de insolvência foram apreendidos os bens descritos no auto a fls.71 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
9.º - O valor dos bens apreendidos ascendia a € 8.992,00.
10.º - Pelo ofício n.º1243/1830-30, de 13.03.2012, o Serviço de Finanças de Paços de Ferreira remeteu ao Ministério Público do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, certidão de dívidas para efeitos de reclamação de créditos - cf. doc. de fls.19 dos autos.
11.º - O ora oponente subscreveu a declaração de início de actividade de 09.07.2001 da sociedade executada - cf.doc. de fls.42 a 43 dos autos.
12.º - O requerimento de 13.12.2004, para enquadramento da devedora originária no regime geral de determinação do lucro tributável, foi assinado pelo ora oponente - cf. doc. de fls.20 dos autos.
13.º - O ora oponente assinou o requerimento de 19.03.2008, para pagamento em prestações de dívidas de IVA do ano de 2007 - cf. doc. de fls. 21 dos autos.
Não se provaram outros factos com relevância para apreciação da questão em análise.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
No essencial decidiu-se na sentença recorrida:
…findo o processo de insolvência, nada obsta à prossecução dos processos de execução fiscal que nele não tenham logrado pagamento integral para reversão contra os responsáveis subsidiários, nos termos do disposto no art. 180º, n.º4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do art. 233º, nº1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pela Lei n.º39/2003, de 22 de Agosto.
A sustação do processo de execução fiscal só se justifica enquanto estiver pendente o processo de insolvência, em ordem à reclamação neste processo dos créditos em cobrança nas execuções fiscais e tem como finalidade assegurar que nestes processos não sejam tomadas decisões que possam ter interferência no processo de insolvência.
Ou seja, depois de findo o processo de insolvência, ainda podem prosseguir novas execuções ou prosseguirem as instauradas anteriormente contra o insolvente e o responsável subsidiário, nos termos previstos no nº 5 do art. 180º, do CPPT, desde que, a penhora incida sobre bens entretanto adquiridos e que não foram apreendidos na insolvência.
Mas isso pressupõe que já tenha sido proferido o despacho de reversão da execução, fazendo com que a sustação da execução e a sua apensação ao processo de insolvência implique também o não prosseguimento do processo executivo contra o executado revertido.
Ora, a própria Fazenda Pública admite nomeadamente em sede de alegações escritas a fls.105 dos autos que, “De salientar também que, apesar do esforço do oponente de [tentar} provar que a executada originária tinha bens suficientes para acautelar os créditos tributários, o que se patenteia nos autos é que o seu único património encontra-se apreendido a favor da massa insolvente...”.
Ora, não há nos autos qualquer manifestação de que existam novos bens do oponente, distintos dos que foram apreendidos à ordem do processo de insolvência.
Pelo que, estamos perante violação do disposto nos n.ºs 1, 4 e 5 do art.180º, do CPPT, que gera a ilegalidade da reversão ordenada contra o oponente…”.

Dispõe aquele artigo 180º, sob a epígrafe “Efeito do processo de recuperação da empresa e de falência na execução fiscal”:
1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respectivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.
4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de 8 dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência.
5 - Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção.
Também o CIRE no artigo 88º dispunha que (na redacção aqui aplicável):
«1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes.
2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente».
Ou seja, ambas estas normas visam a protecção do executado falido e em última instância a protecção dos credores que forem ao processo de insolvência reclamar os seus créditos para poderem vir a ser pagos pelo produto da venda dos bens da massa insolvente, nas condições legalmente estabelecidas.
Visa-se, assim, impedir que os credores do falido, reclamantes ou não no processo de insolvência, tentem obter o pagamento dos seus créditos em condições desfavoráveis para os restantes credores que beneficiem de privilégios no tocante à ordem de pagamento, pelo produto da venda dos bens da massa.
E, por esta razão, o legislador determinou que, logo que declarada a insolvência (a hipótese que aqui nos interessa) os processos de execução não prossigam, devendo ser remetidos ao processo de insolvência.
No entanto, à data da prolação da sentença de insolvência e da prolação do despacho de reversão, dispunha o artigo 23º, n.º 7 da LGT que, o dever de reversão previsto no n .º 3 deste artigo (caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado, sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei) é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adopção das medidas cautelares aplicáveis.
Pode-se retirar deste preceito legal, bem como do disposto nos nºs. 2 e 3 do mesmo artigo 23º, que o legislador quis, uma vez verificada a insuficiência dos bens do executado e ainda sem que tenham sido penhorados e vendidos todos os bens que lhe restem, que a AT profira obrigatoriamente o despacho de reversão. E tal despacho deve ser proferido mesmo que o quantum da responsabilidade do devedor subsidiário não esteja completamente determinado e que os autos de execução devam aguardar, quanto a si, que ocorra a completa excussão dos bens do executado e devedor principal, verificados que estejam, naturalmente, os restantes requisitos legalmente previstos para que possa ocorrer a reversão.
Daqui se pode concluir, assim, que o despacho de reversão não é ilegal por afrontar o disposto no artigo 180º do CPPT, uma vez que encontra acolhimento no disposto no artigo 23º da LGT. A leitura conjugada de ambos os preceitos legais, permite, portanto, salvaguardar a posição do devedor subsidiário, no sentido de dever ser excutido previamente o património do devedor principal, bem como o direito de crédito da AT, ou o seu remanescente não pago pelo produto da venda dos bens do devedor principal, que será oportunamente exercido sobre o mesmo devedor subsidiário (irrelevando, assim, neste momento, saber se o devedor subsidiário detém ou não bens que possam vir a satisfazer a dívida exequenda).
Portanto, estando provado, nos presentes autos, que o despacho da reversão foi proferido na sequência do conhecimento de que havia sido declarada a insolvência da devedora originária e na sequência da remessa de certidões para efeitos de reclamação de créditos no processo de insolvência, não há dúvida que foi proferido ao abrigo do disposto naquele artigo 23º, n.º 7 da LGT, devendo agora aguardar-se pela excussão dos bens da insolvente.

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em:
- conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
-julgar improcedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público no TAF de Penafiel.
- ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para que ai sejam conhecidas as restantes questões cuja apreciação foi solicitada pelo oponente.

Sem custas.
D.N.
Lisboa, 2 de Julho de 2014. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.